NESTA HORA
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
a metade da vida
O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste.
20 de Maio de 1874
Sophia de Mello Breyner Andresen
4 comentários:
Excelente este poema de Sophia.
Tenho a certeza que, se pudesse, ela estaria agora a sorrir....
Este poema foi feito em 20 de Maio, sim, mas de 1974...
Um beijo e um cravo vermelho, sempre!
maria: claro, 20 de Maio de 1974...
um beijo de Abril.
E como da lucidez se faz poema, ou vice-versa. Belíssimo.
Pode ser mais???
Um beijo grande, de Abril
justine: a lúcida e luminosa simplicidade da Poesia de Sophia...
Um mês depois de Nesta Hora ela voltou ao tema do demagogo em Com Fúria e Raiva (que será o próximo poema aqui no Cravo de Abril)
Um beijo de Abril com lembranças do Maio que aí vem...
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