EU BUZINO. E TU?

Por razões que a razão desconhece, mas que os critérios jornalísticos dominantes explicam, Edite Estrela (EE) é a entrevistada de hoje no Diário de Notícias: quatro - páginas - quatro, cheias de perguntas e respostas, tão banais aquelas como estas, deus as ajude...
Leve, levezinha - embora nas fotos apareça bem nutrida de carnes - EE despeja a cassete de banalidades de uso corrente nos políticos da política de direita, o blá-blá-blá da praxe, velho e relho, ridículo até dizer chega - mas, note-se, cheio de modernidade...

Como lhe competia, o entrevistador trouxe à baila a «violência emocional» do «discurso de despedida de José Sócrates» na noite da derrota eleitoral
- que a entrevistada, no uso das suas consabidas competências, considerou tratar-se de «um discurso que vai ficar para a história, quer do ponto de vista do fundo, quer da forma - excepcional - e que tocou os pontos todos».
Pronto: «a história» guardará o «fundo» e a «forma» de Sócrates na gaveta que, em tempos, lhe foi alugada por Mário Soares...


Manda a tradição - e a tradição ainda é o que era - que as «eleições» sejam tema recorrente nestas entrevistas, mesmo que estejam longe no tempo, como é o caso das «eleições europeias».
EE, satisfeita e a jogar em casa, rematou de pronto e sem deixar a bola tocar no solo: «há «condições que favorecem um bom resultado» para o PS - já que este «é o partido mais europeísta de Portugal, cuja história está intimamente ligada aos pontos altos da construção europeia».
Depois, foi buscar a bola ao fundo da baliza, chutou-a para o meio do campo e, didáctica, explicou a jogada:
«Foi com Mário Soares que aderimos à Europa, com Guterres que aderimos à moeda única, e por aí fora» - este «por aí fora» inclui, obviamente, o Tratado Porreiro, Pá! , também ele de boa memória... «quer no fundo, quer na forma»...

«E não acha que, face às consequências, trágicas para Portugal, da adesão à CEE/UE, o eleitorado devia era penalizar o PS pelas suas responsabilidades no estado a que o País chegou?» - perguntou o entrevistador...

Não, não perguntou: isto sou eu a perguntar...


Mas voltemos ao que importa:
AMANHÃ É DIA DE BUZINÂO NA PONTE 25 DE ABRIL!
Eu buzino.
E tu?

POEMA

NOTÍCIA PARA COLAR NA PAREDE


Por aqui andamos a morder as palavras
dia a dia no tédio dos cafés
por aqui andaremos até quando
a fabricar tempestades particulares
a escrever poemas com as unhas à mostra
e uma faca de gelo nas espáduas
por aqui continuamos ácidos cortantes
a rugir quotidianamente até ao limite da respiração
enquanto os corações se vão enchendo de areia
lentamente
lentamente


Egito Gonçalves

UM HEROI DO NOSSO TEMPO...

Quem foi,
o que é
o que pensa da «crise» Manuel Villaverde Cabral - que hoje dá entrevista ao jornal i?

Foi
, em tempos, esquerdista, revolucionário chispado, crítico implacável do revisionismo cunhalista, combatente intrépido do capitalismo - que ele prometia destroçar sem apelo nem agravo e sem complacências de qualquer tipo...

É, hoje, apoiante entusiástico do Governo do «nosso Passos Coelho» e acha «o ministro das Finanças admirável. Exactamente o que nós precisamos» - acha, mesmo, que o Governo PSD/CDS é o único capaz de fazer Portugal sair da «crise enorme em que estamos»...

Pensa da «crise» que «o PS é 100 por cento responsável» por ela.
E explica porquê: porque «o PS, tendo tido a missão histórica ingrata de desfazer a revolução do 25 de Abril - e ter desfeito bastante - não conseguiu desfazer tudo»...


Tendo sido o que foi, sendo o que é e pensando o que pensa, este Cabral é bem um herói do nosso tempo... e ainda acaba ministro do «nosso Passos Coelho».

POEMA

OS VEGETANTES


Continuam aqui
roendo as unhas!

Substituem as unhas por poemas
(ou cafés, futebol, anedotário)
e estilhaçam espelhos que na luz
ao seu devolvem a cruel imagem.

Vidrado limo o rosto
de rugas sem memória
assistem à vida como um filme:
disparar sobre a tela é proibido
e além do mais inútil.

Curvam ao solo os ombros
escorjados; curvam-nos para
duradoiras urtigas, seixos
sem horizonte, epitáfios
de lama, dezembros, poeira fria.

Se chovem as esperanças não acorrem
a apanhá-las na boca ao ar aberto.
Tijolo articulado a língua balbucia
«É a vida!», Sementes violadas
não germinam.

Em vão os bombardeiam os oráculos
com agulhas de sangue. Nada tentam
para dar vida à fala que utilizam,
ao país do cansaço que entre dentes
ressacam.

E fazem do amor essa triste humidade,
um delíquio formal logo amortalhado.

São dóceis, cibernéticos,
dia a dia premiados
de alguns gramas a mais
no chumbo do pescoço.


Egito Gonçalves

BUZINAR, É PRECISO!

Como o governo não se farta de repetir, os sacrifícios são para todos - tanto para os 25 mais ricos como para os 25 mais pobres...
O governamental raciocínio é simples, claro e irrefutável: se tudo aumenta, aumenta para todos: assim, para os 25 mais ricos, aumenta a riqueza e para os 25 mais pobres, aumenta a pobreza...

A governamental decisão de manter o pagamento de portagens na Ponte 25 de Abril durante o mês de Agosto, é um exemplo flagrante da distribuição equitativa dos sacrifícios: paga o pobre e paga o rico:
assim, se o Amorim passar na Ponte no seu bruto carrão, paga portagem - que é para saber o que são sacrifícios...;
se for eu a passar, no meu bruto carrinho, pago portagem - que é para saber que «a crise toca a todos!»...

E é nesta governamental noção de justiça que reside o segredo da longevidade da política de direita - a qual, ao longo de mais de 35 anos, praticada pelos partidos da troika indígena, vem aumentando, harmoniosa e democraticamente, a riqueza e a pobreza...


Quem não vai nesta cantiga - e ainda bem - é a Comissão de Utentes de Transportes da Margem Sul, que ontem veio apelar à luta contra as portagens na Ponte 25 de Abril - não apenas as portagens de Agosto mas as portagens durante todo o ano.
E para lutar contra portagens não há como o BUZINÃO...

Por isso, na próxima segunda-feira, durante todo o dia - e de forma mais forte e concentrada às 18 horas - buzinar, é preciso!

POEMA

A PROPÓSITO DO NATAL


Após o bem conhecido episódio da Estrela do Oriente
o colérico Herodes gritou aos seus sicários:
«Matem as crianças;
matem todas as criancinhas!»
Redigiu uma proclamação bilingue: judeu e latim,
e como gostava muito de provérbios, declamou:
«Mais vale prevenir do que remediar!»

Os sicários dispersaram em todas as direcções;
contrataram auxiliares
e sem perda de tempo iniciaram a matança
de que falam os livros da especialidade.

Várias espadas partiram com o uso excessivo;
durante algum tempo os cofres dos armeiros
receberam o sorriso das fortunas.

Apesar disso
nada serviu a Herodes o saber de ofício:
como bem se recordam a Criança escapou.
..........................................................................

Hoje Herodes empregaria armas modernas:
radar, cães-robots, espiões magnéticos,
aviões de pesquisa meteorológica...
E por certo a Criança uma vez mais
cresceria saudável e robusta.

Herodes voltaria a não compreender nada.
Mas estaria seguro de si aos microfones
e os directores de cemitérios enviariam
belas mensagens e flores de parabéns.


Egito Gonçalves

QUAL É A NOTÍCIA DO DIA?

Eis a notícia do dia na generalidade dos jornais do grande capital:
«As fortunas dos 25 mais ricos aumentaram 17, 8%»

No desenvolvimento da notícia, ficamos ainda a saber que
«As 25 maiores riquezas valem 17, 4 mil milhões de euros e representam 10, 1 % do PIB».

Os jornais não dizem, mas podiam e deviam dizer, que para estes 25, quanto mais «crise», melhor...
Mas deixemos isso, por agora, e fixemo-nos naquele que é o detentor da maior das 25 maiores fortunas: Américo Amorim: «2, 6 mil milhões de euros».

E, a propósito, ouçamos esta história exemplar que o Avante! de hoje nos conta:

Em Maio de 1974, a corticeira Mundet encontrava-se em falência técnica.
Graças à acção dos trabalhadores, com imenso trabalho, fruto de uma vastíssima carteira de encomendas, grande parte dela sustentada pelos países socialistas de então, e que permitiu retirar a empresa do atoleiro em que a administração corrupta, fascista e incompetente a tinha colocado, a Mundet foi salva.
Posteriormente, Mário Soares, então primeiro-ministro, recusou fazer da Mundet uma empresa pública e, seguindo pelos trilhos da sua democracia, optou pela democrática decisão de a entregar aos antigos patrões.
Assim começou o definhamento da empresa que, em 1985, deixou de pagar atempadamente aos trabalhadores e foi à falência.
Por iniciativa dos trabalhadores e das suas estruturas representativas, foi aprovado em assembleia-geral de credores um plano de viabilização da empresa, plano que os governos PS/PSD/CDS não respeitaram:
preferiram - sempre trilhando o caminho da democracia... - optar pela criação de monopólio no sector corticeiro e entregá-lo à família Amorim» - a tal que, como vimos lá em cima, é hoje a 25ª mais rica do País...

Quanto à Mundet, encerrou e 1988, ficando por pagar salários de trabalhadores, bem como as respectivas indemnizações.
Os trabalhadores recorreram para os tribunais.
A resposta destes tardou, tardou, tardou... e finalmente chegou: neste ano de 2011, 23 anos passados...

POR DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, OS TRABALHADORES COMEÇARAM A RECEBER AS INDEMNIZAÇÕES.

Dir-se-á que mais vale tarde que nunca... mas quem isso disser está profundamente enganado: também a decisão do Tribunal segue à risca os trilhos de democracia nos quais se movimentam a política de direita e a sua justiça:
O VALOR DAS INDEMNIZAÇÕES DOS TRABALHADORES VARIA ENTRE 26 CÊNTIMOS E 30 EUROS.

Agora, digam lá: entre a notícia dos 25 mais ricos e a notícia das indemnizações de 26 cêntimos a 30 euros, qual é a notícia do dia?

POEMA

APONTAMENTOS PARA UMA CANÇÃO, MAIS TARDE


Um dia escreverei uma canção,
uma simples canção,
para os que aprendem geografia nos comunicados de guerra,
nas notícias dos jornais,
nos telegramas do estrangeiro...
para os jovens que aprendem nomes complicados
de pronúncia estranha
com o coração
com a esperança
com o desalento...
para os que, como eu,
e outros mais novos
sabem com os nervos onde fica Adis-Abeba e Guadalajara,
Guadalcanal, o golfo de Akaba, Birkenau e Dien-Bien-Puh...
para os que sabem tudo da mistificação de Munique
da destruição de Oradour
da configuração de Seul
da conspiração de Caracas
da reconstrução de Coventry
da punição de Nuremberga...

Um dia escreverei uma canção,
uma simples canção,
terrível como um campo de trigo incendiado,
ardente como os povos que resistem,
para os que sabem
o essencial de Granada - o nome de Federico,
de Istambul - o nome de Nazim Hikmet,
de Buchenwald, Drancy, Auschwitz, os nomes de Desnos
Max Jacob
Fondane
etc., etc.
centenas de etceteras
cada um correspondendo a um nome válido,
a um pássaro morto.

Uma canção sanguinária como a religião dos Tughs,
insólita como a erecção dos enforcados,
para os que ligam o nome dos generais ao número de cadáveres,
sabem os locais onde operam os construtores de ruínas,
sofrem cólicas diante dos placards
e regressam a casa, solitários,
para comer a sopa de mais uma derrota
em que não intervieram.

Uma canção selvagem como os caçadores de escalpes,
destruidora como um terramoto japonês,
para os que sabem de cada crime o ponto certo no mapa
e aprendem, cada manhã, novos nomes invulgares
que lhes rebentam os ouvidos
como se deflagrassem bombas dentro da «paz» que habitam.
(Nomes que os turistas não encontram nos roteiros de viagens
que as Agências lhes fornecem com o prazer enlatado.)

Um dia escreverei uma canção,
uma simples canção,
firme como as flechas da Morte,
para os jovens eruditos da Geografia
que sabem tudo sobre Hiroshima
e respiram - até quando? - ao ritmo de Oak Ridge.


Egito Gonçalves

OUTRA VEZ O EGIPTO

À célebre Praça Tahir voltaram milhares de pessoas que ali permanecem, acampadas, desde 8 de Julho - com grandes acções de massas realizadas todas as sextas-feiras.

Exigem, hoje, quase tudo o que exigiam há sete meses e acusam o Conselho Superior das Forças Armadas - que assumiu, de facto, o poder após o derrubamento de Mubarak e é liderado por um ex-ministro da Defesa de Mubarak... - de faltar ao cumprimento das promessas feitas, designadamente no que respeita à concretização das prometidas (e tão elogiadas por Obama e pela senhora Clinton) «reformas democráticas» e ao julgamento dos ex-governantes.

Na verdade, «reformas democráticas» nem vê-las.
E o governo, se não é o mesmo do tempo de Mubarak, é... da mesma família.
E a política governamental, se não é a mesma do tempo de Mubarak... anda lá perto.
Quanto a julgamentos de ex-governantes, os tribunais militares não têm tempo para isso - ou têm e, nesse caso, as sentenças são... a absolvição...
Já em relação aos julgamentos de participantes na revolta do início do ano, esses mesmos tribunais têm tempo para tudo o que for necessários e estão particularmente activos - e têm mão pesada nas condenações a penas de prisão...

Ou seja: quem decide, quem manda, quem dá ordens, são os 18 militares do Conselho Superior das Forças Armadas - e decidem, mandam e ordenam de acordo com os seus interesses pessoais , que são também os interesses dos seus amigos e familiares.

Como é sabido, parte significativa da economia do Egipto (mais de 30%) está na mãos das Forças Armadas, sob várias modalidades de controlo.
Por exemplo: o Exército possui fábricas de carros, de electrodomésticos e de outros produtos e é proprietário de resorts turísticos, lares, asilos, etc.
Outro tipo de controlo é a posse de empresas, a título individual, por parte de generais e ex-generais, que as obtiveram a preços simbólicos.
Para além disso, estas empresas não pagam impostos nem apresentam contas a ninguém - e, pragmaticamente, utilizam como mão-de-obra jovens que cumprem o serviço militar obrigatório...

Tudo nos conformes, como se vê, tudo a caminhar nos eixos democráticos... por isso, tudo tão apreciado e aplaudido pelos EUA e pelos seus lacaios europeus, que não se cansam de tecer louvores às «mudanças democráticas operadas no Egipto»...

Mudanças que um jovem estudante universitário egípcio, de seu nome Jaled Mohammad, resume assim:
«Mudámos um Mubarak por 18 mubarak's».

POEMA

CAMPO DE BATALHA


O poeta caminha, sem destino, desesperado,
vagando o olhar sobre as pilhas de cadáveres
- homens que partiram das suas terras para virem
apodrecer aqui, adubo amontoado.

O poeta escreve sobre os mortos! Recorda
as infâncias tão próximas, as lágrimas na estação,
os beijos da família, o abraço dos amigos,
o comboio enfeitado de flores e de bandeiras.

Estendidos na planície revolvida
nem moscas nem traições os incomodam.
Uma bomba transformou-os em quietude,
as mãos vazias, os amores parados...

Livres da angústia pela morte,
não sofrerão doenças ou velhice.
Haverá missas pela sua alma
e trigo semeado, em breve, neste solo.

Cada um deles esta rígido e perfeito
com direito a um crepe no retrato.
Imperfeita, no conjunto, só a bomba,
mas trabalha-se nela com afinco.


Egito Gonçalves

SABUJICES...

No reinado de Sócrates, Vital Moreira celebrizou-se pela fidelidade canina com que imitava a voz do dono.
Como estamos lembrados, a coisa atingiu a sabujice suprema no decorrer da campanha eleitoral em que estava em causa esse osso dourado que é o Parlamento Europeu: nos comícios, Vital repetia, à noite, o que Sócrates dissera à tarde, ipsis verbis no conteúdo e na forma - e sempre com aquele ar de quem está a dizer coisas saídas da sua cabeça...
E lá abocanhou o almejado osso...

Num texto hoje saído no Público, Vital volta à carga.
E dá provas, uma vez mais, daquele faro apurado que o faz encaminhar-se sempre, salivando, na direcção do osso apetecido: é preciso garantir o futuro no «pote» do PE e para assegurar isso é vital, vitalíssimo, seguir a voz do novo dono...
O seguro morreu de velho, não é verdade?...


Desta vez, a repetição canina assume a inovadora forma do conselho.
E o Vital-conselheiro, sempre a fazer-se ao bife, aconselha Seguro a fazer... precisamente o que Seguro já disse que ia fazer...

Assim:
Que o PS faça uma «oposição responsável» - aconselha Vital, repetindo, pelas mesmíssimas palavras, as palavras de Seguro...;

Que direitos dos trabalhadores, protecção social e etc. não são para aqui chamados, porque o tempo é de «austeridade» e sem «políticas de austeridade» não vamos a lado nenhum - aconselha Vital, sempre seguindo à letra as palavras de Seguro.

Que há que ter sempre presente que «o PS está vinculado ao programa da troika» - aconselha o conselheiro, repetindo, palavra a palavra, o juramento que Seguro tem repetido exaustivamente em todos os tons de voz e com todos os gestos bem arranjadinhos...

É muito provável que, com tão originais e sábios conselhos, Vital vá longe...
Mas tenho para mim como coisa certa que este Vital-conselheiro de Seguro é ainda mais sabujo do que o Vital-só-sabujo do reinado de Sócrates.

POEMA

A UM ESPANTALHO


Estás aqui a quê, espanta-pássaros? Ridícula
a tua pretensão, tu, tão frágil, grotesco,
armado de olhos mortos e cabeça empalhada.
Que podes tu fazer às pobres aves,
tão inútil que és - jornais e velhas roupas -
espeto solitário no meio da seara?
Mas é verdade, sim! Espantas, é bem certo!
Oh, vinde ver, incréus! Maravilha! As aves
afastam-se, voam longe, miram-no de lado,
buscam outras paragens. O trigo está guardado,
intocável... Que impotência (dos pássaros)
justifica tal coisa, que jeito em seu aspecto,
que truque alimenta esse receio? Que possui
para dar de fiador a um tal respeito? Paro
na margem deste campo; olho-te, espantalho. Nada
sei de ti e nada posso ler em teu perfil.
Surpreso assisto a desafiares a vida, hirto
papão, de olhos cegos ao mundo. (Serão olhos
os botões cosidos ao pano do teu rosto?)
Verifico daqui que o vivo te repele;
que as aves temem a tua maligna sombra
e somente longe engordam, nidificam,
procriam. Produzes apenas o silêncio
que eu em vão interrogo. Que mortalha sugeres?
Que horror te colaram ao dar-te forma humana?


Egito Gonçalves

NAS HONDURAS O CRIME CONTINUA

Mais um jornalista foi assassinado nas Honduras, vítima da democracia made in USA ali reinante.
Chamava-se Nery Orellana e tinha 26 anos.
Trabalhava numa rádio comunitária - Jaconguera - onde denunciava corajosamente os crimes cometidos às ordens do bando de fascistas que, com o apoio do Governo de Obama, detém o poder nas Honduras.

O jovem jornalista foi assassinado a tiro no dia 13 de Julho, por «desconhecidos» - certamente os mesmos «desconhecidos» que já haviam assassinado 12 jornalistas hondurenhos...
A equipa encarregada pelas «autoridades» de investigar o assassinato, diz tratar-se de «um assalto» - como disse em relação aos outros 12 jornalistas assassinados por «desconhecidos»...
Os média dominantes - seguindo os «critérios informativos» adoptados nos casos dos anteriores 12 jornalistas vítimas de «assalto» cometido por «desconhecidos»... - silenciaram o assassinato do jovem Nery Ollerana: mais uma vez, nem uma palavra!

Relendo o que acima está escrito, assalta-me a sensação de que me estou a repetir, de que este post é igual a vários outros aqui publicados: o mesmo cenário, os mesmos criminosos, os mesmos métodos, os mesmos silenciamentos...
Há no entanto uma diferença essencial entre cada um dos vários posts: os nomes das vítimas.
O que quer dizer que, nas Honduras, o crime continua.
E enquanto isso acontecer, o Cravo de Abril continuará a denunciar os criminosos e a manifestar a sua total solidariedade com as vítimas.

POEMA

CREIO TERMOS SIDO FEITOS PARA AMAR


Creio termos sido feitos para amar
tranquilos. Creio sermos velhos
e termos já sofrido o necessário
para comer em paz e ver o sol
cada manhã subir um novo dia
sem angústia alicerçada no nascente.
Creio termos gritado já bastante
em todos estes séculos - estes duros
anos que passaram - Navegámos
em círculo, morremos, renascemos...
Fugazes as tangentes que traçámos
e falharam a alegria.Tanto tempo
e nova morte espreita. A mão
habitual nos comprime as artérias,
Sempre os beijos longos nos escapam.
Não é então para nós? Não é ainda
o tempo de sorrir?


Egito Gonçalves

COMO ESTAVA PREVISTO

Tudo aconteceu como estava previsto.
Na primeira fase, os dois candidatos apresentaram-se, fizeram as declarações da praxe, alfinetaram-se, elogiaram-se, debateram-se, anunciaram programa(s) e promessas, divulgaram apoios, representaram... - ocupando tempo e espaço à labúrdia nos média dominantes...

Depois de contados os votos, cada um fez e disse o que estava previsto.
O vencido cumpriu o dever de «assumir a derrota com fair play» e de proclamar a frase prevista para a ocasião: «Quem tem medo de perder não merece ganhar».
(frase algo enigmática, não acham?...)
E, sempre cumprindo as incontornáveis regras do jogo democrático, telefonou ao vencedor a felicitá-lo.
Repare-se: TELEFONOU!, isto é: não obstante vencedor e vencido estarem ambos na Sede do Largo do Rato, em salas situadas a meia dúzia de metros uma da outra, o vencido fez questão de «cumprir a regra do protocolo eleitoral»: TELEFONOU!
(é no cumprimento destas pequenas regras do jogo democrático que se vê a essência da democracia deles, não acham?..)
Cumpridas as tarefas de vencido, e como estava previsto, o vencido saiu de cena - com um sorriso de derrota no rosto de marfim...

Também como estava previsto, o vencedor cumpriu o dever de assumir a vitória e de proclamar as frases previstas para a ocasião: «este é um dia de esperança renovada para os socialistas», começou - para, logo a seguir, passar a elogiar «a coragem e a dedicação» de todos os seus antecessores (citando-os pelos nomes, todos, de Soares a Sócrates...), culminando com a habitual proclamação: «Serei líder de todos e de todas as socialistas» e com a habitual promessa de fazer «uma oposição firme, responsável, construtiva e leal» ao Governo Passos/Portas.
(quer ele dizer com isto que vai fazer exactamente o mesmo que, em circunstâncias idênticas, fizeram todos os seus antecessores, não acham?...)
Depois, como estava previsto, atendeu o telefonema do vencido - e no seu rosto de plástico brilhou um sorriso de vitória.

Como está previsto, o vencido de hoje será o vencedor de amanhã - e assim sucessivamente...
Não acham?

POEMA

INVENTÁRIO


O cidadão pacífico toma café e rói as unhas
enquanto os dias passam - o Sol, os cometas,
as searas, os Deuses, os fabricantes de calendários...

Depois dos cafés o cidadão possui ainda oito cinemas
e os namorados podem concorrer aos jardins miniatura
onde além da clássica relva e das 24 árvores
há ainda dois urinóis e três velhos próximos da noite.

Dos quinze em diante oferece-se uma mulher em decúbito dorsal
que alguns não aproveitam.

Depois morre-se e colocam-nos em cima
algumas plantas consideradas tristes.


Egito Gonçalves

DO OUTRO LADO DA ESQUERDA, SEMPRE

O requerimento apresentado pelo PCP - contestando a decisão tomada pela Presidente da Assembleia da República de permitir que as alterações ao Código Trabalho fossem, primeiro, aprovadas na AR e só depois submetidas à discussão pública - foi rejeitado pela troika dos pais fundadores da política de direita: PSD, PS e CDS/PP.
Não surpreende que assim tenha sido: surpresa seria se esses três partidos - representantes que são dos interesses do grande capital explorador - votassem de acordo com os interesses dos explorados...
Regista-se a ocorrência apenas para... ficar registada...

Também não constitui surpresa o facto de cinco deputados do PS terem votado a favor do requerimento apresentado pelo PCP.
Isto porque, em tais circunstâncias, mostra a experiência que há sempre uns quantos deputados de PS que ficam de serviço à imagem de «esquerda» daquele partido - uma imagem que é tanto mais perniciosa para a esquerda quanto mais falsa é, porque permite ao PS fazer, ou apoiar, a política de direita em nome da «esquerda» (e do «socialismo») e, assim, denegrir a esquerda (e o socialismo).

E, a meu ver, não há cura de Esquerda possível para o mal de direita de que padece o PS: ele estará sempre, sempre, sempre do outro lado da esquerda: do lado da contra-revolução de Abril, do lado da política de direita, do lado da troika ocupante - do lado oposto aos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

É assim desde Mário Soares, o pai fundador do embuste.
E assim será, no futuro imediato: num questionário apresentado a Francisco Assis e a António José Seguro, entre as várias perguntas que lhes foram feitas constava a de saber qual o político que cada um deles mais admira.
Ambos responderam: Mário Soares...
E essa foi, muito provavelmente, a mais sincera de todas as respostas que deram...

POEMA

MINUTO DE SILÊNCIO EM BUCHENWALD


Este minuto não é da minha morte!

Respiro normalmente
mas vejo num relance anos desfeitos
na ferrugem de ciclos,
na corrosão da juventude; anos
passados em furor, no estremecer da teia;
longo itinerário de textos cifrados onde
as atropelam imagens
que transportam um tempo calcinado
em amargura. Dois camaradas avançam,
colocam
no solo
a homenagem dos poetas. Distingo
o ruído de botas
no ar cinzento que conduz à morte,
o zumbido em atalho de angústia
que partilhei, imaginando. Concentro-me
pois sei que um sorriso então me salvará
da obsessão. Não se tolera
esta descida; mantém-se
em só lamento, invocação
de palavras no rastro das algemas
que se sabem abertas. A memória da dor
não é a dor; assim a reconheço
no decepar do grito mais claro
que a esperança criou há trinta anos
ao renascer as ruas num rio de alegria.
Em torno da torre,
ondas de névoa rasgadas de fantasmas
simulam o mármore do isolamento. Penso
em Abril - um ano; e pude
estar aqui! - um ano; e pude
estar aqui! Ter vivido! Chegado
ao solene minuto
numa linha de bétulas,
para verter a emoção que deixo
- neste instante de silêncio -
livremente rolar no chão sagrado
se Buchenwald.

(1975)


Egito Gonçalves

SEM OLHAR A IDADES...

Eis a ideia:

REFORMA AOS 70 ANOS -
e só depois de 52 anos de trabalho e de descontos.

A ideia nasceu nos EUA, como em regra acontece com todas as ideias da mesma família...
E, como é hábito quando se trata de ideias destas, a dita atravessou o oceano e chegou à Europa... onde foi recebida de braços abertos e... cá está!

O Comissário Europeu para o Emprego, Lázló Andor, delirante, de imediato lançou mãos à obra de fazer aprovar e implementar, com carácter de urgência, a genial ideia - e explica que «a actual situação é insustentável e é necessário olhar com atenção para o equilíbrio entre o tempo passado a trabalhar e na reforma».
Por seu lado, Ângela Merkel «deseja que a medida entre em vigor rapidamente em toda a Europa» - e nem sentiu necessidade de explicar porquê...
Assim, tudo indica que a ideia será aprovada até 15 de Novembro deste ano.

Por cá, a família da política de direita é unânime no apoio à ideia: por ser uma boa ideia, é claro, mas também porque vem «da Europa» e, essencialmente talvez, porque tem o selo de garantia humanista dos EUA - que são, não o esqueçamos, os progenitores dos direitos humanos...

O ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, diz que sim - e explica, recorrendo a uma da várias cassetes governamentais, que «os interesses dos portugueses estão, sempre, em primeiro lugar»...;
e a ex-ministra da Saúde, Ana Jorge, diz que aumentar a idade da reforma «pode ser uma inevitabilidade» - porque, explica, se a esperança média de vida dos portugueses é, actualmente, de 78,7 anos, então os trabalhadores, reformando-se aos 70 ainda têm 8,7 anos para descansar...

Como se vê, estes nossos governantes - quer os que dão ordens à distância quer os que as cumprem aqui em casa - só pensam em nós...
E é bom que saibam que, quando chegar o dia de sermos nós a pensar neles, pagar-lhes-emos como merecem: reformando-os.
Todos.
E sem olhar a idades...

POEMA

INVENTÁRIO


Há os que gravam no vento e sonham
para se iludir apenas. Sonham
que finalmente tudo corre bem,
que uma manhã arrancam os pregos
que os pregam ao muro, que por fim
podem mover as pernas livremente...

Tísicos do sonho tossem imaginação.
Parece que isso os ajuda a passar
a noite, a imaginar o pão barato,
os dentes menos cariados, o almoço
mais rico em calorias.

Há os que não sabem sonhar. Esses
bebem às vezes arsénico, penhoram
o último alento, deixam-se frigir
panados de escórias e amargura.

O ópio grava no vento. Valem
apenas os sonhos que na pedra gravam.


Egito Gonçalves

CORRER COM ELES...

Como se previa, Assunção Esteves decidiu a favor do Governo PS/PSD no caso do Código do Trabalho.
Na opinião da senhora, o debate público em torno das alterações ao código pode ser feito depois de as alterações terem sido aprovadas no Parlamento.
«À luz da Constituição», sim é possível - diz a ex-juíza do Tribunal Constitucional e actual Presidente da Assembleia da República.

Diz a lei que legislação laboral não pode ser discutida na AR antes de decorrido o obrigatório processo de discussão pública - o que é lógico, na medida em que não faria qualquer sentido fazer um debate público sobre uma lei depois de esta ter sido aprovada...
Todavia não é esse o entendimento de Assunção Esteves - que é, recorde-se, a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da AR.
Para ela é possível e faz todo o sentido aprovar, primeiro, as alterações e submetê-las,
depois
, à discussão pública - talvez porque, para ela, a discussão pública é só para democracia ver; ou talvez porque, neste caso, se trata não de legislação laboral mas de legislação anti-laboral...

Quer isto dizer que a maioria de direita (PSD, PS E CDS) que domina a Assembleia da República vai, uma vez mais - abusando do poder de que dispõe e ao arrepio da Lei Fundamental do País - roubar direitos constitucionais aos trabalhadores e às suas estruturas representativas- deixando as mãos livres ao grande capital para explorar à vontade.
Obviamente, o roubo será aprovado e aplaudido pelo Presidente da República - o tal que há muito deitou fora a honra em nome da qual jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição...

Aliás, roubar é o que todos eles têm feito nos últimos 35 anos: roubar direitos, roubar emprego, roubar salários, roubar pensões e reformas, roubar subsídios de Natal, roubar direitos, liberdades e garantias, roubar tudo o que os trabalhadores e o povo conquistaram com a Revolução de Abril - e depositar o roubo no cofre insaciável dos interesses do grande capital opressor e explorador.

«Roubar é o meu ofício»:
eis o lema da quadrilha de governos de política de direita e dos respectivos presidentes da República.

Correr com eles é a nossa tarefa.


POEMA

DE QUE FALO!


Falo das ruas e do amor,
do teu ventre sobre os lençóis,
falo da cidade que amo
onde a conjura amadurece.

Falo dos papéis que se rasgam
na hora do primeiro alarme,
da mão aberta para a esmola
onde germinará a vingança.

Falo do sangue de desejo
que abre em mim quando sorris,
e do carvão e da lareira
onde o combate aquece as mãos.

Falo dos motores que já vibram
na expedição contra o anátema
e dos dentes com que mordisco
os intervalos do teu riso.


Egito Gonçalves

DE CALÇAS NA MÃO...

Relembrando: a Moody's - essa ingrata sem ética nem moral - atirou Portugal para o lixo:
o Governo Passos/Portas ficou surpreendido e achou mal;
Cavaco Silva
achou péssimo e, igual a si próprio, fez o que uns dias antes considerava ser irresponsável e antipatriótico;
os comentadores e analistas de serviço em geral - que ficaram ofendidíssimos e, à beira de um ataque de nervos - pensaram desafiar a Moody's para um duelo de saliva;
a generalidade dos habituais autores das «cartas dos leitores» entornou-se em torrentes de patrioteirismo indignado;
e houve os que clamaram por uma expedição punitiva, a materializar com a criação de uma coisa daquelas mas em europeu: a Moody's trata-nos assim?, pois agora vamos fazer uma agência de notação só para nós que é para ela e as suas congéneres made in USA aprenderem...
Como era de prever, esta ideia ganhou desde logo apoios diversos, oriundos de quase todas as famílias políticas nacionais - Francisco Louçã, o próprio, apressou-se (muito se apressa este rapaz...) a subscrevê-la - e, tanto quanto sei, sem ceder à tentação de, desta vez, chamar a si a paternidade da ideia...
E se a ideia for levada por diante, mais dia menos dia temos aí uma... Moody's made in Europa...

É certo que nos últimos dias as coisas acalmaram um pouco.
Todavia, há gente que nunca se acalma, que vive em constante, frenética, agitação...
É o caso do agitado Mário Crespo que, comentando em jeito de balanço o caso Moody's, diz a dada altura:
«Assusta que se chegue ao século XXI e, instintivamente, mesmo em quadrantes ideológicos insuspeitos, se continue a vociferar contra o grande capital como se se estivesse num comício do PREC».

Realmente, esta vociferação contra o grande capital assusta qualquer Crespo...
E os comícios do PREC, apesar de distantes no tempo, ainda põem os crespos todos a correr de calças na mão...

POEMA

O AMOR, A POESIA...


O tempo rola; os vossos rostos crescem
no sulco das lágrimas; vossos longos cabelos
cobrem, na noites difíceis, o nosso frio.

Sopram os ventos na planície, fecundando
hectare a hectare um solo adubado
pelas nossas esperanças.

As pupilas da liberdade boiam em grandes olhos
desmedidos
abertos ao futuro.

Entre a noite e a tempestade
um barco de milagres busca um porto seguro:
um rosto de abrigo.


Egito Gonçalves

FELIZMENTE PARA OS EUA

A intrépida Ana Gomes prossegue a sua cruzada de dilatação da fé capitalista na Líbia.
A ex-revolucinária não se cansa de glorificar os bombardeamentos e o bloqueio à entrada de víveres e medicamentos, com os quais a benemérita NATO assegura, há quatro meses, a ferro e fogo, a «PROTECÇÃO DE CIVIS», ao mesmo tempo que procura assegurar a «LIBERTAÇÃO» da Líbia.

Daí o desabafo da euro-deputada do PS face à fraca participação da União Europeia no processo protector e libertador.
Isso, Ana Gomes não tolera!
Diz ela, com o seu instinto protector e libertador ao rubro, que se a UE agisse como devia, «o problema líbio já estaria resolvido e Kadhafi já não estaria em Tripoli a sujeitar a população a tanto sofrimento».

Registe-se a preocupação humanitária de Ana Gomes: coitada da Senhora, o que ela sofre só de pensar no sofrimento da população!

O que lhe vale, ainda assim, é que, felizmente para ela e para a sua cruzada, os bombardeamentos vão prosseguir; as bombas, às toneladas, vão continuar a proteger civis.
E, porque de bombas libertadoras se trata, a LIBERTAÇÃO da Líbia é mais do que certa.

Felizmente para a Ana Gomes, coitada.

E felizmente para os EUA.


POEMA

VARIAÇÕES DA POLÍTICA


Foi preso pela Bauxite
interrogado pelo Aço
condenado pelo Petróleo
fuzilado pelo Urânio.

No dia seguinte caíu o governo!

A Bauxite, o Aço, o Petróleo, o Urânio
fuzilaram os fuziladores
e passaram a tomar comboios na direcção oposta.


Egito Gonçalves

TODOS P'RÓ GOVERNO, JÁ!

Reuniu onten o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, de que é presidente o Cardeal José Policarpo.


No final da reunião, os bispos fizeram saber que «compreendem a necessidade do corte de parte do subsídio de Natal a quase metade das famílias portuguesas».
Portanto, eles compreendem...

É certo que, consideram os bispos, «os cortes anunciados provocarão, necessariamente, um aumento do número de pobres» - mas, continuam a considerar os bispos, «as medidas suplementares do Governo podem atenuar os efeitos dos cortes nas classes mais desfavorecidas».
Portanto, eles consideram...


Também D. Policarpo compreende - diz ele que «a situação que vivemos implica sacrifícios» - e também D. Policarpo considera...
Considera o quê?: que «o imposto extraordinário tem uma vantagem»!
E qual é essa «vantagem»?: D. Policarpo, sempre a considerar, considera que os cortes no subsídio de Natal são «uma medida equitativa e socialmente justa»!!!
Portanto, D. Policarpo compreende e considera...

E com tanta compreensão e com tais considerações, estes bispos deviam era ir todos pró... Governo, já!

POEMA

TAMBÉM AQUI VIETNAM


Cada manhã
recebemos no telégrafo o pão que nos impõem,
o que em agonia mastigamos vigiando
a dolorosa digestão: passará
nas tripas?

Leveda negro este pão da morte
a que não escaparemosNegrito
sem destruir esse forno de sombras
onde coze
a incurável ferida que rasgará as entranhas da terra.

Que outra coisa comer se é este o pão
que nos fere a gargaNegritonta a cada fome
onde quer que estejamos?

O tempo morde-nos os ossos. A tenaz
aperta-nos a voz sob os detritos.
Que casulo protege da farinha
assassina? Saiamos para a luz, Façamos
de toda a pedra bala
antes que o relâmpago irrompa e a música
seja o leve tombar da poeira radioactiva.


Egito Gonçalves

E VIVA PORTUGAL!

O analista Viriato Soromenho-Marques decretou, ontem, no Diário de Notícias:

«Na Europa de hoje, ou somos federalistas ou somos suicidas».


É óbvio que o analista se considera em primeiro lugar, e essencialmente, europeu, e só depois (por acaso, quiçá por desdita...) português.
E assim sendo, aos que, como eu, se consideram primeiro portugueses e, depois (porque Portugal fica na Europa e apenas por isso) europeus, não nos dá a mínima hipótese de sermos o que queremos ser: portugueses...
Ou «Europa» ou... suicídio: eis a sentença.


Pegando na palavra do analista e dando-lhe a necessária volta ao texto, digo eu:
Na Europa de hoje, ou somos federalistas e, portanto, suicidas, ou somos pura e simplesmente portugueses.

E VIVA PORTUGAL!

POEMA

VIETNAM








Haverá, meu amor, ainda pássaros no céu
entre aviões e aviões,
crianças com o sorriso ao ombro
entre bombas e bombas?

Tão longe,
podes imaginar, amor, desta ponta
da Europa
aquela morgue
onde morremos indefesos,
aquela invasão de bactérias, uma
putrefacção armada,
tentando impor a lei,
a destruição à sua imagem?

Cai a tarde. O vento
anula o peso dos teus pés na areia
mas na tua cabeça
mantém-se a raiva, a pedra
em que ameaças transformar-te
de impotência.
O ódio que marca a tua cinta
é o único remédio. Alimenta-o
em cada colher de sopa se não queres
ser apenas o gato, a rã, o mineral
cibernético
que querem modelar no espaço do teu corpo.


Poderás, sem isso,
imaginar a paz de que precisam
os filhos que te esperam?




Egito Gonçalves

O CRIME PERFEITO

Perseguições, agressões, ameaças de morte (aos próprios e aos familiares), sequestros, prisões, assassinatos: eis as Honduras após o golpe militar que, comandado por Obama e executado por fascistas locais, derrubou o governo legítimo e instaurou uma ditadura.
Silêncio absoluto sobre a repressão nas Honduras: eis o critério informativo adoptado pelos média dominantes portugueses.

Entre os milhares de cidadãos hondurenhos alvos e vítimas desta democraCIA à solta, estão os jornalistas - em regra assassinados por... «desconhecidos»...
Aliás, o «desconhecido» é, nas Honduras, um interveniente activo e um precioso colaborador da ditadura fascista: incógnito, mata os patriotas que o ditador quer que sejam mortos...

Podia pensar-se que, vá lá... por uma questão de solidariedade de classe, os média portugueses divulgariam e denunciariam a repressão contra aqueles que, nos jornais, rádios e televisões das Honduras, arriscam - e, em muitos casos, perdem - as suas vidas no digno exercício da sua profissão.
Mas não: os «jornalistas» que, por cá, enlameiam a dita profissão, não dizem nem escrevem uma palavra sobre o assunto.

Assim, para estes mercenários da escrita, nenhum dos doze jornalistas hondurenhos assassinados no ano de 2010 - por «desconhecidos»... - foi motivo de notícia.
Também não foi notícia o assassinato, há dois meses, por «desconhecidos», do jornalista Hector Palanco.

E não foi nem será notícia, certamente, o caso do jornalista Adán Benitez - assassinado a tiro por dois «desconhecidos», no passado dia 4 de Julho.
Sobre este, quanto muito dir-nos-ão que, o célere «inquérito» levado a cabo pelas autoridades policiais hondurenhas concluiu que «o móbil do crime foi o roubo» e que os assassinos foram... «dois desconhecidos»...

E assim funciona este serviço combinado entre os «desconhecidos» que, nas Honduras, assassinam jornalistas e os «jornalistas» que, em Portugal, silenciam os assassinatos.

É o crime perfeito.




POEMA

O PONTO DE VISTA DO ESPECTADOR


Pensa ele que mereceu
de algum modo a cadeira,
ou pagando ou de borla,
de algum modo adquiriu,
pensa ele, um direito.

Parece-lhe que, sentado,
o que no palco vê apenas
é um espectáculo. Num minuto
sairá, poderá historiar
aquilo que fixou, outros
verão através dele, até
talvez o invejem, afinal
foi ele que viu, sim, foi ele
quem esteve lá.

No entanto não sai, algo
o perturba, um dos actores
aponta, e é para ele,
e é a ele que já levam
de rastos pela coxia,
- que rede o envolveu?,
temia todo o gesto, era
um simples espectador -
estava tão quieto, vai
agora para onde, para
o cárcere, para a morgue,
para o segredo que não é dos deuses...?


Egito Gonçalves

Novidades??

cliquem no título. vale bem a pena...

EM MAIÚSCULAS

Entre as medidas com carácter de urgência decretadas pela troika ocupante e aceites pela submissa troika colaboracionista, conta-se a revisão do Código do Trabalho - aquela coisa péssima que começou por ser obra do Governo Barroso/Lopes e que, posteriormente, o Governo Sócrates alterou ainda para pior, em ambos os casos em violação da Constituição da República Portuguesa.

À urgência da troika ocupante - que quer que a proposta de revisão seja apresentada até finais de Julho - respondeu o obediente Governo Coelho/Portas com ainda maior urgência: não apenas garante que vai apresentar a coisa no dia 22 de Julho, como vai - ou quer ir - mais longe: quer que o novo Código do Trabalho seja discutido e aprovado na generalidade logo no dia 28.
Com tal urgência, o fiel duo PSD/CDS pretende «dar um sinal positivo de cumprimento do memorando da troika» - para, talvez, receber em troca a festinha e o osso da praxe...

Ora, diz a lei - como justamente sublinhou o Grupo Parlamentar do PCP - que «matéria de legislação laboral não pode ser discutida nem votada antes de decorrido o obrigatório processo de consulta pública», processo esse que «não pode ser inferior a 30 dias», salvo em situações excepcionais, em que esse prazo pode baixar para 20 dias.
Portanto...

Portanto nada: ensaiando algumas retorcidas leituras da lei, os criados da troika ocupante remeteram a decisão final para a presidente da Assembleia da República, que vai consultar a legislação para ver se é possível cumprir a vontade do Governo...

É provável que cheguem à conclusão de que... sim, é possível...
Isto porque a legislação anti-laboral é, para todos os executantes da política de direita, a prioridade das prioridades: roubar direitos aos trabalhadores e às suas estruturas representativas - direitos conquistados à custa de muitas e muitas corajosas lutas - tem sido, em regra, a preocupação primeira de todos os governos da contra-revolução, desde o Governo Soares/PS até hoje.

Aliás, é essa a preocupação primeira de todos os governos ao serviço da classe dos exploradores, classe que não suporta a luta organizada das massas trabalhadoras nos seus sindicatos de classe - e muito menos suporta a existência do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores...

É sabido que, entre as primeiras medidas tomadas por Salazar, estava a imposição do seu Código do Trabalho - que então se chamava, Estatuto do Trabalho Nacional e era inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini - ilegalizando os sindicatos representativos dos interesses dos trabalhadores, proibindo as suas formas de luta e criando «sindicatos» respeitadores dos interesses do grande capital, suporte do regime fascista.

Dir-se-á que hoje as coisas são diferentes...
E são, em muitos aspectos.
O que não é diferente é o capitalismo, cuja essência exploradora e opressora não muda nem mudará enquanto ele existir, seja o capitalismo de outrora servido por uma ditadura fascista, seja este capitalismo de hoje servido por esta democracia burguesa - ou ditadura do grande capital, se quisermos utilizar uma formulação mais rigorosa.

Por isso, preparemo-nos para a luta necessária e indispensável.
Tão necessária e indispensável hoje, como o foi no tempo do fascismo.
E com tantas possibilidades de vencer, hoje, a ditadura do grande capital como venceu, então, a antepassada desta...

Estamos fartos de saber - todos - que a luta é o caminho.
Mas não se perde nada em recordar, de vez em quando, essa verdade...
Ela aqui fica: A LUTA É O CAMINHO.

EM MAIÚSCULAS.

POEMA

MORTE NO INTERROGATÓRIO


Às três da madrugada eu dormia sem sonhos.
Minha mulher dormia a meu lado. Eu tinha
uma da mãos pousada sobre a sua coxa.

Uma lua de outono brilhava sobre as ruas;
um ar agreste preparava as noites para o inverno.

Às três da madrugada os companheiros
dormiam quase todos. Um deles, porém,
regressava, fatigado, de um trabalho nocturno.

Era a hora dos fogos-fátuos sobre as campas;
a hora em que os exilados buscam o sono em comprimidos.

Às três da madrugada sua mulher ainda velava.
Embrulhada num xaile tinha um livro entre as mãos;
insone, acendera a luz havia meia hora.

Na sala o interrogatório atravessava o tempo;
lâmpadas de mil vátios tornavam a vida irrespirável.

Às três da madrugada o coração fraquejou
e os dois comissários ficaram perante um homem morto
e dois cinzeiros com trinta pontas de cigarros.


Egito Gonçalves

TRABALHO E CHICOTE

Camilo Lourenço é um dos vários comentadores de serviço à política de direita nos média do grande capital.
No momento actual, a sua tarefa é a tarefa de todos os seus colegas: por um lado, «justificar» todas as medidas governamentais gravosas para os trabalhadores e para o povo e, por outro lado, «demonstrar» a «necessidade», a «inevitabilidade» de mais e mais medidas igualmente penalizadoras de quem trabalha e vive do seu trabalho.

É claro que, sendo contrárias aos interesses dos trabalhadores e do povo, essas medidas são altamente favoráveis aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros - mas isto sou eu a falar... porque o que eu digo por essas palavras, dizem-no os referidos comentadores falando do «interesse nacional», por eles identificado com o interesse do grande capital - e identificado também com o seu interesse pessoal de, certamente bem remunerados, propagandistas da política de direita.

Curiosamente, são cada vez mais os mercenários do comentário que desvendam, nos seus escritos, uns às claras, outros às escondidas, claríssimas simpatias pela política do antigamente - o que não é de estranhar, tantas são as semelhanças existentes entre a política que propagandeiam e a que era praticada no tempo do fascismo.
(ontem mesmo, passou por aqui um Duque, que advogava, como solução final para a saída de «crise», o regresso à prática do trabalho e chicote, tão acarinhada pelo salazarismo...)

Camilo Lourenço
é um dos que, no que diz e no que escreve, faz questão de exibir, a par da sua entusiástica defesa da política-de-direita-o-mais-à-direita-possível, um profundo reaccionarismo caldeado em imensa saudade desses bons velhos tempos...
Ontem, no Jornal de Negócios, escreveu ele, cheio de saudades:
«No último século só tivemos contas públicas em ordem quando vivemos na Ditadura».

Aí está: não há como a ordem fascista para pôr em ordem, não apenas as contas públicas, mas tudo o que deve ser posto na ordem...
E para quem pensar o contrário... trabalho e chicote.

POEMA

DE QUE FALO!


Falo das ruas e do amor,
do teu ventre sobre os lençóis,
falo da cidade que amo
onde a conjura amadurece.

Falo dos papéis que se rasgam
na hora do primeiro alarme,
da mão aberta para a esmola
onde germinará a vingança.

Falo do sangue de desejo
que abre em mim quando sorris,
e do carvão e da lareira
onde o combate aquece as mão.

Falo dos motores que já vibram
na expedição contra o anátema
e dos dentes com que mordisco
os intervalos do teu riso.


Egito Gonçalves

Almoço IV Aniversário Cravo de Abril

Dia 8 de Outubro, ultrapassadas que estão as questões que nos obrigaram a adiar «a coisa», vamos comemorar o IV aniversário do Cravo de Abril!
Brevemente colocarei todas as informações, já com a agenda das comemorações completa (e olhem que promete!!!). Até lá, as informações básicas:
Dia 8 de Outubro, Espinho, restaurante Cristal, 13 horas - Almoço.
Tarde cultural ainda a confirmar.
Inscrições abertas

antonio.galamba@gmail.com

guidarodrig@gmail.com

(independentemente do email para o email enviem questões e /ou inscrições, façam-no com conhecimento para ambos)

abraços e até já!

QUE FAZER COM ESTE DUQUE?

«Trocámos a soberania por um prato de lentilhas» - gritou, um dia destes, na primeira página do Jornal de Notícias, garrafalmente, o presidente do ISEG, João Duque.

Olha este! - pensei - o que é que lhe deu agora para vir a público acusar de traidores à pátria os responsáveis por 35 anos de política de direita?
E o JN - horto do Oliveira tratado pelo hortelão Tavares e sempre tão cirurgicamente selectivo nas vozes que abafa - por que carga de água é que destapa a voz deste Duque?

E outras interrogações semelhantes me assaltaram o pensamento quando, logo no começo da notícia, ouço o Duque a perguntar:
«Portugal ainda tem soberania?».
E a responder: «Já perdeu metade ou mais, perdeu dois terços».
E a lamentar, em patriótico desabafo:
«As pessoas não se importam. Trocam a soberania por um prato de lentilhas».

Nem querendo acreditar no que estava a ler, fiz uma pausa e ponderei: bom, parece que isto é mesmo a sério, pelos vistos o Duque do ISEG e o JN do Oliveira e do seu criado Tavares decidiram, finalmente, dizer verdades, apontar os estragos feitos pela cambada de traidores que já destroçou, contas do Duque, dois terços da independência nacional.
E, não me contendo, gritei entusiasmado:
Ah, grande Duque!; ah, Duque de Trunfo!, assim é que é, diz-lhes aí as verdades que eles não querem ouvir!, põe o teu ducal dedo mesmo no centro da ferida, diz às gentes que nestes últimos 35 anos, Portugal tem estado nas mãos de um rebanho de vendidos, esses soares, cavacos, guterres, barrosos, sócrates & passos-portas que, a troco de uma barrigada de lentilhas, entregaram a independência do País ao grande capital nacional e estrangeiro!, ah, grande Duque de Ouros, canta-lhes aí as verdades todas!


Mas... - nestas coisas de duques, de verdades e de jornais do grande capital há sempre um mas a estragar a festa...
Foi assim que, lendo a notícia até ao fim, fiquei a saber que, afinal - ó sorte malvada: só me saem é duques... - o ouro do Duque é pechisbeque;
que, afinal, para o Duque, a verdade não é a verdade, os traidores não são os traidores, as lentilhas não são as lentilhas...;
que, afinal, para o Duque, os traidores, os miseráveis vendilhões da independência e da soberania, são... sabem quem??!!
Não sabem??!!, pois fiquem sabendo: são, nem mais nem menos do que... os DESEMPREGADOS!!!!,
sim, explica o Duque: os desempregados, esses madraços, esses calões que não querem trabalhar e que, informa o Duque: «preferem viver de um subsídio de 500 euros a trabalhar por 800 euros»!!!!
(informação esta que nos mostra um Duque perfeitamente a par do mercado de trabalho nacional, onde, como toda a gente sabe, empregos disponíveis com salários de 800 euros é o que por aí não falta... - por isso, lá diz o Duque, só não trabalha quem não quer trabalhar e prefere o subsídio de desemprego, que o Duque assegura ser de 500 euros para todos os desempregados...)

Finalmente, num esgar feito de saudades dos bons velhos tempos, o Duque fornece a sua receita para a reconquista dos tais dois terços da independência perdida:
«Disciplina e trabalho» - diz ele, estalando o chicote.

Que fazer com este Duque?

POEMA

O PROGRESSO DAS CIÊNCIAS


Conseguiram encerrar o vento,
retirar a pouco e pouco o ar
e - maravilha! - o povo
resiste e ainda vive.

A asfixia é lenta e os que morrem
parecem ir de morte natural.

Hoje porém os sábios consideram
enganosa essa fórmula que reduz
o paciente à condição de peixe triste.

Pois no repouso fictício a onda
aguarda o luar da maré cheia.

Nas manhãs da terra
as manchas de sangue ganham punhos;
a viva carne cobre o inesperado.


Egito Gonçalves

O DECRETO

De acordo com um decreto emitido pelos EUA, o governo colombiano é, no continente sul americano, o mais completo exemplo de respeito pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos - a comprová-lo está, dizem, o intrépido combate travado pelo referido governo contra o terrorismo...

Mostra a realidade -
avessa a decretos... - que o governo colombiano é o mais fiel servidor das ordens dos Império, designadamente na sua prática terrorista contra todos os que têm a coragem de se bater pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos.

Dos resultados dessa prática terrorista, todos os dias chegam notícias.
Não através dos média dominantes, obviamente: esses cumprem à risca a sua tarefa de, escondendo a realidade colombiana, dar razão ao decreto do Império - ao mesmo tempo que decretam aos quatro ventos a sua isenção, a sua imparcialidade, a sua independência...


E é no mais absoluto silêncio desses média - silêncio decretado isento, imparcial e independente... - que se multiplicam, na Colômbia, os casos de sindicalistas assassinados; de jovens falsamente contratados para o exército e depois mortos e apresentados como se pertencessem às FARC; de cidadãos baleados à queima roupa...
E é assim, no meio deste silêncio decretado, que vai crescendo o número de valas comuns descobertas com centenas ou com milhares de corpos...

Agora, que estão em curso processos judiciais envolvendo políticos ligados ao paramilitarismo e ao terrorismo de Estado, os alvos prioritários dos exemplares democratas colombianos são os que, com enorme coragem, aceitam ser testemunhas de acusação dos criminosos.

É o caso do dirigente comunitário Vicente Botera, que foi assassinado, no dia 27 de Junho - e não poderá testemunhar mais...
É o caso de Luís Eduardo Gómez, jornalista: antes, assassinaram-lhe o filho, agora, no dia 30 de Junho, foi ele assassinado com cinco tiros à queima roupa - e não poderá testemunhar mais...

E é assim, com o assassinato das testemunhas, que se absolvem os criminosos.


No entanto - como todos os dias nos fazem lembrar os média dominantes - diz o decreto emitido pelos EUA que o governo colombiano dá cartas em matéria de respeito pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos...

E quem contrariar o decreto, corre o risco de, em nome da liberdade e dos direitos humanos, ser democraticamente... silenciado...

POEMA

E ONDE PARAM OS DESAPARECIDOS?


E onde param os desaparecidos,
os mortos enterrados sem ritos,
em silêncio, no escuro?

Que madeira tiveram para os seus caixões?
Que rezas amigas, que flores de homenagem?

Onde pára a sua seiva, a fonte de energia
que levou a noite a suprimi-los?

Terão eles a resposta?

É preciso encontrá-los, esses mortos.


Egito Gonçalves

MÃOS À CARIDADE!

Como o Cravo de Abril na devida altura registou, o Cardeal Patriarca de Lisboa lançou, na procissão do Corpo de Deus, um veemente apelo à ajuda aos que têm fome - e apontou a caridade, perdão: a CARIDADE, como o caminho de Deus para matar a malvada aos muitos milhares que a têm.
Quanto às razões que estão na origem da existência da fome, D. Policarpo não se pronunciou: são razões políticas e, como é sabido, ele e a sua Igreja não se metem em política... a política deles é o trabalho, ou seja, a CARIDADE!...

O Governo Coelho/Portas ouviu, com os seis ouvidos que Deus lhe deu - quatro dos dois primeiros-ministros mais dois do Cavaco- o veemente apelo do Cardeal e toca de roubar 50% do subsídio de Natal a trabalhadores, reformados e pensionistas.
Assim - criando mais fome - a troika Coelho/Portas/Cavaco confirmou a sua caridosa vocação e abriu mais e mais espaço à CARIDADE...

D. Policarpo regalou-se com o roubo no subsídio de Natal de 3 milhões de famílias, certamente vendo nesta obra do Governo sobretudo uma Obra de Deus...
Mais: considerou que, neste tempo de «crise» que vivemos, o roubo é não apenas «adequado e equilibrado», mas acima de tudo, didáctico...
Isto porque o roubo - impedindo que milhões de pessoas comprem as tradicionais prendas de Natal para familiares e amigos - constitui uma caridosa ajuda a esse outro caridoso combate que D. Policarpo vem travando contra o consumismo natalício - e o consumismo é, como sabemos, uma outra preocupação que tira o sono a sua Eminência.

Entretanto, do outro lado da fome e da «crise», há umas dezenas de famílias cujas fortunas, indiferentes à «crise», aumentam e aumentam - e na origem do aumento dessas fortunas está, obviamente, para além da prestimosa obra do Governo, a Suprema Obra de Deus.
Como dizia, no tempo do ditadura, um general fascista brasileiro, também ele grande apologista do divino valor da CARIDADE: «É preciso que os ricos sejam cada vez mais ricos para poderem dar mais esmolas aos pobres»...

Portanto, atingido que está o objectivo maior do Cardeal Patriarca de Lisboa, agora, mãos à Obra!
Que é como quem diz: mãos à CARIDADE!

POEMA

A SOLUÇÃO RELIGIOSA


Muitos anos bissextos se passaram
em que adoraram o abutre negro
como se fosse do verdadeiros Deus
o seu criado-mudo.

Quando se iluminaram os estuques
do falso altar no qual se prosternavam
fulminou-os o espanto: «Impossível!
Tão longo erro, como acontecera?»

A fé remove cordilheiras. Agora
acreditam possuírem a verdade
e em Seu Nome a terem descoberto.

O passado? Partidas do Diabo!
Esquecem com água benta e «Tarrenegos!»


Egito Gonçalves

E MUITO, MUITO, MUITO BEM ATIRADO

Mário Soares e Cavaco Silva formam uma parelha que é responsável principal pela situação dramática em que se encontram Portugal e os portugueses.

Soares, enquanto iniciador da política de direita e chefe-de-fila da contra-revolução, entregou o País, a sua independência, a sua soberania, ao imperialismo norte-americano e à sua sucursal no velho continente, a União Europeia.
Cavaco, enquanto continuador dessa mesma política, destruiu tudo o que pôde da Revolução de Abril e das suas conquistas democráticas, arrasou a produção nacional, enterrou a agricultura, afundou as pescas, reforçou a dependência, a sujeição e a submissão de Portugal aos ditames do grande capital nacional e internacional.


Soares está todos os dias nas primeiras páginas dos média dominantes - não estou a exagerar: se é verdade que, no último mês, Soares apenas foi notícia 15 dias, portanto dia-sim, dia-não, não é menos verdade que as suas falas despertaram reacções várias, as quais, dia-não, dia-sim, preencheram os restantes 15 dias do mês...
Nessas aparições, Soaresconselhos, faz advertências, lança avisos, expressa aflições, geme lamentos, manifesta surpresas... - e, com a sem-vergonha que constitui um dos seus principais atributos, fala de cátedra sobre tudo, como se nada tivesse a ver com o que se passa, como se não fosse um dos principais responsáveis pelo estado actual do País.
E até agora, nenhum dos média dominantes lhe chamou a atenção para o facto...

Cavaco é aquela coisa inculta, ridícula - mas perversa - que nos tortura sempre que diz ou faz qualquer coisa, ou seja, todos os dias.
Hoje, os noticiários informam que ele vai «dedicar o dia à agricultura, ambiente e saúde».
No Alentejo olhará pela agricultura e pelo ambiente e tratará da saúde no Algarve.
Hoje e amanhã, os mesmos noticiários fornecerão informações circunstanciadas sobre o que fez e o que disse Cavaco: naquele seu jeito pernóstico, ridículo até dizer chega, perorará sobre os temas da visita, especialmente sobre a agricultura - não para se penitenciar pelo facto de, enquanto primeiro-ministro, a ter liquidado (obedecendo às ordens da Europa dos monopólios); nem sequer para reconhecer que a liquidou «a Bem da Nação» (isto é: da Europa dos monopólios) - mas para lembrar, de dedo em riste, que eu bem avisei... e para avisar que onde há empreendedorismo, há futuro e... «aqui há empreendedorismo»...
E falará sobretudo de Portugal: da «crise», que «toca a todos»; dos «sacrifícios», que «são para todos»; da caridade - que é a política social do futuro; das ordens da troika ocupante - que são para cumprir integralmente pela troika colaboracionista...
E lembrará, de dedo em riste, que eu bem avisei...

Soares e Cavaco, cada um com o seu passado, cada um com o seu presente - e ambos com futuro incerto... - deram brutais machadadas no conteúdo democrático da democracia de Abril e ambos agiram sempre fora da Lei Fundamental do País - e pela obra feita bem lhes podemos chamar a parelha do apocalipse.

Por isso insisto: por muito, muito, muito menos do que aquilo que Soares e Cavaco fizeram contra Portugal, foi o traidor Miguel de Vasconcelos atirado pela janela.
E muito, muito, muito bem atirado.