1º DE MAIO (1)

«Nunca os carcereiros do Campo de Concentração do Tarrafal nos venceram (...)
É muito grande a força de um homem que se bate por razões justas que o engrandecem e não quer abdicar do respeito por si próprio. No Tarrafal éramos muitos os que assim pensavam e sentiam, e mútuo era o amparo e mútuas as palavras de encorajamneto.
Cercaram-nos de arame farpado, de mar, de muitas muralhas de isolamento, e todas elas derrubámos. Mas a que construímos com a nossa firmeza, a nossa convicção num futuro que iria abater os fascistas, essa não a demoliram os carcereiros.

Os vencedores fomos nós.
Nós que pelo 1º de Maio, arriscando-nos aos espancamentos e à frigideira, de costas para as paredes das oficinas, ali estávamos esperando pela alvorada.
E quando o Sol se erguia por cima dos telhados das casernas, levantávamos então o punho em saudação. Saudação ao Sol que um dia amanheceria numa Pátria livre

«Os Vencedores do Campo» - in «TARRAFAL - Testemunhos»

UM TEMA DE REFLEXÃO

Mussolini sorri: depois das legislativas, os seus sucessores ganham, também, o município de Roma...
E anteontem o Parlamento italiano tomou posse - pela primeira vez, desde 1946, sem eleitos comunistas.

Com mais de um milhão de militantes e com uma fortíssima infuência social, eleitoral e política, o Partido Comunista Italiano era, nos anos 70, o maior Partido Comunista da Europa Ocidental.
Contudo, no seu seio nasceram e cresceram (ou foram lá implantadas) forças que, minando a identidade do Partido, conduziram à sua liquidação.
Achille Occhetto foi o último secretário-geral do PCI - e foi ele que, convocando um congresso para o efeito, deu o passo decisivo para a liquidação do Partido.

Durante todo esse processo de destruição, o PCI foi louvado pela comunicação social dominante que o aconselhava a todos os partidos comunistas da Europa como modelo a seguir.
Partidos houve que seguiram o conselho - e tiveram o mesmo fim.
Os que persistiram em continuar comunistas - caso do PCP - eram apontados por essa comunicação social inimigos da «renovação» e da «modernização», «ortodoxos», «estalinistas», etc, etc.

Dos destroços do PCI, surgiu, a dada altura, o Partido da Refundação Comunista e, de uma cisão deste, o Partido dos Comunistas italianos (os dois que, agora, se viram afastados do Parlamento) - e quer um quer outro estão muito, muito, muito longe de poderem ser considerados partidos revolucionários, marxistas-leninistas, com a sua específica natureza de classe, com o seu projecto, comunistas, enfim.

Pronunciando-se sobre esta derrota eleitoral, Occhetto diz que ela se deve ao facto de «os dois partidos comunistas» terem «atrasado a sua renovação» rumo à «criação de uma nova esquerda pluralista e democrática», bla-blá-blá. - o que, traduzido, significa que, para Occhetto, eles ainda são demasiado partidos comunistas e é preciso que o deixem de ser total e absolutamente...

Tudo isto faz pensar - e deve ser tema de reflexão - em como o inimigo de classe, ao longo do tempo, tem conseguido penetrar nos partidos comunistas, criando e pondo a funcionar ao seu serviço activas fracções revisionistas que, não raras vezes, logram mesmo chegar ao topo.
Occhetto, na Itália; Carrilho, na Espanha... - isto para não falar de Gorbachev que, depois de se vender e de vender a União Soviética ao imperialismo norte-americano, correu mundo a fazer «conferências» pagas a peso de ouro e terminou propagandista de malas de viagem...


Também por cá não têm faltado os «renovadores».
A primeira vaga surgiu em finais dos anos 80: todos juravam que o que queriam era «um PCP mais forte», todos se apresentavam como «vítimas de perseguições estalinistas» - e todos juravam que seriam «comunistas sempre».
Desse grupo, a maior parte está hoje no PS e no PSD - são ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, administradores de empresas...
A segunda vaga surgiu em finais dos anos 90: todos juravam o mesmo que os seus antecessores, todos eram «vítimas» das mesmas «perseguições»... e por aí andam...
E a terceira vaga surgirá logo que as condições se proporcionem... e fará as mesmas juras e proclamará as mesmas vitimizações e seguirá os mesmos destinos.

E o PCP continuará a ser o que é há 87 anos.
Porque os seus militantes - que são comunistas e portugueses - o querem assim: Partido Comunista Português.

POEMA

O BURGUÊS


A gravata de fibra como corda
amarrada à camisa mal suada
um estômago senil que só engorda
arrotando riqueza acumulada.

Uma espécie de polvo com açorda
de comida cem vezes mastigada
de cadeira de braços baixa e gorda
de cómoda com perna torneada.

Um baú de tolice. Uma chatice
com sorriso passado a purpurina
e olhos de pargo olhando de revés.

Para dizer quem é basta o que disse
é uma besta humana que rumina
é um filho da puta é um burguês.

José Carlos Ary dos Santos

É NISSO QUE ELE PENSA

Diz Mário Soares que vêm aí tempos maus para os portugueses.
Mas logo ensina o que sabe: «a culpa não é do Governo».
De quem é, então, a culpa?
Soares, qual pai da democracia, continua a ensinar: a culpa «é da conjuntura ocidental e mesmo mundial».

Pronto, está tudo explicado, podemos dormir tranquilos: o Governo PS/Sócrates vela por nós e logo que «a conjuntura» passe, isto vai ser um mar de rosas...

Soares - qual pai da democracia e da liberdade - insiste na lição: o Governo está a governar bem, vejam como «a redução do deficit foi importante»; vejam como era «necessário essa redução ser feita»; vejam como o Governo a fez...

A culpada do mal, continua Soares a ensinar, é «a conjuntura» - desta vez chamada «conjuntura económica europeia» - que nos é adversa, a malvada.
Mas, quando «a conjuntura» deixar de ser adversa, tudo vai melhorar, graças ao Governo PS/Sócrates.

Por tudo isso, ensina Soares - qual pai da democracia, da liberdade e dos direitos humanos - devemos «compreender a situação», isto é: esperar que «a conjuntura» mude. Ou, ensinado doutra forma: não é necessário nem vale a pena lutar, sentemo-nos e esperemos.
Porque, mal «a conjuntura» passe, o Governo PS/Sócrates, fulminante, entra em acção «com coragem, lucidez e sem quebra dos princípos éticos, que nos devem reger».

Como se vê, Soares continua a reger-se por uma incomensurável desvergonha e a sua coragem e lucidez são exemplares da forma como continua a pugnar pela política de direita - política da contra-revolução de Abril - que iniciou há 32 anos e a que sucessivos governos PS e PSD têm dado continuidade.
Ou seja: a defesa dos interesses do grande capital é - ontem, hoje e amanhã - a procupação maior de Soares.
É nisso que ele pensa quando fala em democracia.
É nisso que ele pensa quando fala em liberdade.
É nisso que ele pensa quando fala em direitos humanos.
É nisso que ele pensa - como o porco pensa na bolota.

POEMA

QUADRILHA


João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Carlos Drummond de Andrade

COMPANHEIRO VASCO

Da memória do 25 de Abril de 1974 - desse tempo novo de povo nas ruas conquistando as liberdades exercendo-as e dando os primeiros passos no caminho do processo que fez da Revolução de Abril o momento de maior modernidade da nossa história colectiva - emerge, límpida e transparente, a figura ímpar de VASCO GONÇALVES, General de Abril, Soldado do Povo, Companheiro Vasco.

Dignidade e verticalidade, coragem e patriotismo, inteligência e cultura, modéstia e vontade de saber, lucidez e coerência: eis alguns dos atributos pessoais que, aliados a uma total e permanente postura solidária e fraterna, fazem do Companheiro Vasco, pela sua vida, pela sua acção, pelo seu exemplo, o mais puro e fiel intérprete dos ideais libertadores e transformadores de Abril e uma figura maior da História de Portugal.

Os quatro governos provisórios de que foi primeiro-ministro - de 18/7/74 a 11/9/75 - corresponderam ao período mais exaltante, inovador, avançado e criativo do processo revolucionário.
Nesse tempo, pela primeira - e, até agora, única - vez, Portugal teve um primeiro-ministro que se identificava totalmente com os interesses e aspirações da classe operária, dos trabalhadores, do povo e do País.

Por ocasião do lançamento, em 1977, do livro Doze Poemas para Vasco Gonçalves, da autoria de «alguns dos maiores nomes da nossa poesia actual», Óscar Lopes perguntava: «Seria fácil imaginar Ramos Rosa, Silva Carvalho ou Eugénio de Andrade, por exemplo, a dedicar um poema a qualquer dos outros responsáveis políticos e militares que depois do 25 de Abril disputaram o poder a Vasco Gonçalves?».
E respondia, naturalmente, pela negativa.

Aqui fica - em homenagem ao Companheiro Vasco - um desses doze poemas.


O COMUM DA TERRA

Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
da cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esses eras tu: inclinação da água. Na margem
ventos areias mastros lábios, tudo ardia.

Eugénio de Andrade

POEMA

AMIGO


Mal nos conhecemos
inaugurámos a palavra "amigo".

"Amigo" é um sorriso
de boca em boca,
um olhar bem limpo,
uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
um coração pronto a pulsar
na nossa mão!

"Amigo" (recordam-se, vocês aí,
escrupulosos detritos?)
"Amigo" é o contrário de inimigo!

"Amigo" é o erro corrigido,
não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

"Amigo" é a solidão derrotada!

"Amigo" é uma grande tarefa,
um trabalho sem fim,
um espaço útil, um tempo fértil.
"Amigo" vai ser é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill

ANTÓNIO ADÂNGIO

No início de 1962,o fascismo desencadeou uma forte vaga repressiva em vários pontos do País.
O ditador Salazar tentava, assim, sufocar a luta antifascista que se desenvolvia e alastrava, e que, nesse ano, atingira proporções invulgares: grande manifestação no Porto no 31 de Janeiro; também no Porto, mais de 20 mil pessoas comemoraram o Dia Internacional da Mulher (8 de Março); dezenas de milhares de estudantes em Coimbra, Lisboa e Porto, levaram por diante uma vaga de lutas e greves como nunca antes havia acontecido - a que se seguiria a grande manifestação do 1º de Maio com mais de 100 mil trabalhadores - a maior até então organizada - e, logo a seguir, a histórica conquista das oito horas de trabalho pelo operariado agrícola do Sul, na sequência de muitas e difíceis lutas.

Entre os alvos da repressão fascista contavam-se vários democratas de Aljustrel, presos pela PIDE em Abril desse ano.
No dia 28 de Abril, centenas de aljustrelenses, com predominância de mineiros, concentraram-se junto ao posto da GNR exigindo a libertação dos seus conterrâneos.
A GNR abriu fogo sobre os manifestantes, provocando dezenas de feridos e a morte do jovem mineiro, militante do PCP, António Adângio - cujo nome e exemplo o Cravo de Abril aqui recorda hoje em sentida homenagem.

Tino de Rans

Vagueava eu pelo Youtube quando dei de caras com este clássico do panorama político português:

POEMA

COM FÚRIA E RAIVA


Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Junho de 1974


Sophia de Mello Breyner Andresen

25 de Abril de 2008

Partilho algumas fotos do desfile de comemoração da revolução de Abril na Avenida da Liberdade.

ABRIL VENCERÁ!

Foram muitos, muitos mil os que, em múltiplas manifestações, concentrações e desfiles e em diversificadas iniciativas e convívios, comemoraram ontem o 34º aniversário do 25 de Abril.
A confirmar que Abril está vivo - apesar dos muitos esforços feitos para o matar por parte daqueles que nos últimos 32 anos têm governado Portugal.
Ontem, Abril esteve nas ruas. Por isso... a mais mediática de todas as comemorações foi a engravatada comemoração ocorrida no Parlamento - e, particularmente, o discurso do Presidente da República...

Não gosto deste senhor.
Não apenas, nem essencialmente, porque nos situamos política e ideológicamente nos antípodas um do outro, mas, essencialmente, porque o habita um conjunto de características (digamos assim...) que não suporto, a saber:

- uma incomensurável incultura - que exibe como se se tratasse de atributo valiosíssimo;
uma incomensurável demagogia - visível, nomeadamente, nas «críticas» (muitas vezes justas) que produz em relação a aspectos da situação do País, contudo sacudindo a água do capote no que respeita às reais responsabilidades que ele próprio tem naquilo que critica;
- aquele tom pernóstico com que fala, enfatizando o que, de todo, não é passível de ênfase - silabando os vocábulos de uso menos frequente (nele), assim como quem diz aos ouvintes: vejam como eu sei estas palavras caras...
- etc. etc., etc.

É claro que respeito o cargo de Supremo Magistrado da Nação que o senhor ocupa - mas muitas vezes digo mim próprio que um eleitorado que elege assim, é um eleitorado que vota abaixo de zero.
Paciência: a verdade é que ele foi eleito (não acrescento o «democraticamente» por razões que já aqui enunciei várias vezes) e é o Presidente da República.

No discurso de ontem - feito na base de um estudo da Universidade Católica - o PR sublinhou a ignorância dos jovens inquiridos em relação a aspectos importantes da vida e da situação do País.
Muitos deles, informou, «não sabem sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal».
E toca de atirar as culpas de tanta ignorância para «os partidos» e «a classe política» - assim, em geral e em abstracto, em partes democraticamente iguais para todos os partidos e para toda a classe política...

Ora, generalizando assim, o PR sabe que está a generalizar mal: sabe que nem todos «os partidos», nem toda «a classe política» são responsáveis por esse silenciamento do 25 de Abril e do seu significado...
Acresce que, ouvindo o Presidente da República - que, tanto quanto sei, jamais alguém viu de cravo ao peito... - ninguém diria que;
1 - ele foi durante dez anos consecutivos o primeiro-ministro de Portugal (quase sempre dispondo de maioria absoluta) - e que não só nada fez para que os jovens portugueses soubessem o que foi o 25 de Abril, como, pelo contrário, ele foi o protagonista da, até então, mais violenta ofensiva contra os ideais de Abril e contra tudo o que de mais positivo, avançado e moderno o 25 de Abril nos trouxe;
2 - a década do consulado cavaquista foi, precisamente pelo seu carácter anti-Abril, a década da gestação de uma geração ao arrepio de Abril, em que o egoísmo, o individualismo, o salve-se quem puder, o vale-tudo - ou seja, os anti-valores dominantes - eram apresentados como caminho normal para o triunfo pessoal;
3- durante esse tempo, o então primeiro-ministro garantia, mentindo e sabendo que mentia, que Portugal estava no pelotão da frente da União Europeia.
4 - Etc., etc., etc.

Por tudo isso, o discurso de ontem do PR desagradou-me e irritou-me profundamente.

Mas adiante. Porque uma coisa é certa: por muitos esforços que «os partidos» e «a classe política»(de que o PR faz parte, recorde-se-lhe...) façam para calar Abril, no próximo ano Abril voltará às ruas em festa e em luta.
Com a presença de milhares de jovens que - apesar da prática anti-Abril dos sucessivos governos da política de direita - sabem o que foi Abril e qual o seu significado, e têm em Abril e nos seus ideais uma referência essencial da luta que travam todos os dias.
Uma luta que é por Abril. E que, por isso, vencerá.


POEMA

NESTA HORA


Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
a metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão

Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção -

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste.

20 de Maio de 1874

Sophia de Mello Breyner Andresen

ABRIL SEMPRE!

«No próprio dia 25 de Abril, os capitães do MFA, que tinham o poder militar nas mãos, cometeram dois erros históricos:

terem recorrido a militares estranhos ao Movimento e à luta antifascista para constituirem órgãos do poder - em vez de eles proprios os terem imediatamente constituído;

e terem-se mantido demasiado tempo na sombra, desconhecidos, sem uma intervenção aberta na vida política - em vez de logo, audaciosamente, buscando as alianças necessárias, se colocarem ao leme da barca do governo.

Destes dois erros, que marcaram todo o curso revolucionário posterior, resultou um desfasamento quase permanente entre o poder político e os avanços revolucionários alcançados pela luta das massas populares e dos militares revolucionários.»

Álvaro Cunhal

Viva Abril!

Uma casa que fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi aceso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de Abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

Eugénio de Andrade

O 25 de Abril de A a Z!

Passado 34 anos a comemorar a revolução dos cravos é sinónimo de comemorar a liberdade. Liberdade esta que foi muito difícil de alcançar, muito esforço despendido, muito sangue derramado e muitas vidas humilhadas, torturadas e até liquidadas. Muitos souberam resistir pois acreditavam. Tal como os que resistindo acreditaram, eu acredito também que os ideais de Abril não serão humilhados (mais do que tentam), não serão torturados (eles tentam mas nós resistimos), nem serão liquidados (a nossa força manterá viva a Constituição de Abril).
Recordo uma descrição de liberdade que me contaram, peço desculpa se não estiver a usar as palavras correctas, mas aqui vai: liberdade é ter uma pomba branca presa nas nossas mãos e deixá-la ir, voar pelo imenso céu.

Hoje também é dia de Aniversário do Cravo de Abril, espero que gostem do novo banner, vai fazer-nos companhia por mais um ano.
Deixo-vos o vídeo sobre o 25 de Abril, uma prosa de A a Z.
Até já, na Avenida da Liberdade.

ABRIL SEMPRE!

«E AO LEVANTAMENTO MILITAR SUCEDEU-SE IMEDIATAMENTE O LEVANTAMENTO POPULAR.
NO PRÓPRIO DIA 25, AS MASSAS POPULARES APARECERAM PODEROSAS, RODEANDO, ACARINHANDO, APOIANDO E ESTIMULANDO OS MILITARES, TOMANDO ELAS PRÓPRIAS INICIATIVAS DE ACÇÃO, FUNDINDO POVO E FORÇAS ARMADAS NUMA MESMA ASPIRAÇÃO E NUM MESMO COMBATE.
DEPOIS DE QUASE MEIO SÉCULO DE FASCISMO INICIAVA-SE A REVOLUÇÃO PORTUGUESA QUE IRIA CAUSAR A SURPRESA E A ADMIRAÇÃO DA EUROPA E DO MUNDO»


ÁLVARO CUNHAL

25 DE ABRIL DE 1974

«Quem o fez era soldado,
homem novo, capitão,
mas também tinha a seu lado
mutos homens na prisão»


José Carlos Ary dos Santos

POEMA

CANTIGA DE ABRIL


Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
reinaram neste país,
a conta de tantos danos,
de tantos crimes e enganos,
chegava até à raiz.

Qual cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Tantos morreram sem ver
o dia do despertar!
Tantos sem poder saber
com que letras escrever,
com que palavras gritar!

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essa paz do cemitério
toda prisão e censura,
e o poder feito galdério,
sem limite e sem cautério,
todo embófia e sinecura.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esses ricos sem vergonha,
esses pobres sem futuro,
essa emigração medonha,
e a tristeza uma peçonha
envenenando o ar puro.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Essas guerras de além-mar
gastando as armas e a gente,
esse morrer e matar
sem sinal de se acabar
por política demente.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Esse perder-se no mundo
o nome de Portugal,
essa amargura sem fundo,
só miséria sem segundo,
só desespero fatal.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Quase, quase cinquenta anos
durou esta eternidade,
numa sombra de gusanos
e em negócios de ciganos,
entre mentira e maldade.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Saem tanques para a rua,
sai o povo logo atrás:
estala enfim altiva e nua
com força que não recua,
a verdade mais veraz.

Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.

Jorge de Sena

DEMOCRACIA DE PADRINHOS

A Irlanda é o único país da União Europeia que vai referendar o Tratado - num referendo que se coloca como a grande tarefa do governo e no qual o «sim» tem que ganhar, custe o que custar.
E para cuja vitória vale tudo.
Para bem cumprir o seu papel, o governo da Irlanda já pôs em marcha uma campanha de desinformação e manipulação do eleitorado, com poderosos apoios pelo menos da Grã-Bretanha e da Comissão Europeia.
Aspectos dessa campanha vieram a público num jornal inglês que transcreveu parte de uma mensagem enviada ao governo inglês por uma sua diplomata na Irlanda. Nessa mensagem, são relatadas reuniões da referida diplomata com responsáveis do Ministério dos Negócios Estrangeiros irlandês - reuniões cujo exclusivo objectivo é ver o que é preciso fazer para «assegurar a vitória do "sim"».

Segundo informa a diplomata britânica, o governo irlandês está preocupado com os resultados do referendo. A sua esperança maior num bom resultado reside, mesmo, na ignorância do eleitorado. Dizem eles, satisfeitos, que a maioria dos eleitores não vai ler, nem entender, o Tratado, o que é excelente, porque, assim, no dia do referendo, «vão seguir as recomendações dos políticos»...
Não há como a ignorância para dar conteúdo democrático ao voto...

Mesmo assim, e precavendo-se face à eventualidade de alguns eleitores lerem o Tratado - e, lendo-o, rejeitá-lo - a campanha eleitoral do governo «vai concentrar-se sobre as vantagens globais da União Europeia, evitando falar sobre o Tratado em si».

É assim que os «construtores da Europa» entendem a democracia.
Neste processo da aprovação do Tratado, começaram por dar um passo em frente no desrespeito público pelos princípios democráticos ao afirmarem, sem vergonha nem pudor, que não haveria referendos para não correr o risco de os povos rejeitarem o Tratado, o que que dizer que fariam referendos em todo o lado se estivessem certos de que o «sim» ia ganhar - nisto se resumindo exemplarmente o seu conceito de democracia e de eleições democráticas...
Agora, face ao único caso em que há referendo, tomam as medidas necessárias - todas as que forem necessárias - para assegurar a vitória do «sim»

É assim que funciona esta Democracia de Padrinhos...

POEMA

SONETO ESCRITO NA MORTE DE TODOS
OS ANTIFASCISTAS ASSASSINADOS PELA PIDE


Vararam-te no corpo e não na força
e não importa o nome de quem eras
naquela tarde foste apenas corça
indefesa morrendo às mãos das feras.

Mas feras é demais. Apenas hienas
tão pútridas tão fétidas tão cães
que na sombra farejam as algemas
do nome agora morto que tu tens.

Morreste às mãos da tarde mas foi cedo.
Morreste porque não às mãos do medo
que a todos pôs calados e cativos.

Por essa tarde havemos de vingar-te
por essa morte havemos de cantar-te:
Para nós não há mortos. Só há vivos.

José Carlos Ary dos Santos

VERGONHA NACIONAL

De costas viradas para o povo e para o País;
Em violação frontal da Constituição da República Portuguesa;
Entregando soberania e independência nacional;
Traindo os ideais de Abril -
Os partidos da política de direita - PS, PSD e CDS/PP - aprovaram o Tratado da Europa do Grande Capital.

O processo de construção desta União Europeia prossegue, assim, à margem da democracia.

Para registo: Manuel Alegre fez declaração de voto, após o que votou a favor.

POEMA

AO MORRER...


Ao morrer, nada mais me importará.
Por antecipação, nem já me importa.
Com consciência, pois, do paradoxo,
é que ouso dizer com bonomia
que até quem se incomode a acompanhar-me
o corpo hirto, inerte, a apodrecer,
ao cemitério sossegado e claro,
o fará com desgosto meu actual.
Nunca gostei de incomodar ninguém.
Mas quem não quero lá, fique isto assente,
são padres, charlatães, capitalistas,
para nem morto suportar ofensas.

Armindo Rodrigues

TÃO IGUAIS QUE ELES SÃO!

O Partido Socialista Francês tornou público que está a elaborar uma «Declaração de Princípios para o Século XXI», que terá como base o abandono do «velho discurso de esquerda» - o que, traduzido pelo jornal que dá a notícia, significa «pôr o socialismo na gaveta» (onde é que eu já ouvi isto?...)
A partir da aprovação da dita Declaração - que ocorrerá por ocasião do «Congresso Refundador» marcado para daqui a uns meses - o PS francês assume-se como «partidário de uma economia social e ecológica de mercado»... (esta, confesso que nunca tinha ouvido!)

Ficamos, assim, a saber que:
1 - este PS tem vindo a praticar um discurso de esquerda com o socialismo ao léu...; e que:
2 - a partir de agora vai ser um partido assumido do capital - embora disfarçado de social e
ecológico...; e que:
3 - ... não há pachorra para aturar estes socialistas, sejam eles franceses, portugueses ou o raio
que os parta - tão iguais eles são nas mil formas mal disfarçadas que adoptam para bem
servirem os interesses do grande capital - tarefa que foi sempre a de todos eles, ao longo dos
tempos.

EI-LOS

Os jornais diários aparecem hoje - todos, sem excepção - a enaltecer as muitas bondades da revisão do Código do Trabalho perpetrada pelos partidos da política de direita.
Em grandes parangonas, nas suas primeiras páginas, difundem a imagem de um Código do Trabalho altamente favorável aos trabalhadores. Lendo-os distraidamente - ou lendo apenas as manchetes - a ideia que se colhe é a de que o emprego precário vai acabar, tal como os despedimentos sem justa causa, etc., etc.
O prestimoso JN vai mesmo ao ponto de escolher para a sua reverente rubrica «Figura do Dia» - onde, regra geral, elogia um membro do Governo - nem mais nem menos do que o ministro do Trabalho, sobre o qual diz, nomeadamente, que é «considerado por (quase) todos os quadrantes políticos e sociais como um dos melhores ministros do Governo de José Sócrates» - «classificação ainda mais justa», esclarece o «jornalista» de serviço à rubrica, depois destas alterações ao Código do Trabalho...
É preciso ter lata! Ou, o que para o caso vai dar ao mesmo, é preciso não ter vergonha nenhuma!

Esta campanha propagandística não surpreende, visto que, como se sabe, os média são propriedade do grande capital e o grande capital é o único interessado na política de direita - na qual se integra, e de que maneira, este Código (mal denominado) do Trabalho e que mais ajustadamente deveria chamar-se código do capital.

Quer isto dizer que, para os trabalhadores portugueses, a luta vai (continuar a) ser dura.
Para já, fiquemos com uma boa notícia: o anúncio feito pelo PCP de que, na sequência da apresentação de uma série de diplomas sobre a matéria, vai levar à Assembleia da República «uma proposta unificada para eliminar os aspectos negativos do Código do Trabalho e reforçar um conjunto significativo de direitos».

E preparemo-nos para, nas jornadas de luta que vão ser as comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio, nos batermos inequívocamente pelo direito ao trabalho com direitos - direito que conquistámos na sequência do 25 de Abril de 1974 e que nos tem vindo a ser roubado ao longo dos últimos 32 anos.

POEMA

(Por baixo de uma fotografia de Hitler)


Isso que aí está, esteve quase a governar o mundo.
Mas os povos dominaram-no. No entanto
desejaria não ouvir o vosso triunfante canto:
O ventre, donde isto saíu, ainda é fecundo.

Brecht

Revolução serve para tudo!?!

O ex-presidente cubano Fidel Castro, Ernesto 'Che' Guevara e Karl Marx são os protagonistas do anúncio sobre um novo modelo da automóvel que está a ser lançado na Alemanha pela Dacia-Renault.

A revolução a ser utilizada como pretexto para vender um carro.

Na minha opinião exigia-se um mínimo de respeito dos autores deste anúncio, Fidel Castro não faleceu (se bem que é o desejo de muitos milhares de sanguinários).

POEMA

CANÇÃO DE GUERRA


Aos fracos e aos covardes
não lhes darei lugar
dentro dos meus poemas.
Covarde já eu sou.
Fraco, já o sou demais,
e se entre fracos for
me perderei também.

Quero é gente animosa
que olhe de frente a Vida,
que faça medo à Morte.
Com esses quero ir,
a ver se me convenço
de que também sou forte.
Quero vencer os medos...
Vencer-me - que sou poço
de estúpidos terrores,
de feminis fraquezas.
Rir-me das sombras, rir-me
das velhas ondas bravas,
rir-me do meu temor
do que há-de acontecer.

Venham comigo os fortes...
Façam-me ter vergonha
das minhas covardias.
E de seus actos façam
(seus actos destemidos)
chicotes pròs meus nervos.
Ganhe o meu sangue a cor
das tardes das batalhas.
E eu vá - rasgue as cortinas
que velam o Porvir.
Vá - jovem, confiado,
cumprindo o meu destino
de não ficar parado.

Sebastião da Gama

A DIFERENÇA

«Morreu o cónego Melo»: informam os jornais, rádios e televisões.
No que me diz respeito, francamente não encontro uma só razão para lamentar o óbito. E encontro múltiplas razões para... beber um copo - que é como quem diz, para agradecer a Deus ter enviado este criminoso para o lugar que lhe é devido: o Inferno.

O cónego Melo, que «foi um dos mais destacados, se não o mais destacado promotor e organizador das acções terroristas da Maria da Fonte», integrou uma rede bombista da qual faziam parte, entre outros, Spínola, Alpoim Calvão, Paradela de Abreu, Valentim Loureiro, Joaquim Ferreira Torres, elementos do Grupo dos Nove, dirigentes do PS e do PSD, etc, etc. - e que contava com o apoio activo das bases do PS, do PSD e do CDS.

Eles assaltaram, destruíram à bomba e incendiaram centros de trabalho do PCP e sedes de sindicatos; eles mataram pessoas nessas e noutras acções criminosas; muitos deles vangloriaram-se publicamente dos crimes que cometeram - em relação aos quais a «justiça» assobiou para o lado...

O cónego Melo viu os seus actos terroristas premiados pelo Presidente da República - Mário Soares, obviamente - que o fez nem mais nem menos do que Comendador da Ordem de Mérito.

Numa democracia, todos eles - cónego Melo incluído - teriam sido presos, julgados e condenados a severas penas de prisão.
No Estado do grande capital, todos eles - cónego Melo incluído - são vitoriados e incensados nos jornais, rádios e televisões.

É esta a diferença que há entre uma democracia e o regime dominante em Portugal.

POEMA

ELÉCTRICO
(XLII)


E se eu de súbito gritasse
nesta voz de lágrimas sem face!:

- Eh! companheiros da plataforma
presos ao apagar do mesmo pavio!
Porque não nos amamos uns aos outros
e damos as mãos
- sim, as nossas mãos
onde apodrecem aranhas de bafio?

Eh! companheiros da plataforma!
(Não empurrem, Irmãos.)

José Gomes Ferreira

A FRAUDE

Luís Filipe Menezes demitiu-se de Presidente do PSD.
A razão é evidente: Menezes não foi capaz de cumprir como lhe competia o turno de oposição que ao seu partido está reservado quando o PS é governo - turno que, como se sabe, é da responsabilidade do PS quando o PSD é governo.

Reconheça-se a enorme dificuldade que, na situação actual, tal tarefa comporta.
Ne verdade, o governo PS/Sócrates tem levado tão longe a política de direita comum ao PS e ao PSD, que não deixa qualquer espaço de manobra a qualquer candidato à execução dessa mesma política. E seja quem for o substituto de Menezes, irá confrontar-se com idênticos obstáculos. É que já não há folclore alternante que pegue...

Sócrates tem feito tudo o que de mau Menezes faria se fosse primeiro-ministro - pior do que isso, até! - pelo que, ao líder do PSD (seja ele Menezes, Marcelo, Ferreira Leite, ou etc.), não resta outra hipótese que não seja a de aplaudir com entusiasmo a política de Sócrates e, simultaneamente, fingir com igual entusiasmo que é oposição a essa política. Isto, para alimentar a fraude, pródiga em votos na política de direita, de que o PSD e o PS são alternativa um ao outro - a maior e a mais gravosa de todas as fraudes de que é feita a prática política dos dois partidos serventuários do grande capital.

Na realidade, o PSD não é - nem foi, nem será - oposição à política dos governos do PS. Tal como o PS não foi, nem será, oposição à política dos governos do PSD.
Ambos foram - são e serão - de facto, oposição aos governos um do outro, isto é: combatem-se com o objectivo exclusivo de se substituirem na governação para aplicarem a mesma política de direita - essa política que, ora um, ora outro (ora os dois de braço dado) têm vindo a aplicar desde há trinta e dois anos.

A oposição de facto à política de direita - protagonizada, no plano político pelo PCP e no plano social pela CGTP-IN - é a que tem como objectivo uma ruptura de esquerda com essa política e a implementação de uma outra ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País - objectivo só alcançável através da intensificação da luta de massas, de que o AVISO GERAL de quarta e quinta-feira passadas foi expressão bem elucidativa. E promissora.

RETRATO DE PORTUGAL

A visita do Presidente da República à Região Autónoma da Madeira prosseguiu com «mais um dia perfeito e soberbo», como Cavaco Silva fez questão de sublinhar, enquanto se passeava em visita turística e guiada por essa figura boçal, insolente e grotesca que dá pelo nome de Alberto João Jardim.

Ontem, dia de visita à zona turístico-florida dos concelhos de Porto Moniz e São Vicente, Jardim voltou a proibir a presença dos representantes da oposição nas cerimónias oficiais.
Aludindo a estas jardineirices, Cavaco Silva - certamente arvorando aquele enigmático e inteligente sorriso a que usa recorrer nestas circunstâncias - disse que «haveremos da falar sobre isso».
Ou seja: voltou a aceitar a ofensa e o insulto como componentes do protocolo de Estado.

Quem conheça aquela Região Autónoma, sabe que a Madeira é um jardim por detrás de cuja florida vegetação se esconde uma pobreza e uma miséria sombrias.
E dado que o Presidente da República e a esposa aceitam visitar o jardim e excluir da visita a Madeira escondida, é natural que o passeio do presidencial casal faça lembrar o de um vulgaríssimo casal de turistas à cata dos locais divulgados pelos coloridos bilhetes-postais.

Para que o PR não possa dizer «eu não sabia», o dirigente comunista Edgar Silva entregou-lhe cópia de um estudo do ISCTE, no qual se demonstra, com números concretos, que os níveis de pobreza na Madeira se situam muito acima da média nacional - números que o Jardim, entre dois arrotos, rejeita.
Sobre o assunto achou por bem pronunciar-se a esposa do Presidente, Maria Cavaco - que, como se sabe, é a referência cultural do casal.
Fê-lo no decorrer de uma visita à Caritas do Funchal, onde começou por declarar «não gostar de números», e acabou por afirmar, peremptória, que «honestamente, não acredito nisso. Não li o relatório nem vou lê-lo» - palavras nas quais assomam iniludíveis influências da oratória jardinesca...

Em resumo: Jardim prossegue o seu roteiro da insolência e do desrespeito por tudo e por todos.
O Presidente alinha, colaborando.
A esposa do Presidente colabora, alinhando.
E os três são um retrato fiel de Portugal após trinta e dois anos de política de direita.

POEMA

UTILIDADE


Só as mãos que se estendem para a frente interessam.
Só os olhos que vêem para além do que se vê,
só o que vai para o que vem depois,
só o sacrifício por uma realidade que ainda não existe,
só o amor por qualquer coisa que ainda não se vê e ainda, nem nunca, será nossa,
interessa.


Mário Dionísio

eu hoje venho aqui falar-te, amigo...


O Herlander traz um cravo em cada mão, quando estas lhe desmaiam nos abraços que só ele pensa saber necessitar para a sede da solidão que todos carregamos. Quando vem delas, qualquer objecto ganha uma profundidade inexistente aos olhos até aí desarmados dos grandes sentidos. O Herlander não se cala, e cada silaba é um mundo de amizade fecundando as entranhas da amargura. O Herlander é filho da mina, de Aljustrel, da pedra, e dela a frontalidade quando honestamente pronuncia palavras boas. O Herlander é cómico e não gosta de colegas. Para ele apenas existem as palavras amigo, companheiro, camarada. O Herlander gosta de peixe fresco e de café sem açúcar. E de olhar a praia da esplanada da nossa desatenção. O Herlander é operário, electricista, e ama deveras a sua profissão. Quando fala tudo são cabos, extensões, puxadas. Todas elas vão buscar corrente ao coração dos homens bons. O Herlander é um ser muito bonito. O Herlander é meu amigo. Novo. Sei caminhar com ele até ao fim dos dias de um nós. O Herlander é cibernauta. Visita este blogue. Foi por isso que o conheci. Fomos, com a Alice - outra camarada de Aljustrel - juntos a Peniche. Descobri um coração raro. Jantámos os três em Lisboa, na Calçada de Santana, onde lhe tirei esta fotografia. Não estranhem se lhe encontrarem uma ternura despropositada. É O Herlander. É o meu grande amigo, o meu outro irmão mais velho.

Para ti camarada, toda a ternura contida na palavra OPERÁRIO. Tu percebes!

POEMA

ARTE POÉTICA


A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida.
Nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos, de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica
e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vai-vem de milhões de pessoas ou falando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no mimuto entre o trabalho e o jantar
- e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas dos combóios a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.

A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos rasgados abertos para amanhã.


Mário Dionísio

EM DIA DE AVISO GERAL

«DE PÉ, DE PÉ, NÃO MAIS SENHORES!»


Ontem, no Porto, com mais de trinta mil trabalhadores; hoje, em Lisboa, certamente também com forte participação, o AVISO GERAL lançado pela CGTP-IN constitui mais uma etapa da luta dos trabalhadores portugueses contra a política de direita que lhes rouba direitos fundamentais.
Uma luta que tem que continuar e intensificar-se, na medida em que ela é indispensável para dar a volta a isto: para substituir esta política ao serviço dos interesses de uma escassa minoria por uma política que responda aos legítimos anseios da imensa maioria dos portugueses.

Tal como os trabalhadores portugueses - e pelas mesmas razões e objectivos - lutam os trabalhadores que, em muitos outros países, vivem igualmente sob o domínio de governos a mando do grande capital.

Pelo significado particular de que se reveste, lembro aqui, hoje, a luta dos operários romenos da Dacia-Renault - quase três semanas de greve por aumentos de salários!
Os trabalhadores exigiam um aumento de 148 euros - ou seja, um aumento de 57% em relação aos miseráveis 258 euros mensais que recebiam.
A empresa «oferecia» um aumento de 42 euros...

Logo que a greve teve início, a empresa apresentou uma queixa no tribunal, alegando a sua «ilegalidade», o que não foi provado e motivou uma manifestação dos operários em greve e de muitos outros vindos, solidariamente, de outras empresas do país - e também de delegações sindicais da Renault, em França.
Nos cartazes, improvisados, empunhados pelos manifestantes, podia ler-se: «Não à exploração!»; «Queremos salários decentes!» - e uma faixa de pano gritava: «Não queremos ser escravos da União Europeia!».

A greve terminou agora, com a conquista, pelos trabalhadores em luta, de um aumento de 97 euros, acrescido de um prémio anual mínimo de 243 euros.
É uma primeira e importantíssima vitória.
A confirmar que, lá como cá, a luta é indispensável e vale a pena.

Os operários romenos cantaram a Internacional.
Um deles comentou, satisfeito: «Foi a primeira vez que ouvi a Internacional desde o fim do regime socialista».

Que belo e promissor AVISO GERAL, este que nos chega da Roménia.

POEMA

SOLIDARIEDADE


Vamos, dêem as mãos.

Porquê esse ar de eterna desconfiança?
esse medo, essa raiva?
Porquê essa imensa barreira
entre o Eu e o Nós na natural conjugação do verbo ser?

Vamos, dêem as mãos.

Para quê esses bons-dias, boas-noites,
se é um grunhido apenas e não uma saudação?
Para quê esse sorriso
se é um simples contrair de pele e nada mais?

Vamos, dêem as mãos.

Já que a nossa amargura é a mesma amargura,
já que a miséria para nós tem as mesmas sete letras,
já que o sangrar dos nossos corpos é o vergão da mesma chicotada,
fiquemos juntos,
sejamos juntos.
Porquê esse ar de eterna desconfiança?
esse medo, essa raiva?

Vamos, dêem as mãos.


Mário Dionísio

DEMOCRACIA É ISTO

A VOZ DO DONO


Foi esquerdista até mais não: revolucionária assanhada, de punho no ar a exigir «revolução, já!» e a garantir que «o imperialismo norte-americano é um tigre de papel».
Depois, seguiu o roteiro clássico da generalidade da esquerdalhada: em paga do trabalho feito na cruzada anticomunista, passou a integrar oficialmente - bem paga, certamente - o rebanho de propagandistas encartados do imperialismo (o norte-americano e o europeu, que são um só, como ela muito bem sabe, ó se sabe!).

Estou a falar de Teresa de Sousa que, no Público, nos ensina que, em Portugal «discutiu-se o Tratado» e que, assim tendo sido, está garantida a plena e total democraticidade quer da dispensa do referendo, quer da ratificação do dito Tratado no Parlamento.

«Discutiu-se o Tratado»? Teresa diz que sim, e prova-o relatando a sua ida a umas quantas escolas fazer «sessões de esclarecimento» sobre o tema...
E é na qualidade de professora de democracia que escreve: «Só haverá uma conclusão possível, se aceitarmos que uma democracia é constituída por cidadãos livres que se informam ou não, conforme a sua vontade e o seu interesse»...
E, didáctica, explica qual é essa única «conclusão possível»: «Quem quis informar-se pôde, de um modo ou de outro, fazê-lo. Quem não quis está no seu absoluto direito» - concluindo, fulminante: «Não vale a pena continuar a dizer que o Parlamento vai ratificar o Tratado nas costas do povo ou da sua santa ignorância».

Brilhante lição de democracia aplicada, não acham?

Recorde-se, apenas, que antes de Teresa ter concluído assim, já assim haviam concluído Sócrates e Menezes - e antes de Sócrates e Menezes, já os chefões da Europa tinham concluído e mandado cumprir que não há referendo para ninguém, deixem-se de democratices, não podemos correr o risco de o voto dos povos inviabilizar o Tratado, democracia é isto, ponto final.

Assim, o texto de Teresa de Sousa apenas a confirma como fidelíssima e afinadíssima voz do dono.

POEMA

COMO OS TECELÕES DE TAPETES DE KUJAN-BULAK HONRARAM A MEMÓRIA DE LÉNINE


1

Muitas vezes e à farta foi honrado
o Camarada Lénine. Há bustos dele e estátuas.
Puseram o nome dele a cidades e crianças.
Fazem-se discursos em muitas línguas
há assembleias e demonstrações
desde Xangai a Chicago em honra de Lénine.
Mas foi assim que o honraram os tecelões de tapetes
de Kujan-Bulak, pequena povoação no Sul do Turquestão:
Vinte tecelões de tapetes levantam-se ali ao anoitecer
do miserável tear, sacudidos pela febre.
Anda febre por lá: a estação de caminho-de-ferro
está cheia do zumbir dos mosquitos, nuvem espessa
que se ergue do pântano por detrás do velho cemitério dos camelos.
Mas o comboio
que de quinze em quinze dias traz água e fumo, traz
também um belo dia a notícia
que vem aí o dia da homenagem ao Camarada Lénine.
E as gentes de Kujan-Bulak, gente
pobre, tecelões de tapetes, decidem
que também na sua povoação
se erga o busto de gesso ao Camarada Lénine.
Mas quando se vai juntar o dinheiro para o busto
ei-los todos sacudidos de febre a pagar
os copeques penosamente ganhos com mãos a adejar.
E Stepa Gamalev, do Exército Vermelho, que vai contando
e vendo com cuidado e precisão.
vê a prontidão deles em honrar Lénine, e fica contente,
mas vê também as mãos vacilantes,
e faz de repente a proposta
de comprar, com o dinheiro para o busto, petróleo
para derramar no pântano atrás do cemitério dos camelos
donde vêm os mosquitos
que causam febres.
Para assim combater as febres em Kujan-Bulak, e em verdade
em honra do falecido, mas
não esquecido
Camarada Lénine.

Assim o resolveram. No dia da homenagem levaram
os seus baldes amolgados cheios de petróleo negro
um após outro, para lá,
e regaram o pântano com ele.
Assim tiraram proveito para si mesmos ao honrarem Lénine e
honraram-no, com proveito para si mesmos, e assim
o tinham entendido.

2

Ouvimos pois como as gentes de Kujan-Bulak
honraram Lénine. Mas à noitinha,
comprado e espalhado o petróleo sobre o pântano,
eis se levantou um homem na assembleia e exigiu
que se colocasse uma placa na estação do comboio
com o relato do acontecido, contendo
também exactamente a alteração do plano e a troca
do busto de Lénine pela tonelada de petróleo que acabou com as febres.
E tudo isto em honra de Lénine.
E assim fizeram também isto
e puseram a placa.

Brecht

Foi Bonita a Festa

No dia 12 de Abril, convocados pelo Blog Cravo de Abril, que comemora 1 ano de existência, rumaram para Peniche, de diversos pontos do país, nomeadamente, do Porto, de Guimarães, de Lisboa, de Sintra, de Estarreja, de Palmela. Éramos cerca de 40 camaradas e amigos. Não éramos ali, mas somos, muitos, muitos mil para continuar Abril… A visita ao Forte de Peniche foi o mote para o encontro, com a presença dos camaradas, José Casanova e Manuel Pedro, ambos presos políticos do fascismo e que passaram pela prisão fascista de Peniche.

Foi para mim, e certamente para todos, uma experiência muito enriquecedora: ouvir de viva voz os testemunhos dos camaradas que ali passaram parte das suas vidas e tentar transpormo-nos para aquelas celas e para aqueles momentos duros que os camaradas viveram. É com um misto de raiva e orgulho que ouvi palavras de Manuel Pedro e do Zé Casanova, a raiva perante a injustiça e os maus-tratos físicos e psicológicos mas simultaneamente um grande orgulho no Partido, na sua Organização, nos nossos camaradas que perante as adversidades resistiram e que permitiam as espantosas fugas de Peniche. Ali não estamos a ver um filme de Hollywood, estamos a falar de fugas verdadeiras de Homens verdadeiros que fugiam, não para se esconderem mas, para regressarem de novo á luta, muitas vezes voltando novamente à prisão. É com grande emoção que ouvimos o sucesso das fugas do Dias Lourenço, assim como a espantosa fuga do camarada Álvaro. É destas convicções que é feito o meu Partido.

Passo a passo, percorremos as Celas, o Recreio, o Segredo, o Refeitório, todos espaços com histórias e História para lembrar e não para esquecer. Hoje espaços abertos onde se circula livremente, mas que nem sempre assim foi, pois há 34 anos estavam bem fechados. Hoje lutamos para que permaneçam abertos, como memória histórica de que o fascismo existiu em Portugal.

Seguiu-se um almoço, que em Peniche não podia deixar de ser uma Caldeirada, onde, num ambiente de amizade e camaradagem apesar de alguns camaradas apenas ali se terem conhecido (alguns apenas se conheciam do mundo internauta) mas, entre nós comunistas a afinidade de ideias e de pertença a este grande colectivo faz ultrapassar muitas etapas de um normal relacionamento. Assim todos falávamos como se nos conhecesse-mos há muitos anos.

Terminámos a cantarolar juntamente com o camarada Samuel muitas músicas de intervenção, nossas e de outros países, canções de outros tempos mas sempre actuais, pois afinal não mudou muita coisa…

Até para o ano camaradas, ou melhor até amanhã camaradas… Dia do Aviso Geral a este Governo.

Peniche! a liberdade nas grades da prisão.

Passaram dias desde Peniche. E ainda agora estou bloqueado, porque nem todas as experiências traumáticas são amargas. Não. estou bloqueado pela comoção profunda. pelas lágrimas que me escorreram a ouvir o Pedro e o Casanova. E o Samuel, mais tarde, naquela fala de homem nascido... não consigo condensar nas letras do alfabeto nem nas frases da sua junção o misto de alegria, revolta, comoção, raiva, ternura, amor, pátria, entrega, brandura e coragem que me foram transmitidos pelos camaradas com quem passei este fim de semana. dos que comigo foram de Aljustrel e dos que encontrei, como bando de aves buscando o crepúsculo, às portas do forte de Peniche, pedra agreste que torturou muitos de nós, mesmo quando ainda não existíamos, na solidariedade que hoje nutrimos pelas vitimas do fascismo. nesse país de música de mãos sem nada, como lembra o grande Adriano. não consigo ainda camaradas. permitam que absorva primeiro a alegria imensa de vos pertencer. e de saber que há, e houve, quem perante a brutalidade fascista, resistiu com bolinhas de pão, atiradas de janela em janela. Obrigado zé, meu querido amigo a quem devo a liberdade do meu país de verde pino, por nas horas da tua tortura teres sabido, ensinar o futuro pelos meios de uma criança. bolas de pão. bolinhas de pão. de janela a janela. como aves, levando a mensagem das searas e dos mares. é de gotas e de espigas que se faz a imensidão. foi com bolinhas de pão que fintaste as bestas e escreveste a tua parte da palavra colectiva REVOLUÇÃO.
camaradas, escreverei quando emergir das minhas lágrimas. bons momentos reminiscentes de um dia lindo. foi muito bom rever uns, conhecer pessoalmente outros. fazer das palavras abraços e dos abraços junção.

(foto: camarada à porta do Forte de Peniche, 12 de Abril de 2008)

Pedro Jorge: A liberdade defende-se exercendo-a!

O Vídeo com as intervenções de Pedro Jorge no programa Prós e Contras que serviram de argumento para o processo disciplinar para despedimento movido pela empresa Cerâmica Torreense.

País democrático?

Liberdade de expressão?


Não há volta a dar, A LUTA CONTINUA!

DESINFORMAÇÃO ORGANIZADA

Todos os dias os média dominantes manipulam informação ao sabor dos interesses dos seus proprietários: os grandes grupos económicos e financeiros.
Uma gigantesca vaga de desinformação organizada percorre o mundo, veículada pela quase totalidade dos média existentes, ou seja, por todos os que são propriedade do grande capital.
O serviço informativo é chapa 1: igual em todos os países; e a «opinião» é chapa 1 para todos os analistas de serviço - num processo sinistro que faz com que aquilo a que vulgarmente se chama opinião pública não seja outra coisa senão a opinião mil vezes publicada.

Vejamos alguns exemplos concretos dessa «informação» que se autodenomina «democrática, plural, imparcial e isenta».

A mesma opinião repetida pela generalidade dos analistas de serviço, faz a opinião da imensa maioria das pessoas.
Exemplo (um, entre muitos): a «promoção» de Jorge Coelho a CEO da Mota-Engil, deu aso a um coro de legítimos e justos comentários sublinhando o insólito (digamos assim) da situação.
Logo os média do grande capital passaram ao ataque: em praticamente todos os jornais, revistas, rádios e televisões, os analistas desencadearam uma intensa operação justificativa da tal «promoção».
Mais do que isso: Jorge Coelho foi apresentado, e amplamente divulgado, como um exemplo de «homem de sucesso», que «subiu a pulso» - por isso, digno de toda a admiração...
E assim ficará para a estória - que não para a história, obviamente.

Quando ao grande capital interessa promover (ou despromover) seja quem for, os média dominantes promovem (ou despromovem) seja quem for.
Exemplo (um, entre muitos): de há uns tempos a esta parte, as chamadas sondagens de opinião, vinham mostrando uma queda acentuada da imagem do líder do BE, Francisco Louçã.
Então, num colectivo reflexo condicionado, eis que os média do grande capital passaram a falar de Louçã e a pôr Louçã a falar a todas as horas do dia - ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche, ao jantar, à ceia - e em todos os jornais, rádios e televisões.
E os primeiros resultados da operação de promoção não tardaram: Louçã a subir, diz a mais recente sondagem...

Uma mentira repetida por todos os média do grande capital, transforma-se em verdade (quase) universal.
Exemplo (um, entre muitos): o caso «Venezuela/Simpson».
Para a imensa maioria dos portugueses (e dos habitantes de todos os países dominados pela desinformação organizada) o Presidente Chavez - antidemocrata, louco, populista e ditador: assim nos é apresentado todos os dias - proibiu a série dos Simpson nas televisões da Venezuela.
É isso que dizem, não um, ou dois, ou três órgãos de informação, mas todos - e, assim sendo, quem é que vai duvidar de tão universal verdade?
Vejamos, agora, a verdade sobre o caso:
a Comissão Nacional de Telecomunicações da Venezuela, recomendou - sublinho: recomendou! - que a dita série não fosse passada em horário infantil - recomendação que foi acatada, sem qualquer problema, pela televisão privada.
Contudo, horas depois, os média de todo o mundo noticiavam: «Venezuela proíbe os Simpson»; e, logo a seguir: «Chavez proíbe os Simpson».
Simples, como se vê. E de uma eficácia a toda a prova.
Repito: hoje, milhões de pessoas em todo o mundo não têm dúvidas de que «Chavez proibiu os Simpson» - e se alguém for dizer a essas pessoas que é mentira, responderão com a clássica e terrível frase: «É verdade, que eu bem vi (li)».

Tudo isto a tornar cada vez mais necessária, imperativa e premente a luta contra a mentira e pela verdade, que é a luta pela democracia, pela liberdade, pelo progresso social - pelos direitos a que cada ser humano, pelo simples facto de exisitir, tem direito.

POEMA

CORO DOS ÓRFÃOS


NÓS ÓRFÃOS
queixamo-nos ao mundo:
Cortaram-nos o nosso ramo
e atiraram-no ao fogo -
lenha de queimar fizeram dos nossos protectores -
nós órfãos jazemos nos campos da solidão.
Nós órfãos
queixamo-nos ao mundo:
Na noite os nossos pais jogam connosco às escondidas -
por trás das dobras negras da noite
as suas faces nos olham,
falam as suas bocas:
Lenha seca fomos nós na mão de um lenhador -
mas os nossos olhos fizeram-se olhos de anjos
e olham para vós,
através das dobras negras da noite
eles olham -
Nós órfãos
queixamo-nos ao mundo:
das pedras fizemos os nossos brinquedos,
pedras têm caras, caras de pai e mãe
não murcham como flores, não mordem como bichos -
e não ardem como lenha seca quando as metem no forno -
Nós órfãos
queixamo-nos ao mundo:
Mundo porque nos tiraste as nossas mães tenras
e os pais que dizem: Meu filho és parecido comigo!
Nós órfãos não somos parecidos com ninguém mais no mundo!
Ó Mundo
queixamo-nos de ti!

Nelly Sachs

SOARICES

A Cooperativa Milho-Rei, proprietária do semanário Barcelos Popular, promoveu recentemente um debate subordinado ao tema Trabalho, Sindicalismo e Glogalização, com a participação de Mário Soares, Manuel Carvalho da Silva e Manuel Vilas Boas (jornalista da TSF).

Não vou, aqui, pronunciar-me sobre o conteúdo do debate e muito menos sobre a composição do painel de participantes, do qual emergem as presenças do secretário-geral da CGTP e do homem que jurou «quebrar a espinha à Intersindical», que tudo fez para o conseguir (com a ajuda das centrais internacionais do divisionismo sindical) e que, como temos constatado, não desistiu ainda desse objectivo.

Mas não posso deixar de referir a entrevista de Soares ao Barcelos Popular. Mesmo assim, para citar apenas duas perguntas e duas respostas, já que não vale a pena gastar muita cera com tão ruim defunto.
Duas respostas que não trazem nenhuma novidade porque, como é sabido, de Soares não há que esperar senão o velho, gasto e rançoso mais do mesmo com que, armado em «pai da democracia», se passeia por Portugal e pelo mundo qual caixeiro viajante do capitalismo internacional.

Ouçamo-lo, então, e às suas soarices:
Jornalista: «Três décadas depois, Portugal agrada-lhe?»
Soares: «Se viesse cá, o Salazar morria de susto! Gabava-se de uma auto-estrada de 20 Km até ao Estádio Nacional... Agora todos têm automóvel, horários laborais, o nível de vida cresceu imenso em todos os sectores. Estamos ao nível do europeu médio.»
Jornalista: «Médio? Mas Portugal surge na cauda da União Europeia em variadíssimos indicadores»
Soares: «Querem convencer-nos que estamos atrasados. Não! Sob nenhum aspecto. Temos elites óptimas, excelentes engenheiros, óptimos cientistas espalhados pelo mundo. No entanto, não podemos subir ao nível dos salários dos ingleses, alemães ou dos franceses que têm democracia há 200 anos e nós só há 33».

Pronto, fiquemos por aqui. E sem comentários.

POEMA

CANÇÃO DO SEMEADOR


Eu estou semeando,
a terra da minha amada ser-me-á fecunda.

Eu estou semeando,
eu estou possuindo o corpo suave da minha amada,
eu tomei o arado, abri as leivas, lancei as sementes,
milhões de homens, milhões de palavras, milhões de searas
tudo será novíssimo.

Eu estou semeando,
milhões de sementes nesta hora lanço à terra da minha amada,
benéficas me serão as chuvas,
as colheitas virão em breve no seu tempo
e todas as dores terão sido necessárias,
tudo estará saldado.

Eu estou semeando,
eu estou semeando milhões como NÓS,
eu estou semeando as novas searas abundantes,
eu estou semeando as novas palavras humanas,
eu estou semeando na terra da minha amada.

Eu estou semeando,
o ventre da minha amada eu o perfumei
de rosmaninho silvestre,
a terra da minha amada é vermelha e fecunda,
eu lanço as sementes e estou vendo o futuro,
vejo as searas e as vinhas e os homens em flor.

Papiniano Carlos
(In A ave sobre a cidade)

JARDINEIRICES

O Presidente da República, na sua visita à Madeira, não será recebido no Parlamento Regional.
Diz o Presidente do Governo Regional - o inimitável Jardim - que é «para que o PR não veja o bando de loucos que está dentro da Assembleia Legislativa».

Esta insolência boçal e provocatória não surpreende, tantas são as atitudes semelhantes tomadas ao longo dos tempos pelo mesmo Jardim e que tão elogiadas são - sabe-se lá porquê... - por quem deveria ter vergonha e algum respeito pelo cargo que ocupa.

Recordemos, por exemplo, as declarações de Almeida Santos em 1997, era então Presidente da Assembleia da República: «As regiões autónomas só têm a ganhar com uma voz democraticamente legitimada, autónoma e incómoda como a de Jardim».
Recordemos, ainda, os recentes elogios de Jaime Gama, também enquanto Presidente da AR, ao considerar, entre outros dislates, que «a obra histórica de Alberto João Jardim é um exemplo supremo da vida democrática».
Partindo do princípio de que ambos está a falar a sério - e é óbvio que estão - há que registar que se trata de declarações bem elucidativas dos conceitos de «voz democraticamente legitimada» e de «vida democrática» que povoam os cérebros daqueles dois dirigentes do PS.

Mas a verdade é que este Jardim diz e faz o que quer, ofende quem quer e lhe apetece, ameaça os governos centrais, gozando de total impunidade - uma impunidade estranha, muito estranha e que dá que pensar...
Com frequência ouvimo-lo bolsar discursos separatistas, ameaçar com o separatismo e cantar o seu hino separatista nas festas/bebedeiras de Chão da Lagoa - sem que quem de direito o chame à ordem e o obrigue a portar-se como um ser humano normal e, especialmente, como um cidadão obrigado, como todos os outros, ao cumprimento das leis do País.

E que tal situação está para durar, mostra-o a informação difundida no site da Presidência da República, onde nos é dito que Cavaco Silva «inicia hoje uma visita oficial de seis dias à Madeira» e que «terá oportunidade de percorrer a Região Autónoma e de elogiar o progresso e o desenvolvimento económico nela alcançado».
Ora bem: aqui fica o meu espanto perante esta curiosa prática do Presidente da República que o leva a anunciar previamente o elogio...
Talvez para acalmar a besta que, quando destrambelha, sabe-se lá... - isto digo eu.
Mas o que parece é que, sabe-se lá porquê..., o Jardim mete medo a toda a gente.

Não há dúvida: a jardineirice é o que está a dar - o que é bem revelador do estado a que chegou a democracia em Portugal.

POEMA

O REGINO


O Regino era um homem sem trabalho;
de tanto padecer fez-se mendigo
e levava já de ofício vinte anos.
De cór sabia o bater das portas,
os degraus das catedrais
e as pedras de todos os caminhos;
polia com as costas as esquinas,
aquecia ao sol suas sardinhas.
Tinha calos de pedir esmola,
a mão curtida pelos ventos
e uma ferida no centro da palma
por onde já caíam as moedas.

Fora seu ofício o de mineiro
porém tossia quando ia à mina
e o médico aconselhou «mudança de ares»;
mendiga desde então
pelas aldeias da serra.


Glória Fuertes
(In Poesia Espanhola do Após-Guerra)

UMA QUESTÃO PREMENTE

A ofensiva contra a Constituição da República Portuguesa continua.
Depois da recente investida de Jardim & seus capangas, foi agora a vez da vice-presidente do PSD, Zita Seabra dizer o que lhe vai naialma.
Em entrevista ao Semanário, diz a senhora que «a Constituição portuguesa é ideológica e datada. Convém que seja expurgada e que dê maior liberdade, sobretudo na área económica».
Isto porque, explica, «estamos a viver num Portugal cada vez mais estatizado, que não tem que ver com o resto da Europa».

Trata-se, como se vê, de uma análise rigorosíssima da situação nacional: na verdade, o que caracteriza a política do actual governo é a vaga de nacionalizações em curso...
Ficamos assim a saber, também, que o processo de privatizações levado a cabo pelos partidos da política de direita (PS, PSD e CDS/PP) ao longo dos últimos trinta e dois anos - e que entregou ao grande capital os sectores fundamentais da economia que a Revolução de Abril havia entregue ao povo - não chega para a dirigente do PSD. Para ela é preciso privatizar tudo - tudo o que dê lucro, entenda-se.
Daí a necessidade, segundo Zita Seabra, de uma «nova Constituição» - «nova», ou seja: à maneira do antigamente...

Dito de outra forma: o que Zita Seabra, de facto, defende é a privatização... da Constituição da República Portuguesa.

Tudo isto coloca aos portugueses, como questão premente, a defesa da Constituição de Abril.
Com a consciência de que utilizá-la como poderosa arma de luta que é e exigindo o seu cumprimento por parte do Governo, constitui o melhor e mais seguro caminho para a defender dos muitos e perigosos ataques que aí vêm.

POEMA

SALMO 57


Senhores defensores da Ordem e da Lei:
porventura o vosso Direito não é de classe?
o Civil para proteger a propriedade privada
o Penal para aplicá-lo às classes dominadas

A liberdade de que falam é a do capital
o seu «mundo livre» é a livre exploração
Sua lei é a das armas, sua ordem a dos gorilas
vossa é a polícia
são vossos os juízes
Na prisão não há latifundiários nem banqueiros

Extraviam-se os burgueses já no seio materno
têm preconceitos de classe desde que nasceram
como a cascavel nasce com venenosas glândulas
como nasce o tubarão devorador de gente

Oh Deus acaba com o statu quo
arranca os colmilhos aos oligarcas
Que se precipitem como a água dos autoclismos
e sequem como as ervas sob o herbicida

Eles são os «gusanos» quando chega a Revolução
não são células do corpo mas somente micróbios
Abortos do homem novo que é preciso atirar
Antes que lancem espinhos que o tractor os arranque
O povo irá divertir-se nos clubes privativos
entrará na posse das empresas privadas
o justo há-de alegrar-se com os Tribunais do Povo
Festejaremos em grande praças o aniversário da Revolução

O Deus que existe é o dos proletários


Ernesto Cardenal

HOMEM DE SETE OFÍCIOS

Nunca consigo organizar o meu tempo de modo a fazer tudo o que quero (e devo) fazer. Nem nada que se pareça!
Durante muito tempo, pensei que isso se devia ao facto de ter (aceitar) demasiadas tarefas.
Contudo, à medida que me chegavam provas em contrário, fui mudando de opinião: hoje tenho para mim como coisa certa que o problema reside em mim, ou seja, nas minhas limitações, nas minhas incapacidades para «fazer pela vida».

Com efeito, lendo os jornais deparo com frequência com casos de pessoas para as quais o tempo chega para tudo, tantas são as funções que desempenham. Casos há em que, feitas as contas, sou forçado a concluir que os dias - de 24 escassas horas para mim - têm para essas pessoas 48 ou 72 horas, ou mais... permitindo-lhes deitar mão a um sem número de ocupações. Com esta curiosa particularidade: quanto maior é o número dessas ocupações, melhor remunerada é cada uma delas...

Vem tudo isto a propósito da pequena biografia de António Lobo Xavier com que o Diário Económico da passada sexta-feira abre a Grande Entrevista feita a este «advogado, gestor e político».
Reza assim: «É num quinto andar do Edifício Oceanus, debruçado sobre a Av. da Boavista, no Porto, que António Lobo Xavier se dedica à advocacia. Sócio da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva, o advogado ex-dirigente do CDS/PP tem uma série de actividades que não se esgotam no Direito. Além de comentador residente na Quadratura do Círculo (SIC Notícias) faz parte da administração de empresas como a Sonaecom, a Mota-Engil ou o BPI» - para além disso é, ainda, Director da Associação Comercial do Porto e Administrador da Fundação de Serralves.

Pergunto: quantas horas tem o dia para este homem de sete ofícios?

Comentando este amplo conjunto de ocupações remuneradas, Lobo Xavier respondeu «Vou fazendo pela vida».
Pois.

A DEMOCRACIA DELES

A notícia chegou hoje: em dois jornais (tanto quanto me apercebi) e, em ambos os casos, pequenina e escondidinha. E vá lá, vá lá, que já não foi nada mau...

Diz a notícia que os EUA estão a julgar dezenas de afegãos que estiveram presos em Guantánamo e na base de Bagram (Afeganistão).

O julgamentos decorrem no Afeganistão em «tribunais militares sumários, com base apenas em alegações avançadas por militares norte-americanos e pelas autoridades afegãs».

Os ditos julgamentos, nos quais não é permitida a presença de testemunhas, duram uma hora.
Os réus são condenados a penas «até 20 anos de prisão».

É a democracia made in USA a exibir as suas virtudes - democracia modelar, pois como esses mesmos jornais não se cansam de nos dizer, os EUA são a pátria da liberdade, da democracia e dos direitos humanos...
Democracia modelar e em processo de acelerada exportação - como todos os dias podemos observar aqui na nossa terra...

POEMA

MAR DE PENICHE


1
Todos os dias
acordam
violadas
estas praias
que dizemos
virgens.

2
A chuva
esse suor
do mar
já não desfaz
a solidão dos homens
ou o piar dos corvos.

3
Mar de Peniche
onde os peixes se atiram
contra os barcos
e as grutas dos rochedos
nada acoitam.

4
As traineiras
juntaram-se a dormir.
Mas o mar não esquece
e grita
contra a fortaleza.

5
O mar
sorveu
todo este dia
exausto.
E o que fica
da praia
são estas pedras
lassas
transidas
pelo sono.

6
O que fica
das pedras
é este mar
de sono
que os homens
já submersos
sorvem
a curtos haustos.

7
O que fica
da noite
são os presos
exaustos
que as pedras
dissimulam
e o mar
absorveu.


Armando Silva Carvalho

1º Aniversário do Cravo de Abril


Visita ao forte de Peniche: 10.00horas
Concentração no Largo do Forte de Peniche

Esclarecimentos
João Filipe Rodrigues: 912130203


Até amanhã!!!!!!!!!