POEMA

CANÇÃO DO MESTIÇO


Mestiço!

Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando a cor
no olho alumbrado de quem me vê.

Mestiço!

E tenho no peito um alma grande
uma alma feita de adição
como 1 e 1 são 2.

Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
- mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.

Ah!
mas eu não me danei...
e muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor!...

Mestiço!

Quando amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro.

Pois é...


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo»)

NÃO HÁ OUTRO CAMINHO

Durante meses, a campanha para a eleição do líder do PSD foi a grande notícia em todos os média (privados e, digamos assim, públicos) - e, naturalmente, o PSD era apresentado como a alternativa ao PS.
Tratou-se de uma poderosa operação de manipulação e falsificação da realidade ao serviço da perpetuação da política de direita que PS e PSD, alternadamente, têm vindo a praticar há 34 anos - uma operação, por isso mesmo, ao serviço da bipolarização do sistema político em torno de PS e PSD.

Depois de eleito, o líder do PSD foi a grande notícia em todos os média (privados e, digamos assim, públicos) - e, naturalmente, o líder foi apresentado como a alternativa a Sócrates no cargo de primeiro-ministro que, alternadamente, tem vindo a ser ocupado, há 34 anos, por dirigentes do PS e do PSD.
O «eleito»e as suas «capacidades» foram projectados às mais elevadas alturas, com todos os média fingindo que não sabiam que a política que ele propõe é exactamente a mesma que PS e PSD, alternadamente, têm vindo a praticar há 34 anos - com esse fingimento propagando a bipolarização PS/PSD.


Esses meses de propaganda desbragada foram, agora, complementados com a inevitável «sondagem de opinião» - que, naturalmente, mostra que o «produto» foi vendido (e comprado...)

«Passos Coelho ultrapassa Sócrates na corrida para primeiro-ministro»: grita o Diário Económico de hoje a toda a largura da sua primeira página.

E apresenta, ainda na primeira página, uma foto de Sócrates/34% e outra de Passos Coelho/40%.

Depois, sempre na primeira página, conclui que «os números da sondagem revelam uma bipolarização do sistema político nacional à volta dos maiores partidos»...

A meu ver, seria errado concluir de tudo isto que o grande capital (proprietário dos média) não quer lá o Sócrates e quer lá o Passos Coelho - aliás, se fosse caso disso, nunca seria por ter perdido a confiança no Sócrates e depositar essa confiança no Passos Coelho, já que, na realidade, o grande capital tem toda a confiança num e no outro - e sabe que seja qual for o que estiver de turno ao governo cumprirá as suas ordens.

Na verdade - e até ver... - esta operação de propaganda cumpriu um objectivo muito caro ao grande capital: espalhar ainda mais a bipolarização espalhando ainda mais a ideia de que o PS e o PSD são alternativa um ao outro e, com isso, procurando garantir, para sempre, o voto maioritário na política de direita - seja ela praticada pelo PS ou pelo PSD.


E não é inocente o facto de a «sondagem» ter sido divulgada na véspera do 1º de Maio...


Face a isto, que fazer?: amanhã, irmos em força ao 1º de Maio; depois de amanhã, continuarmos e intensificarmos a luta de massas.
Não há outro caminho.

POEMA

ROMANCE DE SINHÁ CARLOTA


Na beira do caminho
sinhá Carlota
está pitando no seu cachimbo.

Um círculo da cuspo
a seu lado...

Veio do sul
numa leva de contratados.
Teve filhos negros
que trocam hoje o peixe
por cachaça.

Teve filhos mestiços.
Uns
forros de a. b. c.
perdidos em rixas de navalhas.
Outros foram no norte
com seus pais brancos
e o seu coração
já não lembra o rostinho deles!

Sinhá Carlota
veio há muito do sul
numa leva de contratados.

Assim
embora pra seu branco
o seu corpo não baila mais no sòcòpé
ele ao passar
fica sempre dizendo:
sàbuá?

Sinhá Carlota
nos seus olhos cansados e vermelhos
solta um achô distante
enquanto vai pitando
no seu cachimbo carcomido...


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo»)

O PRECEITO BÍBLICO

Eufórico, o Diário de Notícias informa que José Eduardo Moniz, ouvido pela ERC, afirmou que o Governo de Santana Lopes «pressionou a TVI para que afastasse o comentador Miguel Sousa Tavares da estação» - era então ministro responsável pela comunicação social o então célebre Rui Gomes da Silva.

Umas linhas adiante, o DN, eufórico - e em prosa cobertura de guerra - lembra que as revelações de Moniz «podem ser hoje utilizadas pelo PS como arma de contra-ataque na Comissão Parlamentar de Inquérito ao negócio PT/TVI».

Mais umas linhas adiante, o DN, sempre eufórico - e sempre com o instinto guerreiro ao rubro - lembra outra vez que, revelando as «alegadas pressões» do PSD, Moniz «deu balas ao PS para se defender».

Quer isto dizer que a batalha naval está para durar.
(A não ser que Sócrates e Passos Coelho tenham assinado um acordo de tréguas que lhes permita, em acção conjugada e combinada, impor o PEC comum aos dois...)

Em todo o caso, no caso em questão há que registar, para já, um empate:
O PS quis correr com a Manuela Moura Guedes, o PSD quis correr com o Miguel Sousa Tavares.

Entretanto, aguardemos para ver de que mais «armas de contra-ataque» e de que mais «balas» vai dispor cada um dos contentores, perdão: contendores.

Por mim, desejo que quanto mais armas e balas, melhor, quer para um, quer para outro.
E desejo que as utilizem, em força, um contra o outro - e o outro contra o um.

Para que se cumpra o conhecido preceito bíblico (naturalmente com as devidas adaptações à situação):

Matai-vos uns aos outros!

POEMA

ROMANCE DE SAM MÀRINHA


Sam Màrinha
a que menina foi no norte
chegou naquele navio à ilha.

Risadas brancas
e goles de champanhe!

À hora do espalmadoiro
os moços do comércio
passaram de gravatas garridas.
O monhé chegou na porta
e limpou o suor
ao lenço di seda que importou do Japão!

Ai!
Aquela que chegou na ilha
como uma risada branca
está fechando a carinha à terra.

Braços pendentemente tristes
só os olhinhos
estão pulando pra lá da fortaleza
querendo ver a Europa!...


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo»)

A PERSONIFICAÇÃO DA IMORALIDADE

Luis Figo vai ficar de fora da investigação sobre o tal negócio dos 750 mil euros, com os quais foi pago a troco de expressar publicamente o seu apoio eleitoral ao PS/Sócrates.

E por que é que o Figo fica de fora da investigação?
Porque, dizem os juízes, Figo ignorava que a Taguspark era uma empresa pública.
Assim, ao velho ditado que nos diz que «o segredo é a alma do negócio», devemos acrescentar, agora: «e a ignorância também»...

Esperemos, agora, que os mesmos juízes que absolveram o vendedor, castiguem severamente o comprador - que sabia o que a Taguspark é.
A não ser que o comprador tenha um daqueles lapsos de memória típicos nestas circunstâncias - o tão recorrente «não me lembro»- e tudo fique em águas de bacalhau.
Se assim for, teremos o já tradicional fim feliz , com um absolvido por não saber, e o outro absolvido por não se lembrar...

O que jamais irá a julgamento - e tem absolvição prévia garantida - é esta prática de compra e venda de apoios eleitorais, tão característica da «democracia» dominante.
Prática imoral?
Sim - mas não mais do que a «democracia» que dela se alimenta e que é a personificação da imoralidade.

POEMA

ROMANCE DE SEU SILVA COSTA


«Seu Silva Costa
chegou na ilha...»

Seu Silva Costa
chegou na ilha:
calcinha no fiozinho
dois moeda de ilusão
e vontade de voltar.

Seu Silva Costa
chegou na ilha:
fez comércio di álcool
fez comércio di homem
fez comércio di terra.

Ui!
Seu Silva Costa
virou branco grande:
su calça não é fiozinho
e sus moedas não têm mais ilusão!...


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo» - 1942)

OS GOSTOS DE SOARES

Venho lembrar-vos que hoje é terça - dia em que, infalivelmente, Soares se entorna no Diário de Notícias dizendo-nos do que gosta e do que não gosta...

Assim, esta semana,

Soares não gosta das «comissões parlamentares de inquérito que têm sido transmitidas em directo pela televisão».
Porquê?: porque «desprestigiam o Parlamento»; porque «os deputados-inquisidores» são «jovens, portanto, com pouca experiência», e «fazem perguntas com sanha persecutória»...

Soares gosta (muito) do «novo líder do PSD, Passos Coelho».
Porquê?: porque é um rapaz «cheio de lucidez»...

Soares não gosta dos «partidos da esquerda, radical».
Porquê?: porque «reivindicam mais emprego, maiores salários, lutam contra o desemprego, as desigualdades e a pobreza» e exigem «mais dinheiro para a educação, a saúde, as pensões sociais, a justiça e a segurança».
Ora, pergunta Soares, «quem não desejaria tudo isso?».
E continua a perguntar: «mas com que meios» é que se pode fazer tudo isso?
E pergunta ainda: «Fazendo pagar os ricos e as multinacionais?»
E responde que, se assim fosse feito, «rapidamente cairíamos num novo PREC, com as consequências negativas que todos conhecem»...

Soares (diz que) gosta de Abril - diz, mesmo, que o dia 25 de Abril de 1974 foi «o dia decisivo» da sua vida, por isso grita: «viva o 25 de Abril», mas...
Soares gosta mesmo é do «25 de Novembro de 1975, que restituiu a revolução à sua pureza democrática inicial e não foi - ao contrário do que alguns disseram - uma contra-revolução. Longe disso»...


Comentários?: quem quiser que os faça...

POEMA

ÁFRICA


África do Congo,
África distante do Congo
distante...
África apertada, cingida,
no périplo do meu abraço:
nó dos meus pulsos
fechando o teu corpo negro
aberto para a minha ânsia.
Descoberta do acaso
das minhas navegações:
África perdida nos «cabarets»
com o teu riso branco de espanto
das civilizações.

Ó minha negra,
escrava humilde e fiel,
encontro do meu destino pirata...

Floresta nunca pisada;
virgindade das florestas virgens rasgada;
rosa desfolhada
como a tua boca no riso branco,
como o teu destino branco
na lotaria da vida.

Cadeia dos meus sentidos,
febre da minha aventura...

Roubei os diamantes do teu seio,
o oiro das tuas pulseiras,
e negociei tudo nas bancas!
Vendi as tuas terras
e os teus rebanhos,
derrubei as tuas florestas
e arrasei as tuas aldeias,
despovoei os teus reinos,
trocei as tuas crenças...

Veneno europeu...

Fiz dos teus filhos escravos
e, senhor do meu destino,
amarrei-te à minha sorte.

Veneno europeu...

Teu corpo de mapas,
neste leito do mundo,
quantas vezes o fiz meu...

Ris com esse riso de cartaz:
branco,
límpido,
fixo.
Ris.

O jazz toca um desses blues
- e o negro do cornetim
rasga o silêncio
com o seu grito de faca.

O eco fica bailando
no teu corpo
como o ramo das palmeiras...
das palmeiras lá do Congo.
O som cavo das marimbas
bate o compasso no fundo da música...

África civilizada,
vestida à moda das nações,
fazendo ouvir nos boulevards
a tua música de recorte primitivo.

Outros batuques distantes,
ouros batuques mais distantes
que me vêm no sangue
- o bater das marimbas foi que o acordou.

A virgem loira desfalece
nos barços de quem dançou.
A saxofone, do espanto
dos teus olhos, se entornou...

E o teu riso de cartaz,
branco
como marfim de amuletos,
brilha nos acordes do piano.

Capa de magazine:
A luz correu no teu corpo
que brilhou como uma lança...
Já não há lanças em África...
dança,
dança...
Já não há lanças em África,
já não há guerra,
já não há guerra...
- batuque de lanças quebradas,
batuques do Congo já não são de guerra!
Batuques de lanças quebradas:
batuques de guerra... não!

Nos cofres fortes do Cabo
o teu suor corre em libras...
- Yes, whisky and soda.

Nos cofres fortes do Cabo
o teu suor corre em libras:
África da colonização!


Joaquim Namorado


(Com este poema - África - o Cravo de Abril encerra o ciclo dedicado a Joaquim Namorado. Trata-se, como sublinhou Alexandre Pinheiro Torres, de uma composição poética precursora da poesia que Francisco José Tenreiro - natural da ilha de São Tomé - iria publicar no ano seguinte, em Ilha de Nome Santo.
Assim, com África, Namorado abre caminho à poesia protestatária, autóctone, nascida dos próprios espaços das antigas colónias portuguesas, de que Francisco José Tenreiro se tornará o grande arauto.
Pinheiro Torres observa, ainda, que «foi o dinâmico Joaquim Namorado que lhe abriu a porta, sendo de duvidar que sem ele Francisco José Tenreiro tivesse chegado à consciência política e desalienatória que, a breve trecho, viria a alcançar».
Assim sendo, Francisco José Tenreiro é o poeta que se segue.
Começaremos, precisamente, com poemas do seu livro Ilha de Nome Santo - que foi o nono dos dez volumes dessa primeira grande manifestação colectiva do neo-realismo português que foi o «Novo Cancioneiro»)

NÃO PASSARÃO!

Não surpreende - mas exige registo - a forma como os jornais diários - todos! - maltrataram as comemorações populares do 25 de Abril, silenciando ou menorizando a sua dimensão e o seu significado.
Não surpreende, porque para os donos dos ditos jornais Abril é ainda hoje um pesadelo...
Exige registo... para ficar registado.

Também quanto ao espaço e à relevância dados às «comemorações oficiais», os ditos jornais cumpriram as ordens dos donos.
O destaque maior foi, naturalmente, para o discurso de Cavaco Silva - destaque merecido tendo em conta que se trata de pessoa pouco dada a Abril e que, enquanto primeiro-ministro, não se poupou a esforços para fechar a cadeado todas as portas que Abril abriu.
Destaque igualmente merecido foi o que os referidos jornais deram às «comemorações» protagonizadas pelos deputados dos partidos da política de direita, os quais - tendo como preocupação primeira erradicar da vida nacional tudo o que cheire a Cravos - aproveitaram o 25 de Abril para lançar o seu grito de guerra contra o que de Abril ainda resta na Constituição.

A este aparato «comemorativo», teremos que responder com a intensificação da luta, única forma de os vencer.
E venceremos.

Não passarão!

POEMA

PORT-WINE


O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova Iorque e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bares.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.

Nas sobremesas finas as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.

As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos do cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos..

Em Londres, os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.

O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
liberta-te, meu povo! - ou morre.


Joaquim Namorado

(«A Poesia Necessária»)

POR ABRIL DE NOVO

Foi assim - com notável sensibilidade poética e política e numa síntese luminar - que o POETA DA REVOLUÇÃO nos contou/cantou o derrubamento do governo fascista no dia 25 de Abril de 1974:

«Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão»

Em quatro versos, o Zé Carlos assinalava o Dia da Liberdade, erguido pelos heróicos Capitães de Abril e situava o início da construção desse Dia na longa, difícil e heróica caminhada de resistência ao fascismo.

Ao derrubamento do governo fascista, seguiu-se o derrubamento do regime fascista, num impetuoso processo revolucionário em que o MFA e o Movimento Operário e Popular, em aliança decisiva, construíram a democracia mais avançada e mais participada alguma vez existente em Portugal e que a Constituição de Abril viria a consagrar.

Foi o tempo das grandes e profundas transformações económicas, políticas, sociais e culturais; da assunção clara da independência e da soberania nacional; da afirmação inequívoca dos interesses e direitos dos trabalhadores e do povo.

Foi o tempo dos governos provisórios presididos por essa figura maior da Revolução que foi Vasco Gonçalves - militar de Abril, soldado do Povo, Companheiro Vasco.

Foi o tempo que ficará assinalado como o tempo mais luminoso da história de Portugal.

Foi o tempo que, mostrando-nos um pedacinho do futuro pelo qual lutamos, nos mostrou que esse futuro é possível - e que nos mostra, hoje, após 34 anos de contra-revolução, que lutando venceremos.


Por todo o País comemora-se, hoje, em milhares de iniciativas do mais diverso tipo, o 36º aniversário desse Dia que foi ponto de chegada de meio século de resistência e ponto de partida para o futuro.
E é preciso que cada um desses actos comemorativos seja um acto de luta por Abril - por Abril de novo.
Se assim fizermos, «isto vai, meus amigos, isto vai».

POEMA

A MÁQUINA DE FAZER NOTAS FALSAS


A máquina de fazer notas falsas
era uma máquina tão falsa
que nem notas fazia...

Mas trabalhava perfeito...
dentre dois rolos saíam,
em vez de notas de mil,
folhas de velhos jornais

Com notícias falsas.


Joaquim Namorado

(«A Poesia Necessária»)

POR QUE SERÁ?...

O problema do pagamento das viagens de avião Paris/Lisboa/Paris da deputada Inês de Medeiros está finalmente resolvido: o Parlamento paga.

Entretanto, o Correio da Manhã divulgou mais dados relacionados com o caso: ao que parece tudo começou em... Rui Pedro Soares - sempre ele!...
Foi assim, mais coisa menos coisa:

- Rui Pedro Soares era dono de uma revista onde Inês de Medeiros colaborava (e, naturalmente, era paga pela colaboração);
- O dono da revista e a colaboradora falavam de vez em quando (talvez almoçassem, até, nos dias em que Rui Pedro Soares não almoçava com Mário Lino - isto digo eu...);
- A dada altura, Rui Pedro Soares, na sua actividade de caçador de votos, convidou Inês de Medeiros para ser mandatária de Vital Moreira nas europeias;
- Inês de Medeiros disse... que sim, mas que também..., isto é: disse que o que queria mesmo-mesmo-mesmo era ser candidata a eurodeputada...
- Fechado o contrato, Inês foi mandatária de Vital e, uns meses depois, foi candidata à Assembleia da República e foi eleita. Com viagens pagas Paris/Lisboa/Paris. Em 1ªclasse.

Rui Pedro Soares nega estes factos.
Inês de Medeiros também.

Curiosamente, em matéria de conversas com Rui Pedro Soares, Inês de Medeiros diz mais ou menos o mesmo que o Mário Lino disse:
«O Rui Pedro Soares nunca falou comigo em nada que tivesse a ver com candidaturas ou campanhas eleitorais» - ou seja: conversaram, sim, mas sobre... futebol e vida privada...

Por outro lado, «uma fonte do PS» disse assim ao Correio da Manhã:
«Efectivamente, ela (Inês) tinha intenção de ser candidata a eurodeputada. Mas isso não avançou porque ela não tinha forte proximidade ao partido. Inês de Medeiros chegou a mandatária de Vital Moreira através de contacto feito por Rui Pedro Soares».

Tudo isto me faz lembrar um figo... perdão: um filme já visto...
Por que será?

POEMA

ROMANCE DE FEDERICO

I

Num pueblo de Espanha
la Barraca se levanta:
Num pueblo de Espanha,
numa praça de Castela...

Mas não se ouvem poemas,
nem guitarras, nem canções
- que la Barraca é deserta...
Morreram vozes e risos
(no chão, com as folhas arrancadas,
D. Quijote de Cervantes)
e calaram-se as canções,
geladas no oiro frio
das cordas dos violões
- que la Barraca está deserta
como uma alma... deserta.

Correi ventos de Espanha!
Chamai vozes de Espanha!
Mirad olhos de Espanha!
- Aonde está Federico?

Chorai corações de Espanha!

- No acampamento cigano
uma virgem desmaiou:
romance da «pena negra»
a feiticeira agoirou.
Romance da «pena negra»,
romance da negra sorte,
com uma bala na fronte
e outra no coração
morto para sempre ficou...
(No veludo dos estojos,
as cordas da guitarras estalaram
com um ai grave e profundo...)
as mãos estendidas, sem raiva,
os olhos cheios de terra,
morto ficou.

Chorai corações de Espanha!

Com os olhos cheios de terra,
sob o céu de su Granada,
morto ficou...

Cavalos negros da noite
encobriram as estrelas.
De Cádis até Navarra,
de Badajoz ao Levante.


II

A noite desceu sobre o corpo da Espanha.
A noite das águias carniceiras
desceu sobre o corpo da Espanha...

Ferem o chão fúrias soltas
- ruínas foram cidades e vilas,
escolas, lares, catedrais;
incêndios foram celeiros e searas;
ódio foi amor,
lágrimas foram riso...
A noite poisou seus dedos de treva
no coração da Espanha...

Espanha,
em teus braços de Mãe,
em teus braços de terra,
apodrecem os corpos
de teus filhos inocentes...
Espanha,
na sombra que desceu
as feridas dos cadáveres abrem-se
como flores roxas de agonia...

Espanha,
noites de serenata,
sob os balcões floridos, nunca mais:
que os corações não batem já para o amor,
só para o aço dos punhais...

Espanha,
Carmen, cigana,
corpo de bronze, olhos de lume,
não mais amante...
Espanha,
na noite das catedrais,
correm lágrimas de marfim
pelas faces dos crucificados
- na tua face
são de sangue, Espanha!
Espanha,
no silêncio das catedrais
sorrisos seráficos da Virgem
- na tua boca
sangue e fel, Espanha!


Joaquim Namorado

VERDADE? MENTIRA?

O ex-ministro das Obras Públicas, Mário Lino, foi ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao processo Face Oculta.

Ali, jurou nunca ter falado com Rui Pedro Soares - o «boy de Sócrates» - sobre assuntos da PT.
Fê-lo naquele tom categórico e definitivo que lhe é característico, como se dissesse: jamé!...

É verdade que - confessou - tem relações de amizade com Rui Pedro Soares.
É verdade que - confessou - de vez em quando Rui Pedro Soares passava lá pelo ministério para o cumprimentar.
É verdade que - confessou - de vez em quando iam os dois almoçar.
É verdade que - confessou - tinham longas conversas.

E, provavelmente farto de dizer verdades, concluiu assim: «as nossas conversas eram sobre futebol e assuntos privados. Nunca sobre a PT».

Foi talvez a pensar nisto tudo que Máximo Gorki escreveu: «Por vezes, a mentira exprime melhor do que a verdade aquilo que se passa na alma»...

POEMA

O ANDAIME


O andaime era alto,
alto...
(e uma viga estava mal segura...)

Os ladrilhos vermelhos
saltavam de mão em mão
como peixes voadores...;
os aprendizes traziam e levavam
taboleiros de cal;
e os muros cresciam
e abriam-se janelas
e os andares subiam.

O andaime era cada vez mais alto,
mais alto...
(e aquela viga estava mal segura...)
Os operários cantavam - o ritmo dos braços,
o bater dos martelos, era o ritmo da canção
- cantavam e riam...

Em volta, a Natureza representava a comédia
da mais inteira confiança:
o sol baixava num céu calmo, infinitamente azul,
um céu de charco;
da rua subia o marasmo destas horas
em que os burgueses dormem a sesta
e as moscas zumbem nas vitrines;
a canção era a mesma de sempre:
o mesmo bater dos martelos que enchia o silêncio;
um bando de pombas viera poisar,
confiadamente,
no cimo alto das estacas...
(e uma viga estava mal segura...)

Os operários cantavam,
cantavam e riam;
nada lhes dizia
da ameaça que pesava
- em toda a parte a traição do encoberto...

E o andaime era alto...
tão alto que,
quando ele caiu, como uma ave ferida,
o seu corpo ficou desenhado a sangue na calçada,
que era um outro santo-sudário.
Então a canção parou em todas as bocas
e mais as roldanas e o bater dos martelos;
por um momento
tudo parou em redor do mesmo espanto.
Mas a vida continuou
e a Natureza afivelou de novo
a máscara da cega confiança.

- Depois levaram o corpo para a morgue
e lavaram com baldes de água
o sangue
que secara na calçada e tinha
um aspecto repugnante.

A casa é alta,
alta...
tem ascensor, água encanada e uma mercearia
no rés-do-chão;
as andorinhas fizeram ninhos nos beirais;
das varandas debruçam-se cravos e malvas;
uma toalha que enxuga numa janela
é uma bandeira de paz;
a menina loira, do terceiro andar, esquerdo,
namora e vai casar...

Todos os dias
vem um caos destes nos jornais...



Joaquim Namorado

(«Arquitectura»)

«NOVAS FORMAS DE FAZER POLÍTICA»

O Público de hoje fala-nos de uma «Declaração Política» aprovada e divulgada no sábado passado, em Almeirim - terra da afamada sopa da pedra - por uma associação denominada «Movimento Nacional Esquerda» (MNE).

Se a memória me não falha, este MNE - que se diz portador de novas formas de fazer política com vista à sua dignificação e reabilitação - foi criado há uns meses por iniciativa de um grupo de ex-membros do PS e ex-apoiantes de Manuel Alegre (do qual se desligaram pelo facto de Alegre não se ter desligado do PS).

Segundo o Público, na declaração agora aprovada o MNE (surfando na onda propagandística que, com intuitos óbvios, visa identificar PCP e BE...) afirma «partilhar os mesmos ideais de justiça e de distribuição equitativa da riqueza característicos do PCP e do Bloco de Esquerda».
No entanto, o MNE diz discordar destes dois partidos em questões de fundo: não acredita que «as metas políticas e os ideais de esquerda possam ser alcançados através de um partido único, de um Estado centralizado e de uma economia estatizada».

«Partido único»?, «Estado centralizado»?, «economia estatizada»?: é evidente que, recorrendo a estes três «exemplos», o MNE, não está a falar do BE mas sim das patranhas que sobre o PCP são divulgadas (o que só confirma a falsidade da onda propagandística acima referida...).
Mas pior do que isso é o facto de o MNE atribuir ao PCP ideias e opiniões que este de todo não tem, mas que lhe são atribuídas no âmbito da ofensiva ideológica que os média dominantes todos os dias disparam contra os comunistas.

Se o MNE quisesse saber quais são, em verdade, as posições do PCP nessas matérias, bastar-lhe-ia, em vez de beber desinformação nos média do grande capital, procurar informar-se na fonte...

Se assim fizesse ficaria a saber que o PCP defende, de facto, a livre criação de partidos políticos, o pluralismo partidário - e que o faz, na teoria e na prática, desde o tempo em que o PCP era o único partido a combater o partido único fascista...
Ficaria a saber, também, que o PCP sempre defendeu - e defende - na teoria e na prática, um Estado democrático, representativo, participado, eficiente e moderno.
Ficaria a saber, ainda, que o PCP defende - e sempre defendeu - uma organização económica mista composta por um sector empresarial do Estado, um sector privado e um sector cooperativo.

E é claro que, ficando a saber tudo isso - ou seja, a verdade - o MNE não teria escrito o que escreveu. Ou teria?...
A verdade é que estas «novas formas de fazer política» revelam-se sempre mais velhas do que o obrar de cócoras...

POEMA

FÁBRICA


Oh, a poesia de tudo o que é geométrico
e perfeito,
a beleza nova dos maquinismos,
a força secreta das peças
sob o contacto frio e liso dos metais,
a segura confiança
do saber-se que é assim e assim exactamente,
sem lugar a enganos,
tudo matemático e harmónico,
sem nenhum imprevisto, sem nenhuma aventura,
como na cabeça do engenheiro.
Os operários têm nos músculos, de cor,
os movimentos dia a dia repetidos:
é como se fossem da sua natureza,
longe de toda a vontade e de todo o pensamento,
como se os metais fossem carne do corpo
e as veias se abrissem
àquela vida estranha, dura, implacável
das máquinas.
Os motores de tantos mil cavalos
alinhados e seguros de si,
seguros do seu poder;
as articulações subtis das bielas,
o enlace justo das engrenagens:
a fábrica, todo um imenso corpo de movimentos
concordantes, dependentes, necessários.


Joaquim Namorado

(«Arquitectura»)

TÃO LONGE DE ABRIL!

Assim agem os governantes da política de direita:
estamos a 20 de Abril e a imensa maioria (64, 7%) dos trabalhadores desempregados ainda não recebeu o subsídio de desemprego relativo ao mês de Março.
Dito de outra forma: cerca de 360 mil trabalhadores aguardam o subsídio de desemprego a que têm direito e que é, nas circunstâncias actuais, a principal (ou a única) fonte de rendimento para si e para as suas famílias.

Não é difícil imaginar os problemas e os dramas vividos por esses trabalhadores que assim vêem juntar-se ao flagelo do desemprego a nova e brutal penalização do atraso do pagamento do respectivo subsídio.

Assim falam os governantes da política de direita:
sobre esta situação, diz a ministra do (digamos assim) Trabalho que não há razão para alarmes: tudo se deve a um simples «erro informático» que um dia destes será corrigido...
Além disso, acrescenta a ministra - que tem emprego com salário elevado e pago a tempo e horas - não há razão para protestos porque «não há uma data fixa obrigatória para pagar o subsídio» - ou seja: o subsídio tanto pode ser pago esta semana ou este mês como na semana ou no mês que vem...

O caso em si e as explicações da ministra são bem o exemplo do estado a que chegou o governo PS/Sócrates - e de como ele está cada vez mais longe de Abril e cada vez mais próximo do tempo que Abril venceu.

POEMA

CONDUTORES DE MÁQUINAS


Contacto:
os tempos do motor
transpiram a sua segurança de máquinas
- solda-se o braço no volante preso
e bate o coração no mesmo passo.

Olho estes homens condutores de máquinas
na simples ganga azul
do seu trabalho,
e é uma raça nova que aos meus olhos nasce
- nervos e eixos, êmbolos e veias,
são o mesmo aço.


Joaquim Namorado

(«Arquitectura»)

HOMENS SEM SONO

Chega a notícia de que os EUA inauguraram uma base militar nas Honduras.
Mas nada de confusões: os governos dos EUA e das Honduras, em coro, garantem que a nova base - criada «com o objectivo de combater o narcotráfico na região»... - ficará «sob a alçada autónoma de responsáveis militares hondurenhos», embora... «assessorada por oficiais do Comando do Sul dos EUA» - que é o departamento do Pentágono responsável pelas operações dos EUA na América Latina.

Tudo democraticamente decidido e tudo a bem da democracia, como não podia deixar de ser tratando-se de eminentes democratas como são os golpistas fascistas hondurenhos e os seus patronos e patrões imperiais...

Se a isto se acrescentar o facto de a nova base se situar na fronteira com a Nicarágua. ficamos com uma ideia mais completa sobre os objectivos reais que estão por detrás da manobra...

Já agora, recorde-se que uma das razões que levaram ao golpe fascista que afastou do poder o Presidente Manuel Zelaya foi a intenção por este anunciada de acabar com a outra base dos EUA no país: a base de Palmerola.
E recorde-se, ainda, que foi na base de Palmerola que os golpistas hondurenhos, dirigidos por oficiais dos EUA, prepararam o golpe fascista.

Tudo isto a confirmar que o Império, seja qual for o seu chefe de ocasião, não dorme: Obama, Bush-filho, Clinton, Bush-pai, Reagan, e por aí fora, são todos homens sem sono...

POEMA

POEMA DA MANHÃ CLARA


O grito das sirenes
rasgou o silêncio da manhã clara...
E foi como se a vida acordasse
na cidade adormecida:
as ruas encheram-se de movimento,
o céu encheu-se de asas
e o rio de velas!

As ruas encheram-se de movimento,
do vai-vem dos que vão para as oficinas,
dos pregões cantados nas esquinas,
do estrépito dos motores...
E nas fábricas,
as máquinas,
monstros de potências adormecidas,
foram arrancadas à sua inércia,
que se desmancha num espreguiçamento,
e se desfaz, depois,
no ritmo acelerado dos volantes.

O céu encheu-se de asas
e o rio de velas...
Nos portos,
atracam os navios vindos de longe,
de todos os horizontes,
entre os guinchos das roldanas
e a vozearia das tripulações à manobra;
e os guindastes giram lentamente
- gigantes de braços de aço
levam e trazem
com ar despreocupado,
os fardos mais pesados
aos porões;
os vapores de hélices potentes
deixam lentamente os cais,
e, manchando o céu
com o fumo pesado das chaminés,
perdem-se no nevoeiro da barra...

O grito das sirenes
rasgou o silêncio da manhã clara...
um ritmo novo
acordou a cidade adormecida.
Ritmo que se grita
nas alavancas que se movem,
nos êmbolos que chocam,
nos martelos que retinem;
ritmo mecânico, compassado,
das hélices dos motores;
ritmo vertiginoso, alucinante,
dominante, dos volantes;
ritmo novo dos corações,
na canção ardente do trabalho!
Ritmo de máquinas,
de alavancas e de braços.
- - Ritmo novo da manhã clara!


Joaquim Namorado

(«Arquitectura»)

TRÊS VERTENTES

Diz o Diário de Notícias que, segundo o Expresso, «os investigadores do caso Freeport vão deixar de fora das acusações o primeiro ministro José Sócrates, por falta de indícios, incluindo o rasto do dinheiro».
Pronto, já passou, não se fala mais no caso.

Corrijo-me: muito se vai falar ainda deste caso.
Pelo menos é o que diz Vitalino Canas: «Aguardamos com tranquilidade que o processo tenha o seu desenlace para poder até haver alguma discussão de natureza política sobre tudo o que aconteceu nos últimos anos de tentativas de aproveitamento político de estes e outros processos contra o PS e o seu secretário-geral».
Preparemo-nos, então, para a «discussão de natureza política» que, mais dia menos dia, aí chegará...

Entretanto, diz a Revista NS:
«Corrupção
De Espanha a Itália, passando pela França e a Inglaterra, os escândalos abalam a Europa».

E conta-nos «o escândalo de corrupção que está abalar a política espanhola» envolvendo uma série de governantes do PP - o os «casos» que, em França, envolvem Sarkozy; e, na Itália, envolvem Berlusconi; e, na Inglaterra, envolvem ministros e deputados trabalhistas e conservadores; e, na Grécia, envolvem o governo de Costas Caramanlis...

São casos todos iguais nos seus contornos essenciais e que têm como traço comum o facto de neles estarem envolvidos governantes da política de direita levada a cabo em todos os países da União Europeia.
Tudo isto a confirmar que tal política é composta por três vertentes complementares e indissociáveis:
flagela impiedosamente os trabalhadores
;
serve abundantemente os interesses do grande capital
;
e, em consequência disso, é geradora activa de corrupção.

É este tema que proponho que seja incluído na «discussão de natureza política» anunciada por Vitalino Canas.

POEMA

PILOTAGEM


Só os corações fortes se fizeram para o voo.
Nenhuma audácia é proibida ao homem...
Um medo ancestral dorme fundo,
vem-me na carne sempre provisória:
bem nossa, porém, só esta ânsia maior
de domínio.
Homem quer dizer: conquistador.


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

GATO ESCONDIDO...

No decorrer da sua visita oficial à República Checa, o Presidente Cavaco Silva participou, com o Presidente daquele país, Vaklav Klaus, num seminário que juntou empresários dos dois países.
Até aqui, nada a assinalar: trata-se de uma visita de rotina, daquelas em que os chefes de Estado do mundo capitalista cumprem a função de caixeiros viajantes dos interesses do grande capital e, assim, nas suas deslocações a outros países, fazem-se acompanhar, sempre, de empresários que apresentam aos empresários do país visitado, proporcionando os respectivos negócios...

Acontece que, no decorrer do referido seminário, Vaklav Klaus produziu declarações inusitadas nestas circunstâncias.
Disse ele, a dada altura, que ficou «muito surpreendido por Portugal não parecer muito preocupado por ter um défice de oito por cento» - e, não sei se a sério se a brincar, recomendou a Cavaco: «Por favor, não digam a ninguém que têm um défice maior que o nosso»...

Confrontado pelos jornalistas com tais declarações, Cavaco - que esperto que este homem é! - começou por fugir à resposta fingindo não ter percebido o que Klaus tinha dito.
Todavia, perante as insistências, sacou da mais recente arma-secreta-lusitana e disparou, seco: «Portugal já tem o seu Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), aprovado na União Europeia, e agora segue-se a sua aplicação prática».

Depois, sem ninguém lhe pedir que o fizesse, achou por bem responder às declarações proferidas no dia anterior pelo Presidente da República Checa, segundo o qual «o Tratado de Lisboa veio agravar o défice democrático da União Europeia».

Aí, Cavaco brilhou como só ele é capaz de brilhar...
Com aquela ironia fina que se lhe conhece, começou por menorizar e desvalorizar as declarações de Klaus, dizendo que «são conhecidas as suas posições pouco ortodoxas» - que é como quem diz: ele é assim, não lhe liguem, não façam caso...

Depois, tolerante, paternalista e democrata até dizer chega, Cavaco concedeu que «às vezes é bom ouvir na Europa quem pensa de modo diferente»...
Às vezes, disse ele - que é como quem diz: de vez em quando, uma vez por outra e desde que isso não tenha quaiquer consequências; porque se tem, ou pode ter, consequências, então... não há referendo para ninguém...

Os representantes da democracia dominante, para melhor combaterem a Democracia, têm necessidade de, às vezes, dar um ar de democratas.
Só que... são sempre o gato escondido com o rabo de fora...

POEMA

EXORTAÇÃO


Ó mocidade, vai para os estádios,
vai para as oficinas cantando!
Faz da tua vida luta, amor e alegria.
Que o sol doire a tua vida heróica
e se molde no teu corpo forte!

Ó mocidade, vai para os estádios,
teu corpo ágil vibrando
no esforço viril de se ultrapassar...
Rosas, na tua fronte nunca murchas.
Clara manhã abrindo a tua alma.
Ó mocidade, vai cantando!

Ó mocidade das oficinas,
aço e sangue soldados no teu corpo,
carne e cimento de novas arquitecturas,
ergue cantando o teu poema heróico!

Armas do teu combate:
alavancas, martelos e bigornas,
serras, puas, escopros!
Ó mocidade, parte cantando!

Vai cantando bem alto
o «querer» do teu destino!
Parte alegremente para a conquista
do mundo...
Serena, firma, confiante.
Ombro com ombro, peito com peito,
braço com braço,
parte, ó mocidade, cantando!

À conquista do teu destino
parte cantando!


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

INEVITÁVEL

«O PEC é a obrigação que Portugal tem com Bruxelas visando o combate ao défice», pelo que «não podemos fugir a este documento e a essa meta».
«O PEC é muito duro para os trabalhadores, mas é inevitável para o país».

Quem fez tais afirmações?:
1 - José Sócrates ou qualquer um dos seus ministros?
2 - Mário Soares?
3 - Durão Barroso?
4 - um qualquer dos analistas de serviço à política de direita?
5 - um qualquer cidadão abordado numa reportagem de rua da RTP?
6 - o presidente de uma qualquer associação patronal?

Não, nenhum deles - apesar de qualquer um deles o poder ter feito, já que todos são parte integrante da família da política de direita, mãe do PEC e de muitas outras malfeitorias semelhantes.

O autor das citadas afirmações é o chefe da chamada UGT, João Proença.
Sem surpresa, dado que também ela - a chamada UGT - e também ele - o chefe Proença - são membros de pleno direito dessa família.
Aliás, com provas dadas naquela que é a tarefa fundamental que lhes está atribuída: procurar dividir os trabalhadores para enfraquecer a luta por estes levada a cabo em defesa dos seus direitos, interesses e aspirações - luta que, porque tem esses objectivos, é uma luta contra a política de direita.

Mas atenção: Proença manifestou-se contra o anunciado congelamento de salários dos trabalhadores da Função Pública.
Contra?
Bom, manifestou-se em três tempos:
no primeiro tempo, vestindo a farpela de «dirigente sindical», apelou aos trabalhadores para que, no próximo 1º de Maio, venham para a rua protestar contra o congelamento de salários;
no segundo tempo, vestido de anjo, veio dizer que esta política de congelamento de salários... enfim, este ano admite-se, é ano de PEC, não é verdade?... mas «é uma política que não se pode repetir nos próximos anos»...;
no terceiro tempo, em traje de cerimónia, «apelou a uma mudança de comportamento dos empregadores» - aos quais apelou, ainda, para que dêem aos seus trabalhadores a oportunidade de assistirem às missas papais de Maio...

Ou seja: manifestou-se de acordo com a vontade de quem o chamou, na devida altura, a chefe da chamada UGT - que é quem o chamará, mais dia menos dia, a uma qualquer pasta ministerial, ou à administração de uma qualquer empresa pública ou privada.
Inevitável - como o «inevitável» PEC...

POEMA

CANTAR DE AMIGO


Eu e tu: milhões!...
Entre nós - perto ou longe -
entre nós, rios e mares,
montanhas e cordilheiras...

Eu e tu, perdidos
nesta distância sem fim do desconhecido;
eu e tu, unidos
para além das cordilheiras,
por sobre mares de diferença,
na comunhão de nossos destinos confundidos
- a minha e a tua vida
correndo para a confluência
num mesmo Norte.

Eu e tu, amassados
nesta angústia que é de nós,
minha e tua,
e mais do que de nós...
Eu e tu,
carne do mesmo corpo,
amor do mesmo amor,
sangue do mesmo sacrifício!...

Eu e tu,
elos da mesma cadeia,
grãos da mesma seara,
pedras da mesma muralha!...
Eu e tu, que não sei quem és,
que não sabes quem sou:
Eu e tu, Amigo! Milhões!


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

A BATALHA NAVAL

No Estreito da Lama, que liga ao Mar Sujo (também conhecido por Mar da Política de Direita), prossegue a batalha que opõe a Esquadra Rosa à Esquadra Laranja - e vice-versa.
Em ambas as esquadras, a linha da frente é ocupada por compactas filas de boys resguardados em sólidas trincheiras de anafados jobs, sob o olhar paternal dos respectivos almirantados.

A duração da batalha é imprevisível e o mesmo se pode dizer do seu desfecho - isto se tivermos em conta a superior qualidade do material bélico usado de parte a parte: do lado da Esquadra Laranja, uma vasta gama de mísseis e obuses, todos de marcas afamadas: Freeport, Cova da Beira, Face Oculta...; do lado da Esquadra Rosa, a mesma qualidade bélica garantida por marcas igualmente afamadas: BPN, BPP, Submarinos...

O último disparo conhecido foi ontem: a nau almirante rosa foi atingida com vários mísseis Taguspark.
Estes mísseis são a mais recente aquisição bélica feita pela Esquadra Laranja.
São também conhecidos por Uns comem os figos e a outros rebentam-lhes os beiços...

Entretanto, ali ao lado, no Mar Sujo, a política de direita prossegue: de PEC em riste e saudada com salvas festivas pela Esquadra Rosa e pela Esquadra Laranja.

POEMA

TRÊS POEMAS DE HEROÍSMO


1

Eu sou daqueles que gritam
«morrer, sim, mas devagar!»
e fico
até ao fim da batalha...

Venham golpes sobre golpes!
Que eu morda o pó das derrotas...
Ficará sempre de pé
minha luta alevantada.


2

Crucifiquem-me nas cruzes dos calvários,
deitem-me chumbo nas veias,
façam-me a pele em tiras,
tirem-me os olhos com navalhas
e dêem-me a morte lenta
do maior dos suplícios...

A Morte não encontrará em mim
nem desespero nem mágoa:
HEROÍSMO É VIVER...


3

Eu mesmo sou o campo de batalha!

Frente a frente os dois irmãos inimigos:
um, o que me prende ao que ontem fui;
outro, o que será amanhã.

Minha alma está cavada de trincheiras!

Sempre o mesmo combate,
desde o início...


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

«POR QUE NÃO TE CALAS?»

O cardeal Tarcísio Bertone é, hoje, uma das figuras maiores da Igreja Católica.
Secretário de Estado do Vaticano (que é um cargo correspondente ao de primeiro-ministro), ele é considerado «o braço direito de Bento XVI» e «o número 2 do Vaticano».
Para além disso tudo, tem sido, nos últimos tempos, uma das figuras mais faladas da Igreja.

Há dias, comentando as notícias sobre a vaga de casos de pedofilia envolvendo bispos e padres, o cardeal veio a público proclamar que tudo isso não passava de uma «campanha visando minar a confiança da Igreja» - proclamação que, menorizando a extrema gravidade dos crimes cometidos, revela, no mínimo, uma absoluta insensibilidade em relação às crianças vítimas de abusos sexuais por parte de membros do clero.

Ontem, em conferência de imprensa, o cardeal afirmou que, segundo lhe disseram «recentemente psicólogos e psiquiatras», «há uma relação entre a homossexualidade e a pedofilia»...
Tal afirmação, naturalmente, causou perplexidade nos presentes e, desde logo, passou a correr mundo, sendo notícia de destaque, hoje, em praticamente todos os média.
Os protestos chovem de todos os lados e são muitas as vozes a intimar ou a desafiar o cardeal a «divulgar os estudos em que baseia a sua afirmação».

Estou em crer, no entanto, que mais importante do que todos esses protestos e intimações é tentar perceber qual o objectivo do cardeal ao afirmar o que afirmou...
Isto porque, a meu ver, estas declarações polémico/espectaculares do cardeal Bertone não se devem a lapsos, a gaffes.
Nada disso: elas são pensadas, reflectidas, estudadas e proferidas com objectivos bem definidos - como sempre acontece em tudo o que emana da Santa Madre Igreja.
Se assim não fosse, o Papa - que tem sempre a última palavra... - já teria silenciado o cardeal com um seco e definitivo «por que não te calas?»...

POEMA

VITÓRIA!


Derrotado, ao assalto voltei,
minhas feridas sarei
e tornei;
de novo batido fui,
mas no combate o braço armei,
com força maior
tornei:
as lutas eram tam grandes,
novo desastre encontrei
- feito em pedaços meu corpo,
ainda forças busquei...

Cem vezes ao combate
parti.
E, por fim,
o que queria consegui.


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

AS DUAS FACES DA MOEDA

Às terças-feiras, infalivelmente, Mário Soares ocupa toda uma página do Diário de Notícias com um texto denso, compacto, cerrado, em regra num português sofrível, e que só com infinita paciência se lê até ao fim.
Haja paciência!...

Nessas homilias semanais, Soares fala de tudo, mas tendo sempre como pano de fundo a defesa e o elogio do capitalismo.
Não desse «capitalismo estúpido», que só faz disparates - o maior dos quais é gerar crises que põem em perigo a sua própria existência... - mas do «capitalismo ético», do capitalismo democrático, o que explora, sim, mas em liberdade plena.
Em liberdade plena porquê?: porque assegura aos capitalistas a liberdade de explorar os trabalhadores e garante aos trabalhadores a liberdade de serem explorados pelos capitalistas...

Esse pano de fundo que enquadra as homilias semanais de Soares é feito de duas peças criteriosamente seleccionadas:
1 - Obama - actual representante máximo do imperialismo norte-americano - que Soares apresenta como o supra-sumo do «capitalismo ético»; e
2 - a política de direita, de que Soares é pai e mãe e padrinho...

Percebe-se o objectivo de Soares : não há como um Obama «democrático», «ético», quiçá de «esquerda», para fortalecer o capitalismo internacional e, assim, fortalecer o capitalismo lusitano e a sua política de direita - quer ela seja praticada pelo PS, pelo PSD, ou pelos dois de braço dado com o CDS atrelado.
É claro que Soares prefere que seja o PS a praticar essa política - tanto mais que, como temos visto, os governos PS são sempre os que levam a política de direita mais à direita... - mas se for o PSD, tudo bem na mesma: o que interessa mesmo é defender a tal «liberdade plena» e assegurar os interesses supremos do grande capital.

Daí o elogio hoje feito por Soares ao Congresso do PSD e ao novo líder laranja.
Congresso que, congratula-se Soares, «terminou em festa e unidade»; que «marcou uma viragem importante na orientação política do PSD, agora dirigido por Passos Coelho», o qual, nos «dois discursos sensatos e inteligentes que fez, se revelou não só muito hábil, politicamente, mas seguro de si e sabendo o que quer e sem pressas...»

Ora o que Passos Coelho quer é o mesmo que Soares quer: liquidar tudo o que ainda nos resta da Revolução de Abril. E ambos sabem que o instrumento mais eficaz para alcançar tal objectivo é a política de direita.
Assim sendo, é fácil de perceber este elogio embevecido do velho líder da «esquerda» ao jovem líder da direita- ao fim e ao cabo as dua faces da mesma moeda chamada política de direita.

POEMA

PROMETEU


Abafai meus gritos com mordaças,
maior será a minha ânsia de gritá-los!

Amarrai meus pulsos com grilhões,
maior será minha ânsia de quebrá-los!

Rasgai a minha carne!
Triturai os meus ossos!

O meu sangue será a minha bandeira
e meus ossos o cimento duma outra humanidade.

Que aqui ninguém se entrega
- isto é vencer ou morrer -
é na vida que se perde
que há mais ânsia de viver!


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

A REPRESENTAÇÃO CONTINUA

Retomo o título do texto de ontem para referir uma outra encenação recorrente na vida política nacional: o espectáculo do nascimento de um ex.

Também neste caso estamos perante uma representação repetitiva: o ex acabado de nascer repete tudo o que disseram os ex que o antecederam; por seu lado, os média dominantes repetem tudo o que disseram sobre o anterior ex.

Assim, sempre que um militante do PCP deixa de o ser e passa a integrar a família dos ex, é certo e sabido que... temos notícia! - e ao recém-chegado ex são oferecidas páginas e páginas do precioso espaço desses paladinos da liberdade de informação e de expressão e de opinião que são os jornais de referência.

Se o ex escreve um livro, então... não se fala noutra coisa: é o livro; é a apresentação do livro; é o apresentador do livro; é a presença de x, y e z na cerimónia, eu sei lá.
Quanto ao conteúdo essencial do livro, não há nada que enganar: é o mesmo conteúdo do anterior livro do anterior ex: a perseguição, e a vitimização, e a perseguição, e o delito de opinião, e a perseguição, e a vitimização, e a perseguição, e o delito de opinião, e a perseguição.
E, é claro, a perseguição...

Com isto tudo, o ex, mal acaba de nascer e solta os primeiros vagidos, fica a saber, pelos média dominantes, que possui qualidades, capacidades, virtualidades, competências, valências e inteligências que jamais julgou possuir.
E, extasiado com a inesperada novidade, nem tem tempo para se interrogar sobre a razão pela qual os média dominantes demoraram tanto tempo a descobrir-lhe a genialidade e andaram durante décadas a tratá-lo... como um comunista.

POEMA

SEGADOR


Aguça a tua foice!

Na terra
que o sangue
rega e aquece,
a semente germina
e a seara cresce.

A seara está madura, segador,
aguça a tua foice!


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

A REPRESENTAÇÃO CONTINUA

Estes políticos da política de direita têm uma capacidade de representação notável. Especialmente quando estão a desempenhar o papel de «oposição», o mais difícil, na medida em que têm que fingir que estão contra uma política com a qual concordam em absoluto e que é igualzinha à que fizeram quando desempenhavam o papel de governo e igualzinha à que farão logo que consigam lá voltar.

Pedro Passos Coelho é um exemplo do que acima se diz.
Fala como se tivesse acabado de chegar, como se nada tivesse a ver com o que fizeram os governos do partido de que é secretário-geral e fala como se fosse portador de uma política diferente da que eles praticaram.
Mais do que isso: tem mesmo a desfaçatez de se apresentar com um anunciado plano de - vejam bem! - «ruptura» com a política do Governo PS/Sócrates.

Decifrando a «ruptura» anunciada, é fácil constatar que se trata de mais do mesmo, ou seja: da mesmíssima política de direita que, há 34 anos, sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS-PP, têm vindo a praticar, para desgraça da imensa maioria dos portugueses e para felicidade de uma escassa minoria.

Hoje, no Congresso do PSD, o novo líder laranja não esteve com meias medidas e disse ao que, essencialmente, vinha: é preciso proceder com urgência à revisão da Constituição da República, porque as reformas de que o País precisa passam por mexer na Lei Fundamental do País - o que, decifrado, significa: é preciso tirar da Constituição tudo o que de Abril nela ainda resta depois das sete revisões a que já foi submetida.

Isto é: a representação continua - com música de fundo a cargo dos média dominantes, também eles com longos 34 anos de experiência na tarefa de inculcar no eleitorado a ideia de que PSD e PS são alternativa um ao outro.
Todos fingindo que não sabem que, nesses 34 anos, a política levada a cabo ora pelo PS ora pelo PSD é exactamente a mesma: a política da contra-revolução de Abril.

POEMA

MANIFESTO


Abre as janelas para a rua,
anda a vida lá fora...
Põe moldura nos sonhos impossíveis,
pendura-os nos pregos das paredes
- são decorativos!

Deixa que o sol rasgue as vidraças,
e vem correr a aventura
de cada instante
na vida de cada hora:
que a vida só vale
quando tem
este sabor de conquista!

Deixa os suspiros profundos
e parte a guitarra mágica que te deixou D. Juan...
deixa-me esse ar de sombra de trapista!
Vem para a rua, para o sol, para a chuva!
Ama sem literatura, como um homem!
Deixa dormir os papiros
na meditação das múmias faraónicas.
- A vida é a única lição!


Joaquim Namorado

(«A Guerra e a Paz»)

ALGUÉM ME AJUDA?

Nós já sabíamos que ele sabia tudo sobre as condições sub-humanas dos presos de Guantánamo: os interrogatórios brutais, as humilhações, as torturas bárbaras, enfim, tudo o que é característico da prática dos representantes da «pátria da democracia, da liberdade e dos direitos humanos».

Sabíamos também que, sabendo o que sabia, ele deveria saber muito mais do que aquilo que vinha a público.

Sabíamos igualmente que os seus homens de mão sabiam, no mínimo, tanto como ele.

E todos estes saberes são agora confirmados e ampliados com a publicação de um documento, assinado pelo coronel Lawrence Wilkerson («antigo braço-direito do ex-secretário de Estado Colin Powel») e no qual nos é dito que ele (Bush) e os seus homens de mão (Cheney e Rumsfeld) sabiam tudo sobre Guantánamo.
Tudo, significa: tudo o que acima é enunciado e mais o que, agora, se sabe com este documento: os três facínoras sabiam que «a maioria dos 742 detidos em Guantánamo eram inocentes».

Isto é: sabiam, quando os prenderam, que eles eram inocentes; sabiam, quando os interrogaram, que eles eram inocentes; sabiam, quando os torturaram, que eles eram inocentes.

Alguém me ajuda a encontrar as palavras certas para qualificar estes actos desta canalha?

POEMA

MANIFESTO À TRIPULAÇÃO


O mar é fundo, as ondas são altas, o lenho é podre!
As estrelas esconderam-se por detrás das nuvens negras e sinistras.
Neblinas densas e fundas separam de nossos olhos a terra angustiosamente
sonhada! (os sinais dos faroleiros devorou-os qualquer monstro das trevas).
Mas nossos olhos de Esperança, nossos olhos confiantes, podem distinguir
o porto!
Que não adormeçam os músculos dos nossos braços na modorra das
calmarias! Que não afrouxe este espírito de guerra que nos trouxe!
E chegaremos.
Grandes escolhos?!... Grandes medos?!... Grandes tormentos?!...
Maior grandeza de sacrifício, maior força de nos excedermos, maior sangue
frio na manobra! E chegaremos.
Nosso rumo que o tracem as proas, e saibamos ser o que de nós se exige!
Nosso destino que o escrevam as mãos de quem souber ganhá-lo.
Viemos ao mundo sós e nus, nada temos a perder - sorte foi que nos
encontrássemos - e temos um mundo a conquistar!
Se o nosso direito de viver exige que sejamos vencedores, saibamos sê-lo
com grandeza!
Se nos pedirem tributo, o tributo é o sangue!
Se nos pedirem preço, o preço é a vida!


Joaquim Namorado

(«Aviso à Navegação»)

O NÚMERO QUE FALTA

O Diário de Notícias de ontem informava sobre o lançamento, no dia 11 de Abril, de um livro intitulado «Spínola». O evento ocorrerá na Fundação Mário Soares.

Trata-se, no dizer do jornalista, de uma «profunda biografia de Spínola» - profunda e extensa, acrescento eu, já que segundo nos é dito, o livro tem 750 páginas...

O jornalista, presumo que por sua conta e risco, informa que o biografado é «uma das figuras centrais da guerra do Ultramar» e que «o livro mostra como se formaram as lideranças que adiaram a perda das províncias ultramarinas por Portugal».
Confesso que, confrontado com estas formulações salazarentas - «guerra do Ultramar», «províncias ultramarinas» - fui conferir a data do jornal, pensando que, por efeito de qualquer lapso, me tinha vindo parar às mãos um qualquer Diário de Notícias do tempo do fascismo.
Mas não: era mesmo o DN de 8 de Abril de 2010, só que numa manifestação de profundo fervor «ultramarino»...

Quanto à data anunciada para o evento - 11 de Abril - é óbvio que se atrasaram um mês...

Já quanto ao local escolhido - a Fundação Mário Soares - há que dizer que é incontestavelmente o mais adequado e que tal escolha revela uma apuradíssima sensibilidade da parte de quem a fez.
Atrevo-me, até, a sugerir aos organizadores do evento que, para animar a função, acrescentem ao programa da festa o número que falta.
E que poderia ser anunciado assim: «Onde é que estavas no 11 de Março?: Soares & Alegre respondem»...

POEMA

AVISO À NAVEGAÇÃO


Alto lá!
Aviso à navegação!
Eu não morri:
Estou aqui
na ilha sem nome,
sem latitude nem longitude,
perdida nos mapas,
perdida no mar Tenebroso!

Sim, eu,
o perigo para a navegação!,
o dos saques e das abordagens,
o capitão da fragata
cem vezes torpedeada,
cem vezes afundada,
mas sempre ressuscitada!

Eu que aportei
com os porões inundados,
as torres desmoronadas,
os mastros e os lemes quebrados
- mas aportei!

E não espereis de mim a paz...

Aviso à navegação:
Não espereis de mim a paz!

Que quanto mais me afundo
maior é a minha ânsia de salvar-me!
Que quanto mais um golpe me decepa
maior é a minha força de lutar!

Não espereis de mim a Paz!

Que na guerra
só conheço dois destinos:
ou vencer - ai dos vencidos! -
ou morrer sob os escombros
da luta que alevantei!

- (foi jeito que me ficou:
não me sei desinteressar
do jogo que me jogar.)

Não espereis de mim a paz,
aviso à navegação!

Não espereis de mim a paz
que vos não sei perdoar!


Joaquim Namorado

(«Aviso à Navegação»)

ISTO VAI, MEUS AMIGOS, ISTO VAI

Os média dominantes pouco - ou nada - têm dito sobre as eleições realizadas na Bolívia no passado domingo.
Percebe-se porquê: se o fizessem teriam que noticiar a notável vitória alcançada pelo partido do presidente Evo Morales - Movimento para o Socialismo (MAS) - e essa é notícia que os donos desses média não querem que seja conhecida.

Muito menos querem que se saiba que, nos últimos cinco anos, esta é a sexta vez consecutiva que o MAS de Morales obtém mais de 50% dos votos expressos.

E de todo não admitem que as pessoas fiquem a saber que as eleições na Bolívia foram, uma vez mais, exemplares em matéria de democraticidade: recenseamento eleitoral a 100%; um sistema de votação que não permie que cada eleitor vote mais do que uma vez...; quase igualdade de condições para todas as forças concorrentes (e só não há igualdade plena porque as forças anti-Morales beneficiam do apoio dos média que, na sua maioria, são propriedade do grande capital).

Por outras palavras: noticiando com verdade e seriedade as eleições bolivianas, os média lusitanos teriam que escrever/dizer que em nenhum país do mundo capitalista - dos EUA a Portugal, passando por todos os outros - há eleições livres e democráticas como as da Bolívia.
E as mesmas verdade e seriedade obrigá-los-iam a acrescentar, ainda, que nenhum chefe de Estado, partido ou governo de nenhum país capitalista - dos EUA a Portugal, passando por todos os outros - se sujeitou tantas vezes ao veredicto popular como Morales, o seu partido e o seu governo.
Ora, informar com verdade e seriedade é coisa que os média dominantes não sabem, não querem saber e têm raiva a quem sabe...

Nas eleições bolivianas estava em causa a eleição de 9 governadores; 144 deputados regionais; 337 presidentes de câmara e 1887 autarcas; e 23 autoridades indígenas.
Embora os resultados oficiais definitivos não tenham sido ainda divulgados, é certo que o MAS obteve a vitória em mais de 200 câmaras municipais e em 6 dos 9 estados (antes era maioritário em apenas 3) sendo que um deles é o importante Estado de Pando, até agora nas mãos da extrema direita.

Tudo isto a confirmar que, na Bolívia, isto vai, meus amigos, isto vai...
E por cá também há-de ir.

POEMA

ARTE POÉTICA


A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida.
Nas artérias imensa cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos, de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vai-vem de milhões de pessoas ou falando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
- e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas dos comboios a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.

A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos rasgados abertos para amanhã.


Mário Dionísio

(«Com Todos os Homens nas Estradas do Mundo»)


(Este é o último poema do ciclo dedicado pelo Cravo de Abril a Mário Dionísio.
A partir de amanhã teremos connosco um outro grande nome da poesia neo-realista do Novo Cancioneiro: Joaquim Namorado)