Ontem tive o raro privilégio de ouvir o camarada Ivan Pinheiro, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, numa sessão de esclarecimento sobre a posição deste partido junto da comunidade brasileira em Portugal. Numa sessão muito participada, não apenas por brasileiros mas também por portugueses preocupados com a situação política no Brasil e no mundo, foram abordados vários temas, da crise estrutural do capitalismo às investidas do imperialismo estadunidense, passando pela reacção popular, a revolução, e muito particularmente o peso das ideias reformistas no seio do movimento operário mundial, com o seu peso monstruoso.
É opinião unânime que raras terão sido, na história da humanidade, as situações em que as condições objectivas para a acção revolucionária foram tão flagrantes. A violência e a ferocidade com que a burguesia se lança ao ataque até das mais modestas conquistas do proletariado ao longo do séc. XX não podia ser mais esclarecedora sobre o destino que esta reserva a quem vive do seu trabalho, sobre os métodos que empregará para o concretizar, e sobre o tipo de resposta que cumpre vibrar contra ela se queremos sobreviver. Perante a massa desesperante de desempregados permanentes que o capitalismo engendra, perante a precarização das relações de trabalho, perante o rebaixamento dos salários quer no que toca à redução da remuneração directa do trabalho quer no que concerne ao salário indirecto, dos serviços de protecção social providos pelo Estado, perante as privatizações de tudo, a expulsão das populações dos centros das cidades para confins cada vez mais longínquos no subúrbio, perante a vaga crescente do obscurantismo, da crendice, do irracionalismo, históricas antecâmaras do fascismo - é simplesmente insólito que exista entre os trabalhadores uma consciência política média tão atrasada. Há motivos fortes para isso, e não é motivo menor a débâcle da União Soviética, cuja retirada da cena da história foi seguida por uma torrente da propaganda mais ignóbil e primária contra o marxismo-leninismo. Mas já antes dessa derrocada havia quem, no seio do movimento comunista, fizesse coro com a reacção internacional e o imperialismo contra o Bloco Socialista, tratando respostas à sabotagem e à desestabilização como repressão sanguinária, sapando o apoio popular a estas experiências, fizesse a apologia e escamoteasse a natureza de classe de alianças transnacionais do capital europeu e mundial, como a CEE e a NATO. Esses partidos têm nome, existem ainda, e devem ser tratados como aquilo que são - partidos reformistas.
O camarada Ivan Pinheiro foi peremptório na definição da relação que o seu partido - e outros partidos comunistas, agrupados em torno da Iniciativa Internacional de Partidos Comunistas e Operários - tem e terá com os partidos onde triunfou o reformismo: «acabou a diplomacia». Com efeito, não é coisa pequena que um partido se diga comunista e depois, como é timbre do eurocomunismo, encarrile a luta dos trabalhadores para um institucionalismo fadado ao fracasso. Toda a experiência histórica demonstra ser essa uma via inútil, nada na teoria autoriza a desconfiar que pode ser uma possibilidade sequer circunstancial para a tomada do poder, em suma, essa via não pode ser seguida senão por dolo e pretensão objectiva de encerrar a luta dos trabalhadores no estreito limite do institucionalismo, sem os fazer aprender nem pela prática da luta, nem pela propaganda, nem por que via seja, a necessidade das formas superiores de luta. O compromisso internacionalista dos revolucionários, mais do que com membros de um qualquer partido dirigente em certo país, é com os membros da classe trabalhadora em todo o mundo. E é em nome de tal compromisso que diante de partidos que tiram a foice e o martelo da bandeira como o PCF, que admitem abertamente a sua dissolução em agremiações social-democratas assumidas como o PCE, que teorizam sobre o carácter progressista das parcerias público-privadas em relação às privatizações como o PC do B, o silêncio, como o camarada afirmou ontem, é cada vez menos uma opção.
Travamos uma guerra de morte. A asserção é para ser tomada no mais literal dos sentidos: o inimigo pretende liquidar fisicamente uma parte de nós, deliberada e impiedosamente, enquanto que outra parte, para ele, pode morrer de fome, doença, frio, sede, ou desespero, que isso não lhe torna o sono mais custoso. O inimigo arremessa contra nós as calúnias mais inaceitáveis, as acusações mais desacabeladas, a intoxicação propagandística mais inacreditável. O inimigo viola a lei para nos sabotar, e cria leis que nos sabotem. O inimigo despede aqueles de nós que erguem a voz numa empresa, fecha o jornal que o interpela, varre a golpes de bastão (e quando é só bastão...) quem aguerridamente investe contra ele. O inimigo, em resumo, já nos dá trabalho que chegue sozinho para ainda termos nas fileiras quem esteja convencido de que ele pode ser convencido com boas palavras, com bons argumentos, com superioridade moral e a força da razão. Quem quer alinhar com essas teses tipicamente, historicamente, e com franqueza estupidamente social-democratas, tem um sem-número de fora onde as exprimir, a começar pelo Partido da Esquerda Europeia, onde muita desta gente já se acoita. No que concerne ao movimento comunista, a diplomacia atingiu o limite no trato com esta gente, ao ver do camarada Ivan Pinheiro. Que esta tese mereça o melhor da nossa reflexão.
2 comentários:
Sem dúvida
Gostava de ter ido, mas fico um pouco preocupado que para Ivan Pinheiro o que o preocupa é o caminho dos outros e não o seu próprio percurso.
É interessante a avaliação das condições objectivas, é decepcionante que continuemos a ver o PCB cada dia mais afastado do alargamento da luta dos trabalhadores e do movimento operário e apenas com expressão na intervenção em estruturas mais amplas onde estão movimentos da social-democracia ou mesmo radicalistas. E mesmo no plano sindical a Unidade Classista continua sem crescimento efectivo nas empresas e locais de trabalho. Apesar de toda a "campanha" por um PCB de quadros revolucionários está mais que visto que esse papel será de fechar o PCB numa pequena estrutura sem condições reais de crescimento negando tudo o que se sabe e conhece sobre a evolução da consciência de classe e desaproveitando as condições objectivas que, segundo a minha visão, tão bem são descritas.
Será mais preocupante que o Capitalismo feche jornais, reprima greves e impeça a luta ou a consciência dos trabalhadores para que na sua empresa assumam o seu papel de quadro revolucionaŕio
Sobre a avaliação, excessiva, sobre os outro países e a situação de outros partidos, será o isolamento de Partidos comunistas que neste momento têm processos desviantes que é o caminho? Nessa linha estaria hoje o PCB isolado nas linhas que assumiu durante vários anos. Não merecem os verdadeiros comunistas no seio desses partidos, muitos deles com papel de oposição às direcções desses partidos, a solidariedade dos outros partidos?
Ainda recentemente um destacado comunista, líder de variadas lutas no sector petrolífero em França me dizia: Sem o PCF não temos partido, é preciso que tomemos conta do PCF de novo. Tenho para mim que não é "isolando" o PCF que ajudamos os comunistas que imprimem foices e martelos para colar nos cartões, que lutam arduamente todos os dias nas empresas e que são homens e mulheres de luta.
É interessante a leitura da tese de que termos nas fileiras quem esteja convencido de que ele pode ser convencido com boas palavras, com bons argumentos, com superioridade moral e a força da razão. É ainda mais curioso se isto foi trazido ao plano mais simples, onde tudo é mais complexo. Será nosso papel, enquanto revolucionários, afastar aquele que no seu local de trabalho foge do sindicato (mesmo que se arme em revolucionário de facebook)? Ou aquele que grita pelo partido comunista mas que na sua empresa tem medo de afirmar o seu partido?
O Capitalismo dá trabalho, é facto, e é por isso que a coerência, a valorização da luta de massas e de classe, nessas duas vertentes, o papel transformador da luta de classes, a consciência de classe que dela se adquire não deve ser desvalorizada, porque se assim for transformaremos o movimento operário numa mera correia de transmissão de pensamentos, onde fazemos artigos muito jeitosos sem que eles cheguem aos trabalhadores.
É pena que ao que parece sobre a situação do Brasil se tenha percebido ZERO, já sobre o divisionismo que se espalha no movimento operário internacional e que tão apenas serve ao capital, sobre esse aprendi muito.
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