Mineiros de Aljustrel - Ilustrações Chichorro - V



Sem título
tinta da china s/papel
Série Mineiros de aljustrel
2011

salitre

No eco dos dedos afundei o choro
Depois percebi que as lágrimas são o rosto liquefeito do que amamos
Mas já era tarde e apenas o cheiro das glicínias ainda se lembrava dos nomes
Impronunciáveis das tuas metamorfoses…
Os pés amanhecidos sobre a tijoleira lambida do salitre
O linho restante dos corpos anunciando o respigar das brasas.
é Outono. E com o orvalho o reflexo do teu rosto resgatado.

Casa das glicínias
27 de Outubro de 2011
lains de ourém

água


Vieram dizer-me: as raízes são o amor na versão da sede.
Eu acreditei e já não parti. Tive medo que faltasse a água.

casa das glicínias, 25 de Outubro de 2011
lains de ourém



foto: taverna do carnau, ferreira do alentejo, 2009

Mineiros de Aljustrel - Ilustrações Chichorro - IV







sem título
Série Mineiros de Aljustrel
Tinta da China S/ papel

pássaros

às vezes trago comigo um bando de pássaros tristes. estorninhos... de certeza. sinto-o pelo desalinho de abandono à sua partida.


janela do cigano, aljustrel
outubro de 2007
lains de ourém

Mineiros de Aljustrel - Ilustrações Chichorro - III




Concentração no Sindicato
Série Mineiros de Aljustrel
Tinta da China s/papel

Mineiros de Aljustrel

"Sim, as mulheres é que fizeram essa luta. Juntaram-se aqui no Largo da Feira… Por causa dos presos políticos! E então, depois aquilo deu em… É evidente que os homens começaram a ver as mulheres a juntar-se e… Mas sabiam do que é que se tratava, não é? Foram também para a manifestação, juntou-se mulheres e homens, marchou tudo por aí abaixo, pela avenida 5 de Outubro abaixo – a rua do Sindicato – por aí abaixo. Era uma manifestação valente! Ali ao pé da Farmácia – antigamente não era aí a farmácia, era uma casa de comidas, a Económica – aparece um bando da GNR lá do lado da estrada, com as metralhadoras na mão e atiraram ali à vara larga. Ah, mataram logo um que vinha a sair do barbeiro, um camarada que vinha a sair do barbeiro! Esse morreu logo. As pessoas depois começaram a fugir, não é?, cada um em sua direcção… Balas para aqui, balas para ali..Aonde é agora aquele prédio que era uma moagem, um prédio novo, um edifício novo que está aí… Entre a rua que vai para cima, a Dom Sancho – sabes onde é a Dom Sancho? – e o espaço onde era a moagem, estava outro estendido no chão! Esse também já morreu mas não morreu logo, ficou foi deficiente. E ao pé da escola de condução, aí, morreu o segundo. Esse morreu mesmo ao pé de mim, a sentir as balas por ali acima e vi que o moço tinha levado um tiro na cabeça. Ainda me baixei, para ver o que era… ah, tive de fugir… Não levei com uma bala porque não calhou. E os outros! (…) Eu vinha também na manifestação. Vinha com um cunhado meu, fugimos os dois, um irmão da minha mulher. Fugimos os dois para onde calhou, fugimos todos, não é? E houve muita pessoa ferida… anónimos, porque não lhes interessava ir para o centro de saúde ou hospital dizer que tinham sido feridos na manifestação, senão jogavam-lhes logo as unhas! Ah, e a PIDE, quando lhe apetecia, levava daqui um carro ou dois cheio s de gente!"


Augusto Revez Pedro

desalinhos

sorvedor da noite na cal arrefecida ao abandono.
acaso imaginas tu, amor ausente, porque mordem a parede
as formigas da minha inquietação?

lains de ourém, madrugada de novembro 07

Dazkarieh - Virgem

meia noite

teu corpo foi hoje, talvez, um rio
onde em lágrimas as crianças perdem o barco de papel.

lains de ourém

lírios debruçados

amo como nunca amei. o coração das flores, os lírios debruçados na tua ausência
amo os caminhos que nos separam
porque permitem o «nós» e o difícil acesso.
gosto dos dedos caninos que acenam desatenções
pelo meio das más línguas do mundo.

lains de ourém

Mineiros de Aljustrel - Ilustrações Chichorro - II




assassinato de Madeira e Adângio
Tinta da china s/ papel
série Mineiros de Aljustrel
2011

searas ausentes

às vezes é no hábito que se escondem as mais acutilantes ausências,
subúrbios de cimento armado nos frágeis braços dos velhos.
nem sempre as aves anunciam as tempestades marítimas
antes as injectam em fragas nos corações revoltos.
às vezes é de linho o fogo em formigueiro pelo mel dos corpos
gritantes pela combustão amarga da solidão.

nem sempre de searas ausentes se faz a fome
antes do ondulado da lua onde, ausentando-se, se tece a presença
do que se lembra. nossa senhora dos aflitos,
na memória dos homens que na azeda condição se afligem ante o deserto
ou a saudade dos lírios.

são de xisto laminado os dedos dos mortos que se lembram
unhas roídas na ânsia do que não se sabe
e onde não entra lúcida a imaginação.

todas as flores são gritos de raiva
onde a esperança, efémera, se multiplica
no absoluto ridículo do luto antecipado de que se vestem
todos os sonhos dos bichos.
deus apenas existe na conjugação das letras ou dos medos
bálsamo alquímico com que a tragédia se engalana
antes de vir gritar aos homens a sua tirana supremacia.


janela do cigano, aljustrel, 7 de junho de 2009.

lains de ourém

Mineiros de Aljustrel - Ilustrações Chichorro - I



Preso político
tinta da china s/ papel
Série Mineiros de Aljustrel
2011

Ceifeiras

Mineiros de Aljustrel


Em Novembro será publicado a minha mais recente investigação. «Mineiros de Aljustrel, nas barrenas da memória - trabalho e resistência sob o fascismo.» Até lá, vou publicando aqui excertos de histórias de vida dos camaradas intervenientes, bem como algumas ilustrações que o Chichorro fez para o livro.
O excerto que se segue é da História de Vida do Francisco Nilha. Grande camarada e um dos meus grandes amigos. O Nilha é a força e a dedicação. Nele, como um rio, tudo desagua no colectivo que é o Partido Comunista Português.
Um amigo, um exemplo!



“ - eu não sou nada do Partido, eu não tenho nada!
- à não tens nada??!!então fomos lá a tua casa e tinhas lá um saco cheio de material de propaganda do Partido e não tens nada a ver com o Partido?

Está claro, começou logo ali o barulho. Começaram logo ali à porrada, aos murros e aos pontapés e o diabo a quatro. E eu negava! Negava e estava com a certeza que não tinha nada em casa!

“- Não tens? Então queres que eu te traga aqui a tua mulher ou o teu cunhado, para eles testemunharem como tens casos com o Partido?

- O meu cunhado? Não sei de cunhado...” - eu não sabia que o meu cunhado tinha ido lá a casa da irmã! Não sabia.

De maneira que nisso eu tive de obedecer às regras deles! Se eles diziam aquilo eu pensei «então vou meter a minha companheira também ao barulho???, não posso!» Tive de armar a cartilha. Tive de obedecer ao que eles diziam.... e então disse:

“- Se isso aconteceu eu não sei porque quando abalei de casa não estava nada em casa!
- Ah não sabes? Seu cabrão, seu este, seu aquele...Anda a tua mulher com os teus camaradas a dormir na cama da tua mulher e tu estás aqui a levar porradas e não queres dizer a verdade? Seu este, seu aquele!”

Provocações! Como eles fazem! E a coisa continuava. Eu não passava dali. Eles diziam que era assim e eu negava! E então os gajos... Eu levei sete dias e sete noites ali nas torturas do sono! Eles depois queriam saber mais: se eu sabia onde é que estavam as tipografias, onde é que eram os camaradas das tipografias, se eu sabia onde é que estava A, se eu sabia onde é que estava B: e eu nunca adiantei mais nada, e eu não sabia de nada! E eles queriam saber essas coisas! E então...

AG – Quando disseste aí que fizeste o jogo deles...

FN – Pois então! Tive de confirmar que eles tinham razão, que eu tinha o material em casa! Não podia negar que tivesse! Fui negando enquanto pude, mas como eles me confirmavam e começaram a apertar que se eu não confirmasse que estava lá o material que traziam também a minha mulher para a prisão, e o meu cunhado!... E eu não queria que a minha companheira fosse também para a prisão! Já basta eu ter de estar na prisão! Portanto não ia alinhar que a minha companheira também ficasse enleada! Então tive que dizer...

“- bem, será? Se os senhores dizem que é isso...”

Tive de confirmar que eles estavam dizendo a verdade, que tinham apanhado o material! Eles levaram o tempo a querer saber mais coisas mas eu nunca disse mais nada. «Não sei, não sei!» e vá de porrada! …

AG – Onde é que um camarada vai buscar forças nessas alturas, para resistir?

FN – Olha, camarada, é muito difícil. Mas quem tem responsabilidades no Partido tem que levar e aguentar, o que puder! Era a nossa maneira de ser! Aguentar até poder! E eu fui aguentando... Porque a tortura do sono... (comoção profunda) eu já não tinha medo das porradas que eles me davam! Já não tinha! Eu tinha medo era de ficar passado da cabeça! Já estás a ver! Sete dias e sete noites sem dormir, chega a pontos que a gente já não sabe onde é que está! Eu já não sabia onde estava! Eu jogava as mãos à cabeça e já não sabia se tinha cabeça, se não tinha cabeça! Eu via bichos por todo o lado, via carroças, via tudo lá dentro daquela sala … batia o pé e batia na parede! Até que chegou a altura em que passaram sete dias e sete noites e os gajos, na última noite jogaram para ali um enxergão e disseram:

“- agora vá, vais descansar aqui e depois amanhã logo se vê o que é que será!”

Trás-os-montes




"Estou sentado nos primeiros anos da minha vida
o verão já começou, e a porosa
sombra das oliveiras abre-se à nudez
do olhar. Lá para o fim da tarde
a poeira do rebanho não deixará
romper a lua. Quanto ao pastor,
talvez um dia suba com ele às colinas,
e se aviste o mar."

Eugénio de Andrade

ouvi dizer

Ouvi dizer, entre os gritos do mundo, que é no silêncio dos pássaros
Que as mães carregam ao colo os filhos mortos
Estevas em sangue amassadas pelo molho dos olhos
Longínquos, como bátegas libertando o pó da terra em brasa.

Ouvi dizer, rente ao silêncio das romãs e dos limões, que é no estalar
Da fruta que as mágoas vêm beber a sua própria existência
Junto do coração amargo dos homens assustados
Caroços liquefeitos na sede do lume.

Ouvi dizer , ardendo no restolho das ausências que transporto, que nas lâminas
da solidão
É que se rasgam as certezas dos homens orgulhosos
Peregrinos dos regatos enfiados nos bolsos da infância rebentando na corrente
os ovos roubados aos ninhos , esquecidos atrás nas calças.

Disseram-me ainda há pouco que os homens mordem à força quando perdem todas as outras
Formas de amar. Alcateias assustadas pelo cio.

Casa das glicínias
4 de Outubro de 2011
Lains de ourém

sempre sul

Nas romãs abertas, junto do linho do lume,
amanhecem gregárias,
todas as esperanças do mundo.

Nos pés descalços sobre a serradura dos dias
Caminham, lentamente, todas as amarguras dos homens
Buscando em cada sílaba a revolução perfeita
Para a linguagem das metamorfoses
Engrenagens da justiça de que
Comunistas
Fazemos a certeza do pão.

Sob o suco do grão amam os bichos.
Lanternas apontadas à geração
que virá. Cumprir o mês das flores
silenciado sob o óculo dos iscariotes.

Casa das glicínias, 14 de Outubro de 2011
lains de ourém

sul

Pétala a pétala
As papoilas sangram em brasa a promessa do pão
Prometem à foice as lágrimas vermelhas de quem tomba
No destino acre de morrendo matar
A fome ao olhar triste dos homens

Que vendo ruir vidradas flores
Julgam tratar-se dos olhos raiados em sangue,
memorial ao astro
-Que não arreia os trambelhos da brasa-
E aos dias grandes demais para tamanha fome.



Casa das glicínias, 14 de Outubro de 2011
Lains de ourém

alentejo

partida

é nos olhos das velhas que se inicia a planície…
depois, apenas rosmaninho ardendo à brasa , em sulcos pelo interior das romãs.
lenço preto e a madrugada laminando gelada os pés das mães buscando a água.
o cheiro a estevas, o velho portão rangendo. o muro do quintal
guardando na memória a infância defraudada do emigrante.

casa das glicínias, 10 de outubro de 2011
lains de ourém

OVERDOSE DESINFORMATIVA

Quando do discurso do Presidente da República, em 5 de Outubro, os média dominantes procuraram dirigentes dos vários partidos pedindo-lhes um comentário.
Pelo PCP falou o membro da Comissão Política do Comité Central, Armindo Miranda, e pelas televisões e jornais ficámos a saber que ele manifestara acordo com o discurso do Presidente da República!!!!
O Diário de Notícias levou o seu papel de «jornal de referência» tão a peito que foi ao ponto de, entre aspas, sintetizar assim o comentário de Armindo Miranda: «O PCP não podia estar mais de acordo com o Presidente da República»!!!!

Na verdade o que o dirigente do PCP declarou foi que «se o Presidente estava a sentir o que disse (quando se referiu à necessidade de combater o desemprego) então, para ser coerente impunha-se que vetasse as alterações à legislação laboral que o Governo PSD/CDS quer impor, designadamente na redução do valor das indemnizações e nas alteração do conceito de justa causa para o despedimento» - e disse ainda que «não basta apelar ao aumento sa produção nacional, mas depois decidir sempre no sentido da destruição do nosso aparelho produtivo»; e terminou «reafirmando o apelo do PCP à intensificação da luta contra o programa de agressão (...)e exigindo uma outra política que em vez de servir o grande capital, esteja ao serviço do povo e do país».

Como se vê, entre o que foi dito e o que foi (des)informado vai uma enorme distância - a distância que separa uma comunicação social democrática do lamaçal desinformativo em que chafurdam os média dominantes.
Uma distância visível a olho nu todos os dias: quem leia ou ouça os jornais, rádios e televisões, ou procede de imediato a uma desinfecção geral ou corre seriíssimos riscos de morte por overdose desinformativa.

POEMA

AMEAÇA DE MORTE


Não basta ter-me dado nos meus versos:
pedem a carne e a pele, os inimigos.
Os olhos, dois postigos
de olhar o mundo sem ninguém me ver,
querem-nos entaipados;
e quebrados
os braços, que eram ramos a crescer.

Luto, digo que não, peço socorro,
mas saíu-me ao caminho uma alcateia.
Lobos da liberdade alheia
que me seguem os passos hora a hora,
sem que eu possa sequer adivinhar,
na paisagem do medo tumular,
qual deles salta primeiro e me devora.


Miguel Torga

saudades

Alentejo, choro convulso das andorinhas ao partir. Terra rasa , olhos incendiados, gente profunda. Nos flancos das éguas é que nascem todas as searas na luz amarelíssima das grinaldas. As buganvílias são escudeiros da cal ante o deserto do restolho, fio de água rolando da pele rugosa dos limões amanhecidos.

Casa das glicínias, 3 de Outubro de 2011
Lains de Ourém

A COMUNA DE ESPINHO!

Era o mar. o mar. o mar. e talvez alguma saudade que, da planície , viesse náufraga lamber a ansiedade que todos tínhamos de estar juntos.lá estavam, como se desde o início dos tempos aguardando o abraço fraternal dos homens bons, a gente de espinho, de coimbra, do porto, do alentejo, de lisboa, da guarda e do coração das arestas, ruas percorridas para o encontro marcado junto das tintas liquefeitas no olhar. a guida, O alex, o zé, a graciete... enfim, presentes e ausentes que, em memória e noutras cores sempre se fizeram notar. da china vieram as tintas do chichorro, mostrar a melancolia e a coragem dos mineiros de aljustrel rebentando a memória em nome dela própria. um livro já nascido mas que ainda não vestiu as calças para poder sair à rua da vergonha! e bach!!! e, nas lágrimas, BACH, musicalíssima! o armindo rodrigues também lá foi, lembrando o brecht na racionalidade poética do seu perfeitíssimo sonho. das gargantas da terra ouviu-se entoar o hino heróico dos mineiros. presentes também porque de justiça se movem as suas revolucionárias engrenagens. Depois a noite e o mesmo mar que nos levou nos obrigou ao regresso. mais fortes, mais sensíveis, mais humanos. é no barro dos corações que se moldam as mais perfeitas revoluções.
Guida e Alex: em nome deste colectivo, que vocês também encarnam, muitíssimo obrigado. é nestes dias que os sentimentos se desenvencilham das inutilidades e soletram a felicidade. muitos beijos.


Para o ano (já em Abril!) está marcado: que nos desculpem os camaradas da Guarda, da Figueira e de Baleizão. Vamos ao Couço!

(nota: amanhã colocarei fotos do 4º aniversário. Da apresentação do livro e da exposição do Roberto Chichorro. E mais um texto, que ainda me ficaram cá umas coisas embrulhadas.)

SÃO ASSIM OS PENSADORES...

Ontem foi dia de festa para o Cravo de Abril.
Foi em Espinho e foi coisa bonita e digna de ser vista, graças, em primeiro e destacado lugar, à Guida e ao Alex - incansáveis, amigos, camaradas... - e, em segundo lugar, às muitas presenças amigas e solidárias: camaradas e amigos de Espinho, o Rogério e a Dete; a Graciete; a Sal, o Carlos, o Antuã e a Mercedes; o Alex e o Alberto Augusto... mais o pessoal ido de Lisboa, mais os que, por razões várias, não puderam ir, mas - bem o sabemos! - estavam lá connosco...
Fica apenas este breve registo da Festa, porque alguém virá aqui, um dia destes, contar-vos como foi.


Entretanto, no mesmo dia, o Presidente Tomás, perdão, Cavaco, foi ao Cartaxo.
Cavaco, perdão, Tomás, é um observador e, por isso, durante o caminho, certamente voltou a observar o «sorriso das vacas que estavam satisfeitíssimas olhando para o pasto»...
Tomás, perdão, Cavaco, é um pensador e, por isso, voltou certamente a manifestar-se «surpreendidíssimo por ver que as vacas avançavam umas atrás das outras»...
Enquanto observava e pensava deste jeito, é bem provável que Cavaco, perdão, Tomás, fosse fazendo prognósticos mentais sobre os resultados das eleições na Madeira: 64%?, talvez um pouco menos, mas maioria absoluta de certeza...

Depois, falou. Como (quase) só ele sabe: exortou os portugueses a «trabalhar mais e melhor» - e a ganhar menos, é claro... - e decretou o fim das «querelas inúteis» que só dividem os portugueses - e, no seu tradicional jeito didáctico, pegou no exemplo dos famosos ciclistas Nicolau e Trindade - «que eram adversários em cima da bicicleta, competiam, mas fora dela eram amigos, eram homens de trabalho» - e disse que «as vacas...», perdão, disse o que o levou a visitar a Câmara Municipal do Cartaxo: é necessário «o máximo consenso partidário para fazer avançar a reforma do poder local apresentada pelo Governo»...
E enquanto tal dizia, pensava só para si, que tal reforma tem a suprema vantagem de acabar com o que tudo o que há de democrático no Poder Local Democrático saído da Revolução de Abril..
Depois, calou-se, cansado, extenuado de tanto pensar...

Também o pensador Eduardo Lourenço, em declarações à Lusa, se pronunciou sobre a situação do País.
Recorrendo ao mesmo acordo ortográfico utilizado por Cavaco, perdão, por Tomás, o pensador Lourenço pensou assim: «Portugal acabou por ser vítima das circunstâncias, não só de nós próprios, de algum modo. Certas coisas que nós deveríamos ter feito, provavelmente a tempo, e não fizemos»..., e após ter desferido tão elevado pensamento, Lourenço, tal Cavaco, perdão, tal Tomás, concluiu que «Portugal tem capacidade para reagir positivamente a todas as pressões de que tem vindo a ser alvo»...

São assim os pensadores...
Não há volta a dar-lhes...

POEMA

A MÃO E O ARADO


Não
nós não estamos submersos
nem destruídos
nem sequer dispersos
ou vencidos.

O que nós estamos,
onde nós estamos,
é no chão ávido de madrugada
sedentos de irromper.

Mas só a mão e o arado lavram
o incêndio da manhã.


Francisco Viana

CURRÍCULO À PROVA DE BALA

Alemanha, França e Grã-Bretanha - os três principais lacaios dos EUA - levaram ao Conselho de Segurança da ONU uma proposta de resolução visando condenar e aplicar sanções ao governo sírio.
Se a proposta passasse, ficavam com luz verde para fazer na Síria o que fizeram na Líbia.
Contudo, desta vez a proposta não passou: a China e a Rússia fizeram, agora, o que deveriam ter feito e não fizeram, no caso da Líbia: vetaram a proposta.

Indignada, a Clinton disse que «a Rússia e a China têm que prestar contas ao povo sírio e a todos os que combatem pela liberdade no mundo»...
Obama, esse, expôs uma vez mais a sua ideia sobre «acções militares»: disse ele que não é apenas quando há vidas de norte-americanos em perigo que as acções militares se justificam; para os EUA, essas acções justificam-se e são necessárias em todo o lado onde há vidas em perigo...

Quer isto dizer que os preparativos para o assalto à Síria avançam...
E é bem provável que, no terreno, as coisas estejam bastante avançadas.
Com efeito, a ofensiva para o derrubamento do governo de Bashar al-Assad está em marcha, de forma organizada, desde 2005, altura em que os EUA investiram em força, pondo milhões de dólares ao dispor da CIA para agir no terreno.
E a CIA, com a sua vasta experiência de organização de crimes, há-de ter feito o que lhe compete...


Assim se defende a liberdade e a democracia no mundo... e assim se confirma que, para isso,
não há como criminosos de guerra com currículo à prova de bala...

POEMA

COLUNA


Levanta a fronte, levanta!

Que toda a gente saiba de quem é.
Não faças dela a cinza duma chama
nem planta nua dum pé
abrindo covas na lama.

Levanta a fronte, levanta!

Não faças dela espelho a descoberto
onde o quebrado corpo se despoja,
num chão intérmino e deserto
em que a dor se roja.

Levanta a fronte, levanta!

Para quê essas sombras que te inundam,
sombras roxas e lôbregas de becos?
Para quê essas rugas que se afundam
como leitos de rios secos?

Levanta a fronte, levanta!

Foi a cela que te anoiteceu
com charcos de medo e gelo?
Quem trouxe um sonho como o teu,
jamais deve perdê-lo.

Levanta a fronte, levanta!

Quem ergue a fronte, levanta a voz,
levanta o sonho num facho a arder:


lUÍS VEIGA lEITÃO

O AVISO QUE O HOMEM DOS «AVISOS» NUNCA FARÁ

De cada vez que fala em público, o Presidente da República, de dedo em riste e semblante severo, lembra os «avisos» que, ao longo do tempo, fez aos vários governos (especialmente aos governos não do PSD...).
«Avisos» que, depreende-se do que diz Cavaco, se tivessem sido ouvidos, outro galo cantaria, e hoje qual crise» qual carapuça, estaríamos no melhor dos mundos - ou no «oásis» que ele, e só ele, lobrigou nos dez anos em que foi primeiro-ministro...
Ora, se é verdade - e é - que ouvir falar Cavaco constitui um tormento para qualquer cidadão medianamente inteligente, sensível, lúcido e informado (quem gosta muito de o ouvir são os «analistas» de serviço e o dr. Mário Soares...), mais verdade é que ouvir a lenga-lenga dos «avisos» constitui uma verdadeira tortura - para além, naturalmente, de um insulto à inteligência dos portugueses.
Isto porque os «avisos» de Cavaco - os dramas e as catástrofes que anuncia e profetiza - são uma forma de o avisador sacudir, previamente, a água do capote em relação às suas responsabilidades concretas nas consequências dramáticas e catastróficas da aplicação da política de direita de que ele tem sido - e é -um dos principais protagonistas.
E nessa matéria, o único aviso sério a fazer é o de sublinhar a necessidade urgente de pôr termo a essa política de afundamento do País e optar por uma política ao serviço dos trabalhadores, do povo e de Portugal.
Mas esse é um aviso que o homem dos «avisos» nunca fará.
Sabemos bem, nós e ele, porquê.

POEMA

ESCOPRO DE VIDRO


Estou aqui construindo o novo dia
com uma expressão tão branda e descuidada
que dir-se-ia
não estar fazendo nada.
E, contudo, estou aqui constuindo o novo dia.

Porque o dia constrói-se; não se espera.
Não é sol que deflagre num improviso de luz.
É um orfeão de vozes surdas, um arfar de troncos nus,
o erguer, a uma só voz, dos remos da galera.

Cantando entre os dentes
um refrão anidro abro linhas quentes
com um escopro de vidro.
Abro linhas quentes
sem tremer a mão,
com um escopro de vidro
de alta precisão.


António Gedeão

COM TODA A CONFIANÇA

A campanha eleitoral na Madeira é, na actualidade, um dos temas mais focados pelos média dominantes.
Dizendo o mesmo de outra forma: a campanha eleitoral do Jardim/PSD é, todos os dias, notícia destacada em todos os órgãos de «informação».
E, se é certo que a campanha do PS e as dos partidos folclóricos da região também têm merecido os favores da generalidade desses média, não é menos verdade que as preferências maiores de todos eles, sem excepções, vão direitinhas para as jardinices - preferências que se percebem, sendo os média o que são; jardinices que até seriam divertidas se não fossem um reflexo do estado a que chegou a democracia em Portugal...

Dando a palavra ao execrável Jardim em todos os noticiários de jornais, rádios e televisões, o que os média fazem - e sabem bem o que estão a fazer... - é divulgar tudo o que a essa figura grotesca convém que seja divulgado: os seus «argumentos», as suas opiniões, a sua demagogia, o auto-elogio das suas trapaceirices e golpaças.
Caçar o voto no Jardim é, de facto, o objectivo dos média dominantes com a sua acção «informativa» sobre a Madeira.
E há que dizer que, fazendo o que fazem, cumprem exemplarmente o seu papel de servos dos interesses do grande capital, um papel que é complementado, como não podia deixar de ser, com a operação de silenciamento (quase) total da campanha da CDU: de tal modo que, quem tenha os média dominantes como única fonte de informação, julgará que a Coligação Democrática Unitária não concorre às eleições regionais do próximo domingo...

Mas concorre. E está a fazer uma intensa e esclarecedora campanha eleitoral - uma campanha que tem como marca distintiva em relação a todas as outras, o respeito pela inteligência, pela sensibilidade e pelos direitos dos cidadãos; uma campanha marcada pela verdade e pela seriedade que decorrem da total concordância entre o que se diz e o que se faz; uma campanha da qual emerge, como principal linha de força, a defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores e do povo madeirense - uma campanha que, por tudo isso, a comunicação social dominante silencia, mas que, mesmo assim, avança com toda a confiança.

POEMA

AS VOZES


o senhor administrador dentro do carro
olha de sobrolho franzido
a manifestação em frente à sede da empresa

a polícia está lá
para evitar que a gentalha se aproxime
e o porteiro
perfilado abre-lhe a porta

o senhor administrador
esfrega as mãos
sorri à secretária
e pergunta
se as cartas para os seus pares
foram enviadas e se as reserva das suites
estão garantidas

«custa um milhão» - esclarece ela solícita -
não há problema - diz ele - são personalidades políticos
jornalistas empresários nossos amigos
mas aquela gente à porta ó minha querida
já disse alguma coisa ao ministro
ligue-lhe e passe-me o telefone»

pouco depois correrias gritos tiros

e alguns dias mais tarde o
ministro - mas meu caro não sei o que lhe hei-de dizer
eles não desistem

e na manhá levantada reerguem-se as vozes uma
canção um protesto a vida


José Vultos Sequeira

Cuidado! eles podem ouvir!

CHEIRA MAL...

Em longa entrevista ao DN, António Lobo Antunes disse, entre muitos outros disparates, que não gosta de «políticos». Dos «políticos», todos...
Porquê?: porque «sempre me fizeram muita confusão» e porque os políticos «gostam de substantivos abstractos em vez das pessoas»...

O escritor não explicou as razões dessa «confusão», nem o significado daqueles «substantivos abstractos», mas desvendou um pouco o véu quando disse que é «amigo do presidente Mário Soares, do General Ramalho Eanes e do presidente Sampaio» - enquanto homens e não como políticos, sublinhou... - e disse, ainda, que Cavaco Silva «tem sido sempre - tal como a mulher - de uma grande gentileza para comigo»...

Após ter revelado este seu fraquinho pelas figuras presidenciais, o escritor que não gosta de políticos, trouxe à baila, ele lá sabe porquê, a figura e a postura do seu avô, do qual disse que, sendo «salazarista, conservador, reaccionário, era também a pessoa mais tolerante e aberta que eu conheci» - um «político» de excepção, digamos assim...

E disse depois o que, afinal - ele bem sabe porquê - queria dizer: «quando eu andei nas franjas do Partido Comunista, conheci a intolerância, a falta de democracia e de liberdade interior e exterior».
Aí está: de um lado, as presidenciais gentilezas...; do outro lado, um avô salazarista tolerante; finalmente, os comunistas intolerantes, anti-democratas, inimigos da liberdade...

É claro que o escritor não disse - ele bem sabe porquê... - que expressões assumiam essas sinistras características que ele, mentindo, diz ter conhecido «nas franjas do Partido Comunista».
Porque sabe que despejar o tradicional discurso anti-comunista, repetir acefalamente o que os media dominantes difundem sobre a matéria, é o que está dar...além de que é fácil, é barato e dá milhões...
Este Nobel sempre adiado cheira mal - cada vez mais...

POEMA

CAPOEIRA


Sacudindo subitamente o silêncio e o sono, um galo
anunciou alegremente a madrugada.
E bom será declará-lo:
aquilo não foi um canto, foi um grito
vibrado como um dardo. Um grito
lúcido, largo, límpido como a madrugada.

Na impossibilidade de ser julgado o galo
o dono vai responder pelo delito.

Mais nada.


Sidónio Muralha

AVISO À NAVEGAÇÃO!


Inscrições até quarta-feira, dia 5 de Outubro, através do email ou telefone indicados.

PARA QUE FIQUE REGISTADO

A Jornada de Luta da CGTP-IN foi o que se esperava: milhares e milhares de trabalhadores nas ruas de Lisboa e do Porto, a dizerem «aqui estamos», a gritarem bem alto o que querem e o que não querem e, mais importante do que tudo, a dizerem que a luta continua - e é já na Semana de Luta de 20 a 27 deste mês.

Como é sabido e como era esperado, a UGT - central «sindical» criada pelas forças da contra-revolução nacionais e internacionais - não apoiou esta Jornada de Luta.
No continente, os dirigentes amarelos hão-de ter passado o dia na praia, refrescando-se, felizes, metade com o pensamento em Passos Coelho, a outra metade louvando Seguro.
Na Madeira, pelo contrário, saíram todos à rua: metade participando com entusiasmo na «arruada» do PS; a outra metade aplaudindo, com igual entusiasmo, as palhacices do chefe supremo local.
Já nos Açores, a «tendência socialista» ficou em casa enquanto a «tendência social-democrata» se reuniu em congresso - um congresso no decorrer do qual o amarelo-mor regional disse coisas como as que se seguem: «os portugueses, como noutras alturas da história, em que questões mais importantes estiveram em causa e crises mais profundas foram vividas, não vão ser derrotados por esta crisezeca» - e, referindo-se a Passos Coelho: «O País tem uma pessoa que já deu provas de que não verga e que tem calma perante as dificuldades».
Com «sindicalistas» destes, a política de direita, os governos que a executam e o grande capital que as ordena, podem dormir descansados...

Estas atitudes da UGT não surpreendem?: claro que não.
Registo-as aqui, hoje, apenas para que fique... registado.

POEMA

EM QUALQUER LUGAR...


Em qualquer lugar
em que alguém estiver,
há querer e buscar,
partir e chegar,
saber e ignorar,
achar e perder.


Armindo Rodrigues

A LUTA CONTINUA

«Se não veio nos jornais é porque não aconteceu» - é uso dizer-se, não sei se para mostrar a importância dos média se para negar a existência do que eles silenciam...

Se a afirmação fosse verdadeira, teríamos de concluir, por exemplo, que não há lutas dos trabalhadores em Portugal; ou, outro exemplo, que o PCP ou já não existe ou é um partido inactivo porque os seus militantes são todos idosos...

Assim, ajustando o conteúdo da frase acima citada à realidade e à verdade, há que dizer que parte grande do essencial que acontece no nosso País é silenciado pelos média.

Mas acontece!
Hoje, a partir das 15 horas, milhares e milhares de trabalhadores de Lisboa e do Porto, ao apelo da sua central sindical - a CGTP-IN -, virão para as ruas.
Lutar.
«Com as armas que temos na mão» diremos aos governantes da política de direita que basta de roubar salários e emprego e direitos a quem trabalha e vive do seu trabalho; basta de encher os cofres de quem nada faz e vive à custa da exploração do trabalho alheio...

E diremos mais: diremos que a Luta é o caminho certo para dar a volta a isto e que, por isso, A LUTA CONTINUA.

POEMA

O FUTURO


Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.

Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente.

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
se fizermos da Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vi.


José Carlos Ary dos Santos