POEMA

DEIXO AO MIGUEL AS COISAS DA MANHÃ


Deixo ao Miguel as coisas da manhã -
a luz (se não estiver já corrompida)
a caminho do sul,
o chão limpo das dunas desertas,
um verso onde os seixos são
de porcelana,
o ardor quase animal
de uma romã aberta.


Eugénio de Andrade
(«O Peso da Sombra» - 1982)

A LUTA É O CAMINHO

Os jornais de hoje dão grande destaque ao «acordo alcançado para resolver a crise nas Honduras».
Registe-se que nunca a situação nas Honduras mereceu tamanho destaque nos média nacionais - os quais, como é sabido, primaram por um cirúrgico silenciamento em torno quer do golpe fascista, quer da repressão que se lhe seguiu.
Daí a minha surpresa com o destaque agora dado por esses mesmos média a este «acordo» - surpresa e, confesso, desconfiança.

Quais as razões da minha desconfiança com tudo isto?
Vejamos:
O referido «acordo»- que foi discutido e assinado por duas comissões compostas por representantes do Presidente legítimo, Manuel Zelaya, e do golpista Micheletti - prevê, designadamente, a formação de um «governo de reconciliação» - que governo será este? - e o «possível regresso» de Manuel Zelaya - «possível»?...

Acresce que este «possível regresso» está dependente da decisão do Congresso Nacional das Honduras, que deveria reunir de emergência mas cujo Presidente não está, de momento, em Tegucigalpa, nem se sabe bem onde estará...

Acresce, ainda, que o Congresso, «pode demorar vários dias ou várias semanas a reunir» - é este mesmo Congresso que, duas horas depois do golpe fascista, estava reunido a dar posse ao governo gopista...

Acresce, finalmente, que, segundo o representante de Micheletti na «comissão do acordo», «o acordo não estabelece um prazo para que o Congreso se pronuncie sobre o regresso de Manuel Zelaya»...

Se tivermos em conta, ainda, que
1 - o «acordo» foi anunciado horas depois de o delegado norte-americano para a América Latina, Thomas Shannon, ter estado com o fascista Micheletti e ter declarado publicamente que «sem um acordo dificilmente a comunidade internacional poderá apoiar as eleições que Micheletti marcou para 29 de Novembro», e que
2 - para Micheletti e para os seus planos, este apoio da comunidade internacional às suas eleições é crucial...

Bom, se tivermos em conta tudo isto, é caso para dizer que tudo isto faz desconfiar... - e que o povo das Honduras não pode parar a sua luta, pois só através dela conseguirá derrubar o governo fascista e repor a legalidade democrática.

E na luta, isso sim, há que confiar plenamente - porque a luta é o caminho.

POEMA

OS NOMES


Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os
trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te
afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava,
branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba.
Só ela sabia como se arranjava para o conseguir,
meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito.
Assim te queria. Eu, às vezes.


Eugénio de Andrade
(«Memória Doutro Rio» - 1976-1977)

SE EU PUDESSE DECIDIR...

Os salários estão na ordem do dia.
Entenda-se: os salários de quem trabalha e vive do seu trabalho, ou seja, dos trabalhadores.
Porque outros salários há, os chorudos, sobre os quais ninguém fala - o que é compreensível se tivermos em conta que os «especialistas» que todos os dias nos vêm dizer que os salários dos trabalhadores não podem aumentar são, ou beneficiários dos tais salários chorudos, ou beneficiários directos dos baixos salários dos trabalhadores, à custa dos quais arrecadam lucros todos os anos maiores, seja qual for a situação da economia nacional...

Neste caso está o muito mediático Van Zeller - grande patrão e porta-voz dos grandes patrões - cujas preocupações maiores incidem no salário mínimo nacional, o qual, segundo diz, não pode aumentar os 25 euros acordados - por razões muitas e muito fundamentadas, às quais acrescentou, agora, um outro demolidor argumento: o de que os 25 euros de aumento não aquentam nem arrefentam nas condições de vida dos trabalhadores...
Tal argumento leva-me a pensar que é bem provável que na cabeça deste Van Zeller esteja a germinar a ideia de baixar em 25 euros o dito salário mínimo: se mais 25 euros não aquentam nem arrefentam, menos 25 também não...
Por mim, se pudesse decidir nesta matéria, punha o patrão Van Zeller a salário mínimo nacional durante um ano - assegurando-lhe, ainda, três meses de salário em atraso.

Do lado dos salários chorudos, temos nem mais nem menos do que o funcionário do Estado mais bem pago em Portugal: o inimitável Vitor Constâncio que, sabe-se bem porquê, continua à frente do Banco de Portugal, não obstante as múltiplas demonstrações de ausência total de vocação para tal tarefa.
Diz o Governador do BP que isto assim não pode ser!; onde é que já se viu um país desenvolver-se com tão elevados salários como são os dos trabalhadores portugueses!; contenção, contenção salarial é que é preciso...
Por mim, se pudesse decidir nesta matéria, punha o Governador Constâncio a salário mínimo nacional durante um ano - assegurando-lhe, ainda, três meses de salário em atraso.

Temos, ainda, um tal «Camilo Lourenço, economista» - cujo nível salarial desconheço mas que, pelos sinais exteriores do discurso, não é difícil adivinhar que é dos chorudos.
Diz ele, o «economista»: «Não é preciso ser doutorado em economia para perceber que em 2010 os aumentos devem ser nulos. Se o custo de vida não sobe, não faz sentido nenhum aumentar os salários».
Pois não, «não é preciso ser doutorado em economia»: basta ser «Camilo Lourenço, economista».
Por mim, se pudesse decidir nesta matéria, punha o economista Lourenço a salário mínimo nacional durante um ano - assegurando-lhe, ainda, três meses de salário em atraso.

Passado esse ano, convidaria o patrão, o governador e o economista para uma mesa redonda sobre salários - e ficaria a ouvi-los...

POEMA

SOBRE O CAMINHO



Nada

nem o branco fogo do trigo
nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros
te dirão a palavra

Não interrogues não perguntes
entre a razão e a turbulência da neve
não há diferença

Não colecciones dejectos o teu destino és tu

Despe-te
não há outro caminho


Eugénio de Andrade («Véspera da Água» - 1972-1973)

CONTRA O BLOQUEIO

Uma resolução no sentido de «pôr fim ao bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América a Cuba» foi ontem aprovada na Assembleia Geral da ONU.
Do conjunto dos 192 países, 187 aprovaram a resolução - a maior votação favorável de sempre desde há 18 anos - enquanto dois se abstiveram (Ilhas Marshal e Federação de Estados da Micronésia) e três votaram contra: EUA, Israel e Palau.
A votação é bem elucidativa da dimensão planetária do apoio a Cuba - e do isolamento dos EUA nesta matéria.

É claro que, mais uma vez, os EUA não irão cumprir a resolução: Obama fará agora o que Bush, Clinton, o outro Bush... fizeram nos seus reinados.
Aliás, é prática normal dos EUA - bem reveladora do conceito de democracia ali reinante - só cumprir as resoluções da ONU com as quais concorda - e mesmo essas, regra geral, cumprindo-as à sua maneira...

Vale a pena relembrar que este bloqueio criminoso dura há quase 50 anos - tendo tido início logo que o povo cubano fez a sua inequívoca opção socialista.
Vale a pena relembrar, também, que em 1962, na sequência da chamada «crise dos mísseis», a URSS comprometeu-se a retirar os mísseis que havia instalado em Cuba e, em contrapartida os EUA comprometeram-se, entre outras coisas, a pôr fim ao bloqueio.
A URSS cumpriu com a palavra dada.
Os EUA... mantiveram o bloqueio até hoje.

Quer isto dizer que a luta contra o bloqueio vai continuar - fortalecida com a expressiva votação ontem verificada na ONU.

POEMA

ARTE DE NAVEGAR


Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.


Eugénio de Andrade
(«Obscuro Domínio» - 1970-1971)

PESSOA E SARAMAGO EM TRAVNIK

O Record enviou um jornalista e um fotógrafo à Bósnia - país cuja selecção nacional de futebol defrontará a selecção portuguesa no playoff de acesso ao Mundial 2010 - certamente com o intuito de ir preparando os seus leitores para o grande jogo.
A reportagem ontem publicada mostra-nos que jornalista e fotógrafo resolveram - e ainda bem - visitar a cidade de Travnik, que é, no país, «uma das mais conceituadas a nível cultural».
A Casa-Museu Ivo Andric (Prémio Nobel da Literatura em 1961 e de quem está publicado, em Portugal, um excelente romance: A Ponte sobre o Drina) foi um dos locais visitados.
Ali chegados, os dois portugueses foram recebidos pelo responsável da Casa-Museu, um jovem de nome Enes Skrgo, que cheio de simpatia começou por dizer-lhes: «Amigos, sou um dos maiores admiradores de um compatriota vosso...»
O jornalista («imbuído do espírito da bola"») arriscou: «Cristiano Ronaldo?, Eusébio? Figo?»...
Não: «Fernando Pessoa, esse é que é o maior de sempre», respondeu Enes Skrgo, mostrando-lhes vários livros de Pessoa editados na Bósnia, e acrescentando: «É um dos maiores mestres de sempre e aqui em Travnik tentamos fazer com que a sua memória não se perca. Fizemos na década de 90 uma apresentação de obras dele em teatro e correu muito bem. Ganhou ainda mais admiradores».
E também José Saramago: «Ler O Ano da Morte de Ricardo Reis foi uma experiência única. Bem sei que Saramago é controverso, mas é um génio vivo».
Nas despedidas, o jovem Enes deixou um recado: «Gostaríamos de ter um maior acesso à cultura, pintura, cinema do vosso país, mas às vezes é complicado».

E em remate final: «Vocês têm bem mais do que apenas bons futebolistas».

E é que temos mesmo.

POEMA

REQUIEM PARA PIER PAOLO PASOLINI


Eu pouco sei de ti mas este crime
torna a morte ainda mais insuportável.
Era Novembro, devia fazer frio, mas tu
já nem o ar sentias, o próprio sexo
que sempre fora fonte agora apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu, na terra
é pouca coisa; uma navalha, o rumor
de abril podem matá-lo - amanhece,
os primeiros autocarros já passaram,
as fábricas abrem os portões, os jornais
anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira
página, o sangue apodrece ou brilhará
ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.
O assassino esse seguirá dia após dia
a insultar o amargo coração da vida,
no tribunal insinuará que respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra agressão,
como se alguém ignorasse, excepto claro
os meritíssimos juízes, que as putas desta espécie
confundem moral com o próprio cu.
O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores
como móbil de um crime que os fascistas,
e não só os de Saló, não se importariam de assinar.
Seja qual for a razão, e muitas há
que o Capital, a Igreja e a Polícia
de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,
Pier Paolo Pasolini está morto.
A farsa a nojenta farsa essa continua.


Eugénio de Andrade
(«Epitáfios» - 1949-1979)

MODERNIZAÇÃO

Estas cerimónias de tomada de posse dos governos são iguais há 33 anos.
Iguais em tudo: nos figurantes, nas poses dos empossados, nos risos, sorrisos e risinhos inter-ministeriais, nos discursos, em tudo.
É claro que os figurantes de ontem não eram exactamente os mesmos que em 1976, naquele mesmo local, juraram essas coisas todas a que o protocolo obriga.
Mas eram da família, dessa grandecíssima família da política de direita que, de há 33 anos a esta parte, tem vindo a destruir a mais progressista e mais avançada democracia alguma vez existente em Portugal: a Democracia de Abril.

Lá estavam todos, então - por «todos» entenda-se: os que, por efeito de uma alternância meticulosamente armadilhada, cumprem o actual turno de serviço à política de direita.
E os discursos foram muito lidos, ouvidos e vistos: os jornais escreveram, as rádios falaram, as televisões mostraram - enquanto os analistas analisaram, os comentadores comentaram, os politólogos politologaram, etc, etc.

Cavaco Silva, pernóstico até dizer chega, garantiu «lealdade institucional» ao Governo e sentenciou que «o nosso futuro colectivo é uma responsabilidade de todos» - por «todos» entenda-se: os que lá estavam mais os que aguardam a hora de cumprir o turno de serviço que lhes compete.

José Sócrates, exuberante, informou sobre as suas três grandes prioridades governativas - «combate à crise, modernização e justiça social» - sendo óbvio que a «modernização» é a sua preferida.
E a verdade é que, antes mesmo de tomar posse, o Governo de Sócrates já andava a «modernizar» por tudo quanto é sítio: na Quimonda, na Delphi, na Covina, no «congelamento de salários» proposto pelo inefável Constâncio, no congelamento do salário mínimo disparado pelo boss Van Zeller - e muitas outras semelhantes «modernizações».

O que não surpreende, sabendo-se que a «modernização» é a pedra de toque da vida, da acção, da prática, da postura do actual primeiro-ministro - e de tal forma assim é que bem pode dizer-se que, ao contrário dos simples mortais que nasceram de parto, José Sócrates chegou de e-mail...

POEMA

DISCURSO TARDIO
À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO



Éramos jovens, falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o verão; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.

Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
do ventre, espaço denso, redondo, maduro,

dizias: espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave -
repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.

Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela não a tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.

Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.

Catarina, ou José - o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?


Eugénio de Andrade
(«Epitáfios» - 1949-1979)

HOMEM DE PALAVRA...

Num breve resumo da história dos «governos minoritários» desde 1976, o Diário de Notícias diz, a dada altura: « Foi Mário Soares quem primeiro tentou levar um executivo minoritário a bom termo. Tendo o PS vencido as eleições de 1976 (37,9 %) cumpriu a promessa de um Governo "só, só, só PS"».

Ora, se a primeira parte da afirmação (que, aliás, não tem qualquer relevância) é verdadeira, o mesmo não se pode dizer da segunda parte.
Pôr alguns pontos nalguns is, torna-se, por isso, necessário - sem a mínima ilusão de que a voz do Cravo de Abril possa chegar onde chegam as vozes que escrevem a história do poder dominante; mas com a consciência de que, mesmo assim, vale a pena ir relembrando aspectos da história desse tempo, desse primeiro Governo Soares/PS e do papel por ele desempenhado no processo de liquidação da Revolução de Abril.


Recordemos, então, os factos: durante a campanha eleitoral de 1976, Mário Soares expressou repetidamente o seu objectivo e a sua convicção de que o PS iria alcançar «entre 40 e 42 % dos votos (...) o que permitirá obter a maioria absoluta na Assembleia da República e formar sozinho o governo».
E tão certo estava de que assim seria que ousou, mesmo, afirmar: «se o PS tiver uma votação menor do que aquela que teve nas últimas eleições, portanto se ficar abaixo dos 38%, nós consideramos que o povo português não nos quer dar um mandato para governarmos».

Contados os votos, constatou-se que o povo português não queria dar ao PS um mandato para governar.
Com efeito, em relação às eleições anteriores, o PS perdeu quase 300 mil votos e desceu de 38% para 34,9% (não 37,9% como, certamente por lapso, diz o DN)

E também ao contrário do que diz o DN, Soares não cumpriu promessa nenhuma: dando o dito por não dito - matéria em que é, desde há muito, o maior especialista nacional - formou governo: rejeitando as insistentes propostas do PCP para a formação de um governo de esquerda, avançou para a formação de um Governo... «só, só, só PS», como diz o DN?
Não: um Governo dito do PS sozinho, mas, de facto, aliado à direita.
(Recorde-se que Soares não se cansava de dizer que o PCP não era um partido «democrático» e que «democráticos», isso sim e de primeira, eram o PPD e o CDS...)


Foi esse Governo PS/Soares aliado à direita que iniciou a brutal ofensiva contra os direitos dos trabalhadores; contra a Reforma Agrária e as Nacionalizações; contra a Constituição da República aprovada meses antes; contra a Revolução de Abril.
Foi esse Governo PS/Soares aliado à direita que iniciou a política de recuperação capitalista, imperialista e latifundista e que iniciou a entrega da independência nacional ao imperialismo.
Foi esse Governo PS/Mário Soares aliado à direita que iniciou a política de direita desde então levada à prática por todos os seus sucessores (Balsemão/Freitas, Cavaco, Guterres, Barroso/Santana, Sócrates).

E foi assim que Soares - homem de palavra... - «cumpriu a promessa de um Governo "só, só, só PS"»...

POEMA

CASA NA CHUVA


A chuva, outra vez a chuva sobre as oliveiras.
Não sei porque voltou esta tarde
se minha mãe já se foi embora,
já não vem à varanda para a ver cair,
já não levanta os olhos da costura
para perguntar: ouves?
Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
a chuva sobre o teu rosto.


Eugénio de Andrade
(«Escrita da Terra» - 1971-1975)

ELES ANDAM POR AÍ...

Dizem as notícias que corre por aí uma «petição» com o objectivo de «restituir à Ponte 25 de Abril o nome de Salazar» e que, entre os subscritores da dita, há muitos «nomes de família: Media, D'Orey, Mello, Roquette, Van Zeller»...
Não há razão para surpresas: se não estou em erro, esta é a segunda ou terceira tentativa visando esse objectivo (e, certamente, não será a última), e os «nomes de família» também não são novidade...

Estas arremetidas fascistóides têm vindo a suceder-se, nos últimos anos, a um ritmo intenso e crescente.
Pode dizer-se que elas tiveram início logo a seguir ao 25 de Abril e beneficiaram, desde então, de estímulos e incitamentos vários.
Recorde-se, por exemplo, que ex-ministros fascistas foram chamados a integrar governos do PS; que torcionários da PIDE foram condecorados por bons serviços prestados à Pátria e premiados com chorudas «indemnizações» - isto para além das manifestações fascistas, da provocação do «museu Salazar» em Santa Comba Dão, etc, etc.

Na situação actual, estas arremetidas têm como pano de fundo e suporte básico três factores essenciais:
1 - a operação de branqueamento do fascismo levada a cabo pela turba canora de historiadores do sistema - os quais, habitando áreas politico-ideológicas que vão da direita assumida à dita «esquerda», não se cansam de demonstrar todos os dias que em Portugal não existiu fascismo...

2 - a poderosa ofensiva anticomunista e, nesta, a linha de propaganda provocatória que equipara fascismo e comunismo - uma linha que, nos seus desenvolvimentos naturais, confirma que o anticomunismo é sempre antidemocrático e, por isso mesmo, constitui alimento precioso para as forças reaccionárias e fascistas.

3 - a política de direita praticada há 33 anos por PS/PSD/CDS-PP, política contra Abril, as suas conquistas transformadoras, os seus ideais libertadores; política que tem como preocupação exclusiva servir os interesses do grande capital, os interesses das tais cem famílias do antigamente, que detêm mais de 1/5 da riqueza nacional - e que assinam a petição para que a Ponte 25 de Abril passe a ter o nome do sanguinário ditador fascista...


Cuidado! Eles andam por aí!

POEMA

NOCTURNO A DUAS VOZES


- Que posso eu fazer
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?

- Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação.

- Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre de outra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.

- Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que meus dedos têm
para colher na noite.

- Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos,
e um rumor de água
vem no vento.

- Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.

- Cala-te, as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Amo-te.
Amo-te para que subas comigo
à mais alta torre,
para que tudo em ti
seja verão, dunas e mar.


Eugénio de Andrade
(«Ostinato Rigore» - 1963-1965)

AGUARDEMOS

A primeira página do Sol diz-nos que um arguido do caso Freeport declarou que um responsável político recebeu 750 mil euros de luvas a troco da aprovação do projecto.
Em página interior, o Sol diz-nos que administradores da Freeport confirmam esse pagamento.

Assim sendo, só falta, agora, julgar e (comprovando-se os factos) condenar o recebedor e o pagador - o que parece ser coisa fácil e de rápida resolução.


A não ser que haja atrasos no processo - porque, se assim for, um dia destes seremos informados de que o processo foi «arquivado»...

Aguardemos.

POEMA

NATUREZA-MORTA COM FRUTOS


1.
O sangue matinal das framboesas
escolhe a brancura do linho para amar.

2.
A manhã cheia de brilhos e doçura
debruça o rosto puro na maçã.

3.
Na laranja o sol e a lua
dormem de mãos dadas.

4.
Cada bago de uva sabe de cor
o nome dos dias todos do verão.

5.
Nas romãs eu amo
o repouso no coração do lume.


Eugénio de Andrade
(Ostinato Rigore» - 1963-1965)

A FRASE DO DIA

Lendo a longa entrevista de José Rodrigues dos Santos (JRS) à Visão, deparei com um elevadíssimo número de afirmações dignas, todas elas, de serem eleitas «frase do dia».
O tema da entrevista foi o novo livro de JRS - «Fúria Divina» - que será apresentado ao público no próximo sábado.

Diz quem já leu, que o romance gira em torno da velha «ambição islâmica de recuperar o AL-Andaluz (sul de Portugal e Espanha), que já foi árabe há muitos séculos» - «ambição» que leva os «islâmicos» a construir uma bomba atómica, não percebi bem para quê, mas que pelos vistos é coisa fácil de construir, como o próprio JRS ensina na referida entrevista.

As preocupações de rigor do romancista levaram-no a contratar um especialista na matéria romanceada - um «consultor» - de seu nome Abdullah Yusuf.
Este «consultor» de JRS é pessoa brutamente credenciada e com currículo invejável, como o atesta o facto de ser ex-membro da Al Qaeda, e de, ao serviço dessa organização, ter planeado, mesmo, um atentado terrorista - não se percebendo por que razão o referido «consultor» não só não está em Guantánamo... como estará em Lisboa, no próximo sábado, onde será o «apresentador do romance» de JRS...

Mas voltemos à «frase do dia».
Depois de aturados esforços, optei por esta - que aqui vos deixo, sem comentários:

«O romance não exprime a minha opinião sobre nada. O que temos são personagens a interpretarem opiniões».

POEMA

VARIAÇÕES EM TOM MENOR


Para jardim te queria.
Te queria para gume
ou o frio das espadas.
Te queria para lume.
Para orvalho te queria
sobre as horas transtornadas.

Para a boca te queria.
Te queria para entrar
e partir pela cintura.
Para barco te queria.
te queria para ser
canção breve, chama pura.


Eugénio de Andrade
(«Mar de Setembro» - 1959-1963

POBREZA E MAIS POBREZA...

A Amnistia Internacional/Portugal e a Rede Europeia Antipobreza, em conjunto, realizaram um inquérito sobre a pobreza em Portugal.
Os resultados obtidos não surpreendem: a maioria dos inquiridos diz que a situação piorou nos últimos cinco anos, que irá continuar a piorar e que são poucas, ou nenhumas, as esperanças de melhorar.
Quanto às causas da pobreza, a maioria dos inquiridos situa-as no emprego - e, presumo, nos salários, já que a pobreza, hoje, atinge milhares e milhares de pessoas que, tendo emprego, ganham salários de... pobreza.

Quanto à questão essencial - a de saber quem é que tem a responsabilidade e a obrigação de resolver o problema da pobreza - a mesma maioria dos inquiridos respondeu que é o Governo.

Quanto a essa questão essencial, a opinião dos promotores do inquérito é diferente da dos inquiridos: pensam os inquiridores que atribuir tal responsabilidade ao Governo «pode sugerir que existe uma demissão colectiva dos cidadãos em relação à sua directa responsabilidade», coisa que, dizem, configuraria uma «ausência de vontade de participação cívica» que «poderá constituir um dos principais e mais fortes impedimentos ao combate à pobreza».

Ora, esta ideia de assacar responsabilidades a uma indefinida «ausência de participação cívica», cheira-me a paleio que mais não visa do que aliviar de responsabilidades aquele que é o verdadeiro e principal responsável, ou seja, o Governo que, com a sua política de direita, espalha pobreza por todo o lado.
Por este caminho, um dia destes ainda vamos ler por aí que os os responsáveis pela pobreza são... os pobres.

POEMA

PEQUENA ELEGIA DE SETEMBRO


Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos poisados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade
(«Coração do Dia» - 1956-1958)

ALBA

Criada em 2004, em Havana, por Cuba e pela Venezuela - e hoje integrando nove países - a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) constitui o mais original e revolucionário processo de integração económica, política, social e cultural dos tempos actuais.
Trata-se de uma aliança dos povos e para os povos - precisamente o oposto do que é, por exemplo e para não irmos mais longe, a União Europeia, união do grande capital contra os povos.

De entre os relevantes êxitos alcançados nestes primeiros quatro/cinco anos - traduzidos numa cooperação sem precedentes, em todas as áreas, entre os países que a integram - a ALBA é responsável pelos maiores avanços de sempre, na América Latina, em matéria de Saúde e de Educação: mais de três milhões e meio de latino americanos aprenderam a ler e escrever; muitos mais milhões de pessoas passaram a ter acesso a serviços de saúde e, pela primeira vez nas suas vidas, viram um médico; com a Operação Milagro, cerca de dois milhões de cidadãos aprenderam... a ver.

É claro que estes são exemplos intoleráveis para o imperialismo norte-americano, exemplos que é preciso aniquilar rápida e implacavelmente.

Foi nesse sentido, como estamos lembrados, que o Governo de Bush tomou as medidas que tomou.
Foi nesse mesmo sentido, como estamos a ver, que o Governo de Obama, alargou, aprofundou e intensificou essas medidas.
Exemplificando: Bush deu a medalha da liberdade ao narco-fascista Uribe; Obama vai instalar sete bases militares na Colômbia, de forma a fazer daquele país uma base de ataque aos países que têm vindo a libertar-se da garra imperialista - que são, está-se mesmo a ver, os países que integram a ALBA...
E é ainda nesse sentido que age o rebanho de mercenários contratados pelos EUA: mercenários operacionais, como são os governantes tipo Uribe, Micheletti, etc; e os propagandistas mercenários que, espalhados aos milhares por jornais, rádios, televisões (e internet...), diabolizam os dirigentes dos países da Alba e difundem a imagem santificada do império criminoso, explorador, opressor e belicista. O império que tem como chefe máximo, nem mais nem menos do que o Prémio Nobel da Paz - um prémio flagrantemente deslocado e injustificado, mas que poderia justificar-se se, por exemplo, Obama ouvisse as certeiras e sensatas palavras proferidas pelo Presidente Evo Morales na recente VII Cimeira da ALBA:
«Se o Presidente Obama quer justifica o Nobel da Paz, tem três tarefas a desempenhar: levantar o bloqueio económico a Cuba; retirar as tropas do Afeganistão e do Iraque e as bases militares da América Latina e do mundo; devolver a democracia às Honduras»

Só que o negócio do Nobel da Paz é a guerra...

POEMA

CANÇÃO


Tu eras neve.
Branca neve acariciada.
Lágrima e jasmim
no limiar da madrugada.

Tu eras água.
Água do mar se te beijava.
Alta torre, alma, navio,
adeus que não começa nem acaba.

Eras o fruto
nos meus dedos a tremer.
Podíamos cantar
ou voar, podíamos morrer.

Mas do nome
que maio decorou,
nem a cor
nem o gosto me ficou.


Eugénio de Andrade
(«Até Amanhã» - 1951-1956)

«O MAIS TEMÍVEL PROJÉCTIL»

José Sócrates foi entrevistado pela Visão.
A dada altura, foi-lhe perguntado:
«Com esta crise internacional na economia, sentiu necessidade de ler Marx?»

Sócrates, assustado e irritado, respondeu:
«Marx? Era o que faltava!... Não. Já li Marx há muito tempo. E as críticas a Marx. Não conheço em pormenor a sua obra, mas tenho uma opinião muito crítica sobre o determinismo histórico».

O tom e o conteúdo desta resposta permitem concluir que, verdade, verdade, Sócrates não leu nada da obra de Marx...
Mas sabe - porque lhe disseram - que se trata de uma obra... do diabo, uma obra que, mal nasceu, pôs o capitalismo a tremer - uma tremideira tal que já lá vão mais de 160 anos e ainda não parou...
E Sócrates tem medo. Um medo que disfarça fingindo que está a atacar a obra de Marx, quando, na realidade, o que está é a defender-se dela.
Assim confirmando, sem o saber, que O Capital «foi o mais temível projéctil jamais lançado à cabeça dos burgueses e dos proprietários fundiários» - que o mesmo é dizer dos patrões de Sócrates...

POEMA

VEGETAL E SÓ


É outono, desprende-te de mim.

Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.

Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.

Devolve-me o rosto de um verão
febril de tantos lábios,
sem nenhum rumor de lágrimas
nas pálpebras acesas.

Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como um rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.


Eugénio de Andrade
(«As Palavras Interditas» - 1950-1951)

UMA PERGUNTA

Há dez anos, os governantes da União Europeia, reunidos em Lisboa, tomaram a sensacional decisão de «provocar um impacte decisivo na erradicação da pobreza até 2010».
Agora é que vai ser!: proclamaram todos, assim respondendo aos «cépticos» que lhes lembravam promessas semelhantes anteriormente feitas e não cumpridas, antes pelo contrário.

De então para cá, a pobreza aumentou na maioria dos países e, ao que parece, diminuiu nalguns outros - entre eles, vejam bem a nossa sorte!, Portugal.
Isto, na opinião do Governo baseada nos seus «cálculos» - porque segundo várias organizações não governamentais «a pobreza está a aumentar em Portugal».

Em resumo: dez anos depois da sensacional decisão de Lisboa, o número de pobres na UE ronda os 80 milhões - «cálculos» deles, dos que são responsáveis pela pobreza, não obstante assumirem que «a pobreza é uma violação dos direitos humanos».

Mas os governantes da UE não dormem: e 2010 será, por decisão da União Europeia, «Ano Europeu da Pobreza e da Exclusão Social».
Agora é que vai ser!...

Entretanto a riqueza dos mais ricos aumenta - ou não fosse a União Europeia «a maior economia do planeta»...

E de tudo isto, uma pergunta emerge: se e pobreza é - e é - uma violação dos direitos humanos, o que será a riqueza?...

POEMA

POEMA À MÃE


No mais fundo de ti,
eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade
(«Os Amantes sem Dinheiro» - 1947-1949)

TUDO EXPLICADO

Dizem os jornais que o ex-Presidente da República Checa, Vaclav Havel - falando numa cerimónia comemorativa do 20º aniversário da chamada «Revolução de Veludo» - considerou «irresponsável e perigosa» a atitude do actual chefe de Estado, Vaclav Klaus, em relação ao Tratado de Lisboa.

Ao que parece, para assinar o dito Tratado, Vaclav Klaus coloca a exigência de a República Checa «ser protegida de qualquer acção que vise a restituição dos bens confiscados à minoria alemã expulsa da Checoslováquia após a II Guerra Mundial».
Se é disso que se trata, a exigência de Vaclav Klaus faz todo o sentido - e considerá-la «irresponsável e perigosa» não faz sentido nenhum...
Ou fará?: adiante veremos...

Logo após a chamada «Revolução de Veludo», registaram-se fortes pressões da Alemanha exigindo a devolução desses bens a esses alemães, pressões que geraram acesa discussão no país: de um lado os que rejeitavam as pressões alemãs - e argumentavam, com verdade, que essa minoria alemã funcionou como «quinta coluna de Hitler» na Checoslováquia ocupada - e do outro lado os que apoiavam a exigência alemã. Entre estes o inevitável Vaclav Havel, que exigia a devolução dos bens confiscados e um pedido de desculpas aos alemães expulsos.
Os dois registos que se seguem talvez ajudem a explicar a verdadeira essência das posições de Havel sobre esta matéria.

1º registo: a questão da devolução de bens, colocou-se igualmente em relação aos checos que colaboraram com o ocupante nazi e aos quais, no final da Guerra, foram confiscados os bens.
Entre esses colaboracionistas, encontrava-se o pai de Vaclav Havel, ao qual foram confiscados todos os bens - que eram imensos, imensos, imensos: terrenos, prédios, palácios, essas coisas todas...

2º registo: uma das primeiras medidas tomadas por Vaclav Havel enquanto Presidente da República Checa, foi a de restituir... a si próprio todos esses imensos, imensos, imensos bens.
Com isso - e na sequência da tal «Revolução de Veludo» - Havel passou a ser, de um dia para o outro, um dos homens mais ricos do país.
Assim: com pés de veludo...

Pronto: está tudo explicado.

POEMA

GREEN GOD


Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
de uma flauta que tocava.


Eugénio de Andrade
(«As Mãos e os Frutos» - 1945-1948)

FRACTURAR OU NÃO FRACTURAR

Eis a grande notícia do Diário de Notícias (DN) de hoje, gritada na sua primeira página:

«Bloco abre Parlamento com temas fracturantes»
«Louçã apresenta hoje leis para casamentos "gay" e uniões de facto»

Depois, em página interior o DN desenvolve a notícia à maneira...
A dada altura, talvez tocado por não sei que remoto problema não sei de que consciência, o DN sente-se obrigado a dizer - para não se dizer que não disse... - que «ontem, o PCP apresentou um pacote de nove diplomas que proporá no Parlamento» - e por aí se fica em relação aos «nove diplomas» do PCP, logo voltando ao seu objecto de estimação: «hoje o Bloco de Esquerda toma idêntica iniciativa».
Recorde-se que, neste caso, «idêntica iniciativa» significa «casamentos "gay"» e «uniões de facto»...

Como é sabido, o DN pela-se por «temas fracturantes» - como são os do BE - e não suporta temas não fracturantes - como são os do PCP.
E estou em crer que o dono do DN tem a mesma opinião...

E têm razão: na verdade é muito mais divertido fracturar do que não fracturar.
E, francamente, aquelas questões chatas que os comunistas querem pôr à discussão já chateiam: é sempre a velha cassete, não sabem falar de outra coisa, não percebem nada de modernidade...
Digam lá se faz algum sentido, se tem alguma piada, pôr à discussão no Parlamento coisas como estas que o Avante! anuncia:

«Alargamento dos critérios de acesso e prolongamento do período de atribuição do subsídio de desemprego»;
«alteração dos aspectos negativos do Código do Trabalho e da legislação laboral da Administração Pública»;
«aumento dos salários, nomeadamente do salário mínimo nacional»;
«combate à precariedade»;
«valorização das pensões de reforma, salvaguarda do direito à reforma aos 65 anos e possibilidade da sua antecipação sem penalizações para carreiras contributivas de 40 anos»; «revogação do Estatuto da Carreira Docente, alteração do modelo de avaliação dos professores e revogação da lei de financiamento do Ensino Superior»;
«alteração do regime tributário das grandes empresas, bem como das micro, pequenas e médias empresas, no sentido de uma maior justiça fiscal»...

Como se vê, tudo temas chatos, chatérrimos, não fracturantes - e que, por isso mesmo, não merecem ser «notícia», e muito menos de primeira página...
Os «temas fracturantes», esses sim: são divertidos, dão bagunçada... - e, acima de tudo, não tocam em nada de estruturante...

POEMA

CANÇÃO


Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz o pedir
- mãe, dou-lho ou não?


Eugénio de Andrade
(«Primeiros Poemas» - 1940-1944)


(Tal como os outros poetas aqui homenageados, Eugénio de Andrade é um visitante assíduo do Cravo de Abril.
A selecção de poemas de que hoje se inicia a publicação seguirá o percurso poético do Autor desde os seus «Primeiros Poemas», pelo que poderá vir a ser um pouco mais extensa do que as anteriores)

A LUTA CONTINUA!

A fome é uma das imagens de marca do capitalismo - a par do desemprego, da exploração, das desigualdades e injustiças sociais, da guerra, do crime... - e o aumento crescente do número dos que passam fome é uma consequência inevitável da evolução do capitalismo.

Daí que não haja razões para surpresas face aos números ontem apresentados pelo relatório da FAO (Organização da ONU para a Agricultura e a Alimentação), que nos fala da existência no mundo de «mais de mil milhões de esfomeados» - e que nos diz que «o número de pessoas que passa fome é hoje o mais elevado de sempre».
Ou seja: nunca, como hoje, houve tantas pessoas - homens, mulheres, jovens, crianças - a passar fome.
Nunca, como hoje, tantos seres humanos viram ser-lhes negado o mais elementar de todos os direitos humanos: o direito à alimentação.

E se à negação deste direito humano juntarmos a negação de um outro - o direito à saúde - também não há razões para surpresas com os números:
todos os dias morrem, à fome e por falta de cuidados básicos de saúde, cerca de 60 mil pessoas, em grande parte crianças.

Enquanto isto, a poderosa máquina mediática de propaganda apresenta-nos o sistema capitalista como o supra sumo da organização económica e social, o reino da democracia, da liberdade e dos direitos humanos... o fim da história...

E o grande drama, a grande tragédia, é que há milhares de milhões de cidadãos, incluindo muitos dos que passam fome, que acreditam nessa propaganda - e que, nos dias em que são chamados a votar, votam em quem, todos os dias, lhes rouba todos os direitos a que têm direito: o direito ao pão, à saúde, ao emprego, às reformas e pensões dignas, à justiça social...

Tudo isto a confirmar que é grande, difícil e complexa a tarefa que se coloca aos comunistas e aos seu aliados, no seu objectivo maior de liquidar o capitalismo e construir uma sociedade sem exploradores nem explorados, livre, justa, fraterna, solidária, pacífica - e, por isso, socialista, comunista.
Tudo isto a confirmar, também, que essa é uma tarefa imperiosa para todos os que consideram que cada ser humano, pelo simples facto de existir, tem direitos que ninguém tem o direito de lhe roubar.
E tudo isto a confirmar, ainda, o significado, o rigor, a justeza, o alcance da mais bela de todas as palavras de ordem: A LUTA CONTINUA!

POEMA

O MINEIRO E O DIAMANTE


Mineiro pobre e viúvo.
De volta do turno da noite,
ao descalçar as botas, encontrou,
em uma delas,
um pequeno diamante.
Tão breve no tamanho que alembrava
a mais pequena das estrelas
na escuridão da noite.
Não se conteve. Chamou a filha.
E no azul dos olhos dela viu
o pequeno diamante mais crescido que a estrela,
que a estrela de alva.
De repente, mergulhou a cabeça entre as mãos
e pensou: Entregá-lo à empresa das minas? Não.
Ninguém devolve uma estrela.
Sobretudo, uma estrela que fugiu da Via Láctea
e na bota de um mineiro se escondeu.


Luís Veiga Leitão

ACEITAM-SE SUGESTÕES

«A notícia caiu como um raio e iluminou o mundo inteiro»: é assim, nesta prosa carregada de reminiscências bíblicas, que Mário Soares inicia a sua oração de louvor a Obama-Prémio-Nobel-da-Paz.
O texto é um autêntico ditirambo ao Presidente norte-americano, em cuja «capacidade política para conduzir e liderar não só os Estados Unidos, mas também o mundo» o pai da contra-revolução de Abril deposita toda «a sua confiança».
Logrando ver em Obama o que mais ninguém vê - e envolvendo-o em tanta luz, tanta luz... - Soares afirma-se como um autêntico vidente, porventura com direito às prerrogativas que a tal condição são devidas.

Temos, então, segundo Soares, o mundo inteiro iluminado pelo raio do Nobel da Paz...
O mundo inteiro?
Não!
Há, pelo menos, um pequeno recanto - algures ali para os lados do Zambujal... - onde, pelo menos até agora, o frémito de luz soarista não chegou: Fátima.
Fátima?: Nem mais nem menos: Fátima!.
Fátima, onde decorreu nos últimos dias a Peregrinação Internacional Aniversária com a presença de 100 mil pessoas - mas onde os vendedores de artigos de religião estão mergulhados em cerrada escuridão, sem que uma luz, fraquinha que seja, surja ao fundo do túnel da sua desventura.
Fátima, onde, sabe-se lá por que raio de contra-milagre, a ausência de luz - das luzes: a anunciada por Soares e a anunciada pelos videntes - teima em fazer a vida negra aos vendedores de religiosidades, cujos lamentos ecoam assim: «Isto está fraco»; «Está a ser muito difícil vender a imagem da irmã Lúcia»; «A imagem mais idosa não se vende, porque as pessoas preferem ver a irmã Lúcia com os pastorinhos, quando todos eram crianças»; «E as imagens do Papa Bento XVI», essas, então, «não têm mesmo saída».

Posto isto, que fazer?
Aceitam-se sugestões. De preferência luminosas.
Por mim, acho que os vendedores de artigos de religião deveriam acrescentar ao seu stock de vendas a imagem desse vidente dos tempos actuais que é Mário Soares.
Com a certeza de que, sendo o dito o que é - e dada a sua longa experiência de vendilhão de si próprio - a sua imagem rapidamente atingirá o top de vendas.

POEMA

UMA GOTA NO CAUDAL


Sozinhos, que somos nós?
Gota de água diminuta
sumida da terra enxuta.
Nem a sede de uma boca
pode assim ser saciada,
porque sós não somos nada,
nem fonte de nenhum rio,
nem onda do mar ou espuma,
maré de coisa nenhuma.

Gota a gota a terra bebe,
rompe o ventre e verte um fio,
cresce a fonte e faz-se rio.
Quantas rotas tem o mar?
Quantas vagas a maré?
Quem as conta perde o pé.
Gota a gota. Cada é pouca.
Mas se a vida é una e vária
cada gota é necessária.

Mesmo sós sejamos sempre
uma gota no caudal,
diminuta, fraternal.


Carlos Aboim Inglês

O NEGATIVO E O POSITIVO

Com as autárquicas de ontem chegámos ao fim deste ciclo de três eleições que, realizadas no espaço de quatro meses, nos exigiram um ano (pelo menos) de intenso trabalho.
Acrescente-se a isto, o facto de estas batalhas eleitorais comportarem exigências particulares para os activistas da CDU - exigências que não se colocam aos activistas de qualquer das outras forças políticas e que decorrem essencialmente do facto de as forças que integram a CDU, e em especial o PCP, serem vistas como o alvo a abater pelo grande capital, pelos partidos que o representam e pelos média de que ele é dono.
Acresce, ainda, que paralelamente a esta exigente intervenção eleitoral, os militantes comunistas deram a resposta que se impunha à política de direita, organizando e participando nas muitas lutas dos trabalhadores e das populações - e, nos intervalos disto tudo, ainda construíram a Festa do Avante!...


Para quem tanto luta pela defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo, é óbvio que os resultados que obtivemos nestas três eleições ficam muito, muito aquém do que seria justo - se é que a noção de justiça tem cabimento em eleições realizadas em democracia burguesa...
Para quem nos fustiga todos os dias e tem como objectivo principal liquidar-nos social, política e eleitoralmente, é óbvio que esses resultados foram muito, muito além... do que eles queriam, esperavam e se fartaram, até, de anunciar...

Negativo, nas autárquicas de ontem foi, essencialmente, a perda pela CDU de 6 câmaras .
Positivo, foi termos ganho três câmaras - entre muitas outras coisas positivas como, por exemplo, os resultados que, num quadro dificílimo, obtivemos em Lisboa e no Porto.

Em relação às câmaras perdidas: regra geral, perdemo-las sem que tivéssemos perdido votos, tendo até aumentado as votações. E esse é um dado sobre o qual importa reflectir.
Em Beja, por exemplo, a CDU aumentou cerca de quatro centenas de votos, e perdeu a câmara para o PS que viu aumentada a sua votação em cerca de 2 mil votos - tantos quantos o PSD «perdeu»...
Ou seja: tantos quantos se transferiram do PSD para o PS por efeito de uma espécie de entendimento tácito entre os partidos da política de direita visando derrotar a força que, de facto, combate a política de direita.
Isto faz com que a CDU, para ganhar, tenha que obter sempre mais de 50% dos votos - sendo este um grande desafio que se nos coloca no futuro.

Positivo, foi, também, o facto de a CDU se ter confirmado inequivocamente como a grande força autárquica da Esquerda - reforçando, assim, a sua condição de grande força nacional.

Quanto ao futuro... A LUTA CONTINUA!

POEMA

JURO NUNCA ME RENDER


Pela minha terra clara
e o povo que nela habita
e fala a língua que eu falo,
juro nunca me render.

Pelo menino que fui
e o sossego que desejo
para o velho que serei,
juro nunca me render.

Pelas árvores fecundas
que nos dão frutos gostosos
e as aves que nelas cantam,
juro nunca me render.

Pelo céu que não tem margens
e as suas nuvens boiando
sem remorsos nem receio,
juro nunca me render.

Pelas montanhas e rios
e mares que os rios buscam,
com o seu murmúrio fundo,
juro nunca me render.

Pelo sol e pela chuva
e pelo vento disperso
e pela plácida lua,
juro nunca me render.

Pelas flores delicadas
e as borboletas irmãs
que nos livros espalmei,
juro nunca me render.

Pelo riso que me alegra,
com a sua nitidez
de guizos e de alvorada,
juro nunca me render.

Pela verdade que afirmo,
dos que a verdade demandam
até à contradição,
juro nunca me render.

Pela exaltação que estua
nos protestos que não escondo
e a justiça que os provoca,
juro nunca me render.

Pelas lágrimas dos pobres
e o pão escasso que comem
e o vinho rude que bebem,
juro nunca me render.

Pelas prisões em que estive
e os gritos que lá esmaguei
contra as mãos enclavinhadas,
juro nunca me render.

Pelos meus pais e meus avós
e os avós dos avós deles,
com o seu suor antigo,
juro nunca me render.

Pelas balas que vararam
tantos peitos de homens justos,
por amarem muito a vida,
juro nunca me render.

Pelas esperanças que tenho,
pelas certezas que traço,
pelos caminhos que piso,
juro nunca me render.

Pelos amigos queridos
e os companheiros de ideias,
que são amigos também,
juro nunca me render.

Pela mulher a quem amo,
pelo amor que me tem,
pela filha que é dos dois,
juro nunca me render.

E até pelos inimigos,
que odeiam a liberdade,
e por isso não são livres,
juro nunca me render.


Armindo Rodrigues


(«Juro nunca me render» encerra o ciclo de poesia dedicado a Armindo Rodrigues, com o qual o Cravo de Abril prestou a sua homenagem ao militante comunista de todos os momentos e ao grande Poeta, cuja Obra marca impressivamente a História da Poesia Portuguesa - não obstante o silenciamento a que foi condenada pelos que não toleram quem jura nunca se render... especialmente se, como é o caso de Armindo Rodrigues, quem o jura cumpre, com dignidade e coragem, o juramento)

ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS

Já sabemos que é assim, mas, mesmo assim, vale a pena repetir:
votar na CDU é votar no TRABALHO, na HONESTIDADE e na COMPETÊNCIA - e nenhum outro voto serve iguais valores e princípios.

Já sabemos que é assim, mas, mesmo assim, vale a pena repetir:
votar na CDU é dar mais força à Esquerda na sua luta contra a política de direita - e, seja em Lisboa, seja em qualquer outro concelho ou freguesia, nenhum outro voto serve igual objectivo.

É por isso que os homens, mulheres e jovens que votam na CDU são os únicos que, em verdade e em consciência, podem dizer - e dizem: AMANHÃ, DIA 12, A LUTA CONTINUA!

Por isso, mais uma vez, ATÉ AMANHÃ, CAMARADAS.

POEMA

QUEM TEM MEDO DA PAZ


Quem tem medo da paz
tem medo do amor,
tem medo do que faz,
tem medo do que pensa,
tem medo de saber,
tem medo de supor,
tem medo de deixar
que um entusiasmo o vença,
tem medo de perder,
tem medo de ganhar,
tem medo de ofender
sem intenção de ofensa,
tem medo de pesar,
tem medo do prazer,
tem medo até de estar
na sua só presença.


Armindo Rodrigues

AINDA SOBRE O NOBEL DA PAZ

Cerca de 30 cidadãos e instituições norte-americanas foram, até agora, agraciadas com o Prémio Nobel da Paz - o que coloca os EUA em destacado primeiro lugar nesta matéria.
Quer isto dizer que, segundo os critérios do Comité Nobel ao longo dos tempos, os EUA são os campeões da paz no mundo...
Pronto: são critérios...

Assim sendo, é natural que o dito Comité nunca se tenha sentido vocacionado para premiar gente e instituições de outras áreas e de outros lugares, por exemplo, gente comunista, por exemplo gente do povo soviético, cujo papel foi decisivo para a conquista da paz no mundo, derrotando o objectivo nazi-fascista de domínio do planeta...

Corrijo-me: uma vez houve em que o Comité abriu uma excepção e - vejam bem! - atribuiu o Nobel da Paz a um comunista.
Que, aliás, com a dignidade de quem não participa em fantochadas, o recusou.

O Cravo de Abril recorda, hoje, Le Duc Tho - que foi um dos fundadores do Partido Comunista do Vietname e que chefiou a delegação do seu país nas conversões que conduziram ao Acordo de Paz no Vietname, assinado em Paris, em 1973.
Le Duc Tho foi, até hoje, o único comunista a quem foi atribuído o Prémio Nobel de Paz - mesmo assim, ex aequo com o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, conhecido pacifista ligado a muitas e terríveis guerras...
Esse Prémio de 1973 ficou, todo, para o carniceiro Kissinger, porque Le Duc Tho recusou recebê-lo - entre outras razões porque a guerra do Vietname estava longe de ter terminado.
E estava.

Para medir a justeza da atribuição do Nobel da Paz a Kissinger, recorde-se que os EUA fizeram tudo para evitar a assinatura do Acordo de Paz de Paris.
Pouco tempo antes da assinatura, o Governo norte-americano, numa última e desesperada tentativa de virar o sentido da guerra a seu favor, desencadeou sobre o Vietname do Norte o mais intenso e bárbaro bombardeamento da história das guerras, até então: durante onze dias, a aviação dos EUA lançou sobre as cidades de Hanoi e Haiphong mais de 100 mil bombas - com um poder de destruição cinco vezes superior ao da bomba atómica lançada sobre Hiroshima.

Mesmo assim, Nixon, Kissinger & Cia. foram obrigados a assinar o Acordo de Paz - e, após a assinatura, prosseguiram a guerra...
Guerra que só viria a terminar em 1975, com a entrada do exército revolucionário em Saigão - recorde-se a fuga em pânico dos soldados norte-americanos (os «soldados de Cristo» como lhes chamava o cardeal Spelmann...), empurrando-se, agredindo-se, pisando-se uns aos outros na busca desesperada de um lugar nos helicópteros....

Atrás de si deixavam a tradicional mensagem de paz made in USA: mais de um milhão e meio de mortos, mais de três milhões de feridos, um país devastado, com terras mortas por efeito das bombas químicas e biológicas - e seres humanos que ainda hoje, mais de trinta anos passados, continuam a sofrer as consequências dessas bombas.

De então para cá - até hoje, dia 11 de Outubro de 2009 - essa mensagem de paz dos EUA fez-se sentir, de forma directa ou indirecta, por todo o Mundo, espalhando centenas de milhares de mortos.

São, portanto, razões históricas as que explicam a atribuição do Nobel da Paz ao presidente dos EUA, Barack Obama.

POEMA

PAZ


Paz de pão,
de alegria
e de fraternidade,
é a única inteira, é a única livre
e só ela merece o combate comum.


Armindo Rodrigues

UMA BOMBA!

Ao que parece a atribuição do Nobel da Paz a Obama caiu como uma BOMBA.
E no entanto talvez a coisa não seja tão inesperada como à primeira vista pode parecer.

Com efeito, lendo as justificações do presidente do Comité Nobel, percebe-se a «lógica» da decisão: segundo o tal presidente, o Nobel da Paz foi para Obama «porque queríamos apoiar aquilo que ele está a tentar fazer».
Aí está: o prémio não é pelo que Obama fez, mas pelo que «está a tentar fazer».

E o que é que Obama «está a tentar fazer»?
Muita coisa, designadamente: assegurar a ocupação do Iraque; enviar mais 40 mil soldados para que os EUA assegurem a ocupação do Afeganistão; dar a ajuda habitual ao governo fascista de Israel; assentar a pata imperialista na América Latina e, a partir da Colômbia ocupada, desencadear golpes militares e o mais que se verá contra os países que se libertaram do jugo imperialista; assegurar a continuação do criminoso embargo a Cuba e a continuação de Guantánamo; assegurar que os EUA - o único país que até hoje lançou bombas atómicas sobre populações - seja quem decide quem pode ou não pode ter... armas atómicas...

Enfim, o que Obama «está a tentar fazer» é - com um sorriso de outra cor - exactamente o mesmo que todos os seus antecessores na presidência dos EUA tentaram fazer: impor o imperialismo norte-americano como dono incontestado e senhor absoluto do Mundo.
E foi isso que o Comité Nobel premiou...

Aliás, Obama captou de imediato a intenção do Comité Nobel e fez questão de o sublinhar de forma incisiva. Disse ele que via este Nobel da Paz como «uma afirmação da liderança da América em nome das aspirações partilhadas pelos povos de todas as nações».
Não se pode ser mais claro.

POEMA

PAZ


Paz a não há na morte.
Na morte não há nada.
Paz a não há senão
no que é próspero e farto.
Paz é a aplicação
no trabalho salubre.
Paz é a segurança
da amizade na luta.


Armindo Rodrigues

SOCIALITES, SOCIALISTES...

Aquela antidemocrática e estúpida manifestação de prepotência do presidente da Câmara de Évora, José Ernesto Oliveira, fez-me lembrar uma notícia há tempos publicada numa dessas revistas de socialites.
A notícia mostrava-nos um Oliveira bem diferente do tiranete que, há dias, impediu os eleitos e candidatos da CDU de entrar nas instalações da Câmara - o que torna legítimo pensar que estamos perante uma pessoa de várias caras...

A tal notícia começava assim: «Num modelo Lanvin de seda natural verde, Lili Caneças, de 60 anos, foi a estrela de mais uma edição do Évora Moda» - e uma enorme fotografia mostrava-nos «a mais famosa das socialites portuguesas» de braço dado com o presidente da Câmara de Évora, ambos sorridentíssimos: ela, a aborratar de plásticas, feliz por ter sido tão bem recebida; ele, também muito socialite, feliz por ter recebido tão bem.
«Foram duas noites muito divertidas», confidenciou Lili Caneças.
E no mais puro dialecto socialite explicou o divertimento: «Já vim a este evento três vezes e sempre a convite do dr. José Ernesto d'Oliveira, o presidente da Câmara de Évora, que é um querido. Fui recebida como a Cleópatra, rainha do Egipto, com direito a carro com motorista e tudo. Deu-me a melhor suite do hotel Cartuxa, com mais de 200 metros quadrados e banheira com jacuzzi».

Domingo, o querido da Lili vai a votos.
E se houvesse uma «justiça eleitoral», no sentido de cada candidato obter os votos que merece - nem mais um nem menos um - José Ernesto Oliveira teria direito a dois votos: o seu e o da socialite Caneças.

Também muito socialite - mas mais na versão socialiste... - é Elisa Ferreira, desde há dias conhecida por Elisa da Gamela.
Mostrando até onde o desejo da gamela pode fazer chafurdar uma pessoa, a candidata do PS à Câmara do Porto, disparou deste jeito: «Rui Rio tem o apoio de 6 milhões de benfiquistas» - assim procurando atiçar ânimos clubistas, regionalistas, provincianos, e transformá-los em votos a seu favor.
É uma querida, esta Elisa.
Neste caso, a tal «justiça eleitoral» deveria dar-lhe direito a dois votos, no domingo: o dela e o do sr. Pinto da Costa.

POEMA

NA MINHA COURELA...


Na minha courela, enquanto a lavro,
é sempre manhã, mesmo se já noite.
O meu ofício farto
é o de cultivar sonhos.
Deito trigo à terra e nasce-me luz.
Deito luz à terra e nasce-me trigo.
Nem há mais exacta semente que esta,
que dá a colheita ao sabor da fome.


Armindo Rodrigues

O CHÁ

Manuel Alegre foi a Oeiras beber um chá com o candidato do PS à Câmara.
Nas declarações aos jornalistas, referiu-se ao «caso Isaltino» e, no seu estilo solene e grave, declamou que «a ética democrática e a decência política são essenciais à democracia».
Pergunto-me: se Alegre fosse a Felgueiras com quem é que beberia o chá?...

Em relação à formação do próximo Governo, questionado pelos jornalistas sobre «se Sócrates deveria negociar à esquerda ou à direita», Alegre, sem papas na língua, respondeu: «deve negociar com todos».
Pergunto-me: será que este «negociar com todos» se insere nos conceitos de «ética democrática e de «decência política» enunciados em Oeiras à hora do chá?...

POEMA

IDEIAS BOAS OU MÁS


Ideias boas ou más,
actos maus ou actos bons,
é a vida quem os faz,
ou são os seus próprios dons?
A quem negue a liberdade
vá-se ao extremo de a impor.
Não é com meia verdade
que uma verdade dá flor.
E não se tenha receio
de perder para ganhar.
A liberdade é um meio
de a vida se libertar.


Armindo Rodrigues

ELE HÁ COISAS!

POEMA

QUEM SE DÁ AO QUE SE DEVE


Quem se dá ao que se deve
nada deve ao que se dá.
Não raro a distância é breve
da decisão boa à má.
A simples espinha sugere
à razão um peixe inteiro.
Para a pobreza entender
há que sofrê-la primeiro.
O mal é que algo se acate
apenas por boa fé.
Se mau for, má morte o mate.
Se for bom, prove que o é.


Armindo Rodrigues

TRABALHO, HONESTIDADE, COMPETÊNCIA

A Lusa informou que Manuel Carvalho da Silva (MCS), secretário-geral da CGTP-IN, «desejou hoje uma vitória do socialista António Costa, em Lisboa» - considerando que tal vitória «é importante para Lisboa e para os lisboetas».
Diz ainda a Lusa que o «desejo» de MCS foi expresso esta manhã quando o líder da CGTP-IN «se cruzou» com António Costa, «no Chiado».
Sempre segundo a Lusa, MCS aproveitou o «cruzamento» - certamente ocasional, género: «Olha o Manel!», «Olha o António!» e, em coro: «Então o que fazes por aqui?»... - para informar que se mostra «favorável ao entendimento entre partidos da Esquerda».

Não sei o que pensam destas declarações os activistas da CDU na cidade de Lisboa - essas muitas centenas de mulheres, homens e jovens que desenvolvem intensos esforços no sentido de conseguir uma boa votação.
Não sei, também, o que de tais declarações pensam os muitos milhares de activistas da CDU que, em centenas de concelhos e em milhares de freguesias, desenvolvem idênticos esforços com idênticos objectivos.

No que me diz respeito, penso que se trata de declarações lastimáveis e lamentáveis (e fico-me por aqui, para já...), e sublinho que
importante para Lisboa e para os lisboetas seria, isso sim, a vitória da CDU, com a eleição de Ruben de Carvalho para presidente da Câmara -
e importante para Lisboa e para os lisboetas é, se tal vitória não for possível, uma votação quanto mais forte melhor na CDU.

Em qualquer dos casos, o voto na CDU é o que, de facto, serve os interesses de Lisboa e dos lisboetas - pela simples razão de que é o voto no Trabalho, na Honestidade e na Competência.