POEMA

FRENTE A FRENTE


Nada podeis contra o amor.
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco.


Eugénio de Andrade

MUDANÇA SEM SURPRESAS...

Prossegue a «mudança» prometida pelo então candidato e agora Presidente dos EUA, Barack Obama.
Embora não detectável a olho nu, tudo indica que a «mudança» está a atingir as profundezas do sistema.
Pelo menos na opinião dos republicanos, para os quais «Obama está a conduzir os EUA para o socialismo»...
Exactamente: «para o socialismo»!
E dizem mais, os republicanos: dizem - atenção, muita atenção!!! - que o perigo comunista que pesa sobre a pátria do imperialismo é tão grande que «Lénine e Stáline devem estar muito felizes com o que se está a passar nos EUA»...

Lida a notícia, corri os jornais todos à procura de factos que me confirmassem esse rumo socialista de Obama e a subsequente felicidade de Lénine e de Stálin.
Confesso que não encontrei nada no género. Mas certamente sou eu que não sei ler, porque se os republicanos dizem...

Em contrapartida, deparei com uma notícia que diz assim:
«O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, disse que o seu governo vai manter o embargo a Cuba».
A notícia não surpreende: surpresa seria, isso sim, o anúncio do fim dessa sucessão de actos criminosos que constituem o embargo.
Isto é: surpresa seria a mudança...

Mas enquanto esperamos pela surpresa, atentemos nas razões com que Joe Biden fundamenta a continuação do embargo:
«Eu e Obama pensamos que o povo cubano deve determinar o seu próprio futuro e deve ter a possibilidade de viver em liberdade».
Ou seja: para que o povo cubano determine o seu próprio futuro e tenha a possibilidade de viver em liberdade, é necessário que os EUA prossigam com o embargo: com a ofensiva económica, política e terrorista com a qual, há quase 50 anos, vêm tentando que o povo cubano aceite que quem decide sobre o seu futuro e a sua liberdade são os EUA.

Está visto que a «mudança» de Obama não traz surpresas - a não ser as que os republicanos - eles e só eles - detectam...

POEMA

REJEITO


Não me engraxem os sapatos
nem me cortem o cabelo.
A barba já me cresceu
com pujança.
Os meus farrapos revelam
que sou um homem livre.
Quando percorro os atalhos
vencido pelo desalento,
ouço os homens que ladram
pela boca dos seus cães.
Hoje vomitei
as côdeas que me deram.
A esmola dava-me volta
ao estômago e deixava-me
um gosto amargo na boca.
Por caminhos de tojos
empreendi o meu exílio.
Caminho pelo mundo fora...
e o regresso agarra-se-me
aos pés doridos
e aos braços que se descerram
numa ânsia de abraçar.
Porém rejeito o preço
que me querem impor
estes homens que ladram
pela boca dos seus cães.


Félix Cucurull

PLURALISMO...

Não é preciso especial atenção às notícias para nos apercebermos da intensa promoção que os média dominantes estão a fazer ao BE e ao CDS/PP.
Basta desfolhar, mesmo que distraídamente, um qualquer jornal, ou passar os olhos ou os ouvidos, ao de leve, por qualquer telejornal ou noticiário de rádio e... eles lá estão - o BE e o CDS/PP - a propósito de tudo e de nada, com fotos e textos altamente favoráveis, apresentados como gente de bem na qual é preciso votar - de modo a que, como já sublinharam destacados representantes do grande capital, a maioria absoluta seja assegurada... se não nas eleições, com votos, depois das eleições, com arranjos...

Folheando o DN de hoje, lá encontramos, a páginas tantas, a inevitável foto de Paulo Portas.
Lida a notícia - meia página! - verificamos que toda ela gira em nome do candidato do CDS/PP ao PE.
Para informar sobre quem é o que pensa esse candidato?
Não: para informar - em meia página de texto! - que o dito candidato será apresentado na Páscoa...

E, a outras páginas tantas, lá encontramos a habitual e abundante dose de BE: ele é uma deputada que disse não sei o quê não sei onde; ele é o sempre-presente Louçã, com foto a cores, a dizer não sei quê sobre «a justiça»; ele é o diariamente-presente Miguel Portas - também conhecido por o calão do Parlamento Europeu - igualmente a cores, a blá-blá-blar sobre as eleições europeias... eu sei lá: é uma pouca vergonha.

Naturalmente, sobre as actividades da candidata da CDU, Ilda Figueiredo - que participa todos os dias em iniciativas, no País ou nas emigrações - o DN e os restantes média continuam pura e simplesmente a não dizer nada - seguindo, aliás, o critério que utilizam em relação à generalidade das actividades do PCP.
Com pormenores como este: conta-me um camarada que, há dias, no decorrer de um grande comício do PCP, foi notada a presença de uma cadeia de televisão que se fartou de filmar, enquanto o jornalista de serviço, de bloco em punho, se fartava de tomar notas sobre as intervenções que eram feitas. Á saída, o jornalista arrancou do bloco as folhas escritas e deitou-as para um caixote de lixo. À noite, para o noticiário dessa cadeia de televisão, o comício do PCP não existiu...

Enfim, tudo exemplos que dão carradas de razão ao Presidente da República quando, atentíssimo ao que se passa, garante a existência noe média nacionais de absoluto respeito pelo pluralismo...

POEMA

CANDIDATO CAÔ CAÔ


Ele subiu o morro sem gravata
dizendo que gostava da raça, foi lá
na tendinha e bebeu cachaça, e até
bagulho fumou

Foi no meu barracão, e lá
usou lata de goiabada como prato,
eu logo percebi
é mais um candidato

às próximas eleições
às próximas eleições
às próximas eleições

Fez questão de beber água da chuva
foi lá na macumba e pediu ajuda
bateu a cabeça no gongá, «deu azar»...

A entidade que estava incorporada
disse: «Esse político é safado,
cuidado na hora de votar

Meu irmão se liga
no que lhe vou dizer
hoje ele pede seu voto
amanhã manda a polícia lhe bater

Meu irmão se liga
no que lhe vou dizer
hoje ele pede seu voto
amanhã manda a polícia lhe prender

Hoje ele pede seu voto
amanhã manda a polícia lhe bater.
Eu falei p'ra você, viu?»

Nesse país que se divide
em quem tem e quem não tem
sempre o sacrifício cai no braço do operário.

Eu olho para um lado
eu olho para o outro
eu vejo desemprego
vejo quem manda no jogo.

E você vem, vem
pede mais de mim
diz que tudo mudou
e agora vai ter fim

Mas eu sei quem você é
e ainda confio em mim
sei que o jogo é sujo
mas eu não desisto assim.

Você me deve
você me deve.
Hoje ele pede, pede, pede de você
amanhã ele vai, vai, vai te foder
hoje ele pede, pede, pede de você
amanhã ó!


Walter Meninão

A ABERTURA OFICIAL DA CAÇA

Aproximam-se as eleições: em Junho serão as do Parlamento Europeu e lá para o fim do ano as legislativas e as autárquicas.
Todas importantes para todos os partidos, embora com conteúdos-de-importância diferentes, como é fácil de perceber.
Para o PCP/CDU, as eleições são vistas como parte integrante da luta de massas contra a política de direita e por um novo rumo para Portugal, inspirado nos valores e ideais da Revolução de Abril.
Para os partidos da política de direita, as eleições são o caminho essencial para assegurar o prosseguimento dessa política, oposta, em tudo o que é fundamental, aos valores e ideais de Abril.
E, como sabe quem quer saber, o sistema está montado de forma a assegurar previamente a vitória dessa política em todos os actos eleitorais - sendo certo que, no dia em que essa vitória não estiver previamente assegurada, não há eleições para ninguém...

Deitando uma vista de olhos, ou de ouvidos, pelos média dominantes - propriedade do grande capital - facilmente nos apercebemos das suas opções eleitorais.
Ou melhor: da sua opção eleitoral, já que, para o pragmático grande capital, o que conta não é tanto o partido que executa a política de direita mas a eficácia com que essa política é executada.
Daí que a preocupação primeira e maior desses média seja a de dar relevo e acarinhar todas as forças que, directa ou indirectamente, favorecem a política de direita e, simultaneamente, silenciar ou tratar com os pés a única força que, consequente e coerentemente, se bate contra essa política: o PCP/CDU.
Querem exemplos disso?: leiam um qualquer jornal em qualquer dia; ouçam uma qualquer rádio em qualquer dia; liguem para um qualquer canal de televisão em qualquer dia.

Quer isto dizer que os apoiantes da CDU nas três eleições que aí vêm, partem para essas batalhas em profunda e flagrante desvantagem em relação a qualquer dos restantes partidos - e que, portanto, o esforço que lhes é exigido é incomensuravelmente superior ao dos apoiantes de todos esses partidos.

Mas os trunfos da política de direita, não se resumem aos média.
Temos visto, ao longo dos últimos 33 anos, como o partido que na altura é governo utiliza em seu proveito o aparelho de Estado; como o Governo de ocasião usa e abusa do poder para, com o dinheiro que é de todos, caçar votos para si.
Trata-se de uma prática corrente e que é, já, componente do conceito de democracia dominante.

E aí estão eles, mais uma vez, ao ataque.
Sabe-se que o Governo PS/Sócrates foi o que mais longe levou a política governamental em matéria de submissão do poder político ao poder económico- e, por isso, o que mais longe levou o agravamento das condições de trabalho e de vida dos portugueses.
Assim, é natural que vá também mais longe do que qualquer dos seus antecessores em matéria de despudorada caça ao voto, quer nas promessas - feitas com a prévia determinação de não serem cumpridas - quer na tal compra de votos para o PS com o dinheiro que é de nós todos.

É o caso - oportunamente denunciado pelo deputado Bernardino Soares - do ministro Vieira da Silva que, ao que parece, procedeu oficialmente à abertura da caça ao voto: designado «coordenador da campanha eleitoral do PS», o ministro tem vindo a dedicar-se à tarefa de correr o País a comprar votos para o PS, oferecendo em troca «cheques e casas»...

E como, infelizmente, não se deslocará a Portugal nenhum «grupo de observadores internacionais» com o objectivo de «avaliar a democraticidade das eleições»...

POEMA

PRINCÍPIO


ERA uma vez...

... é uma história sem feiticeiras,
sem sapatinhos que se perdem e se encontram;
sem reis, sem princesas,
sem Ilhas Afortunadas.
Talvez toda, talvez em parte
se pareça com outras histórias que alguém sabe,
histórias repetidas em voz baixa
porque estamos na hora do medo,
na hora do silêncio...

Também eu tenho de calar-me;
há gente de mais a ouvir.


Félix Cucurull

COISAS DA JUSTIÇA

Avelino Ferreira Torres foi absolvido, por falta de provas, dos crimes de que era acusado: «corrupção, peculato de uso, extorsão e abuso de poder».

Depois da sentença, já impoluto, o absolvido proclamou que, até agora, «só acreditava na justiça Divina e na justiça de Fafe. Agora começo a acreditar na justiça dos tribunais».
Aquele «começo a gostar» parece indiciar algumas cautelas.
Será que Avelino tem alguns processos pendentes?...

Depois de ler a sentença, a juíza produziu declarações igualmente muito educativas, que não vale a pena transcrever.

No entanto, mais importantes do que as declarações de Avelino e da juíza foram as declarações das testemunhas, que dizendo o contrário do que antes haviam dito - e jurando dizer a verdade com o mesmo fervor com que antes o haviam feito - foram decisivas para a absolvição do réu.
Tudo isto a bem da justiça, obviamente.

Ainda a propósito de justiça, o inimitável bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, publicou um texto no qual «arrasa a PJ no caso Freeport», acusando-a de crime de «conspiração contra o primeiro-ministro» - que o mesmo é dizer: acusando-a de desenvolver uma campanha negra contra Sócrates...
Isto digo eu, que não percebo nada de geografia. Mas o bastonário garante que a posição que assumiu sobre o assunto «não é um apoio ao primeiro-ministro». Ora, se ele o diz...

Já agora recordo que aqui há tempo, Marinho Pinto pronunciou-se estridentemente contra o processo do «Caso Casa Pia» que, segundo disse, constituía uma autêntica «cabala contra o PS». E também nessa altura, o bastonário garantiu que a sua posição não era um apoio ao PS...
Ora, se ele o disse...

Aqui chegado, interroguei-me sobre que semelhanças há entre, por um lado, Avelino, a sua juíza e as suas testemunhas e, por outro lado, Marinho Pinto.
E a resposta foi: muitas!...

POEMA

OUTRA VEZ


Tanto na minha língua como na dos vizinhos
há sempre mentirosos, exploradores mesquinhos.
Estendem-te armadilhas, dizem-te patranhas,
os que falam como tu e os de falas estranhas.

Serás porém injusto, quando alguém te explora
tornando a tua fome assustadora,
se pensares que todos os da mesma língua
comem o que é teu para morreres à míngua.

Se te enganam hoje em bom catalão,
pensa que há mais gente, pronta a dar-te a mão,
amanhã e aqui, ou noutros países,
com palavras doces ou de ásperos matizes.

E para acabar esta lengalenga,
não consintas nunca que ninguém te prenda
o chocalho oco dos mansos carneiros
que pastam o tojo no pó dos outeiros:
para os rebanhos há uma só linguagem:
pontapé que ferve, pancada selvagem.


Félix Cucurull

A LUTA É O CAMINHO

A tão celebrada «caixa que mudou o mundo», não o mudou para melhor...
Bem pelo contrário: ela tem sido um poderoso instrumento de manipulação e mistificação, de desinformação organizada, de formação/deformação de mentalidades - sempre, essencialmente, ao serviço dos interesses e da ideologia da classe exploradora e sempre, essencialmente, contra a classe dos explorados.
Decorre isto do facto de as cadeias de televisão serem, na sua quase totalidade, propriedade dessa classe exploradora - e as que o não são, pertencem ao Estado, também ele, na imensa maioria dos casos, fiel servidor dos mesmos interesses e da mesma ideologia.

Muitos milhões de cidadãos, em todo o mundo, formam aquilo que julgam ser a sua opinião sentados frente ao televisor.
Ali aprendem todos os «fatalismos» e todas as «inevitabilidades» que permitem ao grande capital aumentar a exploração e os lucros.
Ali aprendem «o princípio» de que não é necessário, nem vale a pena, lutar - e ali aprendem o medo das consequências de infringirem esse «princípio».
Ali aprendem em quem devem votar, porque «não há alternativas» aos governos do grande capital.
Ali aprendem que, quer a economia esteja em alta quer esteja em baixa, o papel que lhes está reservado é o de fazer «sacrifícios» e «apertar o cinto».
Enfim, ali são, sem disso se aperceberem, formatados ao sabor dos interesses e da ideologia dos que os exploram todos os dias e todos os dias lhes roubam direitos humanos fundamentais.

A «caixa que mudou o mundo» é, assim, o mais importante e o mais eficaz de todos os veículos da ideologia dominante, não apenas por ser o de maior audiência mas também porque é o de mais fácil acesso - e, ainda, porque é o que mais cedo atinge os alvos.
Segundo Marçal Grilo - que já foi muita coisa e agora é, entre outras coisas, Administrador da Fundação Gulbenkian - «quando chegam à escola, aos seis anos, as crianças já viram quatro a cinco mil horas de televisão» - ou seja, já deram os primeiros e decisivos passos no roteiro impiedoso da formatação...


Quer isto dizer que estamos perante uma inevitabilidade contra a qual não há nada a fazer?
Não: quer apenas dizer que a luta dos que não desistem de assumir a consciência do mundo em que vivem, da necessidade de o transformar e do papel que têm a desempenhar nessa transformação, é uma luta muito, muito difícil, e que exige esforços, dedicações, coragens e vontades incomensuráveis.
E que é tendo isso em conta que os que lutam devem avaliar os resultados do seu esforço.
Para que não esqueçam que, nestas circunstâncias - por exemplo e para não irmos mais longe - juntar na rua 200 mil pessoas, constitui um êxito muito maior do que os números dizem.
E que assim sendo, as razões para encarar com confiança a vitória na luta pela construção de um mundo novo, são também elas muito maiores do que a primeira vista pode parecer.
E que, por tudo isso, a luta é o caminho.

POEMA

PROCURA


Não conheces o caminho,
mas apenas a angústia
do estômago vazio
e as promessas
que jamais se cumprem.
Sabes de cor
o que te dirão amanhã.
Não sei se ainda escutas.
Talvez tenhas uma vaga esperança
e queiras acreditar nos homens.

Não conheces o caminho
mas apenas a angústia
de todas as mentiras:
as dos outros, as tuas.
Tens o estômago vazio
e nem sequer te resta
a coragem de seres livre.

Não conheces o caminho,
mas apenas a angústia
de não confiar nas mãos que se te estendem.
Tens o estômago vazio
e aprendeste
que terás de esvaziar também o cérebro de sonhos.

Não conhecemos o caminho
porque são demasiadas
as estradas falsas
que os homens abriram.
E agora mete-nos medo a miragem...

Mas as fontes estão certas,
chega-me aos ouvidos
o murmúrio da água.
(E do sangue que vai marcando as sepulturas
dos que ousaram ser audazes de mais.)


Félix Cucurull

DESVERGONHA SEM FRONTEIRAS

É por demais conhecida a abertura dialogante do ministro Santos Silva, a sua permanente disponibilidade para ouvir e considerar opiniões mesmo que discordantes das suas, a sua infinita capacidade para construir consensos, etc, etc, etc...
Exemplos disso encontramo-los todos os dias nos média onde o ministro leva a cabo com incontestado zelo a missão de propagandista que lhe está confiada.
É um desses exemplos que aqui vos trago hoje.

Inquirido sobre qual era o ponto da situação em relação ao diferendo PS/PSD em torno da escolha do provedor de justiça, o ministro garantiu, peremptório que «há hipóteses de acordo».
E explicitou as duas razões essenciais que suportam o seu optimismo:
em primeiro lugar: «seria muito bom, razoável, que o PSD fizesse parte da solução para o provedor de justiça»;
em segundo lugar: «confia em que o PSD aceite o nome proposto pelo PS».
Aqui está, então, um exemplo concreto de aplicação concreta do conceito de diálogo do ministro do PS: ele chegará a acordo com todos os que aceitarem as suas propostas...


Mas Santos Silva não é só isto. Ou seja: não é apenas um homem de diálogo e de consensos. Ele é, também, um homem de negócios.
E foi nessa qualidade que avançou o derradeiro «argumento» para o acordo com o PSD: «O PS designa o provedor de justiça e o PSD designa o presidente do Conselho Económico e Social, tradicionalmente do PS».

«Argumento» forte, sem dúvida.
É certo que o facto de ter surgido demasiado tarde, talvez impeça a sua viabilidade imediata. Mas é só uma questão de tempo: porque é do interesse dos dois, mais tarde ou mais cedo o negócio concretizar-se-á.
A confirmar que eles tratam o País como se fosse coisa deles - e tratam os portugueses como bestas, às quais exigem que lhes garantam, através do voto, a perpetuidade no governo.
A confirmar, enfim, que a desvergonha desta gente não conhece fronteiras nem limites.

POEMA

BAILE DE MÁSCARAS


Quando o senhor comendador entrou no salão
com a condecoração de mérito industrial,
toda a gente lhe queria dar o prémio
da melhor fantasia daquele Carnaval.


Raúl Castro

«INDIGNAÇÃO»...

Ainda a propósito da questão aflorada no meu post «isto anda tudo ligado», transcrevo a crónica, carregada de ironia - e, lamentavelmente, de verdade - publicada hoje no Correio da Manhã.

«INDIGNAÇÃO

O meu vizinho Alberto ficou sem emprego. Parece que a fábrica onde trabalha a mulher também vai fechar. A sua velha mãe, idosa, não consegue pagar os medicamentos com a pequena reforma que recebe.
O Alberto está muito indignado: aquele sacana do Lucílio Baptista inventou um pénalti escandaloso»

Pois...

POEMA

AMARGO ESTILO NOVO


Tudo é fácil quando se está brincando com a flor entre os dedos,
quando se olham nos olhos as crianças,
quando se visita no leito o amor convalescente.
É bom ser flor, criança, ou ser doente.
Tudo são terras donde brotam esperanças,
pétalas, tranças,
a porta do hospital aberta à nossa frente.

Desde que nasci que todos me enganam,
em casa, na rua, na escola, no emprego, na igreja, no quartel,
com fogos de artifício e fatias de pão besuntadas com mel.
E o mais grave é que não me enganam com erros nem com falsidades
mas com profundas, autênticas verdades.

E é tudo tão simples quando se rola a flor entre os dedos!
Os estadistas não sabem,
mas nós, os das flores, para quem os caminhos do sonho não guardam segredos,
sabemos isso e todas as coisas mais que nos livros não cabem.


António Gedeão

ISTO ANDA TUDO LIGADO

O erro do árbitro que apitou mal, prejudicando irremediavelmente uma equipa em favor de outra, transformou-se, desde sábado passado, no maior acontecimento nacional.
Todos os jornais, rádios, televisões - e muitos blogues - têm feito disso a notícia maior e arrastaram milhões de pessoas, por todo o País, a não pensar noutra coisa.
O País está em estado de choque perante tamanha... chame-se-lhe o que se quiser: injustiça, roubo, fraude, corrupção...
Circula um abaixo-assinado exigindo a repetição do jogo e que, segundo li num jornal de hoje, recolheu, em dois dias, muitos milhares de assinaturas - muito mais assinaturas, diz o jornal, do que as recolhidas, em várias semanas, a exigir a demissão do Conselheiro de Estado Manuel Dias Loureiro...

O caso remeteu para segundo plano tudo o resto, não apenas no que respeita às graves questões sociais que atormentam milhões de portugueses - entre eles, certamente, muitos dos flagelados pelo apito errado do árbitro - mas também no que respeita ao «fenómeno desportivo», como é hábito dizer-se...
O próprio jogo da selecção nacional que ocorrerá no próximo fim-de-semana - «jogo decisivo mas que não é decisivo», li por aí... - tem passado praticamente despercebido. E só não caiu totalmente no esquecimento porque o seleccionador nacional detectou e entendeu tornar pública a existência, entre os jogadores da selecção, de «sinais evidentes de entusiasmo e confiança». E, talvez julgando necessário apresentar mais provas desse «entusiasmo» e dessa «confiança», rematou deste jeito: «Há uma atmosfera especial no rosto, nos sinais corporais de cada jogador».
Ó diabo!...

Estas cenas trouxeram-me à memória um estudo divulgado há umas semanas atrás pela agência Lusa, segundo o qual «as palavras "futebol", "Sport Lisboa e Benfica" e "Futebol Clube do Porto» foram as que apareceram mais vezes em notícias publicadas na imprensa nacional em 2008 (jornais generalistas, desportivos e económicos
Talvez este estudo nos ajude a perceber por que é que, em tempos, se dizia que o fado é qu'induca e o futebol é qu'instrói...
Porque, como lucidamente dizia o poeta, isto anda tudo ligado...

POEMA

O FUTURO


Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.

Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente.

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
se fizermos de Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.


José Carlos Ary dos Santos

TODOS À RUA!

Está visto que a rua - ou seja: as massas, na rua, em movimento - os faz tremer.
Vamos, então, para a rua dizer da nossa razão.

Jerónimo de Sousa anunciou hoje, em conferência de imprensa:

«É perante esta situação de um país sem saída no quadro da actual política, é perante esta exigência de ruptura e mudança na vida política nacional, que anunciamos hoje a realização de uma grande manifestação política, uma Marcha de protesto, ruptura e confiança, uma grande acção de luta por uma vida melhor, que irá decorrer no dia 23 de Maio, precisamente daqui a dois meses, na cidade de Lisboa».


No dia 23 de Maio, vamos fazer a Festa de Abril nas ruas de Lisboa.

POEMA

COBARDIA


E não diz a palavra!
Já não consegue a pura claridade
da raiva que se exprime
num grito que trespassa o firmamento!
Parafraseia a dor, como um pinheiro
que tem medo do vento
e se torce na duna, horizontal, rasteiro,
a enrodilhar a voz do sofrimento.

Filho do instinto,
perdeu a força heróica de arrancar
o aço do punhal que o atravessa.
Morre por não ter pressa
de se salvar!


Miguel Torga

O MEDO DA RUA

O medo da rua é uma obsessão típica dos representantes do poder capitalista, quer ele se apresente na sua expressão de ditadura fascista (com aconteceu durante 48 anos), quer se exiba na modalidade de ditadura do grande capital (como acontece há 33 anos).

Ficaram célebres as afirmações de Salazar sobre o assunto, especialmente as suas ameaças de não deixar - custasse o que custasse - que o poder caísse na rua.
Também no 25 de Abril, quando Spínola foi ao Quartel do Carmo conferenciar com o fascista Marcelo Caetano, o objectivo era, igualmente, o de não deixar o poder cair na rua.

Ora, com a poderosa manifestação do dia 13, o medo da rua voltou a assaltar os representantes do poder capitalista dominante.
Percebe-se: os actuais executantes da política ao serviço do grande capital nunca tinham visto tanta gente na rua, a contestá-los, a chamar-lhes o que são, a mandá-los dar uma volta, a exigir um outro rumo para Portugal.
E foi esse medo novo que lhes trouxe à memória o medo velho - o medo da força organizada dos trabalhadores em movimento, o medo da multidão em luta - e os pôs a cacarejar, quais galinhas assustadas, contra os perigos da rua...

Dou o exemplo de dois desses bípedes.
Vera Jardim, deputado do PS, cheio de prudência, aconselhou assim: «O Governo deve seguir a sua política, não se deixando influenciar pela rua».
E João Proença - o chefe recém-reeleito de uma central «sindical» que tem como tarefa única estar sempre contra os trabalhadores e do lado do governo do grande capital (seja ele do PS ou do PSD) - logo se apressou a alertar o Governo de Sócrates para não se deixar influenciar pela grandiosidade da manifestação.
Patético, cobarde e sem vergonha, o sindicalista do grande patronato gemeu assim: «mal de nós se o Governo for gerido pela rua».

Quer isto dizer que temos que continuar a vir para a rua, e que é na rua - isto é, com a luta - que correremos de uma vez por todas com esta corja que há mais de trinta anos tudo tem feito para nos roubar Abril.

POEMA

SOMOS TODOS POETAS


Por que não queres os versos que te nascem
como rebentos pelo tronco acima?
Por que não queres a inesperada rima
dos sentimentos?
Olha que a vida tem desses momentos
que se articulam numa cadência
tão imprevista,
que é uma conquista
da consciência
não ser um túnel de negação...
Brotam as folhas que são precisas
e outras folhas que o não são.


Miguel Torga

AS SIMPATIAS DO SOCIÓLOGO

Alberto Gonçalves - o «sociólogo» que aos domingos se entorna em toda uma página do Diário de Notícias - dispara, hoje, contra «alguns leitores apaixonados» que se insurgiram contra o seu escrito de há uma semana sobre a manifestação do dia 13 - escrito no qual o «sociólogo» uma vez mais desnudou o seu pensamento pescado à linha na direita mais cavernícola e reaccionária.
Diz Gonçalves que os tais «leitores» o acusaram de estar vendido aos «interesses governamentais» - acusação que o visado rejeita já que simpatia pelo Governo de Sócrates não é com ele, bem pelo contrário.

É verdade que Alberto Gonçalves não simpatiza por aí além com este Governo.
Porquê?:
em primeiro lugar, porque este Governo traz tacticamente atreladas a si as palavras «esquerda» e «socialista» - palavras que, mesmo não tendo rigorosamente nada a ver com a prática concreta do Governo de Sócrates, são perigosas, perigosíssimas, intoleráveis para o «sociólogo»...;
em segundo lugar, porque não simpatizando com este Governo, está a cumprir o sagrado dever de simpatizar com o que virá a seguir, ou seja, com a alternância que, disfarçada de «alternativa», deverá prosseguir a política de direita que há 33 anos tem vindo a ser aplicada por sucessivos governos PS/PSD.

E, atenção!, com essa política, o «sociólogo» simpatiza, e de que maneira! - tanto que se, nos seus textos de domingo, passasse a escrito o que lhe vai naialma, aplaudiria o facto, incontestável, de o Governo de Sócrates (mesmo «de esquerda» e «socialista»...) ter levado essa política de direita mais longe do que qualquer dos governos que o antecederam.
Portanto, que fique claro: o que ele não suporta - e teme! e treme! - é «as forças que estão por detrás» da manifestação do dia 13, que «sabem muito bem o que querem» - que é o oposto do que o «sociólogo» quer...

Tudo isto a confirmar que, na verdade, estão errados os tais «leitores apaixonados» que o acusam de estar vendido «aos interesses governamentais»: em rigor, ele está vendido, de facto, é aos interesses da política de direita ao serviço do grande capital.
Tudo isto a confirmar, também, que pelo seu conteúdo, os textos que Alberto Gonçalves escreve todos os domingos no DN actual, em nada diferem, no essencial, dos que os albertos gonçalves de há cinquenta anos escreviam no saudoso DN de então.
Ou no órgão oficial do regime fascista: o igualmente saudoso Diário da Manhã que, bem vistas as coisas, seria o espaço ideal para acolher os escritos dominicais de Alberto Gonçalves.
Porque aí, sim, o «sociólogo» teria possibilidade de, livremente, sem o recurso a quaisquer subterfúgios, expressar as suas verdadeiras simpatias...

POEMA

COMPANHEIRA DOS HOMENS


A poesia dos senhores que propagam o nevoeiro e confundem as gentes,
poesia tão pessoal como uma escova de dentes,
a poesia que eles queriam guardar nas suas casas
numa gaiola, como um pássaro a quem mutilassem as asas,
a poesia quebrou as algemas e saiu da prisão
e arrastou-se nas trincheiras, e dormiu nos campos de concentração,
e amou aqueles que negam mas que nunca se negaram,
e conheceu prostitutas que nunca se entregaram,
e comeu na malga dos soldados aquela sopa de massa
que é igual para todos como o pré e a desgraça.

E os homens aprenderam nas noites de inclemência
a cantar os seus versos, a recitá-los de cor,
e a murmurá-los nessas horas em que tudo é confidência
e em que cada palavra ganha uma ressonância maior.


Sidónio Muralha

POIS...

Disse Maria José Morgado, ao Sol, que «há muitos políticos pobres que ao fim de uns anos estão milionários».
A afirmação é verdadeira, sem dúvida, e tão óbvia que qualquer cidadão, mesmo sem desempenhar as tarefas que Maria José Morgado desempenha, sabe que assim é.
Além disso, sabe quem quer saber que esses novos ricos andam por aí exibindo as suas fortunas súbitas em liberdade, à solta... - e que Maria José Morgado, se quiser, pode pôr termo a tais exibições...
Quererá?
Duvido.

Acresce que, postas as coisas como Maria José Morgado põe - e sabendo-se como foi longe a linha da propaganda dominante que diz que «os políticos (e os partidos) são todos iguais» - a ideia que fica a pairar é a de que esse enriquecimento súbito é coisa que toca a todas as famílias políticas.
Será essa a intenção da autora da afirmação?
Creio que sim.

Como todos sabemos - nós e Maria José Morgado - há muitos políticos pobres que se mantêm pobres.
No que me diz respeito, conheci e conheço milhares de políticos - meus camaradas de partido, portanto meus camaradas de luta contra esta sociedade baseada na opressão e na exploração e por uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e de exploração - e não sei de nenhum que se tenha tornado milionário - nem súbita nem lentamente.
Estou em crer que as intenções profundas da afirmação de Maria José Morgado se encontram num outro momento das suas declarações ao Sol, em que, após considerações diversas sobre riqueza boa e riqueza má, declarou: «Não tenho nada contra a riqueza, que aliás é necessária».
Pois.

POEMA

ENCORAJAMENTO


...E a poesia lá vai - tão amada e detestada -
livre, como se marchasse nua contra o vento,
vai levar aos que se cansam da longa caminhada
a água pura e fresca do encorajamento.

E ela lá vai... Lá vai, e luta, quer queiram ou não,
contra a lassidão e a doença do sono,
e a quem tiver sede oferece a canção
do futuro sem grades e dos homens sem dono.


Sidónio Muralha

FAÇAMOS AS CONTAS

Como era previsível, a Sonae, em 2008, teve uma quebra nos lucros.
Os efeitos de tal quebra traduziram-se na descida de Belmiro de Azevedo no ranking nacional e internacional dos homens mais ricos - notícia que quando foi divulgada provocou profundo pesar em todos os portugueses.

Segundo informou Paulo Azevedo - herdeiro de Belmiro e actual presidente executivo da Sonae - a quebra dos lucros anda pelos 70 %, isto é: em 2008, o lucro de Belmiro passou de cerca de 115 milhões de euros para, apenas... 80 milhões de euros.
Mas tudo se resolverá: para tranquilidade da Nação, no próximo ano o grupo aumentará os lucros - isto porque, Paulo de Azevedo, ele o diz, vai «tornar a Sonae uma grande multinacional». Outra razão para acreditar que os lucros da Sonae vão aumentar em 2009, é que Paulo Azevedo, ele o diz, faz «um balanço positivo da actuação de José Sócrates» e tem «empatia por José Sócrates» (aí está, dito por quem sabe, aquilo que nós já sabíamos: o Governo de Sócrates é fiel cumpridor das ordens dos grandes grupos económicos e financeiros).

Entretanto, a propósito destas quebras de lucros dos grandes, um comentdor do Público, num aparente assomo crítico, escrevia ontem: «(com a crise) os ricos perderam mais num ano do que a maioria das pessoas ganhará ao longo de toda uma vida».
O que, sendo verdade, é verdade que peca por defeito, já que «a maioria das pessoas» precisaria de muitas vidas para ganhar tanto como o Belmiro perdeu num ano - e de muitas mais vidas para ganhar o que Belmiro ganha mesmo em ano mau...
Para vermos como é, façamos as contas: tomando como exemplo uma pessoa que ganhe 1000 euros/mês (ordenado que «a maioria das pessoas» não ganha), essa pessoa precisaria de 3 000 anos de trabalho para ganhar tanto como Belmiro perdeu num ano - e precisaria de 6 600 anos de trabalho para ganhar tanto como Belmiro ganhou no ano de 2008.

Quer isto dizer, entre muitas outras coisas, que Paulo Azevedo sabia o que dizia ao sublinhar que «o Público é um jornal de grande qualidade que nos beneficia imenso»...

POEMA

POIS


O respeitoso membro de azevedo e silva
nunca penetrou nas intenções de elisa
que eram as melhores. Assim tudo ficou
em balbúrdias de língua cabriolas de mão.

Assim tudo ficou até que não.

Azevedo e silva ao volante do mini
vê elisa a ultrapassá-lo alguns anos depois
e pensa pensa com os seus travões
Ah cabra eram tão puras as minhas intenções.

E a elisa passa rindo dentadura aos clarões.


Alexandre O'Neill

PLURALISMO FIÁVEL

Há dias, o Presidente da República vetou a lei do pluralismo. E explicou porquê.
Contudo, se a decisão de rejeitar a lei foi boa, as razões que estiveram na origem da decisão são péssimas.
Dessas razões - que Cavaco Silva enunciou com aquela solenidade pernóstica com que usa ridicularizar-se e fazer-nos rir - destaco duas.

Em primeiro lugar, considerou a lei «inoportuna». Porquê?
Porque, segundo informou, «estão em preparação a nível europeu critérios fiáveis sobre pluralismo».
Este é o argumento da subserviência saloia e bacoca aos ditames do que vem de fora - do es-tran-gei-ro, da Eu-ro-pa - matéria na qual o então primeiro-ministro Cavaco se tornou um emérito especialista.

A segunda razão, baseia-se na seguinte e abalizada opinião do Presidente da República:
«Em Portugal não há, ao contrário do que porventura sucederá noutros países, um défice de pluralismo da comunicação social».
«Défice de pluralismo»?: claro que não, sr. Presidente, nem pensar nisso, bem pelo contrário:
como vemos, ouvimos e lemos todos os dias, todos os média defendem os interesses não apenas de um ou dois, mas de todos os grandes grupos económicos e financeiros.
E não há critério de pluralismo mais fiável do que esse.

POEMA

O MACACO


Nunca se sabe
até que ponto
um macaco pode chegar
na ânsia de nos imitar.

Dizem alguns autores
ser o macaco
difícil de apanhar
- mas não.

Em qualquer
mundana
reunião
num ombro
numa frase
num olhar
no jeito "humanista"
de falar
aí temos o macaco
a trabalhar
procurando
aproveitar a confusão.

Pessoalmente
sou de opinião
que o macaco
é fácil de caçar
até à mão.

Alexandre O'Neill

O VALE-TUDO

O medo da luta dos trabalhadores organizados continua a estimular as declarações e os escritos dos propagandistas do Governo e da sua política.
Daí a fortíssima ofensiva em curso contra a CGTP e contra o PCP, na sequência da histórica manifestação do dia 13.
Que aquilo lhes meteu medo, não há dúvida. Daí o ataque às causas desse medo: a existência de sindicatos de classe e de um partido de classe, que não desistem de lutar pela defesa dos interesses e dos direitos dos trabalhadores.

Hoje, em entrevista ao Diário Económico, o presidente do Conselho Económico e Social, Bruto da Costa, comenta assim a manifestação: «O que vemos é que os trabalhadores que estão associados a uma central estão mobilizados e mobilizáveis. E os trabalhadores ligados a outra central não estão.»
Aqui chegado, esperava eu que o entrevistado se pronunciasse sobre as razões que levam a situações tão díspares numa e na outra central, ou seja: por que é que os trabalhadores filiados na CGTP-IN estão, e os filiados na UGT não estão, «mobilizados e mobilizáveis» para lutarem pelos seus interesses?
Mas o ilustre presidente não foi por aí. Obviamente porque não lhe convinha ter que tirar a conclusão óbvia: porque a CGTP é a central dos trabalhadores e a UGT é a central da política de direita ao serviço do grande capital.
Por isso, desviando o seu raciocínio da conclusão óbvia, o homem raciocinou assim: «Portanto não há uma posição geral dos trabalhadores».
Ou seja, como por palavras dele explicou: uns estão e outros não estão mobilizados, isto é uma carga de trabalhos, o melhor é que as próximas eleições dêem a maioria absoluta ao Governo dos desmobilizados...

E levando a tarefa até ao fim, lá avançou com a conclusão da moda - «A filiação partidária dos dirigentes sindicais descredibiliza os sindicatos».
Conclusão que,
1 - disparada deste jeito, só pode ter como alvos os militantes comunistas que são dirigentes sindicais, e
2 - se faz eco das declarações do Chefe Sócrates em favor de «sindicatos livres de tutelas partidárias».

E se tivermos em conta que as referidas declarações de Sócrates foram proferidas no congresso da Tendência Socialista da UGT, é fácil de ver que, para esta gente, o vale-tudo continua a ser o único caminho conhecido.

POEMA

O NOVO MANDAMENTO


Está criado
o novo mandamento. Aos pássaros
dirás: não cantareis; às flores:
não florireis. E florirão
as bombas. E morrerão
as pombas. E ao sangue
dirás: rio
serás. E sobre
os escombros erguerás
o homem novo, o seu cadáver, desenharás
a ferro e fogo o mapa
do luto e das lágrimas. E imporás,
enfim,
a liberdade. A liberdade
do terror e das armas. A liberdade
para matar.


Albano Martins

A CIMEIRA DA GUERRA

Em 16 de Março de 2003, faz hoje seis anos, três criminosos de guerra - Bush, Blair e Aznar - juntaram-se na Base das Lajes, naquela que viria a ficar conhecida por «Cimeira da Guerra».
Para lhes servir as bebidas, enquanto decidiam invadir e destruir o Iraque, chamaram o então primeiro-ministro de Portugal, Durão Barroso , o qual viria a cumprir tão exemplarmente as funções de lacaio que, logo a seguir, foi promovido a presidente da Comissão Europeia.

Barroso, disse na altura o que lhe disseram para dizer: que «é dele (Saddam) a responsabilidade de não ter respeitado durante anos o direito internacional» e de ter em seu poder terríveis armas de destruição maciça» - e que «esta Cimeira é a última oportunidade para uma solução política».

A «solução política» chegou quatro dias depois da Cimeira: às ordens do imperialismo norte-americano, o Iraque foi sistematicamente arrasado e centenas de milhares de iraquianos assassinados, naquele que foi um dos mais bárbaros crimes da história.

Posteriormente, Barroso, armado em ingénuo, declarou que tinha agido «com base em informações, que não foram confirmadas, de que havia armas de destruição maciça no Iraque»...
Quanto a Bush, Blair e Aznar, esses declararam que sabiam da inexistência dessas armas no Iraque...

Feitas as trágicas contas, estamos perante quatro criminosos de guerra, quatro assassinos em massa, quatro réus que aguardam o julgamento - até um dia...

POEMA

PARA BELLUM


Protestos, livros, poemas, sacrifícios,
a história analisada e desmascarada; a paz
e não a guerra desde sempre a guerra.
É velho tudo isto. Há malandros
para ganhar com as guerras, há patriotas
para mandar os outros morrer nelas, há
heróis ou não heróis que morrem nelas,
há multidões para serem massacradas.
Eu protesto, tu protestas, ele protesta, etc.
E nada muda, ou muda para mais.
Antigamente, os faraós ao contar os mortos inimigos
(nunca os próprios mortos) exageravam - evidente.
Hoje, os comunicados cometem sempre esse exagero
(e a mesma distracção discreta). Mas há sempre
humanidade com vocação para matar e multidões
com vocação vacum para cadáver.
E neste cheiro a podre milenário - vale a pena
sequer dizer que são filhos da puta?


Jorge de Sena

NÃO SEI, MAS ACHO ESTRANHO.

José Sócrates está possuído por uma obsessão doentia que o faz ver «campanhas negras» em qualquer crítica às suas atitudes quer no plano governamental quer no plano pessoal.
Agora, descobriu que as centenas de milhares que vieram à rua exigir um novo rumo para Portugal, o fizeram com o objectivo exclusivo de o «insultar», chamando-lhe «mentiroso».
Ora, manda a verdade que se diga que «mentiroso» é o mínimo que se pode chamar a um primeiro-ministro que, prometendo tudo no decorrer da campanha eleitoral, mal começou a governar mandou às urtigas tudo o que prometeu e, em muitos casos, fez exactamente o oposto do que tinha prometido - pelo que, ver nisso um «insulto» significa que se está a preparar para repetir a dose nas próximas eleições...

Entretanto, os ataques oriundos dos círculos socreteiros às denominadas «campanhas negras» sucedem-se.
Agora, foi a vez de o inenarrável ministro Santos Silva voltar à carga: em entrevista há dias publicada no DN, a inimitável criatura repetiu os ataques que o Chefe havia feito ao Público e à TVI aquando do congresso do PS.
A resposta não se fez esperar. O Director do Público e Manuela Moura Guedes lembraram o óbvio: que, até agora, «nenhuma notícia sobre José Sócrates foi desmentida» - «não rebateu um único facto, mas apenas faz insinuações» - disse José Manuel Fernandes; e Manuela Moura Guedes desafiou: «se são só mentiras os factos que noticiámos, então desminta-os».

Realmente, até agora José Sócrates tem respondido aos factos apenas com queixas. Todas as acusações de que é alvo são, lamenta-se ele, parte integrante da tal sinistra «campanha negra» perpetrada por não menos sinistros inimigos.

É evidente que, assim sendo, ser-lhe-ia muito fácil, desmontar a dita «campanha negra», contrapondo-lhe a brancura imaculada da verdade, ou seja, demonstrando com factos concretos a sua razão em todos os casos até agora vindos a público - e vão seis, a saber:
1) «o caso da licenciatura manhosa»; 2) «o caso dos projectos, digamos assim, de arquitectura»; 3) «o caso Freeport»; 4) «o caso do preço de saldo do apartamento de luxo»; 5) «o caso da estação de tratamento de lixo da Cova da Beira»; e, mais recentemente, 6) «o caso da não declaração de rendimentos».
Ora, sendo assim tão fácil repor a verdade onde a mentira campeia, por que raio é que o primeiro-ministro não o faz?
Por mim, não sei, mas acho estranho.

E, mantendo José Sócrates a táctica até agora seguida, parece-me legítimo concluir que:
ou a recusa em desmentir os factos tem como objectivo alimentar uma campanha de vitimização susceptível de lhe dar votos nas próximas eleições - o que revelaria um profundo desrespeito pelos princípios democráticos;
ou essa recusa se prende, pura e simplesmente, com a impossibilidade de desmentir os factos - e neste caso estaríamos perante... uma verdadeira campanha negra contra a democracia.

Veremos o que o futuro nos dirá - se é que nos dirá alguma coisa...

POEMA

NOVA VASSALAGEM


Subitamente os periódicos, a rádio,
propõem virilmente a indignação.

Doloroso é o instante em que a fissura
ameaça a ordem, abala a tradição,
golpeia a calma espessa que sugere
falsamente uma paz.

É preciso de novo, é necessário
confirmar.

Aqui, além, os esteios reúnem.
Falam do tempo, dos seus vários comércios;
pesam o valor do susto que os ronda.

Redigem o impresso, a anestesia. Assinam
em rigorosa ordem hierárquica.

O telegrama parte.


Egito Gonçalves

E DE QUE MANEIRA!

Mais importante do que saber o número dos que participaram na gigantesca manifestação da CGTP - 200 mil?; mais de 200 mil?; muito mais do que 200 mil?: tanto faz - é observar as reacções dos «analistas políticos» de serviço, todos eles visivelmente apavorados com a impressionante demonstração da força organizada dos trabalhadores.

Coitados dos rapazes: depois de espremerem em vão as meninges em busca de argumentos capazes de demonstrar o indemonstrável, lá tiveram que recorrer ao velho, gasto e regasto argumentário nascido há mais de cinquenta anos, borrifando-o, como manda a tradição, com uns pingos de saloio paleio modernista...
Mas a verdade é que Salazar disse tudo o que havia a dizer sobre o assunto, com a vantagem de, então, poder recorrer ao «argumento» repressivo em moldes hoje impraticáveis - pelo menos até ver... - e aos pobres «analistas», ai deles!, tudo lhes saíu fraco, frouxo, blá-blá-blá, nhã-nhã-nhã. Tudo, excepto, certamente, o cachet...

E, a propósito de cachet, registe-se o facto de João Proença, o chefe amarelo da amarela UGT - instrumento relevante no apoio à política de direita ao serviço do grande capital - ter aproveitado a oportunidade para vir a público, mais uma vez, proclamar as supremas virtudes do Código do Trabalho - «bom para combater a crise», bom para os trabalhadores, bom para todos, enfim só bondades.
Corrijo: só bondades, não: Proença admite que o Código tem um «mal»: o de «ter entrado em vigor demasiado tarde»...

Tudo isto a confirmar que a poderosa manifestação da CGTP-IN- pela sua dimensão, pela sua força e pelas potencialidades que revelou em matéria de continuação da luta - os incomodou. E de que maneira!

POEMA

O PROGRESSO DAS CIÊNCIAS


Conseguiram encerrar o vento,
retirar a pouco e pouco o ar
e - maravilha! - o povo
resiste ainda e vive.

A asfixia é lenta e os que morrem
parecem ir de morte natural.

Hoje porém os sábios consideram
enganosa essa fórmula que reduz
o paciente à condição de peixe triste.

Pois no repouso fictício a onda
aguarda o luar da maré cheia.

Nas manhãs da terra
as manchas de sangue ganham punhos;
a viva carne cobre o inesperado.


Egito Gonçalves

O FOLHETIM CONTINUA

Está para durar o folhetim Alegre que, desde há muitos dias, todos os dias ocupa parte grande do tempo e do espaço dos média dominantes.
É certo que o enredo vai evoluindo nos conformes, que as coisas avançam de acordo com o plano pré-estabelecido, ou seja: o eleitorado vai sendo informado de que o PS não é, apenas - nem é essencialmente!... - aquele grupo de malfeitores que, no Governo, tem vindo a desgraçar Portugal e os portugueses: não!, o PS é, também - e essencialmente!... - a voz grossa e de esquerda de Alegre, voz defensora de tudo o que for necessário em cada momento para dar ao PS a imagem de partido de esquerda.

Hoje, ficámos a saber que «Alegre ameaça não estar ao lado do PS nas legislativas».
O que é que isto quer dizer?
Alegre, o próprio, explica: «Se a direcção do partido não der um sinal de demarcação, não pode querer contar comigo como candidato a deputado nas próximas eleições legislativas. Então tem que ir ganhar as eleições com quem fez essas declarações» (as «declarações» são, obviamente, as de José Lello que acusou Alegre de «falta de carácter»).
Quer isto dizer que, se a direcção do partido se demarcar, poderá contar com Alegre...

Confesso que fiquei espantado com tais explicações. Isto, porque, leitor que tenho sido de todos os episódios do folhetim, tinha como certo que Alegre já decidira, antes das declarações de Lello, não integrar as listas do PS... (ainda há uma semana dissera, ao Expresso, isso mesmo...).
Afinal, enganei-me. Li mal, certamente, já que - fico a saber agora - tudo estava bem antes das acusações de Lello e foram as ditas «acusações» que vieram pôr em dúvida a presença do «acusado» nas listas do PS para a Assembleia da República... (valha-me, em abono da correcção da leitura que fiz, o facto de Alegre vir agora dizer que o que disse ao Expresso, há uma semana, não correspondia exactamente ao que pensava, ou como ele próprio explica no seu jeito peculiar: «por vezes é necessário fazer afirmações fortes e exageradas para se ser compreendido»)
Compr'endi-te...

Feito o ponto da situação, temos que:
Em relação às Europeias, Alegre, garantindo o que até agora não tinha garantido, diz que: «sim, votará Vital Moreira, sim, votará PS» - pronto!, os portugueses podem respirar fundo e dormir tranquilos;
Em relação às legislativas... falta apenas a tal «demarcaçãozinha»...
Mas Alegre diz que «para a próxima semana se verá», já que irá encontrar-se com o «secretário-geral do PS» - do qual, aliás, «já "sentiu" sinais de demarcação»...
E com o qual, fez questão de repetir, tem «boas relações pessoais»...

Quer isto dizer que... o folhetim continua.

POEMA

«MORRA O BISPO E MORRA O PAPA»


Morra o bispo e morra o papa,
maila sua clerezia.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morram frades, morram freiras,
maila sua virgaria.
Ai rosas de sangue e leite,
que só terra bebia!
Morra o rei e morra o conde,
maila toda fidalguia.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morram meirinho e carrasco,
maila má judicaria.
Ai rosas de sangue e leite,
que só a terra bebia!
Morra quem compra e quem vende,
maila toda a usuraria.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morram pais e morram filhos,
maila toda filharia.
Ai rosas de sangue e leite,
que só a terra bebia!
Morram marido e mulher,
maila casamentaria.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morra amigo, morra amante,
mailo amor que se perdia.
Ai rosas de sangue e leite,
que só a terra bebia!

Morra tudo, minha gente.
Vivam povo e rebeldia.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!


Jorge de Sena

QUE CAMBADA!

Manuela Ferreira Leite falou e disse que as culpas da crise que Portugal atravessa são do PS e de José Sócrates.
E tem razão.
Tem tanta razão como teria se dissesse que essas culpas são do PS e de Mário Soares e de António Guterres, do PSD e de Cavaco Silva e de Durão Barroso - e nestes dois últimos casos, poderia até assumir responsabilidade directa nessas culpas, já que foi ministra de governos chefiados por aqueles dois dirigentes do PSD.

Manuela Ferreira Leite falou e perguntou: «como é que José Sócrates nos pode fazer crer que não tem responsabilidade quando teve um governo de maioria absoluta?».
E perguntou bem.
Tão bem como se fizesse a pergunta, por exemplo, a Cavaco Silva - que teve, também ele, governos de maioria absoluta com os resultados que sabemos.

Manuela Ferreira Leite falou e acusou Sócrates de «arrogante».
Mais uma vez acertou. E mais uma vez acertaria se qualificasse Cavaco Silva - e a si própria - de arrogantes.

Manuela Ferreira Leite falou e acusou Sócrates de «incompetente».
E desta vez errou: na verdade, Sócrates tem mostrado ser um competentíssimo gestor dos interesses do grande capital - como o foram os primeiros-ministros que o antecederam: Soares, Cavaco, Guterres, Barroso...

Isto para dizer - eu - que os culpados da crise em que o País está mergulhado são todos os que, desde 1976, revezando-se, têm vindo a aplicar a sinistra política de direita. Todos os que, agora que se aproximam eleições dizem tudo o que for preciso para caçar os votos necessários à continuação dessa mesmíssima política de direita.
E todos fingindo que nada têm a ver com a crise actual. E todos apresentando-se como salvadores da pátria.
Enfim, todos que cambada!

POEMA

COMBOIO AFRICANO


Um comboio
subindo de difícil vale africano
chia que chia
lento e caricato

Grita e grita

quem esforçou não perdeu
mas ainda não ganhou

Muitas vidas
ensoparam a terra
onde assentam os rails
e se esmagam sob o peso da máquina
e no barulho da terceira classe

Grita e grita

quem esforçou não perdeu
mas ainda não ganhou

Lento caricato e cruel
o comboio africano...


Agostinho Neto

13 de Março, Mudar de Rumo!

POEMA

O IÇAR DA BANDEIRA

(poema dedicado aos Heróis do povo angolano)


Quando voltei
as casuarinas tinham desaparecido da cidade

E também tu
Amigo Liceu
voz consoladora dos ritmos quentes da farra
nas noites dos sábados infalíveis

Também tu
harmonia sagrada e ancestral
ressuscitada nos aromas sagrados do Ngola Ritmos

Também tu tinhas desaparecido
e contigo
os Intelectuais
a Liga
o Farolim
as reuniões das Ingombotas
a consciência dos que traíram sem amor

Cheguei no momento preciso do cataclismo matinal
em que o embrião rompe a terra humedecida pela chuva
erguendo planta resplandecente de cor e juventude

Cheguei para ver a ressurreição da semente
a sinfonia dinâmica do crescimento da alegria nos homens

E o sangue e o sofrimento
eram uma corrente tormentosa que dividia a cidade

Quando eu voltei
o dia estava escolhido
e chegava a hora

Até o rio das crianças tinha desaparecido
e também vós
meus bons amigos meus irmãos
Benge, Joaquim, Gaspar, Ilídio, Manuel
e quem mais?
- centenas, milhares de vós amigos
alguns desaparecidos para sempre
para sempre vitoriosos na sua morte pela vida

Quando eu voltei
qualquer coisa gigantesca se movia na terra
os homens nos celeiros guardavam mais
os alunos nas escolas estudavam mais
o sol brilhava mais
e havia juventude calma nos velhos
mais do que esperança era certeza
mais do que bondade era amor

Os braços dos homens
a coragem dos soldados
os suspiros dos poetas
Tudo todos tentavam erguer bem alto
acima da lembrança dos heróis
Ngola Kiluanji
Rainha Ginga
Todos tentavam erguer bem alto
a bandeira da independência.


Agostinho Neto

QUE FAZER?

Desta vez, José Lello saltou em defesa do «congresso do PS», vítima, segundo ele, das más línguas de vários comentadores «à esquerda e à direita».
Garante Lello, escrevendo a sério, que ao contrário do que dizem esses «comentadores» «os militantes socialistas discutiram prévia e alargadamente as moções que foram ao Congresso de Espinho».
E sempre sem se rir - e sempre sabendo que estava a mentir - assegurou, ainda, em jeito de quem dá a sua palavra de honra, que desses «militantes socialistas, tiveram direito de palavra todos os que dela quiseram usar».

Assim sendo, conclui Lello que aquilo, sim, foi um congresso como deve ser - e toca de apresentar um PS recheado de qualidades únicas, um PS a abarrotar de democraticidade e de unidade interna, enfim, um PS «garante da estabilidade»...
Aqui chegado, o propagandista despejou a cassete da moda, repetindo o pedido da «maioria absoluta» para o PS - pedido feito «em nome da estabilidade e da necessidade de manter o rumo das políticas reformistas e modernizadoras do nossa sociedade».

Convenhamos que não se pode ser mais claro: Lello quer a «maioria absoluta» para - com aquela «estabilidade» que o poder absoluto proporciona - o PS «manter o rumo das políticas» que conduziram Portugal à dramática situação em que se encontra.

Posto isto, que fazer?
Só há um caminho: lutar para MUDAR DE RUMO - e para demonstrar que SIM, É POSSÍVEL UMA VIDA MELHOR!

Então, até sexta-feira.

POEMA

FULMINADOS DE ESPANTO


Fulminados de espanto
ensinam:
sempre assim foi
há-de ser sempre assim

Da saudade aberta como gume
na cinza que era fogo
e que perderam

da própria cobardia receada
nada dizem

Ensinam
o denso labirinto do seu tédio


Rui Namorado

ALERTA PARA D. MANUELA

No decorrer de mais uma jornada do seu Roteiro da Inclusão, o Presidente da República proferiu declarações dignas de registo.
«Recebi indicadores sociais de alguma gravidade», disse ele.
E eu confesso o meu espanto perante tal afirmação: então o País está no estado calamitoso em que está - desemprego, precariedade, baixos salários e reformas, injustiças sociais... - e o PR vê nisso tudo, apenas «alguma gravidade»?
A que estado é necessário que isto chegue para Cavaco Silva detectar muita gravidade na situação?

Mais adiante, reincidiu assim: «Estou um pouco preocupado e um pouco triste pela situação que o país atravessa».
E o meu espanto cresceu: então o País está como está e o Presidente da República vê isso apenas com um pouco de preocupação e de tristeza?
Que tragédias económicas, sociais, políticas e culturais são necessárias para que Cavaco Silva fique muito preocupado e triste?

Depois explicou ao que ia: «Não vim dizer que tenho alguma solução. Só posso trazer palavras de solidariedade. Isso é pouco, mas não tenho mais nada para vos dar».
E preparava-me eu para, no jeito que acima usei, comentar esta pungente confissão de impotência de Cavaco Silva, eis senão quando a atenção se me prendeu numa ocorrência surpreendente: afinal, e ao contrário do que acabara de dizer, Cavaco Silva tinha muito para dar aos que o ouviam - tinha, até, ali na manga A SOLUÇÃO para os problemas todos que preocupam os portugueses.

E qual era essa SOLUÇÃO?: era exactamente a mesma que José Sócrates apresentou no congresso do PS: «a estabilidade política» - a tal só possível de assegurar com a «maioria absoluta» nas eleições parlamentares; a tal que, como Sócrates há uma semana disse e Cavaco uma semana depois repetiu, permitirá o prosseguimento em pleno da política que conduziu o País ao desgraçado estado a que chegou.

Esta sintonia entre o Presidente da República e o primeiro-ministro percebe-se, sabendo nós quem é um e quem é outro.
Mas há aqui um pormenor interessante e intrigante que é o seguinte:
quando José Sócrates pede «a maioria absoluta» para garantir «a estabilidade política», é óbvio que está a pedir essa maioria para o PS;
mas quando o Presidente da República pede «a maioria absoluta» para garantir «a estabilidade política», está a pedir essa maioria para quem?...
(Ó D. Manuela olhe que talvez seja tempo de rever as suas amizades...)

POEMA

COROAI-ME DE ESPINHOS...


Lírios, já não, que me parecem luzes
de luto.
Rosas, pior,
que são a burguesia
das flores
no apogeu.
Tojos arnais, apenas.
Cilícios vegetais
sobre a fronte de quem
tem nojo das carícias do presente.
Tojos arnais, até que possa alguém
ser poeta e ser gente.


Miguel Torga

EM SILÊNCIO...

Dizem-nos os jornais que Manuel Alegre está «profundamente irritado».
Tal informação reveste-se de particular importância já que, como é sabido, Manuel Alegre - pelo que diz ou pelo que não diz, pelo que faz ou pelo que não faz, pela presença ou pela ausência - é uma das personalidades mais mediáticas da actualidade.
No mesmo plano de projecção que ele, só mesmo o Francisco Louçã mais o seu BE, para o quais a comunicação social, propriedade dos grandes grupos económicos, reserva os mais ternurentos desvelos e enlevos maternais.

Quais são, então, as causas da irritação profunda de Alegre?
Dizem-nos os jornais que são duas.
uma, ao que parece não por aí além relevante:
o seu camarada José Lello acusou-o de «falta de carácter».
outra, esta sim de enorme relevância: o seu camarada José Sócrates não se demarcou de tal acusação.
Ora, segundo os jornais, «nas fileiras "alegristas"» não se fala noutra coisa e «o caso é visto como grave».

Como sair deste impasse? Que soluções para a crise?
Um pedido de desculpas públicas por parte de Lello, resolveria?: nem pensar! - tanto mais que a causa da irritação profunda de Alegre reside, essencialmente, não na acusação de «falta de carácter» mas, isso sim, na ausência de «demarcação» de Sócrates.
Por isso, não vale a pena iludir a questão nem procurar soluções alternativas ou alternantes: a única solução para o grave caso é o desagravo de Sócrates, a «demarcação» - a demarcaçãozinha, sem a qual a irritação profunda se manterá e tenderá mesmo a aprofundar-se ainda mais.

Entretanto - e enquanto o País aguarda, expectante, a solução do caso - Alegre «mantém-se em silêncio».
Certamente admirando-se ao espelho do foguetório mediático e dizendo para si, em silêncio: a mim, só os jornais me calam...

POEMA

AQUELE QUE SE SENTOU À PORTA DO TEMPO


Aquele que se sentou à porta do tempo
e deixou dormir o pensamento sobre a relva
em demasia confiante ou desenganado

aquele que se sentou estupidamente no tempo
e o deixou escorrer irremediavelmente entre os dedos
como velha adormecida no outono

honestamente aproveitou o oásis
alheio ao decorrer das caravanas
no livro dos povos ficará
com o prolongamento dos tiranos.


Rui Namorado

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA...

«Chávez ameaça invadir a Colômbia» - grita o título de uma notícia do DN de hoje.
Os leitores do DN que se ficarem apenas pela leitura do título (e muitos serão, certamente) registarão na memória o que o autor do título quer que registem: que «Chávez ameaça invadir a Colômbia»; após o que comentarão: «mais uma do Chávez...» - e, assim, ficarão com mais um «argumento» anti-Chávez, que utilizarão nas conversas com os amigos, os familiares, os colegas de trabalho, nos comentários dos blogs, etc.

Com tal notícia, o autor do título terá alcançado o seu objectivo: espalhar, através de uma prática de desinformação organizada, uma imagem negativa, sombria, sinistra, do Presidente da Venezuela - opositor declarado e assumido do imperialismo norte-americano e intransigente defensor dos interesses do seu País e do seu povo.

Mas vejamos: «Chávez ameaça invadir a Colômbia»?: é mentira - mentira abjecta e perigosa porque fabricada com o objectivo pensado de desinformar; mentira que, porque vai ser muitas vezes repetida pelos média dominantes, tenderá a fazer caminho como coisa verdadeira - como acontece em muitos outros casos em que esses média, propriedade do grande capital, desinformam e difundem a desinformação por todo o planeta tantas vezes quantas as necessárias para ela ser aceite como verdade.

Eis a verdade dos factos: há dias, o ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos, invocando um pretenso «direito à autodefesa», ameaçou entrar com as sua tropas naVenezuela para «atacar terroristas» das FARC que, segundo ele, ali se encontram.
A esta declaração, Hugo Chávez respondeu dizendo que reagirá «militarmente caso a Colômbia viole as fronteiras da Venezuela» - e que, que se isso acontecer, «não me tremerá o pulso para pôr em acção os tanques de guerra e os aviões bombardeiros».

Ou seja, o título da notícia do DN diz que «Chávez ameaça invadir a Colômbia».
A verdade dos factos mostra que foi a Colômbia que ameaçou invadir a Venezuela - e que Chávez se limitou a declarar o que se espera de qualquer homem digno e vertical: se tal contecer, a Venezuela responderá energicamente à invasão.

A mentira do título do DN vai chegar longe - a milhares e milhares de pessoas.
A verdade aqui divulgada chegará a escassas centenas de visitantes.
Mesmo assim, vale a pena insistir nela.
Se só nos batêssemos pela verdade quando ela tem possibilidades de triunfar, estaríamos calados e quietos a maior parte do tempo...
Além de que, como nos diz a sabedoria popular, água mole em pedra dura...

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

ELAS
(excerto)


Elas fizeram greves de braços caídos
Elas brigaram em casa
para ir ao Sindicato e à Junta
Elas gritaram à vizinha que era fascista
Elas souberam dizer
salário igual e creches e cantinas
Elas vieram para a rua de encarnado
Elas foram pedir para ali
uma estrada e canos de água
Elas gritaram muito
Elas encheram as ruas de cravos
Elas disseram à mãe e à sogra que
isso era dantes
Elas trouxeram alento e sopa
aos quartéis e à rua
Elas foram para as portas de armas
com os filhos ao colo
Elas ouviram falar de uma grande mudança
que ia entrar pelas casas
Elas choraram no cais
agarradas aos filhos que vinham da guerra
Elas choraram
de ver o pai a guerrear com o filho
Elas tiveram medo e foram e não foram
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas
e nas alfaias das herdades abandonadas
Elas dobraram em quatro um papel
que levava dentro uma cruzinha laboriosa
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa
a ver como podia ser sem os patrões
Elas levantaram um braço
nas grandes assembleias
Elas costuraram bandeiras e bordaram
a fio amarelo pequenas foices e martelos
Elas disseram à mãe,
segure-me aqui os cachopos, senhora,
que a gente vai de camioneta a Lisboa
dizer-lhes como é
Elas vieram dos arrabaldes
com o fogão à cabeça
ocupar uma parte de casa fechada
Elas estenderam roupa a cantar
com as armas que temos na mão
Elas diziam tu às pessoas com estudos
e aos outros homens
Elas iam e não sabiam para onde, mas iam

Elas acendem o lume
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado
São elas que acordam pela manhã as bestas,
os homens e as crianças adormecidas.


Maria Velho da Costa