Memória


"Conhecer-te foi a maior felicidade da minha vida... podes crer, eu esperava por ti, sabia que, em qualquer parte do mundo, tu existias... e foi bom ver-te chegar, com a tua amizade total, com o teu riso aberto, com os teus livros dentro da camisa, com a tua timidez exposta, com as tuas convicções fortes, com essa força interior que conforta todos os que te conhecem.
Quando te vi chegar, soube que tinha chegado o meu amigo, aquele em quem eu confio mais do que em mim próprio, a quem confidenciarei tudo o que jamais direi seja a quem for...
Interrompe-o Francisco, procurando disfarçar a comoção: Se continuas assim, fazes-me chorar. Vasco põe um sorriso terno: Chora, então, porque eu vou continuar..."


O Caminho das Aves, de José Casanova

POEMA


OS MENINOS NASCEM


Vós podeis, tiranos, forjar ainda mais sólidas algemas,
chapear de aço as paredes das nossas e vossas cadeias,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, cravar mais fundo as vossas baionetas,
esmagar-nos nas ruas debaixo das patas dos vossos cavalos,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, roubar, incendiar, fuzilar sem descanso,
vedar os caminhos ainda livres, envenenar as fontes ainda puras,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, vir de novo descarregar a vossa cólera
sobre Oradour,
lançar vossa chuva de raios sobre nosso humano desejo de viver,
e fazê-lo-eis,

Vós podeis, tiranos, inventar ainda piores suplícios,
mordaças mais espessas, baixezas mil vezes mais desumanas
para Buchenwald,

inutilmente o fareis:

Esta simples criancinha dormindo em seu berço,
este menino ainda na barriga de sua mãe, olhai
como vos fitam
serenos e terríveis.


Papiniano Carlos

(publicado por Fernando Samuel em 7.11.2008)

RELEMBRAR O NOSSO CAMARADA AURÉLIO SANTOS



- Edição Nº 1862 -  6-8-2009 - Avante
 
      Aurélio Santos 
Alianças à esquerda – porque não?
 
No momento político português é inevitável constatar que reclamações (designadamente ao PCP) de integrar uma «nova política de alianças», mantêm um silêncio pudicamente discreto sobre quais as bases em que essas alianças poderão estabelecer-se.

Verifica-se infelizmente a olho nu que muitos dos que falam da necessidade (real) de uma «convergência da esquerda» não têm sido capazes de avançar ideias sobre o conteúdo político das alianças a prosseguir, nem sobre as causas da tão referida (e real) «crise da esquerda».

Do que se trata, então? Procurar uma política que permita novas alianças ou enveredar por alianças políticas sem base em princípios? Ou seja: visando apenas encontrar lugar marginal no aparelho de um poder sem princípios, tão capaz de servir os mesmos interesses, de uma direita «pura e dura» ou uma direita «moderada», de acordo com as conjunturas?

Para nosso mal, tem acontecido entre nós essa falsa «alternidade» duma mesma política, que erradamente se etiquetou também de «bipolarização».
Tiremos-lhe o «bi», que não faz mal a ninguém e só se presta a confusões ideológicas. 

Há de facto uma polarização de interesses económicos em torno do PS e do PSD, os dois partidos capazes de seduzir por obediência canina a atenção do grande capital. Este tem sido um dos principais factores de instabilidade e da crise da democracia (e da esqquerda) nos países em que uma falsa e falseadora «bipolarização» se impôs. 

Não será isso que leva também ao descrédito da democracia, quando reduzida a ilusionismo de ludíbrio cada vez mais mediático, em que o jogo das etiquetas no mesmo modelo tenta substituir a definição clara de princípios e de políticas - ou por que não: de políticas com princípios?

Sem ideias ou propostas concretas, sem princípios claros de orientação política, que razões poderiam levar o PCP a entregar o seu património (aliás único no quadro partidário português) e que constitui parte essencial do próprio património da esquerda, fundamental para o futuro dessa esquerda, em troco de uma qualquer participação em um jogo de vista curta?

SERENATA DA FIDELIDADE


Vinte e dois artistas de nove países deram os parabéns a Fidel Castro pela passagem do seu 85º aniversário natalício.
Foi a noite passada, no Teatro Karl Marx, em Havana, na Serenata da FIDELidade - espectáculo organizado pela Fundação que tem o nome do grande pintor equatoriano Oswaldo Guayasamin.

Falando em nome da família de Guaysamin, Alfredo Vara, o organizador do espectáculo, disse que «esta Serenata da FIDELidade não é só uma homenagem a um ser humano que reúne notáveis virtudes e valores; é fundamentalmente um acto de gratidão, de reconhecimento, ao líder vitorioso - ao Irmão da Humanidade, ao Eterno Comandante - e um tributo, através da sua pessoa, ao heróico povo de Cuba e à Revolução Cubana».

Na verdade, ninguém mais apropriado do que Fidel para ser o portador de tal mensagem ao povo cubano.
De Moncada à entrada vitoriosa em Havana; da assumpção do carácter socialista da Revolução à resistência heróica face ao criminoso bloqueio decretado pelo imperialismo norte-americano - sempre, sempre com uma postura de exemplar solidariedade internacionalista - a sua vida e a sua acção marcam impressivamente a história da luta libertadora não apenas do povo de Cuba, mas também dos trabalhadores e povos de todo o mundo.

O nome de FIDEL ficará, para sempre, como um dos maiores na história do movimento revolucionário mundial do século XX.

Publicado  por Fernando Samuel em 13.8.2011


Provavelmente


Provavelmente
não terei a força, o verbo, o tamanho para falar duma revolução
que rebentou no coração daqueles que, desde o primeiro vagido, a desejaram.

Provavelmente
esquecerei nomes, trocarei datas, falarei dos heróis que o não foram
e dos cobardes que tiveram a coragem de não puxar gatilhos,
de permanecerem poetas e não matarem
ainda que com essa negação da morte ficassem
com os corpos presos, que a alma não.

Provavelmente
louvarei demasiado os que me são queridos, cantarei as paisagens
onde nasci e chegarei mesmo ao despudor de gritar
que o Alentejo é o mais lindo país do mundo,
que uma papoila vermelha floresce diariamente
nos dedos dos que trabalham a terra.

Provavelmente
deixarei nas margens deste recado essoutros que em Marços
e Setembros saíram para a rua agarrados à estrela da manhã
para com ela (somente com ela) defenderem a liberdade.

Provavelmente
não saberei pronunciar os nomes das crianças
que num mês de Abril inventaram novos símbolos,
debruaram de cravos as redacções escolares, as paredes dos jardins,
os troncos dos abetos, e inundaram com as aguarelas da ternura
os olhos dos homens cansados.

Provavelmente
e porque não? direi que vi soldados vestindo a farda que o povo usa,
essa camisa lavada e branca dos nossos irmãos operários,
camponeses, trabalhadores de todos os misteres.

Provavelmente
trocarei as notas à melodia que semeou o luar, desvirtuarei
a cor da baioneta que defendeu o sol, não saberei agarrar
o espanto das mãos que seguravam o vento como quem
agarra essas bandeiras de carne a que chamamos filhos.

Provavelmente
não citarei nomes de capitães, dragonas de almirantes,
siglas dos partidos, as multidões dos comícios, as cores
dos panfletos, o eco dos gritos que rebentaram a veia tensa
deste quase meio século que sufocou o pulmão
da nossa Pátria sempre adiada.

Provavelmente
só vos falarei dum Homem com rosto de homem, palavra
de homem, o gesto simples do Homem simples e sincero
que todos esperámos na lonjura da esperança,
como o Criador esperou o nascimento do mundo.

Provavelmente
escreverei: Vasco Gonçalves.

Provavelmente
acrescentarei: - Por aqui passou um Homem!

Eduardo Olímpio
(Fevereiro de 1976)

ATÉ SEMPRE CAMARADA MIGUEL URBANO RODRIGUES

















Há homens que lutam um dia e são bons, 
há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são os imprescindíveis.

 (B. Brecht)

LÍDER HISTÓRICO DO PCP GARANTE QUE PARTIDO NÃO SERVIRÁ DE SUPORTE AOS SOCIALISTAS: Álvaro Cunhal acusa PS de se distinguir de PSD pela «forma mais subtil de mentir»

(Notícia publicada a 07 de Março de 2001 no Jornal Público)

Álvaro Cunhal rejeitou esta noite, em entrevista à RTP, que o PCP possa vir a ser uma "peça de suporte do PS", acusando os socialistas de se distinguirem dos sociais-democratas pela "forma mais subtil de mentir".

O líder histórico dos comunistas portugueses garantiu que "o PCP não quer ser, nem será, uma peça de suporte do PS". Cunhal lamentou ainda a "perversão e degradação actual da democracia política", criticando a lei eleitoral para as autarquias e a lei de financiamento dos partidos.Rejeitando a figura de mito do PCP, Cunhal fez questão de salientar que a sua contribuição "foi sempre inserida no colectivo do partido" e que "o PCP teve muitos outros militantes de grande mérito", nomeadamente os primeiros dirigentes Bento Gonçalves e Alfredo Dinis.

"O 25 de Abril, a resistência à contra-revolução e depois a resistência à perversão da democracia" foram referidos pelo líder histórico comunista como os motivos de maior orgulho enquanto esteve à frente do PCP.
Cunhal afirmou ainda que continua a acreditar que a "criação de uma sociedade nova e socialista" é possível hoje como era há 80 anos, quando o PCP foi fundado.




In:
https://www.publico.pt/2001/03/07/politica/noticia/cunhal-acusa-ps-de-se-distinguir-de-psd-pela-forma-mais-subtil-de-mentir-13608

1º de Maio


Todos
que marchais pelas ruas
e deteis as máquinas e as fábricas,
todos
desejosos de chegar a nossa festa
com as costas marcadas pelo trabalho,
saí a 1º de Maio,
o primeiro dos dias.
Recebê-lo-emos, camaradas,
com a voz entrecortada de canções.
Primavera,
derretei a neve.
Eu sou operário,
este dia é meu.
Eu sou camponês,
este dia é meu.

Todos,
estendidos nas trincheiras
esperando a morte infinita,
todos
os que num carro blindado
atiram contra seus irmãos,
escutai:
Hoje é 1º de Maio.
Partamos ao encontro
do primeiro dos nossos dias,
enlaçando as mãos proletárias.
Calai vossos morteiros!
Silêncio, metralhadoras!
Eu sou marinheiro,
este dia é meu.
Eu sou soldado,
este dia é meu.

Todos,
das casas,
das praças,
das ruas,
encolhidos pelo gelo invernal,
todos
torturados de fome,
das estepes,
dos bosques,
dos campos,
saí neste 1º de Maio!
Glória à gente fecunda!
Desabrochai, primavera!
Verde campos, cantai!
Soai sirenes e apitos!
Eu sou de ferro,
este dia é meu.
Eu sou a terra,
este dia é meu!

Mayakovsky

A TESE HÍBRIDA

Por Catarina Casanova





“Por isso, quando a pequena burguesia (pela voz dos seus  intelectuais radicalizados) se afirma anti-capitalista e socialista, imagina um novo modelo de <socialismo>, um socialismo sem o papel dirigente da classe operária, um socialismo em que ela, a pequena burguesia, possa sobreviver como classe, um socialismo à sua própria imagem...”.

(Álvaro Cunhal, in Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista, 1971)


Em 1940, Mao-Tse Tung teorizou sobre a “nova democracia” na China, dizendo que esta seria uma forma original de organização social e política na etapa da revolução democrática. Essa “nova democracia” caracterizava-se por ser um regime nacional com carácter transitório, em que o poder seria exercido “por diversas classes revolucionárias” (Mao-Tse Tung, 1940).
Esta tese continuou (e continua) a ter apoios em muitos partidos que se dizem comunistas. Em Itália, no PCI o conceito de “democracia progressiva” aparece com Togliatti e é desenvolvido posteriormente por Berlinguer defendendo-se uma espécie de evolução gradual do capitalismo para o socialismo. Por sua vez, em França, o PCF[1] no seu manifesto intitulado «Por uma democracia avançada, por uma França socialista» (1968), também conhecido por “Manifesto de Champigny”, defende que a classe operária deve ser aliada de “outras camadas sociais não capitalistas e menciona que “através de múltiplas acções de massas da classe operária e das mais largas camadas populares que a relação de forças sociais e políticas poderá́ ser modificada a favor da democracia e do socialismo” (“Por uma Democracia Avançada, Por uma França Socialista”, 1968).
Esta tese de maoístas e eurocomunistas revê aspectos essenciais da teoria marxista. Marx e Engels (1848) tinham referido no “Manifesto do Partido Comunista” que: “Os estados médios [Mittelstände] — o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês —, todos eles combatem a burguesia para assegurar, face ao declínio, a sua existência como estados médios. Não são, pois, revolucionários, mas conservadores. Mais ainda, são reaccionários, procuram fazer andar para trás a roda da história. Se são revolucionários, são-no apenas à luz da sua iminente passagem para o proletariado, e assim não defendem os seus interesses presentes, mas os futuros, e assim abandonam a sua posição própria para se colocarem na do proletariado” (op. cit.).
Será que algo se passou entre a publicação do “Manifesto do Partido Comunista"  e estas revisões?
Parece-nos que não: a estrutura do modo de produção não se alterou, as relações de produção mantiveram-se, a dinâmica de proletarização da pequena burguesia não desapareceu e portanto a sua luta só pode ser para “assegurar, face ao declínio, a sua existência como estados médios” (op. cit.).
Parece continuar a ter toda a validade a tese do VI Congresso da Internacional Comunista que afirma que na actual fase de desenvolvimento do sistema capitalista o imperialismo gera instabilidade nas relações capitalistas (desde logo com choques inter-imperialistas), uma massa de “elementos sociais desclassificados” oriundos “das massas pequeno-burguesas, dos intelectuais e doutros meios sociais”, inclusivamente d“os meios operários, onde recruta os elementos mais atrasados” são a base de massas de políticas reacionárias e, se necessário, do próprio fascismo (Programa da Internacional Comunista adoptado pelo VI Congresso Mundial, 1928).
 Não há qualquer papel revolucionário a esperar por parte das classes intermédias na sociedade capitalista (ou ditadura da burguesia), como aliás vem sendo verificado desde o “Manifesto do Partido Comunista” (1848), e como a Internacional Comunista, no seu tempo, voltou a confirmar.
Deste modo, todas as teses sobre uma tomada de poder conjunta entre proletariado e sectores intermédios carecem de qualquer validade do ponto de vista não apenas teórico mas também da prática histórica[2].
Sem visitar o caso extremo em que os sectores intermédios foram bases de massas do fascismo, no caso português podemos atentar no comportamento das classes intermédias durante o período revolucionário de 74/75 e do seu partido de classe: o PS.
É certo que em determinadas circunstâncias as classes intermédias puderam apoiar reivindicações democráticas, sobretudo à medida que o aprofundamento da exploração e opressão dos trabalhadores comprometia as suas liberdades individuais. Contudo, a luta pela democracia pode muito facilmente nada ter a ver com a luta pelo socialismo (recordamos mais uma vez o exemplo português com a atitude do PS e do recentemente falecido Mário Soares). Há quem repita insistentemente sobre a existência de uma conhecida tese marxista-leninista que considera a luta pela democracia e pelo socialismo inseparáveis[3]. Em primeiro lugar trata-se de uma afirmação redundante. Em segundo lugar, de acordo com Lenine (1915), enquanto existir capitalismo todas as conquistas democráticas serão sempre incompletas e deformadas –   competindo aos comunistas – apoiando-se na democracia já existente – desmascarar o seu carácter incompleto e afirmando que a “base necessária tanto para liquidar a miséria das massas como para a completa e integral realização de todas as transformações democráticas” será “o derrubamento do capitalismo, a expropriação da burguesia” (Lenine 1915).  Faça-se notar que Lenine se refere a todo o capitalismo, e não apenas ao dos monopólios, e a toda a burguesia, pequena, média, e grande. A luta que o comunismo propõe é pela democracia dos trabalhadores, que resulta da transformação do modo de produção dominante. O capital, sabemo-lo desde Marx (ex: 1849), não é nem uma coisa nem um conjunto de pessoas: é uma relação social. Sem a liquidação dessa relação social, dessa forma específica de relação com os meios de produção e das classes entre si, não é possível construir qualquer democracia que não seja burguesa. Qualquer proposta desse tipo, ainda que se disfarce, como no exemplo maoísta ou eurocomunista, de tese revolucionária, é a de uma reforma “reaccionária” (para usar a expressão do “Manifesto do Partido Comunista”); procura permitir a sobrevivência da pequena burguesia como classe para lá do actual modo de produção, coisa que é impossível.
Outro aspecto que importa discutir é que em muitos textos eurocomunistas [e maoístas (Mao-Tse Tung, 1940)] fica claro que passam a existir “etapas intermédias” entre o capitalismo e o socialismo. Em alguns textos (veja-se o já referido “Manifesto de Champigny”, 1968) estas etapas não são caracterizadas como capitalismo, como revolução socialista ou como socialismo. Ora entre o capitalismo e o socialismo não existe nenhuma etapa, fase, patamar, nível degrau ou estágio. O socialismo, sendo a última forma económico-social classista imediatamente antes do comunismo, para que possa vingar, terá que esmagar a burguesia e acabar com as relações de produção capitalistas. Para o fazer terá que exercer o seu domínio político (via ditadura do proletariado). Portanto, para liquidar um Estado burguês tem que existir um Estado proletário. O socialismo pode ter recuos (veja-se a esse propósito a NEP) mas tudo o que seja falar de “fases” ou “etapas” fora de contextos históricos reais (que têm que ser caracterizados) não passa de um exercício de mera ficção (porque historicamente infundada), que apenas ilude os trabalhadores e os comunistas com a perspectiva de uma possível caminhada gradual e mais ou menos pacífica e dialogante para o socialismo. Se a etapa da “democracia avançada”, “democracia progressiva” ou “nova democracia” se situa no capitalismo (ditadura da burguesia), então a mesma é nada mais nada menos que uma reforma do próprio capitalismo uma vez que continuamos a viver no domínio político da burguesia. O facto desta etapa se chamar “democracia avançada”, “democracia progressiva” ou “nova democracia” não a torna menos capitalista nem representa uma forma evolutivamente gradualista rumo ao socialismo. Por isso, os comunistas do PCF, PCI ou PCE estão a defender a luta por uma reforma dentro do sistema capitalista e não pela revolução socialista (ou o socialismo).
Alguns falam de “relação dialéctica” entre estas formas de democracia (“avançada”, “progressiva” ou “nova”) e o socialismo e da não existência de uma separação estanque entre estas e o socialismo. Todavia, nenhuma “relação dialéctica” não sofística consegue enlaçar ou fazer a ponte entre a democracia capitalista e a democracia socialista. Como escreveu Lenine (1917): “A democracia para uma ínfima minoria, a democracia para os ricos - tal é a democracia da sociedade capitalista” – democracia, pois  truncada, miserável, falsa”. Na verdade a diferença entre capitalismo e socialismo é radical e qualitativamente distinta, tal como definida por Marx (1875) e Lenine (1917): o socialismo (a que Marx se referiu como a fase primeira da sociedade comunista) implica nada menos do que a apropriação do poder do Estado por parte dos trabalhadores e a subsequente eliminação da posse privada dos meios de produção pela burguesia. Do ponto de vista histórico estamos perante um verdadeiro alto. Se estas formas de democracia não implicarem, pelo menos, o domínio político do proletariado (com vista ao desaparecimento das relações de produção capitalistas), então a luta pelo socialismo fica na gaveta pois ela é impossível do ponto de vista prático.




[1] O PCF, à semelhança do PCI e do PCE, ao abraçarem o eurocomunismo desistem das concepções revolucionárias pois abandonam o socialismo como objetivo, abandonam o papel de vanguarda do partido operário, a perspectiva revolucionária da transformação da sociedade. Acabam por abandonar o marxismo-leninismo e as suas principais teses.
[2] Na década de 30 do século passado a Internacional Comunista discutiu a existência de interesses concordantes entre “classes e camadas” (atingidas nos seus interesses objetivos) especificamente para combater o nazi-fascismo via «frentes populares». Tais frentes foram portanto limitadas no tempo e no espaço e a um contexto muito particular de objectivos. Adicionalmente, tal unidade nunca colocou em causa a perspectiva antagónica de classes e nunca se aceitou a diluição os interesses da classe operária nos interesses da pequena burguesia.
[3] Não deixa de ser curioso que o texto eurocomunista do “Manifesto de Champigny” (1968) referia a “causa inseparável da democracia avançada e do socialismo” e que caberia ao PCF, “sem se substituir aos órgãos do Estado, às instituições representativas e às administrações”, “traçar em cada etapa as perspectivas do desenvolvimento socialista nos diferentes sectores da vida económica, social, política e cultural”. Portanto, estes capitulacionistas ideológicos defendem que cabe à vanguarda da classe operária – o Partido Comunista – ser uma espécie de observatório da qualidade da democracia burguesa.



Referências

Cunhal, A. 1971. Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista. Edições Avante!
Lenine, V.I. 1915. O Proletariado Revolucionário e o Direito das Nações à Autodeterminação. Obras escolhidas em seis tomos, Editorial Avante! 1986, T2, pp.272-78.
Lenine, V.I. 1917(1977). O Estado e a Revolução. Editorial Avante! (http://www.dorl.pcp.pt/images/classicos/t25t088.pdf)
Mao Tse Tung, 1940. A Nova Democracia na China. Yenan, 1 (https://www.marxists.org/portugues/mao/1940/01/15.htm)
Marx, K. 1849. Trabalho Assalariado e Capital. Obras escolhidas em três tomos, Editorial Avante! [Tradução de José Barata Moura e Álvaro Pina (https://www.marxists.org/portugues/marx/1849/04/05.htm)]
Marx, K. 1875 (2009). Crítica do Programa de Gotha. Editorial Avante! (https://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/index.htm)
Marx, K. e F. Engels. 1848. Manifesto do Partido Comunista. Editorial Avante! (http://www.pcp.pt/sites/default/files/documentos/1997_manifesto_partido_comunista_editorial_avante.pdf)
Por uma democracia avançada, por uma França socialista. 1968 (http://aaweb.org/pelosocialismo/components/com_booklibrary/ebooks/2013-08-16%20-%20Manifesto%20Champigny.pdf)
Programa da Internacional Comunista adoptado pelo VI Congresso Mundial, 1928 (http://www.hist-socialismo.com/docs/ProgramaIC1928.pdf






A LONGA ESPERA


Até onde chegará a nossa
resistência?
Até onde
suportaremos nós,
homens de carne e osso,
a tortura inumana?
Até onde, pacientes,
metódicos,
secretos,
seremos capazes de levar
as nossas palavras
firmes e consoladoras?
Até onde ecoarão elas,
e em que ouvidos?
Até onde teremos de mascarar-nos,
de mentir,
de fingir?
Revolução
porque tardas?
Já escarva o chão,
pronto a investir,
o gigantesco toiro,
de baba espessa,
de olhos chispantes
e frementes músculos.
Já desabrocham cravos
no silêncio contido.
Já as ocultas labaredas
se preparam para desfraldar-se
resgatadoras,
ao vento solto.
Já as multidões,
com a sua ira,
quebram em estilhaços
o lavado cristal do dia atento.
Revolução,
porque tardas?
Desdobra, cotovia amável,
como um harmónio,
a tua alacridade,
sob o frio dos escombros.
Semeia, sol,
a luz e o calor fertilizadores
pelos campos lavrados.
Dai as mãos e anunciai,
trabalhadores de todo o mundo,
o grande recomeço.
Soldados,
quebrai com ímpeto
as vossas armas arrependidas
e pisai-as.
E tu, menino, proclama,
com a tua voz de alvorada,
para além dos teus desejos,
os teus sonhos realizados.


Armindo Rodrigues.

Poema de Abril

A farda dos homens
voltou a ser pele
(porque a vocação
de tudo o que é vivo
é voltar às fontes).
Foi este o prodígio
do povo ultrajado,
do povo banido
que trouxe das trevas
pedaços de sol.
Foi este o prodígio
de um dia de Abril,
que fez das mordaças
bandeiras ao alto,
arrancou as grades,
libertou os pulsos,
e mostrou aos presos
que graças a eles
a farda dos homens
voltou a ser pele.
Ficou a herança
de erros e buracos
nas árduas ladeiras
a serem subidas
com os pés descalços,
mas no sofrimento
a farda dos homens
voltou a ser pele
e das baionetas
irromperam flores.
Minha pátria linda
de cabelos soltos
correndo no vento,
sinto um arrepio
de areia e de mar
ao ver-te feliz.
Com as mãos vazias
vamos trabalhar,
a farda dos homens
voltou a ser pele.

Sidónio Muralha