POEMA

TRÊS QUADRAS


Os que vivem na grandeza
dizem, vendo alguém subir:
- Há que manter a pobreza,
p´rá grandeza não cair.

A ninguém faltava o pão,
se este dever se cumprisse:
ganharmos em relação
com o que se produzisse.

Quem trabalha e mata a fome,
não come o pão de ninguém,
mas quem não trabalha e come,
come sempre o pão de alguém.

António Aleixo

A RIQUEZA E A POBREZA

A questão da pobreza e das desigualdades sociais em Portugal não vai ser resolvida a curto prazo. Quem o diz é o Presidente da República - e explica porquê: porque se trata de um problema que está muito ligado à qualificação dos recursos humanos.
E, como toda a gente sabe, essa coisa da «qualificação dos recursos humanos» é de resolução lenta, lenta, muito lenta, como o confirma o facto de andarmos a ouvir falar nela há muitos anos sem quaisquer resultados práticos.

Daí me parecer que talvez o problema fosse mais rapidamente solucionado se, por exemplo, se procedesse desde já a uma mais justa distribuição da riqueza.
Podia ser assim, por exemplo e para começar: a imensa maioria da riqueza produzida, em vez de ir, como hoje acontece, para a imensa minoria dos portugueses, passaria a ir para a imensa maioria dos portugueses.

Simples, não?

POEMA

«NÃO VALE A PENA PISAR»


O capim não foi plantado
nem tratado,
e cresceu. É força
tudo força
que vem da força da terra.
Mas o capim está a arder
e a força que vem da terra
com a pujança da queimada
parece desaparecer.

Mas não! Basta a primeira chuvada
para o capim reviver.

Manuel Rui

O IMPÉRIO ZELA POR NÓS...

Numa conferência realizada em Dublin, foi decidido avançar para um projecto de tratado visando proibir a utilização das célebres e bárbaras bombas de fragmentação.
Muito bem!

Só que... os principais utilizadores dessas (e de todas as outras) bombas - os Estados Unidos da América - não participaram na conferência.
Além disso, e como era de esperar, um porta-voz do Departamento de Estado norte-americano apressou-se a esclarecer que nada do que ali foi decidido «mudou a nossa posição» - que é a de continuar a utilizar as ditas bombas, obviamente.
Questionado sobre as «consequências da rejeição do tratado» para a imagem dos EUA no mundo, o porta-voz, com a típica arrogância made in USA, aconselhou as pessoas a tirar «as suas próprias conclusões»...
Tiremos a conclusão: o Império zela por nós...

Pronto, por mim fico-me por aqui.
Porque se ceder à tentação de qualificar com rigor a atitude dos EUA face a esta questão - e se essa qualificação chegar ao conhecimento dos propagandistas lusos do Império - serei implacavelmente fustigado com a terrível acusação de «anti-americanista primário». Acusação que, na situação actual, tende cada vez mais a significar«amigo de terroristas» - e que, por isso, está mesmo a pedir a justiceira fragmentação...

POEMA

É INÚTIL CHORAR


É inútil mesmo chorar
«Se choramos aceitamos, é preciso não aceitar»
por todos os que tombam pela verdade
ou que julgam tombar.
O importante neles é já sentir a vontade
de lutar por ela.
Por isso é inútil chorar.

Ao menos se as lágrimas
dessem pão,
já não haveria fome.
Ao menos se o desespero vazio
das nossas vidas
desse campos de trigo...

Mas o que importa é não chorar.
«Se choramos aceitamos, é preciso não aceitar»
Mesmo quando já não se sinta calor
é bom pensar que há fogueiras
e que a dor também ilumina.

Que cada um de nós
lance a lenha que tiver,
mas que não chore
embora tenha frio.
«Se choramos aceitamos, é preciso não aceitar»

António Cardoso

«O MAIOR ESPECIALISTA»

José Fernandes Fafe, que foi, entre outras coisas, embaixador de Portugal em Cuba após o 25 de Abril, acaba de publicar um livro que intitulou «Fidel».
O livro foi apresentado por 1 - Mário Soares e por 2 - Otelo Saraiva de Carvalho numa sessão que decorreu na 3 - Fundação Mário Soares - três razões mais do que suficientes para eu não o ler, não fora a isso estar obrigado por dever-de-ofício-meu, pelo que, um dia destes, lá terá que ser...

O Expresso relata parte do que se passou na sessão de apresentação, nomeadamente as inevitáveis alarvidades proferidas pelos excelentíssimos aresentadores, as quais, por razões... sei lá, de higiene, talvez... me dispenso de citar.
Imaginem Soares e Otelo iguais a si próprios, e basta...

Refiro, apenas, duas sensacionais informações/revelações constantes do relato.
A primeira (da responsabilidade do Expresso) diz-nos que Fafe é «o maior especialista português sobre Cuba e o castrismo» - coisa que, francamente, eu desconhecia de todo... e creio que, comigo, todos os portugueses, «o maior especialista« incluído...
A segunda, proferida precisamente pelo «maior especialista», ao informar que «Fidel é o contrário de um marxista», como o comprova o seguinte facto agora revelado por Fafe: «do marxismo, Fidel só leu umas 300 páginas de "O Capital" e uns folhetos de Lénine» - revelação que me leva a crer que «o maior especialista» não leu... nem «300 páginas de "O Capital"», nem «uns folhetos de Lénine...
E muito menos... Fidel.

POEMA

(Anos de seca, menos nos olhos dos pobres)


Vem, sol,
doirar cinicamente
os cabelos de hoje
destas crianças esfarrapadas
que se atrevem a ser loiras
com olhos de trono azul.

Vem, sol,
tu que secas os rios
e os segredos dos poços
- e não deixas na terra
um charco para as estrelas
tremerem de luz despida...

Vem, sol,
secar estas lágrimas
dos olhos dos pobres.

Torna-os duros, implacáveis e frios
como canos de pistolas
nas manhãs coléricas de lobos.

José Gomes Ferreira

Democracia, dizem eles...


Na última Assembleia Municipal de Aljustrel um senhor deputado municipal eleito nas listas do Partido Socialista, fez notar o seu descontentamento através de um voto de protesto. Dizia este, neste, que se sentia ofendido e lesado porque os executivos do Partido Comunista Português (que, na verdade, são executivos CDU) não respeitavam o direito de oposição, acusando os mesmos de serem detentores de deficit democrático (as palavras são minhas, as ideias do referido senhor). Não me cabe esclarecer alguma dúvida ao senhor deputado. Podia, ainda assim, acrescentar a titulo de esclarecimento ou justificação, a resposta que obteve de quem de direito. Contudo, não o farei por uma questão de economia do espaço em que escrevo. Sem embargo, senti que este voto de protesto era detentor de uma profunda injustiça e ousadia principalmente por vir da bancada partidária de que vinha. Num Estado de Direito Democrático os exemplos devem vir de todas as instituições que o constituem, principalmente daquelas que no jogo dos poderes se sobrepõem a todas as outras. E de cima, no caso, vem a sombra do Governo PS que, quem ouça o senhor deputado municipal, pode pensar que emana exemplos de democracia e de incentivo à participação cívica nos assuntos da República e do Estado – o que, aliás, apenas validaria a democracia e a esvaziaria de conceitos ocos e (in)verdades que hoje fazem dela redondo e falacioso vocábulo. Pois desengane-se o crédulo e o neófito: numa clara manipulação da opinião publica (que se limita cada vez mais a ser fruto da opinião amplamente publicada pelos media ao serviço dos grandes interesses) o Governo português quer confundir os portugueses baralhando e voltando a distribuir (para que se perca o verdadeiro sentido dos conceitos) palavras tão diferentes (no contexto actual) como modernidade e avanço civilizacional, acusando os que são contra as mudanças que quer levar adiante com adjectivos que vão do mais falacioso ao mais cobarde e agressivo palavreado. Como todos sabemos nem sempre se muda para melhor, e o mudar apenas por mudar, muitas vezes retrocedendo, não pode ser o argumento para validar a modernidade que, penso, deve ser validada apenas com os conceitos do humanismo.

Mas passemos a análises concretas de acções governativas (deste governo, constituído por elementos da mesma cor politica que o senhor deputado ofendido) que são uma afronta à democracia e à participação nesta pelas populações (no texto de hoje ficaremos apenas pelo novo PACOTE LABORAL, deixando outros assuntos – Lei dos Partidos, por exemplo - que são um entrave à participação democrática dos cidadãos para outro dia, quem sabe se para a semana que vem): Os avanços tecnológicos permitidos pela capacidade inventiva do Homo Sapiens Ludens apenas são avanços civilizacionais se servirem a causa democrática, caso contrário transformam-se no cavalo de tróia do humanismo. Referia o ilustre Professor Adolfo Yañes Cazal que se há 50 anos eram precisos cem homens, em cem horas para produzirem cem bolas de ténis (por exemplo), hoje, se o avanço da tecnologia fosse empregue ao serviço das populações e não apenas dos detentores dos meios de produção, os mesmos cem homens precisariam apenas de 50 horas para produzir a mesma quantidade, reservando – justamente – as horas de sobra para a sua formação, para o lazer, para a família, para a PARTICIPAÇÃO NAS COISAS PÚBLICAS. Contudo, em vez de enveredarem por este caminho humanista, os proprietários dos meios de produção, resolveram abdicar antes de metade dos seus operários, fazendo com que agora fossem precisos apenas 50 homens para produzir nas mesmas cem horas as mesmas cem bolas de ténis. Criando a ideia (utilizando as mais diversas formas, desde os tais média ou aos meios estatais fazedores de opinião – manuais escolares, por exemplo) que só não trabalha quem não quer porque trabalho há muito, os detentores de tais poderes criam a angustia nas populações, construindo um ambiente de incerteza e ansiedade que permite a mais fácil manipulação. A precariedade – que se reforça com este pacote laboral, nomeadamente através da criação dos designados «mapas de pessoal» e com a extinção dos quadros de trabalhadores – silencia as consciências e, aliada aos horários extensos – que apenas existem, dentro do quadro da situação tecnológica em que nos encontramos, por resistência dos patrões na busca do maior rendimento com a menor despesa possível (e que este pacote laboral protege e beneficia, numa clara afronta aos direitos dos trabalhadores e aos princípios consagrados na Constituição da República) – cria a ideia nos trabalhadores que calados – no sentido de que quem cala não ofende - mais facilmente conseguirão outro «contratinho» de seis meses que permita mitigar, durante esse tempo, as necessidades da sua família. Mesmo para aqueles em que a consciência impele para a intervenção pública e para a defesa dos direitos, as responsabilidades criadas pelo excesso de carga horária e pelas crescentes dificuldades financeiras, atira-os para uma letargia de cansaço dificilmente ultrapassável no panorama socio-económico que se nos apresenta o sistema capitalista. Como diria o poeta José Fanha “ hoje não temos a PIDE que nos proíba de exprimir o que pensamos, mas temos o capitalismo que nos tira o tempo para pensar.”

Senhor deputado: brevemente abordaremos outros níveis onde este governo constrói a ofensiva contra a democracia – no sentido em que esta apenas sobrevive com a participação de todos, não se tornando (como alertou Platão faz mais de 2500 anos) em oligarquia. Até lá, e depois disto, pergunto-lhe: não é isto uma afronta à liberdade de intervenção pública de todos? Ou assumimos, como alertou Aldous Huxley, que a pirâmide do poder se inverteu e agora não mais as bases elegem alguém que lhes obedeça e cumpra o que a maioria quer, mas apenas se elege alguém para que mande nas massas? Democracia ao domicilio? Futebol e ordenado mínimo. O pão e circo que nos legaram os romanos.

POEMA

O MENINO NEGRO NÃO ENTROU NA RODA

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas - as crianças brancas
que brincavam todas numa roda viva
de canções festivas, gargalhadas francas...

O menino negro não entrou na roda.

E chegou o vento junto das crianças
- e bailou com elas e cantou com elas
as canções e danças das suaves brisas,
as canções e danças das brutais procelas.

E o menino negro não entrou na roda.

Pássaros, em bando, voaram chilreando
sobre as cabecinhas lindas dos meninos
e pousaram todos em redor. Por fim,
bailaram seus voos, cantando seus hinos...

E o menino negro não entrou na roda.

«Venha cá, pretinho, venha cá brincar»
- disse um dos meninos com seu ar feliz.
A mamã, zelosa, logo fez reparo;
e o menino branco já não quis, não quis...

E o menino negro não entrou na roda.

O menino negro não entrou na roda
das crianças brancas. Desolado, absorto,
ficou só, parado com olhar de cego,
ficou só, calado com voz de morto.


Geraldo Bessa Victor

A BEM DA NAÇÓN...

La Razón é o nome de um semanário venezuelano, feroz opositor da Revolução Bolivariana e do Presidente Hugo Chávez.
Aliás, parece ser essa a sua única razón de existir, já que semana sim, semana sim, La Razón se esgota em ataques insultuosos, soezes, provocatórios ao processo revolucionário venezuelano.
É claro que, ao mesmo tempo que assim pratica, não se cansa de sublinhar a sua condição de jornal independente, plural, isento e imparcial - e, naturalmente, de clamar contra a ausência de liberdade de imprensa na Venezuela...

(Entre parêntesis, registe-se um facto exemplar de como esta propaganda penetra longe: num texto publicado em La Razón, perdão: na Visão, a pretexto da visita de Sócrates à Venezuela e do mediático cigarro, o cómico Ricardo Araújo Pereira escreveu que o primeiro-ministro «foi visitar um dirigente sul-americano meio maluco, que manda fechar as estações de televisão que o criticam e chama Hitler a toda a gente»...)

Mas continuando: na sua última edição, La Razón informou - com visível satisfação - que «os EUA estudam, para a Venezuela, um embargo semelhante ao de Cuba», embargo que, obviamente, inclui «a activação da legislação anti-terrorista» - que é uma legislação feita pelos EUA e que lhes permite agir como muito bem entendam em relação a qualquer país considerado, pelos EUA, terrorista, ou amigo de terroristas. Sempre em nome da democracia, da liberdade e dos inevitáveis direitos humanos...

O bem informado La Razón faz questão, ainda, de desmentir as denúncias feitas por Hugo Chavéz sobre «um plano dos Estados Unidos para invadir a Venezuela».
O que acontece, isso sim - garante, entusiasmadíssimo, o semanário - é que «o Presidente Bush está a pôr em marcha uma série de medidas económicas, orientadas para desestabilizar e eventualmente desencadear uma implosão da revolução bolivariana».
Quer isto dizer que, para o patriótico semanário, o que importa é que os EUA ocupem a Venezuela e ali voltem a instalar-se como donos e senhores. Isto é: seja com tropas e armas, seja com medidas económicas, o que importa é que invadam e ocupem.
Para o que podem contar com o incondicional apoio de La Razón...
A Bem da Naçón, é claro...

POEMA

CRIAÇÃO


Criar não é sonhar, mas, ao invés,
atento construir o que se sonha.
Fugir alguém ao sonho é que é vergonha,
pois sonhar é fugir à pequenez.

Armindo Rodrigues

NEGOCIATAS

Cinco membros da Comissão Concelhia da Covilhã do PCP, foram a tribunal acusados do «crime de difamação e injúria».
A acusação remontava a 2006, altura em que, em resposta a um concurso público para alienar 49% da Águas da Covilhã, a organização local do PCP afixou na cidade cinco cartazes com a frase: «Vamos deitar a negociata abaixo».

Os promotores do concurso público consideraram-se difamados e injuriados com a palavra «negociata» e, invocando a defesa do seu «bom nome», apresentaram cinco queixas - uma por cada cartaz afixado - pedindo para cada uma delas uma indemnização de 6 000 euros, ou seja: 30 mil euros.

Há que reconhecer a originalidade patente nesta modalidade de por cada cartaz uma queixa e por cada queixa um acusado - e tirar conclusões: se os comunistas da Covilhã tivessem afixado não cinco mas, por exemplo, cinquenta cartazes, os «ofendidos» apresentariam outras tantas queixas contra outros tantos acusados e um pedido de 300 mil euros de indemnização - o que, isto digo eu, configuraria, no mínimo, intenção de negociata...

Agora, o Tribunal Judicial da Covilhã absolveu os cinco militantes comunistas, ilibando-os igualmente do pagamento das indemnizações.
O que torna legítimo supor que, afinal, a palavra negociata não constituía difamação nem injúria: a negociata era mesmo negociata.

POEMA

O BICHO

Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira

OLHA QUE DOIS!

Mário Soares, de social inflamado, veio anteontem alertar o PS e o seu Governo para a necessidade de fazer «uma reflexão profunda sobre a pobreza e as desigualdades sociais» anunciadas no relatório da Eurostat.

José Sócrates, de indignação a latejar, veio ontem dizer que «as culpas pelo agravamento do fosso das desigualdades» eram, todas, sem excepção, do PSD - alegando que o relatório se reporta ao ano de 2004.

De tudo isto, o que ressalta é a suprema desvergonha e a desbragada hipocrisia exibidas por estes dois executantes exímios da política de direita que há 32 anos vem cavando cada vez mais fundo o fosso das desigualdades: Soares, que a iniciou no longínquo ano de 1976; Sócrates, que a prossegue, num estádio mais avançado, em 2008.

O alerta de Soares ao PS não decorre do facto de ele estar preocupado com as desigualdades: a sua preocupação reside toda no perigo de o PS ver fugir-lhe eleitorado para a Esquerda.
A indignação de Sócrates, essa é feita da experiência daquela mãe que recomendava à filha em demanda com uma colega de ofício: «chama-lhe filha, chama-lhe antes que ela te chame a ti».

Na realidade, o alerta de um e a indignação de outro prendem-se exclusivamente com o ardente desejo, comum aos dois, de prosseguir a política ao serviço dos interesses do grande capital - a tal que, por isso mesmo, é a geradora da pobreza, das desigualdades, dos atropelos à democracia, do assalto às liberdades, direitos e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos, da venda a retalho da independência e da soberania nacional.

POEMA

INVOCO


Claridade, não te afastes
dos meus olhos, não humilhes
a razão que me alenta
a prosseguir. Escuta
por trás das minhas palavras
o grito dos homens
que não podem falar.

Pelos seus esforços,
pela luta que sustentam
contra o muro de sombra,
eu te peço: persiste
no teu fulgor, ilumina
a minha vida, permanece
comigo, claridade.

José Agustin Goytisolo

O BOM DEUS

Clémentine Solignac nasceu em 7 de Setembro de 1894.
Sempre que se comentava a sua avançada idade, Clémentine, a mulher mais velha de França, sorria e dizia: «O Bom Deus esqueceu-se de mim»...

Agora, o Bom Deus lembrou-se dela: morreu no fim de semana passado, com quase 114 anos de idade.

Que Deus nos livre do Bom Deus!

POEMA

O CAMPONÊS TRATA DAS LEIRAS


1
O camponês trata das leiras
mantém em forma as vacas, paga impostos
faz filhos pra poupar criados e
está dependente do preço do leite.
Os da cidade falam do amor do camponês ao torrão
da sadia vida campesina e
que o camponês é o fundamento da Nação.

2
Os da cidade falam do amor do camponês ao torrão
da sadia vida campesina e
que o camponês é o fundamento da Nação.
O camponês trata das leiras
mantém as vacas em forma, paga impostos
faz filhos pra poupar criados e
está dependente do preço do leite.


Brecht

OPERAÇÃO SANTOS POPULARES

A ASAE anunciou que «vai estar atenta aos arraiais» dos santos populares.
Quer isto dizer que a sardinha assada, a bifana e o coirato vão estar sob o fogo da prestimosa Entidade que, certamente, disponibilizará para o efeito o grosso dos seus efectivos - os quais não vão ter mãos (nem luvas) a medir para bem cumprirem a meritória tarefa.
Quanto aos vasos de mangericos, nada foi dito, mas digo eu que não é improvável que sejam tomadas medidas para proibir de vez o perigoso hábito de envolver o mangerico com a mão e, depois, levar a dita ao nariz para aspirar a agradável fragrância...
E sabe-se lá que outras surpresas nos estarão reservadas para o próximo Santo António.

Entretanto, o ministro Jaime Silva continua a caprichar em ser publicamente desmentido, quer pelo omnipotente António Nunes, quer pela simples verdade dos factos.
Foi à Assembleia da República garantir aos deputados que «nada na lei impede que um proprietário de turismo rural sirva aos seus hóspedes um arroz de cabidela feito com uma galinha criada e abatida na sua propriedade» - e logo o omnipresentel António Nunes o corrigia: não, não, senhor ministro, só se o abate das galinhas for feito no matadouro...
Na mesma Assembleia, o ministro garantiu, ainda, que «nenhum produto tradicional está em causa neste país» - e logo os produtores de queijo da Serra da Estrela o desmentiram com factos incontestáveis.

Assim vão as coisas no Reyno de José Sócrates.
Até ver.

POEMA

UMA GOTA NO CAUDAL

Sozinhos, que somos nós?
Gota de água diminuta
sumida da terra enxuta.
Nem a sede de uma boca
pode assim ser saciada,
porque sós não somos nada,
nem fonte de nenhum rio,
nem onda do mar ou espuma,
maré de coisa nenhuma.

Gota a gota a terra bebe,
rompe o ventre e verte um fio,
cresce a fonte e faz-se rio.
Quantas rotas tem o mar?
Quantas vagas a maré?
Quem as conta perde o pé.
Gota a gota. Cada é pouca.
Mas se a vida é una e vária
cada gota é necessária.

Mesmo sós sejamos sempre
uma gota no caudal,
diminuta, fraternal.

Carlos Aboim Inglês

Lembrar Catarina


54 anos depois, cá estamos. que nenhuma bala é mais forte que o sonho. nenhuma repressão pode, como lembrou sempre o Adriano, vencer um povo que resiste e tem Catarina por estandarte. Ninguém pode calar a voz da liberdade.
Cá estamos dizia. Lá estivemos, todos, uns de alma e coração presente outros de alma e coração lá colocados à distancia pela força dos kilometros que o caminho revestiu até ao peito transbordante da ternura ensanguentada, assassinada, que assim lembramos e alguns, como eu, choraram tamanha a grandeza da nossa memória.
E eu vi camaradas, eu vi a força contida na alegria com que homenageamos a ironia contida numa morte. Como comunistas que somos, do sangue de Catarina - de muitas Catarinas e Carrasquinhas - nos erguemos na cor rubra da bandeira. Operários e camponeses. Mais de cem, mais de mil, Baleizão fora. Alguns cravos, alguns olhos atirando para o horizonte o embaraço da memória, muitos gritos de quem sabe que há muitas formas de tentar matar o sonho. Muitos braços, abraços, beijos e sorrisos humedecidos pela comoção de gerações abraçadas no sonho que nasce sempre que a morte leva um de nós. Muitas balas nos corações agitados pelos dias fascizantes que regressam. muitos punhos, balas da fraternidade, erguidos à raiva dos tiranos: NINGUÉM PODE VENCER UM POVO QUE RESISTE E TEM CATARINA POR ESTANDARTE.

(foto: BALEIZÃO,2008, HOMENAGEM A CATARINA EUFÊMEA, camarada Nilha de Aljustrel. Resistente anti fascista. grande Coração.)

POEMA

NÃO POSSO ADIAR O AMOR


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora intensa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa

«SERVIÇOS EXCEPCIONAIS»

Um médico alemão - Hans-Joachim Sewering, de 92 anos - acaba de ser condecorado por, «durante décadas, ter prestado serviços excepcionais à liberdade de exercício e à independência da medicina, assim como ao sistema nacional de saúde».
Entretanto, a revista Spiegel diz que o médico agora condecorado foi, em tempos, membro das SS e, sob as ordens de Hitler, praticava eutanásia.

Serão estes os «serviços excepcionais» que estão na origem da referida condecoração?
Não seria de espantar, dada a frequência com que, ultimamente, têm vindo a ser atribuídas condecorações destas a gente desta.
Tal prática do actual poder dominante, tem o objectivo de, não apenas branquear, mas enaltecer e premiar, os crimes do nazi-fascismo.
Assim, não é de excluir que, um dia destes, Hitler seja eleito o homem mais importante da Alemanha, quiçá do mundo... e que os comunistas sejam devidamente castigados por esse acto criminoso que foi terem derrotado o democraticíssimo projecto nazi de conquista do mundo.

Por cá, também já tivemos pides condecorados (e premiados com chorudas pensões) pelos serviços excepcionais prestados à Pátria...
E, como nos é dito diariamente por consagrados historiadores, o fascismo não existiu e a PIDE matou pouco e prendeu pouco...

SEM AQUELE QUASE...

A notícia chegou, discreta: «o avião em que Blair viajava do Egipto para Israel, esteve quase a ser abatido por caças israelitas porque não se identificou adequadamente».

Sem aquele quase....

Sem aquele quase, o título deste post seria: matai-vos uns aos outros...

Manhã de Junho

Talvez, talvez sejam os últimos

dias. Se for assim, são um esplendor.

Apesar dos aviões da Nato despejarem
bombas e bombas no Kosovo, a perfeição
mora neste muro branco
onde o escarlate
da flor da buganvília sobe ao encontro
da luz fresca da manhã de Junho.
A beleza (não há outra palavra
para dizê-lo), desta manhã
é terrível: persiste, domina –
apesar dos aviões, mesmo com
bombas a cair e crianças a morrer.

Eugénio de Andrade

POEMA

NÃO PASSARÃO


Não desesperes, Mãe!
O último triunfo é interdito
aos heróis que o não são.
Lembra-te do teu grito:
Não passarão!

Não passarão!
Só mesmo se parasse o coração
que te bate no peito.
Só mesmo se pudesse haver sentido
entre o sangue vertido
e o sonho desfeito.

Só mesmo se a raiz bebesse em lodo
de traição e de crime.
Só mesmo se não fosse o mundo todo
que na tua tragédia se redime.

Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação.
Não morre um Povo!

Não passarão!
Seja qual for a fúria da agressão,
as forças que te querem jugular
não poderão passar
sobre a dor infinita desse não
que a terra inteira ouviu
e repetiu:
Não passarão!


Miguel Torga

PORTUGAL CAMPEÃO DA EUROPA

Não falo do campeonato da Europa de futebol que é, desde há várias semanas, a grande notícia de todos os média nacionais - e que proporciona ao treinador Scolari (indíviduo inculto, arrogante, presunçoso e, pior do que isso, admirador confesso de Pinochet) para além de um ordenado amoral, uma vaga de anúncios publicitários pagos a peso de ouro.
Ser ou não ser campeão da Europa em futebol é, para todos esses média, a grande questão que se coloca a Portugal e aos portugueses neste ano da Graça de 2008...

Ano memorável este, em que Portugal acaba de ser consagrado com um honroso primeiro lugar em matéria de desigualdades sociais, sagrando-se Campeão da Europa a 25 - e ultrapassando, mesmo, os Estados Unidos da América nessa modalidade clássica de exibição de democracia, de liberdade e de direitos humanos...

Assim, neste ano em que a vitória de Portugal no europeu de futebol constitui uma questão de vida ou de morte, e em que a eventual vitória da selecção portuguesa será a vitória da Pátria de todos nós, da bandeira nacional em todas as janelas e do hino nacional em todas as bocas (a de Scolari incluída...), o Governo PS/Sócrates, coloca Portugal em destacado primeiro lugar nas desigualdades sociais, que constituem, como é sabido, a pedra de toque da política de direita.

Dois milhões de potenciais campeões da Europa em futebol vivem na miséria; desses, um milhão vive com menos de dez euros por dia; e destes, 230 mil vivem com menos de cinco euros por dia...
Factos que justificariam o apelo para a colocação de bandeira negras em todas as janelas de todas as casas de todas as ruas de todos os becos...
Desde já: antes que os governantes (Scolari incluído...) façam o outro apelo: o das bandeiras nacionais, com as quais pretendem esconder o primeiro lugar em desigualdades sociais...
Bandeiras nacionais que se vendem ao preço de cinco euros - precisamente o rendimento diário de 230 mil portugueses...

POEMA

A BANDEIRA

É preciso que tragam a bandeira.
É preciso que alguém vá até ao fim da noite
e desenterre a bandeira.
Se já não tiver mãos
que rasgue a terra com os dentes
mas que traga a bandeira.
Se já não tiver dentes
que afunde os olhos nessa terra
e lhe arranque a bandeira
que nela está sepulta.
É preciso que os tambores anunciem a chegada da bendeira.

Se não houver tambores
que os mortos se alevantem
e façam rufar seus ossos
em sol altíssimo à chegada da bandeira.

Iluminem iluminem iluminem o caminho da bandeira.
Se as nuvens de baionetas forem trevas no caminho da bandeira
que incendeiem a noite com as pedras da rua
mas que haja luz à passagem da bandeira
para que os olhos vazados vejam a bandeira
para que as bocas rasgadas cantem a bandeira
para que os ferros caiam à passagem da bandeira.


Carlos Maria Araújo

PROTESTAR, É PRECISO

Scut é uma via Sem Custo para o UTlizador - pelo que a imposição de um custo em qualquer dessas vias, constituindo um roubo ao utilizador é, também, um roubo do nome das Scut...

A decisão de introduzir protagens na A28 (Porto-Viana) levou à criação, em Viana do Castelo e noutras localidades, de comissões de utentes dessa via.
Dos protestos até agora concretizados consta um abaixo-assinado subscrito por 61 mil pessoas e já enviado ao primeiro-ministro.
Porque o Governo permanece surdo, essas comissões de utentes convocaram para amanhã vários desfiles de carros que, em marcha lenta, deverão «passar pelas diversas entradas da cidade do Porto, em direcção à Avenida dos Aliados».

«O que vai acontecer é um grande cerco à cidade do Porto, no bom sentido» - disse o porta-voz das organizações que apelam ao protesto. E acrescentou: «Contamos que os carros entupam todas as entradas no Porto», sublinhando que o protesto é «não só pelas Scut, mas também pelo aumento dos combustiveis e dos produtos alimentares».

Que assim seja: que o protesto se traduza nesse anunciado «grande cerco» - «no bom sentido», é claro; e que englobe outros protestos: os anunciados e muitos, muitos outros.
E que os protestos se multipliquem por todo o País: contra tudo o que está mal: as portagens nas Scut, os aumentos, o desemprego, a precariedade, as injustiças sociais... - contra tudo o que é resultado da política de direita.

E que todos esses protestos confluam para a manifestação nacional do dia 5 de Junho, em Lisboa.
Porque é juntando-os todos num imenso protesto nacional que nos faremos ouvir.

POEMA

É OBRIGATÓRIO

É obrigatório ter mitos
e eu desobedeço de bom grado,
de bom grado bruno as minhas blusas
quando me sobra o tempo
porque prefiro conversar com os amigos.

É obrigatório mostrar-se bem vestido,
com boas obras - já interessa menos -,
é obrigatório não assomar à janela
porque é preciso estar vivo se fizerem a guerra.

É obrigatório não divulgar que há tumultos
porque podem mandar-te embora do trabalho
e por cantar verdades dar-te-ão uma cela
e preparam-te o pranto porque é obrigatório:
sofrer sendo racional,
guardar rancor,
adular o pedante,
entrar de meias na igreja,
ter bastantes filhos
voltar amanhã,
possuir inimigos...

Tudo isto é absolutamente obrigatório
e, além do mais, é proibido cuspir no chão.


Glória Fuertes

DEMOCRACIA À MANEIRA

Na Califórnia trava-se intenso debate em torno da lei que permite o despedimento de trabalhadores que cometam o gravíssimo crime de aderir ao ideal comunista.

Um senador democrata propôs a retirada da lei dessa norma, alegando que, segundo ele, «deixou de fazer sentido», dado que o Partido Comunista «já não advoga o derrube do Estado».

Um senador republicano discordou da proposta, alegando que, «ao contrário do que se pensa, o Partido Comunista não é uma organização morta».

Como se vê, a discordância entre os dois senadores reside na apreciação que cada um faz do estado do Partido Comunista: um acha que ele está morto e, por isso, não é necessária a repressão;
o outro acha que ele está vivo e, por isso, a repressão é necessária.

Já no que respeita a uma outra norma da lei, regista-se um total acordo entre os dois senadores.
De facto, ambos concordam que permaneça na lei a obrigatoriedade, para todos os trabalhadores, da assinatura de um documento repudiando o ideal comunista e o respectivo Partido Comunista - esteja este morto ou vivo.
Nunca fiando, não é verdade?... e mais vale prevenir do que remediar...

Recordo que nós, por cá, também tivemos uma lei que obrigava à assinatura do tal repúdio: entrou em vigor no início dos anos 30 e durou até ao dia 25 de Abril de 1974...
Hoje, as coisas são muito diferentes: em centenas de empresas, se o patrão souber que um trabalhador é comunista, despede-o sumariamente. Sem lei.

Tudo isto a confirmar que a democracia é fértil em soluções para resolver os problemas que a incomodam...

POEMA

O GLOBO

Ofereçamos o globo às crianças, ao menos por um dia.
Para que brinquem com ele como se fosse um balão multicolor.
Para que brinquem e cantem por entre as estrelas.
Ofereçamos o globo às crianças,
entreguemo-lo como uma maçã enorme
como uma bola de pão quente.
Que ao menos por um dia comam até se fartarem.
Ofereçamos o globo às crianças.
Que ao menos por um dia o mundo aprenda a camaradagem,
As crianças tomarão o globo das nossas mãos
e plantarão nele árvores imortais.

Nazim Hikmet

Com gerentes desta categoria...

Os preços do petróleo subiram pela 20ª vez em 2008. Muito há a dizer sobre isto: mas, por muitas voltas que possamos dar à coisa, todos os caminhos nos levam para a mesma conclusão: a crise bate forte, mas apenas afecta as bases da pirâmide social: a Galp anuncia lucros de 175 milhões de € no primeiro trimestre de 2008. Mas atenção, Ferreira de Oliveira, um dos 5 ou 6 postos de trabalho criados pelo Sócrates (não esquecer o Almerindo Marques nas Estradas de Portugal, Nuno Cardoso nas Águas de Portugal, Luís Nazaré nos CTT, António Vitorino na RTP, e alguns outros que tais...) chama de ignorantes todos aqueles que acusam a Galp pela ininterrupta subida dos preços, porque perturba-o gravemente que essas "pessoas não preparadas se transformem em especialistas do sector, o que só serve para confundir o mercado." Como tal "não há nada a fazer". Com gerentes desta categoria...

INEVITABILIDADE...

... INEVITABILIDADES


No singular ou no plural, esta é uma palavra a que os média recorrem todos os dias, seja nos noticiários (ditos) informativos, seja nos textos dos politólogos e analistas de serviço - é uma entre as muitas palavras constantes do big-brotheriano dicionário da novilíngua, uma das muitas palavras que, pela sua multiplicada utilização, tendem a integrar o discurso dominante, transformando-o de opinião muitas vezes publicada em opinião pública.

A inevitabilidade justifica e avaliza tudo o que ao grande capital interessa que seja justificado e avalizado: em primeiro lugar, o lucro! - e, na decorrência e do outro lado do lucro:
o fim do direito ao emprego; a precariedade; os salários baixos; as baixas pensões e reformas; o apertar dos cintos; a liquidação de direitos essenciais dos trabalhadores e dos cidadãos; os ataques à acção sindical e às estruturas representativas dos trabalhadores; os aumentos do custo de vida; a destruição dos serviços públicos...
Ou seja: a exploração capitalista é feita de inevitabilidades - é uma inevitabilidade - e quanto mais amplo for o leque de situações em que a palavra é utilizada, mais acentuada é a exploração.
Assim, as inevitabilidades são o caminho para a aceitação passiva - mais do que passiva: agradecida - por parte dos explorados, de tudo o que é decidido pelos exploradores.

Todas essas falsas inevitabilidades nos colocam perante a inevitabilidade - esta verdadeira - de prosseguirmos a luta contra a sociedade capitalista e por uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e de exploração - luta cujo desfecho vitorioso é, e eles sabem-no tão bem como nós, uma inevitabilidade.

POEMA

(Mais uma definição de poeta num carro eléctrico para a Almirante Reis)


Poeta o que é?
Um homem que leva
o facho da treva
no fundo da mina
- mas apenas vê
o que não ilumina.

José Gomes Ferreira

A OBRA FEITA

COMO SE FAZ UMA ORGANIZAÇÃO TERRORISTA

Um dia, o Presidente dos EUA disse: «As FARC são uma organização terrorista».
No dia seguinte, os principais jornais, rádios e televisões do mundo informavam: «As FARC são uma organização terrorista».
Pouco depois, a União Europeia decidia que «as FARC são uma organização terrorista» - decisão que passou a fazer parte dos discursos dos respectivos governantes.
Nos dias, noites e manhãs seguintes, o exército de analistas residentes dos principais jornais, rádios e televisões do Planeta, adoptava e intercalava nos seus escritos e peças oratórias, frases como: «de entre as organizações terroristas que operam no sub-continente americano, as FARC são, sem dúvida...», ou: «organizações terroristas como as FARC...»; ou: «essa organização terrorista que dá pelo nome de FARC..» - e, desde então, os serviços noticiosos de todos esses média passaram a apensar, sempre, à sigla «FARC» a designação «organização terrorista».
Nas semanas e meses seguintes, intelectuais famosos e famosíssimos, entrevistados pelos principais jornais, rádios e televisões dos cinco continentes, expressavam o seu veemente repúdio pelas «FARC, essa execranda organização terrorista».
Hoje, milhões de pessoas no mundo sabem, sem margem para dúvidas, que, como há muito tempo disse o Presidente dos EUA, «as FARC são uma organização terrorista».

Está a obra feita.

Posto isto, quem há aí que se atreva a dizer que as FARC não são uma organização terrorista?
Alguém se atreve? Quem?...

POEMA

O SONHO


Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.


Sebastião da Gama

QUE CAMBADA!

Os jornalistas, analistas, comentadores, politólogos e etc. que preenchem o tempo e o espaço dos média nacionais não gostam do Presidente Chavez. Ao mínimo pretexto, desancam-no impiedosamente. E se não têm pretexto, desancam-no na mesma. Impiedosamente.
Se assim é, é porque alguém lhes diz para que assim seja, já que isto é fauna que só funciona por reflexo condicionado: o patrão dá um estalo com os dedos e eles elogiam quem o patrão quer que seja elogiado; o patrão dá dois estalos e eles desancam quem o patrão quer que seja desancado. E salivam, salivam...

É claro que fixando as baterias em Hugo Chavez, visam essencialmente a Venezuela, ou, mais precisamente, o histórico processo revolucionário em curso naquele país - um processo cujo desfecho não é de todo previsível, mas que serve indubitavelmente os interesses da Venezuela e dos venezuelanos e rejeita servir os interesses dos EUA e do grande capital internacional.

Os ataques a Chavez são por bem elucidativos da total ausência de seriedade de quem os desfere.
Hugo Chavez é, para estes jornalistas, analistas e etc., um «ditador» um «tirano», um «populista» - e, para além de tudo isto, um «louco» - e, é claro, a Venezuela vive sob uma sinistra ditadura, coisa que fere profundamente os sentimentos democráticos dos analistas, comentadores e etc.

Ora, como é sabido, todos estes comentadores, politólogos e etc. são muito dados à democracia & seus pilares básicos - a saber, o sufrágio universal e etc. e tal.
E todos eles têm como referências únicas dessa democracia os consabidos modelos: EUA, França, Grã-Bretanha, Portugal...
Curiosamente, nenhum deles ousou interrogar-se - e procurar resposta - para o incontornável conjunto de questões que a situação suscita.
Por exemplo:
Em qual desses países modelares, o chefe de Estado ou de Governo foi eleito em eleições mais (ou tão) participadas como as que elegeram o Presidente Hugo Chavez?
Em qual desses países, os respectivos governantes foram eleitos com maiores (ou iguais) percentagens de votos do que as alcançadas por Hugo Chavez?
Em qual desses países, um governante - um! -foi submetido a mais (ou tantos) actos eleitorais como Hugo Chavez?
E, mais importante do que tudo: em qual desses países, as eleições ganhas pelos respectivos governantes foram, como sempre foram na Venezuela, fiscalizadas por «observadores internacionais» impostos pela chamada comunidade internacional, que outra coisa não é senão... esses países?
Em qual destes países, a componente essencial da democracia que é a participação é superior (ou igual) à participação dos venezuelanos na vida do seu país?

Se os politólogos, comentadores e etc. fossem obrigados a responder a estas perguntas... lá se ia o tacho. Mas não são obrigados. Pela simples razão de que aqui há... liberdade de expressão: esta modalidade de liberdade de expressão que lhes permite mentir, manipular, caluniar, insultar, em nome da liberdade e da democracia.
Felizmente para eles. E para quem lhes paga.

Que cambada!

POEMA

CANÇÃO


Na fome verde das searas roxas
passeava sorrindo Catarina.
Na fome verde das searas roxas
ai a papoila cresce na campina!

Na fome roxa das searas negras
que levas, Catarina, em tua fronte?
Na fome roxa das searas negras
ai devoravam corvos o horizonte!

Na fome negra das searas rubras
ai da papoila, ai de Catarina!
Na fome negra das searas rubras
trinta balas soaram na campina.


T
rinta balas
te mataram a fome, Catarina.

Papiniano Carlos

CATARINA

19 de Maio de 1954.
Os operários agrícolas de Baleizão estão em greve, reivindicando melhores jornas para matar a fome.
A unidade é total: ninguém trabalha na terra baleizoeira.
Um agrário contrata um rancho em Penedo Gordo tentando, assim, «furar» a greve.
Mal chega a Baleizão a notícia de que o rancho começou a trabalhar, todos se dirigem em massa para a seara.
O entendimento foi fácil e os de Penedo Gordo, esclarecidos sobre a situação, largam o trabalho.
O agrário chama a GNR que, com a ameaça das armas, obriga o rancho a retomar o trabalho.
Os baleizoeiros voltam à seara para falar de novo aos seus companheiros de trabalho.
A GNR impede-os.
Mesmo assim, conseguem impor que uma delegação de mulheres vá falar com o rancho.
Catarina integra essa delegação.
Um tenente da GNR - Carrajola - interpela a jovem camponesa apontando-lhe uma pistola-metralhadora.
E dispara.
Catarina tinha 29 anos e era militante comunista.
O seu assassinato exemplifica a violência e a brutalidade do fascismo.
A sua vida é um exemplo do papel desempenhado pelos comunistas na luta contra o fascismo, pela justiça social, pela liberdade e pela democracia.

O Cravo de Abril presta a sua homenagem à heróica operária agrícola de Baleizão.

POEMA

TEMPO DE POESIA


Todo o tempo é de poesia.

Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.

Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia.

Todo o tempo é de poesia.

Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.

Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.

Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação do caos
à confusão da harmonia.

António Gedeão

LUTAR, LUTAR SEMPRE

No Distrito de Lisboa, mais de trinta dirigentes sindicais estão atingidos com processos para despedimento e procedimentos judiciais.
A repressão patronal tem vindo a acentuar-se na maioria das empresas: o patronato sente as costas quentes com a política do Governo e, sabendo que pode agir impunemente, intensifica a exploração e leva por diante uma repressão selectiva dirigida aos sindicalistas e a todos os que, no respeito pela Constituição da República Portuguesa, se batem pelos seus direitos e interesses.
De facto, o grande patronato - tal como o Governo seu vassalo - vivem fora da Lei Fundamental do País.
E se é verdade que são cada vez mais as empresas onde a democracia fica à porta, não é menos verdade que essa democracia que fica à porta é, ela própria, cada vez menos democracia...

Assim, a luta dos trabalhadores e das populações - contra a política de direita e por uma política de esquerda - assume uma importância crescente, pelo que intensificá-la e ampliá-la se nos coloca como uma questão essencial na situação presente.

Por isso, vamos fazer da manifestação nacional de 5 de Junho, em Lisboa, uma poderosa demonstração da força organizada dos trabalhadores e da sua firme determinação de não darem tréguas à política anti-democrática, anti-laboral e anti-patriótica do Governo PS/Sócrates.

POEMA

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA


Para que ela tivesse um pescoço tão fino
para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
para que a sua espinha fosse tão direita
e ela usasse a cabeça tão erguida
com uma tão simples claridade sobre a testa
foram necessárias sucessivas gerações de escravos
de corpo dobrado e grossas mãos pacientes

servindo sucessivas gerações de príncipes
ainda um pouco toscos e grosseiros
ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
para que ela fosse aquela perfeição
solitária exilada sem destino


Sophia de Mello Breyner Andresen

A LIÇÃO

Juan Luis Cebrian - que foi fundador do diário El País e é administrador do grupo espanhol Prisa - esteve na Universidade Lusófona a ensinar jornalistas e estudantes de jornalismo.

Eis o essencial da lição proferida pelo abalizado mestre.
Cebrian começou por ensinar que «os jornais são um fenómeno do passado» - opinião que vale o que vale e não se fala mais nisso.
Já as afirmações produzidas em matéria de propriedade dos média, merecem observação.
Para o professor/empregado da Prisa - grupo que, recorde-se, detém em Portugal a Média Capital (TVI) - «a necessidade de concentração dos média é absolutamente inevitável», dado que, ensina o empregado/professor, «sem empresas fortes não há liberdade de expressão»...
Sabendo-se que a «concentração» de que fala Cebrian é, naturalmente, a concentração nas mãos do grande capital, é evidente que o professor/empregado só pode estar a gozar connosco quando apresenta tal concentração como condição indispensável para que haja liberdade de expressão...
Aqui para nós: ele não disse, mas de facto estava a pensar na célebre modalidade de «liberdade de expressão» definida por aquele proprietário de jornal - democrata-todo-o-terreno e paladino da imprensa livre... - que dizia, orgulhoso da sua condição:
«No meu jornal, os jornalistas têm toda a liberdade de escrever o que eu penso.»

Noutra etapa da lição, o empregado/professor mostrou-se preocupado com a Internet que, ensinou ele, «alterando o espaço público no qual se faz a oposição ao poder, está a mudar o paradigma de participação na sociedade, não necessariamente para melhor.»
Porquê «não necessariamente para melhor»?: porque, esclarece o professor/empregado, se trata de «um espaço em que se mistura publicidade e informação» - coisa que, como toda a gente sabe, não acontece nos média propriedade do grande capital...
Mas, nesta matéria, o que o empregado/professor queria, era alertar para o risco da crescente proliferação de jornais digitais, blogues e publicações feitas por cidadãos, «nos quais circulam informações valiosas mas também mentiras.»
Ora, a Prisa - perdão: o professor/empregado da Prisa - não tolera a mentira, abomina-a; para ele só a verdade e nada mais do que a verdade conta. E a verdade - perdão: a VERDADE - quem a conhece é o patrão - perdão: o PATRÃO.
Daí que, advertiu o professor/empregado do PATRÃO, em relação a esses jornais digitais e blogues e etc, há necessidade «de controlar os seus conteúdos»...
A bem da «liberdade de expressão», obviamente.
Para acabar com as «mentiras», obviamente.
Para fazer chegar a todo o lado a VERDADE!

Que grande lição!
E que bem empregado/professor, é este Cebrian da Prisa!

POEMA

NOCTURNO


Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral, o espinho de uma rosa brava...

Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.

Era, no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy...
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.

Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...


David Mourão-Ferreira

FUNDAMENTALISMOS

O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, anda preocupado com os fundamentalismos.
Podia andar preocupado com outros ismos, mas não: são os fundamentalismos que o preocupam.

Pronunciando-se sobre a lei da violência doméstica, o bastonário classifica-a de «fundamentalista». Porquê?
Porque a lei considera a violência doméstica um «crime público» - e ele acha que não é;
e porque, de acordo com a dita lei, as mulheres não podem, e ele acha que deviam poder, «desistir da acusação contra agressões do companheiro quando quisessem».

São muitas e fortes, como se vê, as razões do bastonário para considerar a lei fundamentalista...
Acresce que, segundo o inspirado bastonário, nestes casos de violência doméstica, «a vítima não quer justiça, quer vingança» - o que o deixou à beirinha de acusar de fundamentalistas todas as mulheres que se queixam das «agressões do companheiro»...

Sobre as «17 mulheres mortas pela violência doméstica no primeiro trimestre deste ano», o bastonário não se pronunciou.


Para o bastonário, também o skinhead Mário Machado estava a «ser vítima de uma interpretação fundamentalista da lei».
E tanto o incomodava a injustiça de que o pobre rapaz estava a ser alvo, que achou por bem ir visitá-lo à prisão - e, certamente, manifestar-lhe a sua solidariedade antifundamentalista...
Agora que a «vítima« foi libertada, o bastonário aplaudiu e veio a público congratular-se com a libertação - que constitui, obviamente, uma derrota do fundamentalismo...

HARMONIA...

Pela 15ª vez desde Janeiro passado, os combustíveis aumentaram.
Os lucros das petrolíferas também.
A BP, por exemplo, obteve, no primeiro trimestre deste ano, um lucro 63% superior ao lucro obtido em igual trimestre do ano que passou.

É a esta complementaridade que é uso chamar-se «a harmonia do sistema que nos rege».

POEMA

EFICÁCIA

Um comunista nunca fala de ódio.
Palavras que não leva para casa:
vingança, violência, lucro, promoção,
destruição, solidão, desprezo, ira.

Por simples eficácia:
nada de peso inútil sobre os ombros.


Mário Castrim

UMA DANÇA QUE VEM DE LONGE...

A distribuição de tachos por membros dos partidos da política de direita, em muitos casos ex-governantes, é coisa que vem de longe - o que não obsta a que esteja tão em moda nos tempos actuais.
É natural que assim seja, se tivermos em conta que se trata de uma prática intrínseca a essa política. Ou seja: a política de direita está para os tachos como os tachos estão para a política de direita.

Em 15.10.1983, o Expresso, numa notícia intitulada «Soares e Mota Pinto escolhem novos gestores», dava conta do andamento da distribuição de tachos nesse ano de Governo chamado do Bloco Central, com Soares como primeiro-ministro e Mota Pinto, então líder do PSD, como vice-primeiro-ministro.
Na altura tratava-se de distribuir cargos nas empresas públicas - gente escolhida a dedo e que, como estamos lembrados, tinha geralmente como tarefa levar essas empresas à falência para depois serem vendidas por tuta e meia aos grandes capitalistas.

Dizia assim a notícia do Expresso: «Estão praticamente definidas as alterações nos cargos de gestores públicos que o IX governo prepara desde há pelo menos dois meses. Em encontro que decorreu, na quinta-feira passada, entre Mário Soares e Mota Pinto, com a presença de António Campos e Ângelo Correia, foram ultimadas as "partilhas" em alguns sectores importantes - caso dos Seguros e da Banca (...) A lista dos novos gestores das seguradoras está praticamente concluída».
Segue-se, depois, a longa lista de tachos distribuídos e os nomes dos respectivos beneficiários, após o que o Expresso observa: «É notória nesta lista de nomes o peso dos socialistas, ou da sua área de influência, o que se compreende dado o facto de ser muito grande a influência do PS no sector, nomeadamente através dos sindicatos»...
E a notícia terminava assim: «De acordo ainda com as fontes governamentais contactadas pelo Expresso, ao longo da próxima semana registar-se-á, nesta "dança dos gestores», uma grande evolução.»

Esta dança dos gestores é uma dança que vem de longe...

POEMA

VIAGEM


Aparelhei o barco da ilusão
e reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
o mar...

(Só nos é concedida
esta vida
que temos;
E é nela que é preciso
procurar
o velho paraíso
que perdemos)

Prestes, larguei a vela
e disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
a revolta imensidão
transforma dia a dia a embarcação
numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
o que importa é partir, não é chegar.


Miguel Torga

«A EXPERIÊNCIA»...

Enquanto Passos Coelho reunia com a CIP - e Santana Lopes andava por aí... - Manuela Ferreira Leite reunia com uma delegação dos TSD «para analisar o novo Código do Trabalho».
À saída da reunião, a candidata à liderança do PSD disse que só tomará posição sobre o Código quando a discussão sobre a proposta do Governo, «em sede de concertação social», terminar.

Sendo óbvio que Manuela Ferreira Leite está de alma e coração com o código do patronato, é igualmente óbvio que não lhe convém admiti-lo numa altura em que anda à cata de votos, inclusive de membros do PSD aos quais o Código não deverá agradar por aí além...
Daí o recurso à arte da fuga...

Em todo o caso, ficamos a saber que era isto que a senhora queria dizer quando, há dias, anunciava ir «fazer a experiência de falar verdade ao país»...

A LEI EM VIGOR

O advogado do jovem etíope Ahmed Byniam (cujo caso aqui foi referido num post do passado dia 7) enviou segunda carta ao primeiro-ministro português pedindo a confirmação da passagem de voos da CIA por Portugal.
Desta vez, o advogado invoca a lei portuguesa que, nestas circunstâncias, obriga o Governo a dar uma resposta no prazo máximo de 10 dias.
O gabinete do primeiro-ministro informou que «responderá em breve».

Sócrates está colocado perante um sério dilema:
ou cumpre a lei portuguesa e fornece os dados solicitados, reconhecendo a passagem de aviões da CIA por Portugal transportando prisioneiros para a tortura em Guantánamo;
ou cumpre a lei dos EUA e insiste na mentira de que não houve voos da CIA.

Aguardemos que o primeiro-ministro de Portugal nos diga qual é, para ele, a lei em vigor.
Uma coisa é certa, no entanto: a passagem dos voos da CIA por Portugal - confirmada ou não, por Sócrates - é uma afronta à Constituição da República Portuguesa, ou seja, à Lei Fundamental do País.

POEMA

A HISTÓRIA DA MORAL


Você tem-me cavalgado,
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo,
outra quem está a montá-lo.

Alexandre O'Neill

ÂNCORA DE QUÊ?

O Presidente da República assinou o «Tratado de Lisboa».
No acto declarou que «a União Europeia é uma âncora decisiva para Portugal».

(Entre parêntesis: não ouvi o PR mas não arriscarei muito se disser que ele fez a supracitada declaração naquele tom pernóstico com o qual usa ridicularizar-se...)

Do acto em si e da declaração proferida, emergem duas questões:
1 - o Presidente sabe que o Tratado não foi referendado e sabe que isso aconteceu porque os governantes que o apoiam (PR incluído) tinham medo de que a maioria do eleitorado votasse «não» - o que faz da aprovação do texto um acto de ostensiva e notória antidemocraticidade;

2 - no que respeita à declaração, o Presidente procedeu a uma utilização errada do nome de Portugal - erro sempre grave, sejam quais forem as circunstâncias, e mais grave ainda se o utilizador é o Supremo Magistrado da Nação.

De facto, a declaração ajustada à realidade, seria: A União Europeia é uma âncora decisiva para os interesses do grande capital.
É disso, efectivamente, que se trata.

Os protagonistas essenciais deste processo de integração de Portugal na União Europeia, e os métodos a que recorrem, levam-me sempre a pensar que por muito, muito menos do que eles têm feito, foi o traidor Miguel de Vasconcelos defenestrado em 1640...

POEMA

É PRECISO AVISAR TODA A GENTE


É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir.

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha.

É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta.

É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
é preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores.

João Apolinário

«LIVRES», DISSE ELE

Na sua boa acção pedagógica de Coimbra, Sócrates disse que «os sindicatos têm de ser livres, independentes de qualquer linha política».
Que é como quem diz: não, como a CGTP e sim, como a UGT.

Depois, seguiu-se a recorrente alusão à «luta contra a unicidade sindical» - que foi, como se diz lá por casa, uma das gloriosas batalhas democráticas travadas pelo heróico e patriótico PS.

Infelizmente, Sócrates não especificou o objectivo real dessa «luta».
Nem os caminhos seguidos pelo PS na sua abnegada defesa dos «sindicatos livres».
Nem especificou, obviamente, que expressões assumiu a intervenção do PS nessa «luta».

Se o fizesse, poderia começar, por exemplo, por referir as ligações, ainda antes do 25 de Abril, de Mário Soares com Irving Brown, na altura representante em Paris da Confederação Sindical dos EUA (AFL-CIO), função que acumulava com a de elo de ligação da CIA à Confederação Europeia dos Sindicatos Livres.
«Livres»: pois...
E poderia referir, também, as ligações de Mário Soares com Vernon Walters, o dipomata-espião - que fora grande amigo de Salazar e de Caetano - e que, logo a seguir ao 25 de Abril, veio a Portugal, onde teve encontros com o PS/Soares e com o PSD - encontros nos quais foram definidas as linhas de intervenção imediata da CIA em Portugal, a saber:
a vinda de Irving Brown para organizar a ofensiva contra os «sindicatos comunistas»;
e a nomeação de Carlucci para embaixador.
A tal operação chamavam eles - todos, em coro síncrono - «o apoio dos EUA à democratização de Portugal».
«Democratização»: pois...
(Entre parêntesis, recorde-se que Brown tinha uma vasta e proveitosa experiência de divisionismo sindical na Europa e que Carlucci era célebre, entre outras façanhas, pela organização do golpe de Mobutu e do assassinato de Patrice Lumumba, em1960, e pelos golpes fascistas do Brasil, em1964, e do Chile, em 1973.)

Depois, seguiram-se as remessas de dinheiro. Muito, muito, muito: milhões de dólares, de marcos, de libras, de coroas, de francos - sempre encaminhados em primeira mão para as mãos democráticas de Mário Soares, e com os quais foi feito tudo o que era necessário, desde a criação de «fundações» do PS, até à criação de empresas várias na área da comunicação, passando, naturalmente, pelo pagamento a homens para todo o serviço...
E sem esquecer, é claro, a criação da UGT! - a tal «independente de qualquer linha política», ou, como também é hábito dizerem, nascida da vontade dos trabalhadores e não dos partidos...

E no congresso fundador da UGT, a zelar pelo bom andamento dos trabalhos e pela independência da UGT em relação a qualquer linha política, lá estavam:
o CDS: Amaro da Costa, Ribeiro e Castro, etc;
o PSD: Sá Carneiro, Amândio de Azevedo, Rui Machete, etc;
e o PS: Mário Soares, António Macedo, Maldonado Gonelha, Edmundo Pedro, Rui Mateus, Marcelo Curto e Alfredo Carvalho.

Sócrates que, em Coimbra, disse o que disse, sabe tudo isto.
Sabe, até, muito mais do que tudo isto.
Pelo que, dizendo o que disse, sabe que está a assumir-se como continuador da ilustre cambada de vendidos que o antecederam nestas andanças.

POEMA

(Todo o dia e toda a noite grunhe
em forma de símbolo debaixo do meu quarto.)

Eh! vizinho porco,
todo o dia de borco
a foçar na terra onde nasceu!
Ensine ao aldeão
a sua lição
de pensar menos no céu
e mais no chão.

(Na terra, camponês,
também há estrelas
que tu não vês...
Mas hás-de vê-las.»

José Gomes Ferreira

«PRECONCEITO»

É uma palavra-chave do linguajar dos propagandistas ao serviço do grande capital.

Há dias, utilizou-a o Director do órgão central da Sonae, disparando contra os trabalhadores que - retrógrados, egoístas, cegos face às novas realidades...- continuam presos ao «preconceito», isto é: continuam a falar em «direitos», quando deveriam dar-se por muito felizes por... não terem direitos; e mais felizes ainda por não terem o direito ao trabalho com direitos...

Ontem, utilizou-a o «feitor do capital», em Coimbra, na tal reunião com «militantes do PS», aos quais foi «explicar» as imensas bondades do Código do Trabalho: «venho aqui mobilizar-vos para estas propostas, é preciso vencer as forças do preconceito (...) que nos atacam como nos atacaram durante os últimos 30 anos.»

Os jornais não dizem se Sócrates logrou alcançar os seus objectivos mobilizadores. É possível que sim: é possível que entre os que o foram ouvir nenhum se tenha apercebido de que estava a ser manipulado; é possível que que nenhum dos assistentes tenha pensado nesta coisa óbvia:

se, por hipótese, este Código do Trabalho tivesse sido apresentado por um governo PSD, provavelmente Sócrates teria ido a Coimbra «mobilizar os militantes do PS» para rejeitarem tal «atentado aos direitos dos trabalhadores»... - não por estar contra o dito Código, obviamente, mas no cumprimento do seu papel de fingir oposição e, assim, capitalizar o descontentamento provocado pela política de direita e ganhar votos para ir para o Governo fazer essa mesma política de direita.
Porque, como os factos mostram, é essa a prática do PS desde há 32 anos (e não 30...): na «oposição», finge criticar a política; no Governo leva por diante essa mesma política - e, regra geral, indo muito mais longe do que os governos do PSD.
Como é o caso do Governo Sócrates/PS.
Este Governo que, ontem, em Coimbra, Sócrates qualificou de «sério e honesto»...

POEMA

CARTAS NA MESA


Vou pondo cartas
dos meus amigos
sobre esta mesa
de conivência

E, a sós, descubro
que viver só
não é poesia
nem é ciência...

Raul de Carvalho

UM, DOIS, TRÊS...

UM
Diz o Público que as propostas apresentadas pela UGT para a revisão do Código do Trabalho «não repudiam as propostas do Governo» e que, no documento apresentado, «não se lê a palavra "inaceitável"».
No entanto, à saída da reunião onde entregaram as suas propostas, os dirigentes da UGT disseram que «tal como estão, as propostas do Governo vão ao encontro das ideias do patronato (...) e, por isso, necessitam de ser clarificadas.»
Compreensivo, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva apressou-se a garantir que «as posições governamentais iriam ser clarificadas»...
A confirmar a boa harmonia laboral existente entre a UGT, o Governo e o patronato, «o secretário-geral da UGT, João Proença, afirmou ao Público que as posições da UGT reuniram a compreensão dos parceiros e do próprio Governo.» - que é como quem diz: «Temos Código do Trabalho!»

DOIS
No mesmo Público, José Manuel Fernandes, abordou em editorial o desejado Código.
Recorrendo à cassete do grande capital (que, mais uma vez, mostra saber de cor e salteado) concluiu que «a proposta de revisão do Código de Trabalho vai no bom sentido».
E aplaude o facto de também a UGT estar a ir no bom sentido - ao contrário da CGTP, evidentemente...
Diz ele que «é muito significativo que as atitudes da CGTP e da UGT se revelem tão distintas». E, expelindo modernidade por tudo quanto é sítio, dispara que «a CGTP está, no essencial, agarrada ao passado, às "conquistas" e aos "direitos"»... essas coisas obsoletas, arcaicas, percebem?
Quanto à UGT - prossegue o colaborador do empregador Belmiro - essa, sim!, «dá sinais de compreender como o mundo mudou. E como é mais importante criar postos de trabalho do que proteger "empregos"»...
Ainda assim, o fidelíssimo colaborador da Sonae lança um severo aviso à UGT, porque, segundo ele, «ainda hesita», continuando «a fazer coro com a CGTP» na absurda não aceitação de que «um trabalhador e um empregador cheguem a acordo sobre uma redução salarial.»
Ora, avisa o Director do órgão central da Sonae, tal não aceitação não passa de «um preconceito» velho que, obviamente, não tem em conta essa exigência da modernidade que é a necessidade imperiosa de os «empregadores» aumentarem sempre, sempre, os seus lucros - questão primeira a ter em conta na revisão do Código do Trabalho...
«Preconceito» do qual a UGT deve urgentemente libertar-se - sem o que não cumprirá plenamente a tarefa que lhe foi destinada, em acto de criação, pelos seus progenitores PS/PSD/CDS, mais conhecidos por partidos da política de direita.

TRÊS
Mal o PCP anunciou a apresentação da sua moção, o PS decidiu levar por diante a realização de uma série de «plenários distritais com militantes do partido, para explicar os objectivos do Governo com a revisão do Código do Trabalho».
O primeiro desses plenários - informa o inevitável Público - realizar-se-á amanhã, em Coimbra, tendo como explicadores José Sócrates e o seu ministro do Trabalho.

Até à hora de fecho deste post, não foi possível confirmar se o secretário-geral da UGT participará em alguns desses plenários - e, em caso afirmativo, se o fará na condição de explicador ou de explicando.
Quanto a José Manuel Fernandes, sabe-se que não participará em nenhum dos plenários, por razões que se prendem com o facto de não ser militante do PS.
Nem de qualquer outro partido, aliás.
Como a independência e a isenção de análise lhe exigem, José Manuel Fernandes é, apenas, militante da política de direita.

POEMA

(Cantámos em redor da Estátua.)


Em multidão
os homens parecem maiores do que são.

Nela,
a nossa voz,
tão rude quando cantamos sós,
parece mais bela.

Num coro de cantar
sai cá para fora
tudo o que há em nós de sol-treva no luar.

(O resto - os sonhos mesquinhos -
fica para a solidão
dos caminhos.)


José Gomes Ferreira

A MOÇÃO DE CENSURA

O resultado, em termos de votação, foi o que se esperava - aliás, referido pelo secretário geral do PCP quando, em 30 de Abril anunciou a moção, na Assembleia da República.
A maioria absolutíssima de que a política de direita dispõe no Parlamento (PS+PSD+CDS/PP) não deixava margem para qualquer dúvida.
A moção de censura constituiu, assim, uma iniciativa de profundo conteúdo político, levada por diante com a consciência plena da correlação de forças existente mas igualmente com a consciência clara da indispensabilidade de a apresentar neste preciso momento.
Como a realidade confirmou.

Na intervenção inicial, Jerónimo de Sousa disse o que era necessário dizer:

põs a nu o conteúdo, a natureza e as consequências da política de direita que há 32 anos vem flagelando Portugal e os portugueses - e que com o actual Governo atingiu os mais elevados graus de devastação em todas as áreas da vida nacional;

deu voz às centenas e centenas de milhares de pessoas que, nos últimos tempos, nos locais de trabalho ou na rua manifestaram o seu descontentamento e o seu protesto e apresentaram as suas justas exigências - e também aos muitos milhares que, por razões várias (medo, inclusive) calaram para si esses descontentamento, protesto e exigências...;

demonstrou a necessidade, e a possibilidade, de uma ruptura de esquerda que devolva aos portugueses os caminhos de justiça social, de liberdade e democracia, de independência e soberania nacional, abertos pela Revolução de Abril.

E do debate emergiu, inequívoca, a razão dos comunistas - que é a razão dos trabalhadores, do povo e do País.
Uma razão pela qual é imperioso continuar a lutar.

E, como a moção de censura ao Governo e à sua política evidenciou, a luta de massas é o caminho decisivo para derrotar a política de direita e para impor a necessária alternativa de esquerda.

Assim, a Manifestação Nacional convocada pela CGTP-IN para 5 de Junho, em Lisboa, espera por nós.
Vamos encher a Avenida da Liberdade. Do Marquês de Pombal até aos Restauradores.
A LUTA CONTINUA!

POEMA

TELEGRAMA DE MOSCOU


Pedra por pedra reconstruiremos a cidade.
Casa e mais casa se cobrirá o chão.
Rua e mais rua o trânsito ressurgirá.
Começaremos pela estação da estrada de ferro
e pela usina de energia eléctrica.
Outros homens, em outras casas,
continuarão a mesma certeza.
Sobraram apenas algumas árvores
com cicatrizes, como soldados.
A neve baixou, cobrindo as feridas.
O vento varreu a dura lembrança.
Mas o assombro, a fábula
gravam no ar o fantasma da antiga cidade
que penetrará o corpo da nova.
Aque se chamava
e se chamará sempre Stalingrado
- Stalingrado: o tempo responde.


Carlos Drummond de Andrade