POEMA

VEGETAL E SÓ


É outono, desprende-te de mim.

Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.

Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.

Devolve-me o rosto de um verão
febril de tantos lábios,
sem nenhum rumor de lágrimas
nas pálpebras acesas.

Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como um rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.


Eugénio de Andrade
(«As Palavras Interditas» - 1950-1951)

6 comentários:

Maria disse...

Como é difícil dizer mais qualquer palavra do que: Belo poema!
Costumo dizer 'dá-me Eugénio, dá-me Sophia todos os dias'...

Um beijo grande

svasconcelos disse...

Foi um bom regresso ao "Cravo de abril", este encontro com o Eugénio de Andrade. Tinha saudades...:)
beijos

samuel disse...

E eu quase, quase a nascer...
Para além do cinzentodos dias de então, também me esperava esta beleza.

Abraço.

Justine disse...

Que bom começar o dia a ler um poema de Eugénio de Andrade!

Ana Camarra disse...

Bom, eu adoro Eugénio de Andrade, nunca descobri nada "menor", por isso constato.

beijos

Fernando Samuel disse...

Maria: e outros e outras...
Um beijo grande

smvasconcelos: ainda bem que regressaste, és da casa...
Um beijo.

samuel: mal sabias tu...
Um abraço.

Justine: ou terminar um dia a...
Um beijo.

Ana Camarra: e quem é que não adora?...
Um beijo.