POEMA

JURO NUNCA ME RENDER


Pela minha terra clara
e o povo que nela habita
e fala a língua que eu falo,
juro nunca me render.

Pelo menino que fui
e o sossego que desejo
para o velho que serei,
juro nunca me render.

Pelas árvores fecundas
que nos dão frutos gostosos
e as aves que nelas cantam,
juro nunca me render.

Pelo céu que não tem margens
e as suas nuvens boiando
sem remorso nem receio,
juro nunca me render.

Pelas montanhas e rios
e mares que os rios buscam,
com o seu murmúrio fundo,
juro nunca me render.

Pelo sol e pela chuva
e pelo vento disperso
e pela plácida lua,
juro nunca me render.

Pelas flores delicadas
e as borboletas irmãs
que nos livros espalmei,
juro nunca me render.

Pelo riso que me alegra,
com a sua nitidez
de guizos e de alvorada,
juro nunca me render.

Pela verdade que afirmo,
dos que a verdade demandam
até à contradição,
juro nunca me render.

Pela exaltação que estua
nos protestos que não escondo
e a justiça que os provoca,
juro nunca me render.

Pelas lágrimas dos pobres
e o pão escasso que comem
e o vinho rude que bebem,
juro nunca me render.

Pelas prisões em que estive
e os gritos que lá esmaguei
contra as mãos enclavinhadas,
juro nunca me render.

Pelos meus pais e meus avós
e os avós dos avós deles,
com o seu suor antigo,
juro nunca me render.

Pelas balas que vararam
tantos peitos de homens justos,
por amarem muito a vida,
juro nunca me render.

Pelas esperanças que tenho,
pelas certezas que traço,
pelos caminhos que piso,
juro nunca me render.

Pelos amigos queridos
e os companheiros de ideias,
que são amigos também,
juro nunca me render.

Pela mulher a quem amo,
pelo amor que me tem,
pela filha que é dos dois,
juro nunca me render.

E até pelos inimigos,
que odeiam a liberdade,
e por isso não são livres,
juro nunca me render.



Armindo Rodrigues

LUTAREMOS! E VENCEREMOS!

Fim de ano é tempo de balanço - e porque é também início de ano é, igualmente, tempo de definir objectivos.

O balanço do ano que passou é positivo: lutámos muito contra um inimigo poderoso; resistimos a à ofensiva desse inimigo; construímos algumas das maiores lutas de sempre dos trabalhadores portugueses; invadimos as ruas com as nossas exigências de liberdade e justiça social. Enfim, confirmámos que a luta vale a pena e é indispensável sempre - mesmo quando não se traduz de imediato nas vitórias desejadas.

O ano que aí vem terá que ter como objectivo primeiro o prosseguimento, intensificação e alargamento da luta de massas - trazendo mais gente a participar com a consciência da importância essencial dessa participação e dando ao protesto contra a política de direita a dimensão necessária para ele se transformar em exigência imperativa de mudança.

Vivemos um tempo de grandes dificuldades, que continuam a pôr à prova a nossa capacidade de resposta e intervenção, a nossa capacidade de resistência.
Resistência à nossa maneira: olhando para a frente, nunca virando as costas à luta, recuando se a força superior do inimigo a isso nos obrigar, mas nunca perdendo a perspectiva de avançar - e avançando.

Lutaremos! E venceremos!
Porque cada um de nós faz suas, todos os dias, as palavras do Poeta no poema que, no post seguinte, o Cravo de Abril partilha com os seus visitantes neste fim de ano 2008/início de ano 2009.

POEMA

OS CÃES DA INFÂNCIA


São os cães da infância os cães dementes
ladrando-me às canelas do passado
cães mordendo-me a vida com os dentes
ferrados no meu sexo atormentado.

Paguei cada minuto do presente
com vergões de amor próprio vergastado
porém só fala quem se não consente
vencido temeroso ou amarrado.

Contra os cães uivo. Não me fico assim.
Não tenho pai nem mãe. Nasci de mim
macho e fêmea gerando o desespero.

Lutar é tudo quanto sou capaz.
Não me pari para viver em paz.
Tudo o que eu sou é menos do que eu quero.


José Carlos Ary dos Santos

O PROPAGANDISTA

Todas as terças-feiras, Mário Soares tem à sua disposição uma página do DN, que utiliza para fazer propaganda daquilo que há mais de trinta anos é o seu cavalo de batalha: a política de direita por ele iniciada em 1976 com o objectivo de liquidar a Revolução de Abril.
Fá-lo, contudo, mascarado de democrata de gema e de exemplar homem de esquerda, sabendo que essa é a melhor forma de levar a água ao seu moinho - que é, também, o moinho do capitalismo...

Ontem, Soares fez o elogio da Mensagem de Natal de José Sócrates. Um elogio caloroso, sublinhe-se.
Na opinião de Soares, na mensagem há «novidades» que «as oposições» não quiseram ver.
Isto porque, diz ele, «as oposições» estão mais mais preocupadas com o «bota abaixo».
Falando de «oposições», Soares sabe que está a meter no mesmo saco os que combatem o Governo e a sua política de direita, à qual contrapõem uma alternativa de esquerda; e os que criticam o Governo com o objectivo de para lá irem fazer a mesma política de direita - e sabe que essa é a melhor forma de defender, precisamente, a política de direita tão cara ao PS/PSD/CDS...

Mas quais são, então, as «novidades» detectadas por Soares na Mensagem de Sócrates?
Ele explica: «(Sócrates) disse que as suas primeiras prioridades são o desemprego, que prevê crescente, e a pobreza de que sofrem muitos portugueses. Quem o pode negar?».
Soares sabe que estas «prioridades» - recorrentes em todas as alocuções de Natal de todos os primeiros-ministros, desde 1976 - nada têm de «novidade». E sabe que, depois de cada uma dessas alocuções, o desemprego aumentou e a pobreza idem.
Quem o pode negar? - pergunto eu.

A terminar, escreve Soares: «Os portugueses que ouviram a mensagem sabem, por experiência própria, que não é com manifestações de rua - nem com protestos mais ou menos violentos - que esses flagelos podem ser remediados».
Ora aí está:
afinal é isto, essencialmente isto, que o preocupa;
afinal é isto, essencialmente isto, que ele quer evitar;
afinal é isto, essencialmente isto, que lhe mete medo.

O que confirma que a luta de massas é o caminho - e que intensificá-la e ampliá-la constitui o nosso objectivo fundamental no ano de 2009.

POEMA

COM ILUSÕES OU NÃO...


Com ilusões ou não,
venha o futuro,
pois por enquanto, ao menos,
não é escuro.


Armindo Rodrigues

A MUDANÇA ADIADA

Gaza: até agora, mais de 350 palestinos foram mortos em consequência dos brutais ataques perpetrados pelo governo fascista de Israel. E, ao que parece, o massacre vai continuar, para já prosseguindo com os bombardeamentos e os mísseis - mas fala-se cada vez mais em invasão terrestre.
«Está em curso uma guerra total contra o Hamas» - afirmou o criminoso de guerra que ocupa o posto de ministro da Defesa de Israel.
E o facto de 81% dos israelitas apoiarem o morticínio mostra que o crime pode vir a render muitos votos nas eleições de Fevereiro próximo...

Entretanto, as reacções da chamada «comunidade internacional» continuam a primar pelo silêncio quase total. Como se sabe, esta «comunidade» é uma senhora muito matreira que não perde uma oportunidade de se expressar em apoio dos direitos-humanos-made-in-EUA, mas que fica muda e queda sempre que os direitos humanos são violados pelos EUA ou por qualquer dos seus amigos/lacaios.

A União Europeia ainda não disse nada. Percebem-se as razões do euro-silêncio: por um lado, porque o boss-mor Bush, de férias no Texas, ainda não se pronunciou sobre o assunto - e seria arriscado emitir uma opinião que lhe desagradasse; por outro lado, porque seria escandaloso subscrever a escandalosa declaração da Casa Branca - a tal que dizia que «o Hamas deve parar os disparos de rockets sobre Israel» e não fazia qualquer reparo aos bombardeamentos israelitas...

Neste quadro, a opinião de Obama - o da mudança, lembram-se? - era aguardada com grandes expectativas. Havia até quem pensasse que o novo Presidente dos EUA iria dar, pela primeira vez em concreto, um arzinho da mudança prometida.
Afinal, não foi assim: um seu conselheiro veio a público dizer que Obama não se pronunciará sobre a questão porque, disse o conselheiro, nos EUA «há apenas um presidente de cada vez» e, assim sendo, Obama só poderá dar opinião depois de tomar posse...
Espanta que assim seja, tanto mais quanto, como sabemos, Obama, quer enquanto candidato quer após ter sido eleito, tem-se pronunciado sobre tudo o que se passa nos EUA e no mundo.
Pronto: fica uma vez mais a mudança adiada.

E entretanto o massacre continua. Em nome da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, bem entendido...

POEMA

RECOMEÇA...


Se puderes
sem angústia
e sem pressa.
E os passos que deres
nesse caminho duro
do futuro,
dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
o logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
onde, com lucidez, te reconheças...


Miguel Torga

A OPINIÃO

A frase de Eduardo Barroso (EB) que ontem aqui publiquei - transcrita do Público - fazia parte de uma entrevista concedida por esse cavalheiro ao Sol.
Hoje dei uma vista de olhos pela referida entrevista e deparei com um conjunto de afirmações dignas de igual transcrição, de tal modo são reveladoras do estado político/mental do entrevistado.
Aqui ficam algumas delas:
EB considera que foi «fundamental o fecho das maternidades e dos SAP's» e acha que estas «reformas que estavam a ser iniciadas eram fundamentais» porque «eram a porta para outras reformas». Diz ainda que «Correia de Campos foi o melhor ministro de sempre. O mais sabedor e o mais corajoso».
Enfim, estamos conversados...

Afirmando-se «defensor da avaliação dos professores», EB avisou que «seria um erro trágico deixar cair a ministra. Simpatizo com ela. Não a acho arrogante. É determinada e simpática. Estou com ela a 100%».
Enfim, opiniões...

Perguntado sobre se gostaria de ser ministro da Saúde, EB respondeu: «Coitado de quem me convidasse. Sou políticamente muito incorrecto. Seria dramático para qualquer primeiro-ministro ter-me como ministro da Saúde. Não tenho dúvidas de que teria ideias fundamentais, só que não seriam realizáveis» - e rematou, fulminante: «O 25 de Abril foi um dos dias mais felizes da minha vida e tenho horror à ditadura, mas as minhas propostas só poderiam ser feitas em ditadura».
Enfim, a OPINIÃO...

POEMA

(ESPERAREMOS CEM ANOS...
Em frente da estação do Rossio, quando os ponteiros se aproximam da meia-noite.)


Amigos: vai passar mais um ano no relógio luminoso do Rossio.

E a nossa Revolução
cada vez mais sonho frio,
eterna paisagem
de merda sem canos
em que os homens continuam como são
com bocas de granizo
numa repetição de poços sem ecos.

Deixá-lo!

Se for preciso
teremos a coragem
de esperar mais cem anos
pela transformação do mundo
no relógio dos Séculos.

(Cem anos que voem nos relógios com asas de um segundo.)


José Gomes Ferreira

PAZ AO SEU JUÍZO

Há gente que produz análise, conclui - e, alegremente, entorna o que analisou e concluiu nos média - não a partir da avaliação de factos mas a partir do que deseja que aconteça...
Um exemplo disso é afirmação produzida por um tal Eduardo Barroso (ao que suponho membro do PS) que o Público de hoje transcreve.
Disse ele: «Se o país não tiver ensandecido, o PS voltará a ter maioria absoluta. De outra forma isto torna-se ingovernável».

Quer isto dizer que o analista concorda com a política que o governo tem vindo a aplicar - que aumentou o desemprego, agravou as condições de vida da imensa maioria dos portugueses, aumentou a pobreza e a miséria, roubou conteúdo democrático ao regime, violou a Constituição, entregou Portugal ao grande capital nacional e internacional, etc, etc, etc.
Quer isto dizer que o analista deseja que tal política prossiga - e que prossiga em pleno, para o que a obtenção da maioria absoluta é necessária.
Quer isto dizer que «isto» só é governável assim...
Quer isto dizer, enfim, que o analista ensandeceu.
Paz ao seu juízo!...

POEMA

PASSAGEM DO ANO


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e o seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e que sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.


Carlos Drummond de Andrade

A RECEITA

1941 foi um ano terrível. No mundo e em Portugal.
Nesse ano longínquo, o nazi-fascismo avançava, aparentemente imparável, no seu objectivo de conquista do mundo. O exército hitleriano invadia a URSS e o seu comandante ordenava que por cada alemão morto, fossem executados 50 a 100 comunistas; começavam os fuzilamentos em massa da população civil e em cerca de seis meses, as «unidades especiais» nazis liquidavam mais de 1 milhão de cidadãos soviéticos; em Outubro as tropas nazis chegavam às portas de Moscovo.
Apesar disso, sinais promissores começavam a surgir: em Dezembro, o avanço alemão era sustido, com a derrota frente a Moscovo...

Por cá, o fascismo exultava: emissoras nazis, instaladas em vários pontos do País com o apoio da PVDE, apoiavam as operações dos submarinos alemães; um relatório alemão falava de «nós»: «O sr. Volker informou que se conseguiu alugar a emissora portuguesa Rádio Renascença de modo a ficarem todas as emissões à nossa completa disposição»; um trust alemão, ligado a capitais norte-americanos, apoderava-se do ferro de Moncorvo; um relatório do Presidente do Comité Internacional de Auxílio aos Refugiados informava: «Vários refugiados alemães antifascistas têm desaparecido de Portugal por terem sido entregues pela polícia portuguesa à Gestapo, que os tem assassinado ou enviado para campos de concentração».
E, ainda por cá: 6 militantes comunistas eram assassinados no Tarrafal; jovens quadros comunistas, entre eles Álvaro Cunhal, levavam por diante o importante processo de reorganização do PCP - processo que era acompanhado de medidas concretas visando o reforço da actividade e da influência do Partido: em Agosto, o Avante! voltava a publicar-se (e, desde então, nunca mais interromperia a sua publicação clandestina regular até ao 25 de Abril de 1974); e a greve geral dos operários têxteis da Covilhã era ponto de partida para uma poderosa vaga de acções de massas contra a ditadura fascista...

Aqui chegados, os leitores do Cravo de Abril (os que tiveram a paciência de aqui chegar, obviamente...) perguntar-se-ão: mas a que propósito vêm estas notícias sobre o ano de 1941?
Eu explico: um post há umas semanas atrás publicado no blog as palavras são armas - excelente blog, de visita imperativa - informava sobre a edição nesse ano de 1941, em Portugal, de um curioso livro de gastronomia - «A Cosinheira das Cosinheiras» (que viria a ter dez edições).
Curioso, porque entre as muitas receitas ensinadas no referido livro, há uma cuja designação é surpreendente: «BACALHAU À COMUNISTA».
Na verdade, um prato assim chamado, divulgado em livro e aconselhado aos leitores em plena ditadura fascista - sob uma censura férrea e com perseguições ferozes aos comunistas - provocou em mim, leitor de hoje, um enorme espanto.
E foi esse espanto que me levou a rememorar alguns contecimentos ocorridos nesse ano, no mundo e em Portugal - acontecimentos ocorridos na mesma altura em que alguém escrevia e publicava um livro de receitas de cozinha do qual constava um prato chamado «Bacalhau à Comunista»...
Talvez a confirmar - isto digo eu, em jeito de conclusão - que em todas as áreas da vida nacional havia uma receita para combater - e se combatia - a ditadura fascista...

E aqui fica a receita (a do bacalhau, claro...):
«Bacalhau à Comunista - Partir um bacalhau em filetes fininhos, fazer uma massa bem fina de farinha de trigo, passar nela os filetes, um por um, fritar. Pôr num prato de ir ao forno, uma camada de filetes fritos, depois uma camada de rodas grossas de batatas cosidas e queijo parmesão; fazer molho branco e com ele cobrir o bacalhau; levar ao forno e aloirar».

POEMA

NA PASSAGEM DE UM ANO


Erros nossos não são de toda a gente
tropeçamos às vezes na entrega
mas retomamos sempre a marcha em frente
massa humana que nada desagrega.

Para nós o passado e o presente
são futuro no qual o povo pega
com suas mãos de luz incandescente
que aquece que deslumbra mas não cega.

Para nós não há tempo. O tempo é vento
soprando ano após ano sobre a história
que para nós é vida e não memória.

Por isso é que no tempo em movimento
cada ano que passa é menos tempo
para chegar ao tempo da vitória.


José Carlos Ary dos Santos

UM POÇO SEM FUNDO...

Como de Roma se diz que todos os caminhos lá vão dar, também do «caso SLN/BPN» podemos dizer que para lá se encaminham todos os dias ramificações de novos «casos»...

Desta vez é o «caso TBZ».
A TBZ era, até há pouco tempo, uma «empresa de sucesso» fundada e dirigida por um «empresário de sucesso»: João Barroqueiro (como estamos lembrados as empresas e os empresários de sucesso são filhas e filhos do consulado cavaquista...)
A TBZ era «uma das maiores empresas de licenciamentos em contratos com Benfica, Sporting, FCPORTO e Real Madrid, entre outros clubes» - e dela dizia o seu fundador, em Abril deste ano: «O nosso objectivo é público: queremos ser líderes absolutos no negócio em três anos».

O Público de hoje, informa sobre o percurso desse «sucesso»: «Em pouco mais de uma década (a TBZ) transformou-se de uma empresa de 500 mil euros num gigante de 20 milhões».
E do fim do «sucesso»: «Em pouco menos de um ano, foi alvo de um arresto de bens, de um processo de insolvência, de rescisões de contratos milionários e está a ser investigada pelo Ministério Público por insolvência dolosa».
O pior é que a notícia acrescenta, depois, aquilo que já parece ser coisa inevitável nestes casos: «Parte dos danos terá de ser assumida pelo Estado, uma vez que este detém 50 por cento da TBZ, através de um fundo de investimento do nacionalizado banco Efisa».
E é aqui que entra em cena o omnipresente Grupo SLN/BPN.

Explicando melhor:
Em Maio de 2007, a TBZ - «para suportar a expansão» meteórica rumo à liderança absoluta... - recorreu a um empréstimo ao banco Efisa;
Com esse empréstimo, o Efisa apropriou-se de 50 por cento do capital da TBZ;
Ora, como o banco Efisa faz parte do recém-«nacionalizado» BPN... o Estado tem que assumir os danos, não é verdade?
É.

E é igualmente verdade que este BPN é um poço sem fundo em matéria de ramificações com casos suspeitos.

POEMA

NATAL


Hoje é dia de Natal.
O jornal fala dos pobres
em letras grandes e pretas,
traz versos e historietas
e desenhos bonitinhos,
e traz retratos também
dos bodos, bodos e bodos,
em casa de gente bem.

Hoje é dia de Natal.

- Mas quando será de todos?


Sidónio Muralha

UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

Hoje, Dia de Natal, pelas 10H30, os representantes dos trabalhadores da Gestnave e da Erecta vão «bater à porta da residência oficial do primeiro-ministro».
E, sabendo o que a casa gasta - isto é: «sentindo na pele os efeitos das prendas que o Governo vai dando aos patrões em geral e aos Mellos em particular» - esclarecem que NÃO QUEREM PRENDAS!

«Reclamam tão só que o Governo cumpra a sua obrigação, levando a Lisnave a cumprir os deveres que assumiu quando recebeu a PRENDA de milhões do erário público»: os 1339 postos de trabalho que se comprometeu a manter e não cumpriu, apesar dos lucros alcançados - dos maiores dos últimos anos.

Não querem prendas.
Querem que «o primeiro-ministro pense no dia de Natal dos desempregados da Gestnave e da Erecta».
Querem os postos de trabalho a que têm direito.


Querem, apenas, o reconhecimento desse direito humano fundamental que é o DIREITO AO TRABALHO.

POEMA

LITANIA PARA O NATAL DE 1967


Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos vir pedir contas do nosso tempo


David Mourão-Ferreira

UMA HISTÓRIA DE NATAL...

Wilmington é uma pequena cidade - com cerca de 13 mil habitantes - no estado do Ohio, nos EUA.
O maior empregador de Wilmington é o «gigante alemão de entregas DHL» - que recentemente decidiu fechar as portas, atirando para o desemprego os seus 7 500 trabalhadores.
Este número subirá para 9 500 porque uma outra empresa - a ABX Air, que trabalha para a DHL - vai também despedir (ou já despediu) os seus trabalhadores.

Temos assim que, 9 500 dos 13 mil habitantes de Wilmington - ou seja, a quase totalidade dos trabalhadores da cidade de Wilmington - começarão o ano de 2009 no desemprego.

Por tudo isto, eis o Natal na futura cidade fantasma de Wilmington: «As igrejas estão cheias, os centros de apoio aos sem-abrigo já albergam famílias inteiras, as sopas dos pobres alimentam pilotos que há um mês ganhavam 1 700 euros por mês, as escolas privadas estão a perder alunos e os hospitais estão a rejeitar tratamentos e a cancelar operações a pessoas que ficaram sem seguro de saúde».
E diz o jornal, «isto é só o princípio».
E digo eu: certamente: porque o pior está para vir.
E diz o jornal: «É a crise».
E digo eu: é o capitalismo.

O «Sonho Americano» tem destes pesadelos...

POEMA

NATAL À BEIRA-RIO


É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
a trazer-me da água a infância ressurrecta.

Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
que ficava, no cais, à noite iluminado...

Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
mais da terra fazia o norte de quem erra.

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
à beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
precisam de Jesus, de Mar. ou de Poesia?


David Mourão-Ferreira

DIFERENÇAS DE OCASIÃO

É sabido que a comunicação social dominante - propriedade dos grandes grupos económicos e financeiros - existe para defender os interesses desses grupos.

É sabido, também, que, para os grandes grupos económicos e financeiros, a política de direita é a que melhor serve os seus interesses - daí que todos os média dominantes sejam fervorosos defensores dessa política.

É sabido, igualmente, que a prática de um governo nem sempre agrada plenamente a todos os grandes grupos económicos e financeiros.

Por exemplo, olhando para dois jornais diários ditos de «referência» - o Público e o Diário de Notícias - é fácil constatar que a aplicação da política de direita na versão Sócrates, agrada mais aos donos do DN do que aos donos do Público.
Com efeito, olhando cada um destes jornais - sublinhe-se: ambos cumprindo cabalmente a sua função e ambos defensores incontestáveis da política de direita - verificamos que cada um deles trata o governo... à vontade do dono...

Isso é visível todos os dias: no DN, com a sua postura de órgão oficioso do Governo; no Público, mais crítico em relação à prática governativa de Sócrates.
Mas há dias em que essa diferença assume expressões mais evidentes.
É o caso da forma como os dois jornais, nas suas edições de hoje, noticiam as manobras divisionistas e demagógicas do Governo/ministério da Educação em relação à luta dos professores.
Diz o DN que «apelos ao diálogo (por parte do ministério) dividem plataforma sindical».
E diz o Público, sobre o mesmo assunto, que Jorge Pedreira «tenta dividir os sindicatos e acusa Fenprof de querer a instabilidade».

Insisto: são diferenças de ocasião e que têm tudo a ver com a apreciação que os patrões dos dois jornais fazem da prática governativa de Sócrates.
E insisto: ambos os jornais estão com a política de direita - que é, de facto, a que serve os interesses dos seus donos.

Entretanto, a luta dos professores continua.
Isto é: mantém-se a greve marcada pelos sindicatos para 19 de Janeiro.
Porque, como disse Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, aludindo à última proposta do Governo, «os professores não podem desistir por uma mão completamente vazia».

POEMA

NATAL UP-TO-DATE


Em vez da consoada há um baile de máscaras
Na filial do Banco erigiu-se um Presépio
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década

Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago
Chega o rei do barulho e conserva-se mudo
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público

Nas palhas do curral ocultam microfones
O lajedo em redor é de pedras da lua
Rainhas de beleza hão-de vir de helicóptero
e é provável até que se apresentem nuas

Eis que surge no céu a estrela prometida
Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito mais rápido

Assim a noite passa. E passa tão depressa
que a meia-noite em vós nem se demora um pouco
Só Jesus no entanto é que não comparece
Só Jesus afinal não quer nada convosco


David Mourão-Ferreira

A VERDADEIRA MUDANÇA

Não falo da «mudança» prometida por Barack Obama.
Falo da mudança cumprida de Evo Morales.

Quando Evo Morales foi eleito Presidente da Bolívia, havia no País cerca de 15 por cento de analfabetos.
Três anos passados, o analfabetismo foi erradicado.
E como foi isso feito?
Assim: Cuba cedeu o método - «Yo sí puedo» - e 30 mil televisores e vídeos para pôr o programa em marcha; a Venezuela montou 8 350 painéis solares onde não havia electricidade; Cuba e a Venezuela enviaram formadores que prepararam 50 mil orientadores bolivianos.
Pronto: em 33 meses, 824 mil bolivianos aprenderam a ler.
Assim, a Bolivia - agora «Território Livre de Analfabetos» - passa a ser o terceiro país da América Latina sem analfabetos - os outros dois são Cuba e a Venezuela.

Um pormenor cheio de significado: entre os 824 mil cidadãos bolivianos que deixaram de ser analfabetos, encontram-se a mãe e vários outros familiares do Presidente Evo Morales...

Tudo isto a confirmar que naquela região do mundo... o mundo está a mudar.
Fidel, Raul, Chavez, Morales - entre outros - são homens novos, dirigentes políticos e governantes de tipo novo e que, em todos os aspectos, se situam nos antípodas dos políticos de velho tipo que, por esse mundo fora, «governam» tendo como referência modelar os governos dos EUA.

É gente do povo, vinda do povo e ao serviço do povo, a que governa aqueles países onde, de alguma forma, se constroem alicerces do mundo novo - que há-de substituir este mundo velho, milenarmente baseado na exploração e na opressão e governado por gente ao serviço dos interesses do grande capital.

Aqui fica para os visitantes do Cravo de Abril esta boa notícia - com os votos de BOM NATAL para todos.

POEMA

NA TAL


Na tal habitação volto a falar-te
Na tal que já eu-próprio não conheço
Na tal que mais que tálamo era berço
Na tal em que de noite nunca é tarde

Na tal de que por fim ninguém se evade
Na tal a que sei bem que não regresso
Na tal que umbilical cabe num verso
Na tal sem universo que a iguale

Na tal habitação te vou falando
Na tal como quem joga às escondidas
Na tal a ver se tu me dizes qual

Na tal de que eu herdei só este canto
Na tal que para sempre está perdida
Na tal em que o natal era Natal.


David Mourão-Ferreira

UMA BOA NOTÍCIA

O prometido é devido: volto ao caso do jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi - o que atirou os sapatos ao focinho do «cão» Bush e de quem, depois, disseram os jornais que tinha escrito uma carta a pedir desculpa do que fez.
E volto com uma boa notícia: o irmão de al-Zaidi - que o visitou na prisão - desmentiu veementemente a notícia sobre o pedido de desculpa. Disse ele que o irmão «nunca pediria desculpa a Bush, nem que fosse cortado em pedaços».

É uma boa notícia, esta - porque é sempre uma boa notícia sabermos que, seja onde for e em que circunstâncias for, há sempre alguém que enfrenta com dignidade os todo-poderosos donos do mundo e os seus lacaios.
Ao mesmo tempo, vemos confirmada uma vez mais a falta de escrúpulos, o vale-tudo a que esta cambada recorre, neste caso inventando um pedido de desculpa que não existiu e, assim, procurando denegrir a imagem e o acto corajoso de MUNTAZER AL-ZAIDI.

Al-Zaidi, foi visitado pelo irmão no domingo passado. Essa foi a única visita que até agora lhe foi permitida. O jornalista vai processar as autoridades iraquianas por maus tratos - queimaduras nas orelhas, um dente partido - que lhe infligiram no decorrer dos interrogatórios.

Por outro lado, o julgamento de Muntazer al-Zaidi começará no próximo dia 31 de Dezembro e, de acordo com as leis iraquianas, arrisca-se a uma pena que pode ir de 5 a 15 anos de prisão.
E o juíz que o vai julgar já «concluiu» que al-Zaidi não foi torturado...
É necessário, portanto, que o movimento mundial de solidariedade com o jovem jornalista faça chegar a sua voz junto das autoridades iraquianas e as obrigue a recuar nos seus intentos condenatórios.

POEMA

NATAL


U
m Deus à nossa medida...
A fé sempre apetecida
de ver nascer um menino
divino
e habitual.
A transcendência à lareira
a receber da fogueira
calor sobrenatural.


Miguel Torga

Geografia e Salário Mínimo

Bem nos recordamos que em Novembro último, o salário mínimo nacional foi fixado em €uros 450,00 para o o ano de 2009, face aos actuais €uros 426,00.

Para além do distanciamento social que a maioria dos deputados da Assembleia da República (algo que já sabíamos) também ficamos a saber que não "pescam" nada de geografia.

Deixo-vos esta preciosidade.

POEMA

NOITE DE NATAL


(A um pequenito, vendedor de jornais)

Bairro elegante, - e que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
o pequenito adormeceu...

Morto de frio e de cansaço,
as mãos no seio, erguido o braço
sobre os jornais, que não vendeu...

A noite é fria. a geada cresta;
em cada lar, sinais de festa!
E o pobrezinho não tem lar...

Todas as portas já cerradas!
Ó almas puras, bem formadas,
vede as estrelas a chorar!

Morto de frio e de cansaço,
as mãos no seio, erguido o braço
sobre os jornais, que não vendeu,

em plena rua, que miséria!
Roto e faminto, à luz sidéria,
o pequenito adormeceu...

Em torno dele -ó dor sagrada!
Ao ver um círculo sem geada
na sua morna exalação,

pensei se o frio descaroável
do pequenino miserável
teria mágoa e compaixão...

Sonha talvez, pobre inocente!
Ao frio, à neve, ao luar mordente,
com o presépio de Belém...

Do céu azul, às horas mortas,
Nossa Senhora abriu-lhe as portas
e aos orfãozinhos sem ninguém...

E todo o céu se lhe apresenta
numa grande Árvore que ostenta
coisas dum vívido esplendor,

onde Jesus, o Deus Menino,
ao som dum cântico divino,
colhe as estrelas do Senhor...

E o pequenito extasiado,
naquele sonho iluminado
de tantas coisas imortais,

- no céu azul, pobre criança!
Pensa talvez, cheio de esp'rança,
vender melhor os seus jornais...


António Feijó

INVESTIGAÇÕES EM CURSO

Volta aos jornais o nome de Carlos Horta e Costa que foi presidente da anterior Administração dos CTT.
Infelizmente, as actuais notícias não dizem respeito à investigação em curso sobre alegadas irregularidades praticadas pela dita Administração, designadamente as peripécias em torno da venda de uma casa em Coimbra a que aqui fiz alusão há uns tempos atrás.
Estas investigações são sempre lentas, lentas, lentas... Por isso há por aí tantas, tantas, tantas investigações em curso...

Desta vez, o nome de Horta e Costa aparece ligado a mais um acto de gestão no mínimo duvidoso, levado a cabo, em tempos, pela Administração dos CTT por ele presidida.

A história é interessante e, à primeira vista, parece ser uma ramificação de outras histórias conhecidas.
Senão vejamos: contra um parecer interno e aceitando como bom o parecer de uma empresa a cujos serviços recorreu, a Administração dos CTT adjudicou a essa empresa um contrato de fornecimento e manutenção de uma série de viaturas.
Ora, ao que parece, a proposta escolhida envolvia mais dois milhões de euros do que a que foi preterida...
Acresce que a empresa em questão - que integra o Grupo BPN/SLN - é uma empresa da área da informática, nada tendo a ver com compra e manutenção de viaturas...
Acresce, ainda, que a dita empresa do BPN/SLN foi criada no dia a seguir àquele em que a Administração dos CTT - presidida por Horta e Costa - tomou a decisão de abrir o processo para a aquisição das viaturas.

Como se vê, estamos perante uma sucessão de curiosas coincidências... que, certamente, irão ser investigadas por quem de direito.
Quanto aos resultados dessa investigação, ou muito me engano ou nunca chegaremos a ter conhecimento deles.
Aguardemos.

Mas entretanto intensifiquemos a luta contra a política de direita, pois só derrotando-a e substituindo-a por uma política de esquerda, é que acabaremos com esta pouca vergonha.

POEMA

NATAL


Velho Menino-Deus que me vens ver
quando o ano passou e as dores passaram:
sim, pedi-te o brinquedo, e queria-o ter
mas quando as minhas dores o desejaram...

Agora, outras quimeras me tentaram
em reinos onde tu não tens poder...
Outras mãos mentirosas me acenaram
a chamar, a mostrar e a prometer...

Vem, apesar de tudo, se queres vir.
Vem com a neve nos ombros, a sorrir
a quem nunca doiraste a solidão...

Mas o brinquedo... quebra-o no caminho.
O que eu chorei por ele! Era de arminho
e batia-lhe dentro um coração.


Miguel Torga

A PRIMEIRA CONSEQUÊNCIA POSITIVA

Já estamos habituados: nos EUA é tudo em GRANDE, seja no aparato da cerimónia de posse dos seus presidentes, seja nos bombardeamentos a países não alinhados com os seus «interesses», seja... em tudo.

Assim, enquanto tropas norte-americanas - sempre zelando pela democracia, pela liberdade e pelos sacrossantos direitos humanos - ocupam meio mundo (e esta é apenas uma forma mitigada de dizer...), no país prepara-se com requinte tudo o que tem a ver com a tomada de posse do novo presidente, Barack Obama - que ocorrerá no próximo dia 20 de Janeiro.
O entusiasmo é grande e toda a gente quer assistir a tudo e, especialmente, ouvir ao vivo o discurso que o novo Presidente irá proferir.
Tamanha procura fez disparar em flecha os preços das estadias nos hotéis de Washington para os quatro dias das cerimónias: 110 mil dólares/noite/pessoa é quanto irão pagar os obamamaníacos de todo o planeta que ali se deslocarão - e para os quais, pelos vistos, não há crise...
Está-se mesmo a ver que Obama terá a ouvi-lo discursar uma assistência de elite... o que, diga-se, não abona em muito a sua tão prometida e louvada «mudança»...

No entanto, há quem aproveite a ocasião para outros fins: é o caso de Lorin Maazel - Maestro da Orquestra Filarmónica de Nova Iorque - que decidiu arrendar a sua residência (situada próximo de Washington e que pode acomodar 50 pessoas) a quem quiser assistir à cerimónia.
O preço, neste caso, é bastante mais baixo: 50 mil dólares/noite/pessoa - mesmo assim, só para elites...
Mas a maior diferença está em que os fundos obtidos com esta iniciativa do Maestro Maazel reverterão para a Fundação por ele criada com vistas a apoiar a formação de jovens músicos.
Sendo assim, que o Maestro esgote a lotação é que eu desejo.
E se assim for estaremos perante a primeira consequência positiva da eleição de Barack Obama...

POEMA

NATAL


Nasceu.
Foi numa cama de folhelho,
entre lençóis de estopa suja,
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroas de baionetas,
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.


Álvaro Feijó

PINTURA BORRADA?

Muntazer al-Zaidi - que era, até há uns dias atrás, um desconhecido jornalista iraquiano - celebrizou-se pelo facto de ter atirado os sapatos a Bush.
Estou em crer que a maioria da pessoas que tiveram conhecimento do caso aplaudiram o acto de al-Zaidi.

O jornalista está preso. Ao que se diz, teria sido brutalmente espancado. E parece certo que está proibido de receber visitas.
Enfim, tudo situações normais num país que ostenta a marca libertadora dos EUA...

Em vários países - Iraque incluído - há gente a exigir a libertação de al-Zaidi.
Advogados de todo o mundo oferecem-se para o defender.
Diversos órgãos de comunicação social oferecem-lhe emprego.
Enfim, uma vaga de solidariedade percorre o planeta.
E tudo isto parece indicar que o governo fantoche iraquiano vai ter que libertar o jovem jornalista.

É claro que al-Zaidi - que tudo indica estar incomunicável, insisto - não tem tido conhecimento de nada do que se passa cá fora. Por outro lado, é presumível que tenha estado a ser submetido a fortes «pressões» (digamos assim...) por parte dos seus carcereiros.
Só assim se encontra explicação para a carta (ontem divulgada) que teria enviado ao primeiro-ministro iraquiano e na qual pode ler-se:
«Lembro-me, no Verão de 2005, quando fui entrevistar Vossa Excelência, de me ter dito: "Entre, esta é a sua casa". Por isso apelo aos seus sentimentos para que me perdoe».

A ser verdadeiro, este pedido de perdão, é lamentável. Lastimável. Lastimoso. Triste.
E com ele, al-Zaidi borraria toda a pintura - aquela belíssima pintura que foi ter atirado os sapatos ao focinho do «cão» Bush.
Sublinho: a ser verdadeiro. Porque pode muito bem não o ser - e é isso que, sinceramente, desejo.
Num caso ou outro, voltarei a esta questão.
Logo que as coisas se esclareçam.

POEMA

SURDINA DE NATAL PARA OS MEUS NETOS


Ó David Ó Inês
vamos ver o menino
inda mais pequenino que vocês

Vamos vê-lo tapado
sob o céu do futuro
com a sombra de um muro
a seu lado

Vamos vê-lo nós três
novamente a nascer
vamos ver se vai ser
desta vez


David Mourão Ferreira

RUA, JÁ, SUA GRANDECÍSSIMA...

Ingrid Betancourt - lembram-se dela? - deslocou-se ao México a fim de agradecer à Virgem de Guadalupe a sua libertação.
E justificou a viagem: «Quando estava na selva foi a ela que dirigi as minhas preces» - e ela, a Virgem, ouviu as preces e salvou a Ingrid.

Quer isto dizer que a morada oficial da Virgem de Guadalupe é no México, e é aí que ela atende pessoalmente os seus devotos - como o comprova esta visita de agradecimento de Ingrid.
Quer isto dizer, ainda, que a Virgem, como boa Santa que se preza, também faz visitas ao domicílio - como o comprova o contacto tido com Ingrid quando esta estava lá longe, na selva.
Depois, entre a casa e o trabalho, a Virgem lá vai libertando algumas ingrides dos seus cativeiros - o que não só confirma o carácter elitista das virginais libertações, como explica a razão pela qual a Virgem não utiliza os seus supremos poderes para, por exemplo, libertar os colombianos todos do narco-fascista Uribe...

Bom, mas adiante: a Ingrid aproveitou a deslocação a casa da Virgem e pediu-lhe, presumo que de mãos postas, «para salvar os seus companheiros ainda presos».
Ao que consta, a Virgem ter-lhe-á respondido assim: pedidos teus, minha cabra, nem mais um, tens andado aí a correr mundo, a pavonear-te por todo o lado e só agora é que me vens agradecer?, és uma ingrata: e digo-te mais: já estou arrependida de te ter libertado, rua, já!, sua grandecíssima...!

Também ao que consta, a Ingrid saíu e foi organizar mais uma grandecíssima manifestação de dezassete pessoas, em apoio do democrata Uribe...

POEMA

O HERÓI


O herói da guerra
possui 365 medalhas,
uma para cada dia do ano
(só nos anos bissextos
tem um dia de folga).

O herói da guerra
tem um desencontro
marcado com ele mesmo
(sua vocação era ser homem
e fizeram dele um herói).

O herói da guerra
precisa esquecer
(num gesto heróico
fuma heroína).


Sidónio Muralha

FALAR É FÁCIL

Três afirmações de Manuel Alegre, proferidas ontem, no decorrer da apresentação de mais um livro seu - a confirmar que falar é fácil...

1 - «Se os independentes pudessem concorrer às legislativas, isso enriqueceria a nossa democracia (...) sou um independente, sempre fui um independente».
Infelizmente, Alegre não explicou como é que conseguiu conciliar esta sua qualidade de independente sempre (em palavras) com a sua eleição (de facto), durante mais de três décadas sucessivas, em listas do PS - e com o seu alinhamento total com o PS em todas as votações sobre questões essenciais na Assembleia da República.

2 - «Também ajudei a escrever a história do PS, mas um outro PS».
Infelizmente, Alegre não explicou de que «outro PS» estava a falar: no que me diz respeito, só conheço este PS - este PS, vanguarda da contra-revolução; este PS, lacaio do grande capital; este PS, iniciador da política de direita e seu executante ou apoiante desde 1976; este PS, enfim, de que Manuel Alegre é dirigente e deputado há trinta e tal anos - e do qual, sem dúvida, ajudou «a escrever a história». Ó se ajudou!...

3 - «Tenho muito gosto em aparecer ao lado do secretário-geral (Sócrates)».
Aí está, finalmente, uma GRANDE verdade.

POEMA

SONETO DA METAMORFOSE


Mãos, simples mãos, moldaram os meus versos
e pés humanos pisam o que escrevo.
Aos outros que conquistem universos
e a mim que pague ao povo o que lhe devo.

Mesmo que os dias sejam adversos,
é um trevo a missão a que me atrevo,
dia e noite seus gestos são diversos
- detesta o escuro, de dia abre-se o trevo.

Abre-se como o pranto, como as fontes
que irrompem das montanhas e dos montes,
descem aos vales, vão até às casas...

Um soneto estremece a manhã cálida
e o povo, num silêncio de crisálida,
forja, no sofrimento, as suas asas.


Sidónio Muralha

DEMOCRACIA MADE IN EUA...

Informa uma ONG que, na Colômbia, são assassinadas, em média, 7 pessoas por dia.
Isto, desde que Uribe - o narco-fascista e amigo de peito dos EUA - chegou ao poder, em 2002.
Feitas as contas, é fácil concluir que, durante o reinado de Uribe, foram assassinados 14 mil colombianos.
A maior parte dos mortos são sindicalistas e activistas dos direitos humanos. Diz a referida ONG que, nos últimos vinte anos, foram assassinados 2700 militantes sindicais e que, só nos primeiros oito meses deste ano, mais 40 foram raptados e mortos.
Desde o início do ano, assinalam-se também 932 casos de presos submetidos à tortura - tendo morrido 731 em consequência disso.
Os assassinos são o exército e os grupos paramilitares de extrema-direita criados por Uribe - os tais grupos de que o governo colombiano anunciou a desmoblização...

A este drama, junta-se o dos 4,5 milhões de deslocados.
Nesta caso, o esquema utilizado é simples e de grande eficácia: os paramilitares fascistas ao serviço de Uribe obrigam os camponeses a abandonar as suas terras, assassinam os seus líderes e, depois, apropriam-se das terras abandonadas.
Calcula-se que os hectares de terra assim roubados andem entre cinco a seis milhões - só para termos uma ideia: quase o dobro da superfície do Alentejo...

Entretanto, Uribe - que vai enviar soldados colombianos para o Afeganistão... - continua a ser apresentado como um governante exemplar em matéria de respeito pela democracia, a liberdade e os direitos humanos - enquanto os que lutam contra o tirano, pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos são apresentados como terroristas.
Enfim, coisas da modelar democracia made in EUA...

POEMA

EDITAL


Já estão a funcionar os moinhos da morte,
prontos,
oleados,
com motores novos e peças de reserva.

A instrução militar é muito vagarosa
e é urgente inventar um novo método.
Ainda não há soldados bastantes este verão;
é preciso incorporar mais cedo.

Não é possível perder tempo, ouviram!
Os moinhos da morte estão prestes a iniciar a sua tarefa,
os depósitos de bombas estão repletos,
as rampas de lançamento distribuídas pelos pontos estratégicos.
Tudo está a postos para o próximo dia M.

Os soldados, porém, são ainda insuficientes.

É necessário acabar com os cursos de Botânica,
de Arqueologia, de Belas Artes e Direito Civil.

É preciso queimar os escritos de Malthus,
destruir o método de Ogino-Knaus,
fuzilar um ou outro poeta recalcitrante.

Não ouvem as velas dos moinhos cortando a atmosfera
nos últimos, definitivos, ensaios?
É necessário inventar uma gigantesca correia-sem-fim
que produza diariamente milhares de soldados,
que taylorize o exército e bata os recordes de produção.

Sábios, estudantes, estadistas, pais de família,
homens e mulheres de boa vontade,
onde quer que habitem,
seja qual for o vosso trabalho,
parem de perder tempo, de tomar chá,
de jogar o xadrez, a canasta, a bisca lambida,
parem de ter ócios, ler jornais, fazer ginástica:
atendam este apelo desesperado
dediquem-se à solução deste problema.

As Escolas de Guerra vão diminuir de dois anos o seu curso.
Os moinhos estão prontos.

Não querelem,
não discutam a Arte pela Arte,
não frequentem exposições:
transmitam-nos ideias - nada é desaproveitável.
A mais humilde sugestão,
a mais aparentemente inútil,
pode ser a faísca reveladora do Grande Acontecimento.

Na doença ou na saúde,
na febre delirante, no banho quente,
na praia, no consultório médico,
nas salas de espera, na paragem dos eléctricos,
trabalhem sem descanso,
tentem,
contribuam.

Não leiam livros, não ouçam música,
não pintem - É UMA ORDEM.
trabalhem sem hesitação;
o problema é urgente.


Egito Gonçalves

AS RUAS E AS CIDADES

Como é sabido, os EUA e o Iraque assinaram um «pacto de defesa», segundo o qual as forças norte-americanas de ocupação se retirariam do país até 2011.
No entanto, há dias, um porta-voz do Governo iraquiano declarou que não era assim, que «as forças norte-americanas não se retirariam completamente do país» nessa data - porque «as forças de segurança do Iraque precisam de dez anos para substituir totalmente os militares norte-americanos». Ora, 2008 mais 10, faz 2018...
A declaração deste porta-voz foi, de imediato, desmentida num comunicado emitido pelo primeiro-ministro iraquiano.
Aparentemente, tudo ficou esclarecido.

Digo «aparentemente» porque, no dia seguinte, o general Ray Odierno - responsável máximo pelas tropas de ocupação - discursando numa cerimónia realizada em Bagdade, na qual estava presente o secretário da Defesa, Gates, revelou que «algumas tropas dos EUA vão permanecer nas cidades iraquianas depois de 2011».
E se ele o disse...

Atenção: o facto de as tropas permanecerem nas cidades parece ser crucial para o bom esclarecimento da questão, pois - como explicou o general Odierno - o que o «pacto de segurança» prevê é... «a retirada das tropas das ruas»...
Ou seja: em 2011 as tropas norte-americanas abandonarão as ruas das cidades iraquianas e ocuparão apenas as cidades...
O que é muito diferente, não acham?...

POEMA

LIBERDADE


Disseram-nos a tiros: cruz, mais nada.
Na cruz estamos. Apenas. Censurados.
Uma nova prisão. Ponto na boca.

Se manténs a conduta conveniente,
poderás dizer palavras permitidas:
Inverno, luz, hispanidade, chapéu.
(Se a língua te entristece de vergonha
arranja um cartaz que diga «MUDO»,
estende a mão e juntas alguns cobres)

Se calças os sapatos pela norma
podes também andar no outro passeio
à procura do sol ou de um tecto que abrigue.

Pagando os teus impostos pontualmente
podes ir à oficina ou ao escritório,
para queimar as pestanas ou as unhas,
partir o peito ou alcançar a glória.

Também terás honestas diversões.
O passar de um enterro, um filme
dos que são devidamente autorizados,
futebol do melhor, um copo de cerveja,
instrutivos programas pela rádio
e missa à tarde todos os domingos.

Mas não penses «liberdade», não pronuncies,
não escrevas «liberdade», não consintas
que ao branco dos olhos ela surja,
ou que o odor se exale pelas roupas
ou apareça no risco do cabelo.

E sobretudo, amigo, ao deitar-te,
não escondas «liberdade» na almofada
para tentar sonhar com melhores dias.
Não aconteça seres sonâmbulo e uma noite,
com ela atravessada no teu corpo,
gritares o seu anúncio pelas ruas
descerrando as portas e as janelas,
matando os guardas-nocturnos e os gatos,
quebrando os lampiões, os chafarizes
e o sono dos justos - porque então
ponto final, irmão, e Deus te ajude.


Maria Figuera Aymerich

COMO ERA PREVISÍVEL

Como era previsível - e aqui deixámos, na devida altura, a respectiva previsão - os média dominantes fizeram do Fórum Alegre-BE-e-outros ex-comunistas a grande notícia do fim-de-semana.
Mais do que isso: nos dias que antecederam o dito Fórum, ele foi amplamente divulgado em sucessivas «notícias» nos principais órgãos da imprensa escrita - e no dia seguinte à sua realização, a operação propagandística foi coroada com chamadas de primeira página e abundante palavreado nos páginas interiores.
Curiosamente, o DN - que, como é sabido, funciona como uma espécie de órgão oficioso do Governo e da sua política - foi o jornal que mais espaço e mais carinhos dedicou ao Fórum...
Contradição? Nada disso: o DN sabia que, divulgando com estrondo um acontecimento irrelevante em matéria de combate à política de direita do Governo, estava a prestar um relevante serviço ao Governo e à sua política de direita - serviço esse complementado com a ampla difusão da imagem de uma pretensa «divisão da esquerda»...

Como era previsível - e também aqui deixámos, na devida altura, a respectiva previsão - diferente foi o tratamento dado por esses média à reunião do Comité Central do PCP, realizada no mesmo dia do Fórum - reunião que, como aqui se fez referência, até chegou a ser apresentada pelo DN como uma resposta do PCP ao Fórum...
No caso da reunião do CC, não apenas não houve propaganda prévia como a conferência de imprensa realizada após a reunião quase passou despercebida - e se dela falaram foi, não tanto para relatar a informação fornecida por Jerónimo de Sousa sobre as conclusões da reunião, mas para relatar as respostas dadas pelo secretário-geral do PCP a perguntas que lhe foram feitas pelos jornalistas sobre... o Fórum...

Tudo isto tem fácil explicação:
Na reunião do CC do PCP, foram temas em debate o combate à política de direita e a criação de condições para intensificar a luta por uma ruptura de esquerda - e isso é coisa para silenciar, porque muito desagrada ao grande capital proprietário dos média dominantes.
No Fórum, conversou-se... - e isso é coisa para divulgar com o foguetório da praxe, porque muito agrada ao grande capital proprietário dos média dominantes.

POEMA

POSIÇÃO DE GUERRA


Crescem em mim milhões de punhos
cerrados,
bandeiras desfraldadas,
horizontes.
Soam em mim milhões de brados
resolutos,
protestos brutos,
queixumes.
Abrem-se em mim milhões de chagas,
como crateras de fogo.
Rompem de mim vendavais.
Sou eu que me interrogo,
a tudo atento,
sobranceiro ao gozo ou ao sofrimento,
com pensamentos verticais.


Armindo Rodrigues

VOLTANDO À MUDANÇA...

«O Presidente Obama e a sua equipa de segurança nacional, eu incluído, estará pronto a defender os interesses dos Estados Unidos e dos nossos amigos desde o momento em que tomar posse, a 20 de Janeiro. Alguém que pense que os próximos meses representam uma oportunidade para testar a nova administração estará amargamente enganado» - proclamou Robert Gates, actual e futuro secretário da Defesa dos EUA.
Não se pode ser mais claro, quer em relação ao que vai (continuar a) ser, com Obama, a política externa dos EUA, quer no que diz respeito ao conteúdo da «mudança» prometida: o Presidente Obama prosseguirá a acção desenvolvida pelos seus antecessores visando o domínio do mundo pelo imperialismo norte-americano - e a «mudança» ficar-se-á, essencialmente, pela epiderme...

O facto de Robert Gates manter, com Obama, o cargo que tem vindo a ocupar com Bush, é por demais significativo.
Mais ainda se se tiver em conta o currículo dessa personagem que, com 65 anos de idade, foi homem de confiança de oito presidentes dos EUA, republicanos, uns, democratas, outros - mas todos devotados à sagrada missão de impor o império à escala planetária.

Homem de confiança de Nixon, a seguir de Ford, Carter, Reagan, Bush-pai (que o nomeou Director da CIA) Clinton e Bush-filho: eis Robert Gates, a figura que melhor personifica o conteúdo da «mudança» prometida por Barack Obama.

POEMA

CENTRO COMERCIAL


Agora a morte é diferente,
facilitaram-nos o desespero, a angústia
tem já ar condicionado. Em vez
dos bancos de jardim, por certo demasiado
rudes, temos enfim lugares amplos
onde apodrecer a miséria simples do corpo.

Que incalculável felicidade a de percorrer
galerias de nada tresandando a limpeza
e segurança. Aí se abandonam jovens
rebanhos sentados sorrindo ao
vazio palpável, ou ferozmente no meio
dele. Revezam-se - mas quase diríamos
que são os mesmos ainda, exaustos
de contentamento. Dêmos pois as boas vindas a
esses heróis do betão consagrado. Só eles nos fazem
acreditar no advento do romantismo cibernético.

É doce a merda que nos sepulta
e o cancro que um dia destes nos matará
há-de ser muito limpo, quase ecológico.


Manuel de Freitas

A MÁQUINA EM MOVIMENTO

De há umas duas ou três semanas a esta parte, temos vindo a assistir a uma forte e organizada ofensiva contra os professores, os seus sindicatos, a sua luta.
Quer isto dizer que a grandiosidade da luta dos professores e educadores - traduzida nas maiores e mais fortes greves e manifestações de sempre no sector - amedrontou o Governo.
Daí as medidas por este tomadas, pondo em movimento a sua poderosa e multifacetada máquina de propaganda.

A ofensiva desenvolve-se em dois caminhos essenciais:
- a justificação da arrogância do Governo na base da sua «legitimidade democrática»;
- a culpabilização dos professores e dos seus sindicatos pela «intransigência» e o «sectarismo» de que dariam mostras.
Assim, propagandeiam eles, as pessoas «estão fartas» da luta dos professores...

A operação iniciou-se com a célebre reunião de uma centena de professores membros do partido do Governo: uma espécie de retiro do qual os cem cruzados partiram à conquista dos infiéis...
Entretanto, a lição dada aos cem professores, foi igualmente transmitida aos propagandistas de serviço nos média dominantes e logo uma série de comentadores passaram ao ataque - todos escrevendo e dizendo exactamente o mesmo, qual turba canora em coro síncrono.

Veio a terreiro o inevitável dr. Mário Soares: decretou que «sindicatos assim, não!»; louvou a «coragem invulgar da ministra» - e aproveitou para manifestar as «preocupações» com o «desemprego» e etc, mas garantiu que a culpa é da crise internacional, porque «Sócrates tem feito tudo o que pode» e «eu sou solidário com ele»...
Depois foi a vez da previsível Fernanda Câncio - coitada! - que fez do coração tripas em dois textos deprimentes.
Ontem foi João Marcelino - reaccionário até à medula - a sentenciar que «começa a ser evidente para a opinião pública que há uma parte significativa dos professores que não quer qualquer avaliação» - esta «opinião pública» é a que ele e os seus pares tentam criar através da sua opinião publicada todos os dias...
Ontem, também, o conhecido caceteiro Emídio Rangel ameaçou que «daqui a dias, vão ver, são os alunos que já não querem ser avaliados, tal como os professores». E em tom de quem exige... castigos, perguntava: «Afinal quem está a fomentar a indisciplina nas escolas?» - Cuidado! o Rangel morde!

Como se vê, a máquina de propaganda da política de direita está afinada e a funcionar.

Mas ao que parece - e esta é a questão essencial - os professores estão firmemente determinados a continuar a luta pela defesa dos seus interesses e direitos.
E se assim for, vencerão.

POEMA

A VIAGEM


A viagem fazemo-la num qualquer modesto cargueiro.
Existe ainda um porto onde não tivéssemos tocado?
Existe alguma espécie de tristeza que ainda não tivéssemos cantado?
O horizonte que a cada manhã tínhamos pela frente
não era igual ao que à noite deixávamos para trás?
Quantas estrelas desfilaram à nossa frente
roçando as águas?
Não era cada aurora o reflexo
da nossa grande nostalgia?

Mas é em frente que vamos, não é verdade?.
é em frente que vamos.


Nazim Hikmet

O BOSS E O LACAIO

O secretário da Defesa, Gates anunciou que, em 2009, os EUA enviarão mais 7 mil soldados para o Afeganistão.
A decisão anunciada tem, certamente, o acordo do novo Presidente, Barack Obama, apesar de este não ter ainda tomado posse.
Na verdade, já no decorrer da campanha eleitoral, Obama dissera o que pensava sobre estas duas guerras de ocupação conduzidas pelos EUA: na sua opinião, havia soldados a mais no Iraque e a menos no Afeganistão - isto para que os superiores interesses dos EUA no mundo sejam devidamente assegurados...
Tudo certo, portanto, tudo nos conformes, ou seja: tudo de acordo com a prática normal dos governos dos EUA ao longo da história - de todos os governos dos EUA.

Não surpreende, assim, que o secretário da Defesa português, João Mira Gomes, tenha vindo anunciar que, em 2009, «Portugal vai reforçar o seu contingente no Afeganistão» - passando dos 74 militares actuais para 110.
Isto é: se o Governo dos EUA decidiu nesse sentido, ao Governo de Portugal só resta seguir-lhe o exemplo.
Ou, dito de outra forma: se o boss ordenou, ao lacaio só resta obedecer.
É assim - violando a Constituição da República Portuguesa - que agem os governos «democraticamente eleitos»...

POEMA

O DILÚVIO


Suicidou-se o João!
Não se rale, senhora,
às vezes acontece.
Assaltaram o meu banco!
Não se rale, senhora,
às vezes acontece.
Uma bomba na rua!
Não se rale, senhora,
As vezes acontece.
O meu filho é um estróina!
Não se rale, senhora,
às vezes acontece.
O mundo está doido!
Não se rale, senhora,
às vezes acontece.

Acontece isso e mais,
e mais e ainda mais.
E ainda aconteceu pouco.
Não se pode ser sempre igual
desde o berço até morrer.
E cansamo-nos, senhora,
de comer sempre do mesmo.
E de comprar o jornal
e de dormir na mesma cama.
E sentimo-nos humilhados
quando, ao fazer a barba,
nos contam histórias de fadas.
E então acaba tudo
com isso que me conta agora:
suicídios, assaltos, bombas,
loucuras e...
e mais, senhora, e mais.
Mas você disso nada sabe.
Não é nova e tem muita massa.


Ovidi Montllor
(In Antologia da Novíssima Poesia Catalã)

E MAIS NOTÍCIAS CHEGARÃO...

Um grupo de empresários enviou a Maria José Morgado um conjunto de informações sobre os negócios de Dias Loureiro.
Trata-se de informações relacionadas com o célebre «negócio de Marrocos» e as coisas ter-se-iam passado mais ou menos assim:
Dias Loureiro, à altura ministro de Cavaco Silva, arranjou um excelente negócio em Marrocos - negócio que José Roquete concretizou, a troco da respectiva comissão ao angariador...
A dada altura, o angariador e o concretizador do negócio zangaram-se, por divergências sobre a altura em que a comissão deveria ser paga: se antes se depois da concretização do negócio - Loureiro achava que devia ser antes, Roquete defendia que fosse depois...

Em todo o caso a comissão foi paga e era substancial: Roquete pagou, oferecendo a Loureiro uma sua empresa - Plêiade - e mais uns trocos, no valor de 250 milhões de euros.

Depois, Loureiro vendeu a Plêiade à Sociedade Lusa de Negócios, o que lhe permitiu indicar três administradores da sua confiança para o Grupo SLN/BPN.
Só que - dizem os empresários acima citados - parte desse dinheiro acabou por ser transferido, às ocultas, para a União de Bancos Suiços - que é um banco parceiro do BPN em operações de branqueamento de dinheiros...

Ao que parece, os referidos empresários pedem, também, que se faça um inquérito à forma como Dias Loureiro obteve a fortuna de que hoje dispõe...
Se tudo isto for por diante... estou em crer que as coisas estão mal paradas para o ex-ministro de Cavaco Silva e actual Conselheiro de Estado Manuel Dias Loureiro.

Entretanto, aguardemos: certamente, mais notícias chegarão...

POEMA

LEGADO


O que eu espero, não vem.
Mas ficas tu, leitor, encarregado
de receber o sonho.
Abre-lhe os braços, como se chegasse
o teu pai, do Brasil,
a tua mãe, do céu,
o teu melhor amigo, da cadeia,
abre-lhe os braços como se quisesses
abarcar toda a luz que te rodeia.

Não lhe perguntes porque tardou tanto
e não chegou a tempo de me ver.
Uns têm a sina de sonhar a vida,
outros de a colher.


Miguel Torga

É POR ISSO...

O Comité Central (CC) do PCP marcou uma reunião para o próximo domingo, dia 14.
Normal: o CC foi eleito no recente Congresso do Partido, efectuou a sua primeira reunião logo após essa eleição - uma reunião que teve como objectivo exclusivo a eleição dos seus organismos executivos - e nada mais natural do que... começar a cumprir as orientações definidas pelo Congresso - já que, como é sabido, o CC é, estatutariamente, o «organismo que dirige a actividade do Partido nos intervalos dos Congressos, assumindo a responsabilidade de traçar, de acordo com as orientações e resoluções dos Congressos, a orientação superior do trabalho político, ideológico e de organização do Partido».
Esta reunião do CC era, por isso, inevitável e esperada.

Não foi assim, no entanto, que o DN - pela pena de João Pedro Henriques - viu as coisas.
Para o jornalista em questão, a reunião do CC do PCP constitui, nada mais nada menos do que «um acto de marcação cerrada» ao Fórum que o BE, Manuel Alegre e mais uns quantos ex-comunistas vão realizar na mesma data.
Ou seja: para o jornalista, a reunião do CC do PCP surge como resposta àquele Fórum, assim como quem diz: vocês vão fazer um Fórum?, então tomem lá uma reunião do CC do PCP...

Trata-se, no mínimo, de um grave erro de avaliação por parte do jornalista - erro revelador de uma visão da actividade do PCP que, se não soubéssemos que se insere na sistemática postura anti-PCP dos média dominantes, diríamos tratar-se de cegueira total...

É que, como a realidade mostra todos os dias, o PCP tem mais em que pensar do que nessas iniciativas, nesses forunzinhos que, em última análise, servem mais e melhor a política de direita do que a luta por uma alternativa a essa política.
É que, como a realidade mostra todos os dias, a preocupação essencial dos comunistas, é combater e derrotar a política de direita - que serve os interesses exclusivos do grande capital - e lutar pela implementação de uma política ao serviço dos interesses da imensa maioria dos portugueses.

É por isso que a comunicação social dominante - propriedade do grande capital - faz do PCP o seu alvo de ataque prioritário.
É por isso que essa mesma comunicação social dominante - propriedade do grande capital - trata com carinhos, enlevos e desvelos maternais os organizadores desses fóruns.

E é por isso que esse Forum ocupará muito mais espaço e muito mais tempo dos média dominantes - propriedade do grande capital - do que a reunião do Comité Central do PCP.
Como veremos no próximo dia 14 e seguintes...

POEMA

O SONHO


Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao é o dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.


Sebastião da Gama

MENSAGEM A AQUILINO

Na Biblioteca Nacional realizou-se o lançamento, pelas Edições Avante, de uma edição especial do romance de Aquilino Ribeiro, Quando os Lobos Uivam.
Trata-se de uma edição comemorativa do 50º aniversário da primeira edição desta obra fundamental de Mestre Aquilino Ribeiro, com desenhos de João Abel Manta e um prefácio de Álvaro Cunhal.
Na sessão intervieram Francisco Melo, Manuel Gusmão, Manuel Augusto Araújo, Aquilino Ribeiro Machado e Jerónimo de Sousa.
No decorrer da sua intervenção, o secretário-geral do PCP, leu uma mensagem enviada ao Escritor pelos comunistas presos em Peniche, no ano em que se comemoravam os 50 anos de vida literária de Mestre Aquilino.

É essa mensagem que aqui vos deixo.

«Senhor Aquilino Ribeiro
Neste ano de 1963, em que perfaz meio século de labor literário, queira escutar mais esta voz que se vem juntar ao coro amigo que o saúda - voz que chega do fundo duma prisão, falando pela boca de mais de uma centena de portugueses encarcerados, há longos anos, pelo único crime de muito amarem a Liberdade do seu Povo, o Progresso da sua Pátria, a Paz no Mundo.
Outros dirão dos méritos do escritor, da pujança do seu estilo, da verdade das personagens que criou, da seiva espessa que lhe sobe das raízes mergulhadas no povo e na terra, e vai florescer em fecunda alegria de viver nas páginas dos seus livros.
Outros dirão ainda do acordo exemplar entre o homem e o artista, e da íntima comunhão da sua vida com as vicissitudes da vida nacional nos últimos 50 anos.
Outros dirão - e nós estaremos também entre os que celebram a glória do escritor, sem dúvida uma das figuras cimeiras da nossa história literária.
Mas outra é a especial saudação que o nosso coração e o nosso pensamento nos ditam e aqui lhe trazemos.
Queremos saudar o cidadão corajoso e íntegro, que não se vendeu nem dobrou aos poderosos e aos tiranos, que denunciou com desassombro a torpe mentira dos tribunais políticos e a ferocidade da repressão policial, que exaltou a revolta popular, e que soube fazer frente, com o cajado firma da sua pena de escritor, aos lobos fascistas que assolam os povoados da nossa terra.
Queremos saudar o intelectual generoso e lúcido, que tantas vezes soube erguer alto a sua voz em defesa da paz, contra o furor dos fautores da guerra.
Queremos saudar o homem viril e fraterno, pela sua inabalável confiança nas forças populares e no destino dos homens, nas suas conquistas científicas e no seu progresso moral, a confiança que o leva, em meio da noite fascista e ao cabo de setenta anos de uma vida tantas vezes dura, a saber ainda olhar em frente, olhar para o sol, e apontar aos companheiros a visão estimulante do futuro radioso da humanidade.
Senhor Aquilino Ribeiro: Longa vida lhe desejamos!
Para que possa prosseguir por muitos anos ainda no seu belo trabalho criador.
Para que a sua figura altiva de lutador se possa manter presente na frente de combate pela Democracia, a Justiça e a Paz.
E para que, sobretudo, em breve possa ver o sol esplendoroso da Liberdade brilhar de novo e para sempre sobre o nosso querido Portugal.

Os presos políticos do Forte de Peniche»