NÃO HÁ PACHORRA...

Quando os jornais começaram a dar notícia dos julgamentos dos facínoras dementes que, sob a designação de Khmers Vermelhos - espalharam o horror no Camboja, disse para mim que eles, os jornais, iriam chamar «comunistas» aos criminosos cambojanos e atirar para cima dos comunistas as responsabilidades dos brutais crimes ali cometidos.
Estamos habituados a que assim seja e, como é sabido, à conta disso já carregamos um pesadíssimo fardo de crimes inomináveis...

No entanto, e para minha surpresa, tal não aconteceu!: para os média dominantes, faça-se-lhes justiça, os Khmers Vermelhos têm sido isso mesmo: Khmers Vermelhos, ponto final.

Até agora!
E é caso para dizer que tardou mas arrecadou...

Foi hoje, no órgão da Sonae.

Helena Matos,
comentadora que ali tem lugar cativo - e, portanto, escreve, em geral, imitando a voz do dono; e, em particular, imitando a sua própria voz... - desembaínhou a espada do anticomunismo militante e aí vai disto:

«Khmers Vermelhos»? - grita ela, naquele jeito que lhe vem dos tempos de revolucionária - «Khmers comunistas» é que eles são, «marxistas-leninistas» e tudo.
E conta que tudo isto, que ela já sabia muito bem, lhe foi confirmado por uma sua gémea, cambojana! - e, ainda por cima, descendente de portugueses!! - cuja lhe garantiu que «Khmers comunistas» é que eles eram - e quem disser o contrário não passa de um perigoso e criminoso comunista.

E por que é que os jornais chamam «vermelhos» aos kmers «comunistas»?
Helena Matos
pensa - sim, ela pensa... - que esse erro gravíssimo se deve a - eu avisei-vos: ela pensa! - que esse erro gravíssimo se deve a «uma estranha condescendência da opinião pública ocidental perante os crimes do comunismo».

E ESTA???!!!
Digo-vos: não há pachorra para aturar esta cambada.

Aqui ficam alguns registos que vale a pena recordar:

1 - o regime de Pol Pot - dos Kmers Vermelhos - foi derrubado pela acção dos comunistas vietnamitas que, intervindo no Camboja - e sob protestos e ameaças do governo dos EUA - puseram termo ao bárbaro genocídio que ali se verificava;
2 - quando, na sequência do derrubamento do regime, se criou um governo que se propôs iniciar a recuperação das cruéis devastações económicas, sociais, políticas, culturais, humanas, civilizacionais provocadas por quatro anos de poder dos Khmers Vermelhos, esse novo governo foi alvo de intensa ofensiva por parte dos EUA, da Grã-Bretanha, da França e da China;
3 - uma das exigências desses países - rejeitada pelos comunistas do Vietname -
era que os «polpotistas» estivessem representados no novo governo;
4 - altos dirigentes dos EUA, incluindo o seu Presidente, não se cansaram, na altura, de elogiar Pol Pot, de negar a dimensão e a crueldade do genocídio por ele praticado e de exigir que ele fosse considerado um cidadão com direitos iguais a qualquer outro cambojano - e com direito a ser eleito...;
5 - no Conselho de Segurança da ONU só a então União Soviética tomou posição clara e inequívoca contra os crimes de Pol Pot e defendendo um solução democrática para o país.

POEMA

EDITAL


Já estão a funcionar os moinhos da morte,
prontos,
oleados,
com motores novos e peças de reserva.

A instrução militar é muito vagarosa
e é urgente inventar um novo método.
Ainda não há soldados bastantes este verão,
é preciso incorporar mais cedo.

Não é possível perder tempo, ouviram!
Os moinhos da morte estão prestes a iniciar a sua tarefa,
os depósitos de bombas estão repletos,
as rampas de lançamento distribuídas pelos pontos estratégicos.
Tudo está a postos para o próximo dia M.

Os soldados, porém, são ainda insuficientes.

É necessário acabar com os cursos de Botânica,
de Arqueologia, Belas-Artes e Direito Civil.

É preciso queimar os escritos de Malthus,
destruir o método de Ogino-Knaus,
fuzilar um ou outro poeta recalcitrante.

Não ouvem as velas dos moinhos cortando a atmosfera
nos últimos, definitivos, ensaios?

É necessário inventar uma gigantesca correia-sem-fim
que produza diariamente milhares de soldados,
que taylorize o exército e bata os recordes de produção.

Sábios, estudantes, estadistas, pais de família,
homens e mulheres de boa vontade,
onde quer que habitem
seja qual for o vosso trabalho,
parem de perder tempo, de tomar chá,
de jogar o xadrez, a canasta, a bisca lambida,
parem de ter ócios, ler jornais, fazer ginástica:
atendam este apelo desesperado;
dediquem-se à solução deste problema.

As Escolas de Guerra vão diminuir de dois anos o seu curso.
Os moinhos estão prontos.

Não querelem,
não discutam a Arte pela Arte,
não frequentem exposições:
transmitam-nos ideias - nada é desaproveitável.
A mais humilde sugestão,
a mais aparentemente inútil,
pode ser a faísca reveladora do Grande Acontecimento.

Na doença ou na saúde,
na febre delirante, no banho quente,
na praia, no consultório médico,
nas salas de espera, na paragem dos eléctricos,
trabalhem sem descanso,
tentem,
contribuam.

Não leiam livros, não ouçam música,
não pintem - É UMA ORDEM.
Trabalhem sem hesitação;
o problema é urgente.


Egito Gonçalves

O QUE É E PARA QUE SERVE O TPI

O Tribunal Penal Internacional (TPI) concluíu que «existem fundamentos razoáveis para acusar Kadhafi por crimes contra a humanidade» - e passou o respectivo mandado de captura.
Trata-se de uma conclusão da qual podemos dizer, como se diz da pescada, que antes de ser já o era...
Estou certo de que ninguém, no planeta, esperava outra coisa, sabendo-se o que é e para que serve o TPI e o que são e para que servem os «juízes» que o compõem, a começar pelo seu procurador-geral, Luís Moreno-Ocampo.

A conclusão do TPI foi saudada pelos «rebeldes» que - cada vez mais mercenários - «a festejaram em Bengazi, disparando para o ar», todos satisfeitos.
Resta saber, agora, «quem executa o mandado de captura» - isto é, quem prende o Kadhafi e o entrega aos «juízes»do TPI - também eles cada vez mais mercenários.

Esse parece ser, aliás, o grande problema que se coloca.
Senão vejamos: infelizmente para o TPI, os «rebeldes» dizem não ter condições para executar a tarefa: festejar com disparos para o ar, sim senhor, nisso são bons;
disparar para o ar e festejar as bombas com que a NATO «protege os civis», matando-os, sim, senhor, isso também é com eles;
festejar, com disparos para o ar, as declarações do Obama sobre a necessidade de mais e mais bombas, isso então nem se fala;
- mas prender Kadhafi é um pouco mais complicado... é coisa que não se consegue com aquilo que é a especialidade dos «rebeldes»: festejar, disparando para o ar...

Por seu lado, os especialistas, comentadores & analistas - obviamente mercenários - dizem que assim não vamos lá...
Com isso querem dizer que as bombas de urânio empobrecido e o impedimento da entrada de víveres e medicamentos, por muitos civis que matem - esfacelados, à fome ou por falta de tratamento - não são suficientes para que o mandado de captura seja executado.
Resta então, dizem, a solução final: a invasão da Líbia: cidade a cidade, aldeia a aldeia, rua a rua, casa a casa... até chegarem à casa de Kadhafi.
Aí chegados, entregam-lhe em mão própria o mandado e entregam-no aos gulosos «juízes» do TPI - que o julgarão e condenarão a uma pena que foi decidida no dia em que Obama decidiu que Kadhafi deveria ser preso por crimes contra a humanidade, entregue ao Tribunal Penal Internacional, julgado e condenado.

Isto é o que está previsto - e como se vê está tudo previsto...
O futuro dirá se o previsto se confirma.
Ou não.

POEMA

NOTÍCIAS DO BLOQUEIO


Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos - contrabando - aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas e granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam
aumenta a raiva

e a esperança reproduz-se.


Egito Gonçalves

OLHA SE APOIASSE!...

Toda a gente sabe que Mário Soares não apoia nenhum dos candidatos à liderança do PS.
Ele está farto de o dizer e, por vezes, quando lhe fazem a pergunta (ou mesmo quando ninguém lhe pergunta), põe até aquele ar birrento e irritado que lhe cai tão bem e dispara: «Já disse que não apoio nenhum candidato».

Diz-se que sempre que o Soares diz que não apoia (seja o que for) é porque apoia (seja o que for) - mas isso são, certamente, más línguas...

Ontem, no decorrer da sessão em que foi apresentador de um livro («Compromisso para o futuro») de um dos candidatos que não apoia (António José Seguro), Soares repetiu e repetiu até à exaustão a sua decisão de não apoiar nenhum dos candidatos.
Até porque, explicou - naquele tom de explicador que lhe assenta tão bem - «acho que são ambos bons».
E, naquele ar maternal que lhe assenta como uma luva, deu um exemplo:
«Se uma mãe tem dois filhos, nunca diz de qual gosta mais» - após o que, para desfazer qualquer equívoco, e com aquele ar paternal que lhe fica a matar, esclareceu:
«Eles não são meus filhos, mas poderiam ser».

Esclarecida a não paternidade dos dois candidatos, Soares informou, então, que o candidato Seguro «está num caminho importante para o nosso país».
E porquê?: porque os «compromissos» assumidos pelo candidato Seguro - que Soares não apoia, recorde-se - «são verdadeiros compromissos de uma grande importância».
De uma tão grande importância que «só uma pessoa com grande coragem, com grande inteligência e sabedoria é capaz de os assumir» - e a pessoa possuidora de tanta «coragem», tanta «inteligência» e tanta «sabedoria» é o candidato Seguro, que Soares não apoia...
Olha se apoiasse!...

É caso para, glosando um conhecido ditado popular, dizer do candidato Seguro: diz-me quem te (não) apoia, dir-te-ei quem és.

POEMA

ELEIÇÃO


No grande laboratório
onde o amor mais puro é transformado em excremento
e um homem em tamanho natural
é reduzido em poucos minutos a escombros

onde os crocodilos são rapidamente promovidos
e os buracos de fechadura são pistolas automáticas

onde se esmaga o cordão umbilical dos sonhos
e se transformam os venenos em fogos de artifício

onde caixeiros viajantes se exercitam
para vender provetas saturadas de morte

é hoje inaugurada uma nova caveira
e muitos depositam nela imensa esperança.


Egito Gonçalves

DEMOCRATICAMENTE, É CLARO...

Mais de 700 mil cidadãos da República Soviética da Geórgia participaram, integrados no Exército Vermelho, na Grande Guerra Pátria contra os invasores nazis. Desses, 300 mil perderam a vida em combate.
Todos os anos - mesmo depois do desaparecimento da União Soviética - os veteranos da guerra, e milhares e milhares de outros cidadãos, assinalam em todo o País, a data do início da invasão que é - e eles sabem-no melhor do que todos os historiadores de pacotilha... - a data do início da Grande Guerra Pátria.


Acontece que, em 31 de Maio passado, a assembleia nacional da Geórgia decidiu proibir e condenar a utilização de todos os símbolos alusivos ao comunismo ou à URSS - símbolos que equiparou à iconografia nazi.
Quer isto dizer que, a partir do momento em que esta decisão da assembleia nacional for promulgada pelo chefe do Estado, qualquer cidadão que use esses símbolos
- ou qualquer veterano de guerra que exiba uma medalha atribuída por mérito em combate, ou por um acto de defesa da pátria e do povo contra os invasores nazis -
será detido e levado perante uma comissão específica encarregada de determinar a sua acusação.

Estamos, como se vê, perante uma assembleia nacional muito moderna e muito democrática - e, portanto, perfeitamente integrada na ofensiva anticomunista que corre mundo;
uma assembleia nacional com os seus deputados eleitos e cheios de coragem igualmente moderna e democrática, mas que, muito provavelmente, se fossem chamados a pegar em armas e a dar as suas vidas na defesa da pátria, optariam por se juntar aos invasores - democraticamente, é claro...

POEMA

NOVA VASSALAGEM


Subitamente os periódicos, a rádio,
propõem virilmente a indignação.

Doloroso é o instante em que a fissura
ameaça a ordem, abala a tradição,
golpeia a calma espessa que sugere
falsamente uma paz.

É preciso de novo, é necessário
confirmar.

Aqui, além, os esteios renem.
Falam do tempo, dos seus vários comércios;
pesam o valor do susto que os ronda.

Redigem o impresso, a anestesia. Assinam
em rigorosa ordem hierárquica.

O telegrama parte.


Egito Gonçalves

EXTRAORDINÁRIOS SAFARDANAS

Afinal o safardana não foi ao Concelho (de Estado) de Arcos de Valdevez: mandou mensagem-vídeo a dizer que não podia: «Os médicos proibiram-me de viajar para Portugal».
Não há como os médicos para tomarem decisões acertadas...

Na mensagem, o safardana fez questão, ainda, de cumprimentar outro safardana:
«o velho amigo Mário Soares», com o qual diz ter «muitos temas para conversar».
Ó se têm!: a traição é um inesgotável tema de conversa...

Ao auditório chegou outra mensagem-vídeo, esta do Bush-pai- outro safardana - a dizer que considera o safardana homenageado como «uma das pessoas mais extraordinárias que eu já conheci na minha vida».
Trata-se de um elogio de monta, já que , no álbum de conhecimentos de Bush-pai, abundam as pessoas extraordinárias, vulgo safardanas - aliás, ele próprio é um fazedor de safardanas, ou não fosse ele o Bush-pai do Bush-filho...


Pronto: «Gorbachev não veio mas encheu as ruas de Arcos de Valdevez» - diz o DN.
E no mesmo DN, o politólogo de serviço Viriato Soromenho-Marques, vem ensinar-nos «o que devemos a Gorbachev».
E o que é que devemos ao safardana, que é, na preclara opinião do politólogo «um dos maiores estadistas de sempre»?...
Pois bem - ensina o politólogo politologando - devemos-lhe ter libertado «a humanidade do flagelo de uma guerra nuclear de aniquilação»!!!
Notável revelação, esta!
Mal sabia eu que a libertação da humanidade do flagelo de uma guerra nuclear de aniquilação passava por colocar toda a capacidade de aniquilação nas mãos da única potência que, até hoje, lançou bombas nucleares sobre populações!...

Não há dúvida: o mundo e os média estão cheios de safardanas: de extraordinários safardanas.

POEMA

(O Sonho é a nossa arma.)


Há quem julgue que nos venceu
só porque estamos para aqui, famintos e nus,
de novo sem terra nem céu,
a apanhar do chão,
às escondidas do luar,
os frutos podres caídos dos ramos.

Mas não.

Temos ainda uma arma de luz
para lutar:
SONHAMOS.

... enquanto os outros, os traidores,
sem lutas nem cicatrizes
entregam a terra ao rasto dos gamos
e douram os olhos dos velhos senhores
com voos de perdizes...

Sim, sonhamos.
o sonho quem o derrota?
- mesmo quando vamos
perdidos na rota
de um barco sem remos
na tempestade de um vulcão.

Sim, camaradas, sonhamos.

Sonhemos!

O Sonho é também acção.


José Gomes Ferreira

EU E OS CARDEAIS PATRIARCAS...

Confesso que há entre mim e os cardeais patriarcas de Lisboa um conflito insanável.
Não gosto deles, de nenhum deles, por razões que adiante explicarei.
Falo dos que conheci, isto é, dos que patriarcaram Lisboa desde que me conheço, que são três, a (má) conta que Deus fez, a saber:
D. José Policarpo, D. António Ribeiro e D. Gonçalves Cerejeira.

Ontem, trouxe-vos aqui o primeiro e a sua invocação da caridade-para-matar-a-fome como forma de ocultar as causas da fome, ou seja; a sua acção ao serviço dos interesses do capitalismo explorador e opressor.
Razões mais do que suficientes para eu não gostar de semelhante criatura.

Há dias, o dr. Mario Soares (que, pelas qualidades inatas que possui, também não estava mal como patriarca de Lisboa...) lembrou-me o segundo - D. António Ribeiro - ao revelar que os dois conspiraram activamente para destruir a democracia de Abril.
Razões mais do que suficientes para eu gostar tanto do Cardeal Ribeiro como gosto do ciático Soares.

Falta o terceiro, de seu nome Manuel Gonçalves Cerejeira: O Cerejeira: de má memória.
Esse teve o privilégio de servir não apenas o capitalismo tout court, mas o capitalismo na modalidade de ditadura terrorista do grande capital - ditadura fascista.
E saíu-se bem da tarefa, por tal tendo assegurado, certamente, um lugar ao sol lá no céu.

O fascismo salazarista instituiu a caridade como política social do regime e o analfabetismo (isto anda tudo ligado...) como política cultural...
O ditador falou e pôs a falar sobre a caridade e o analfabetismo todos os jornais e comentadores políticos de então - e eles, como os seus sucessores de hoje, estiveram à altura da tarefa.

Era o tempo em que a frase «hoje vamos fazer caridade» corria pelo país e os jornais informavam do «Chá de Caridade, no Tivoli, promovido por uma Comissão de Senhoras da nossa Primeira Sociedade» (sic, incluindo as maiúsculas...) - e no dia seguinte davam notícia do êxito da iniciativa e mostravam fotografias das filhas das promotoras - «um friso de gentis meninas» (sic, outra vez...)- repletas de caridade bebida em chávenas de porcelana.
Era o tempo, portanto, em que o Cardeal Cerejeira estava como peixe na água a apregoar a sua terceira virtude teologal...

Nas escolas, desde a instrução primária, o ensino da caridade era a prioridade as prioridades - e, porque isto anda tudo ligado, também se pregavam as virtudes do analfabetismo.
Sobre os 75% de analfabetos existentes, os comentadores políticos de então escreviam assim: «A parte mais linda, mais forte e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos»;
ou assim: «Felizes aqueles que não sabem ler!»...
E sobre a virtude da caridade os livros escolares, neste caso o da terceira classe, ensinavam deste jeito:
«Gosto muito deste pobrezinho. Chora sem lhe fazerem mal e sem dizer porquê. Quando lhe levo alguma coisa que o consola, vou tão depressa que nem sinto os pés tocar no chão. Ando sempre contente nos dias em que posso visitá-lo e dar-lhe esmola. Não há alegria como a de fazer bem. Nosso Senhor ensinou que a maior de todas as virtudes é a caridade.»
Imagine-se o gozo devoto que tais ensinamentos às criancinhas provocavam no cardeal Cerejeira - e o estimulo que isso era para a sua pregação da CARIDADE.

Mas o fascismo não era só analfabetismo e caridade...
E nas suas outras vertentes teve sempre no Cardeal Cerejeira um activo propagandista, apoiante e colaborador.

Guardo na memória, para sempre - e para que fascismo nunca mais... - a resposta do Cardeal Cerejeira à carta que a esposa do embaixador de Brasil lhe enviou quando do assassinato, pela PIDE, de Raul Alves, operário, comunista, de Vila Franca de Xira.
Os pides lançaram Raul Alves do terceiro andar da António Maria Cardoso e arrumaram o assunto dizendo tratar-se de suicídio.
Contudo, de uma janela da Embaixada do Brasil, a esposa do embaixador assistiu ao crime e, emocionada, escreveu ao Cardeal Cerejeira a contar o sucedido.
E o Cardeal Patriarca de Lisboa - recorrendo a todos os dotes que fizeram dele um histórico arauto das múltiplas virtudes da caridade - reconfortou-a assim:

«Não há motivo para ficar tão impressionada. Trata-se, apenas, de um comunista sem importância».

Não gosto de cardeais patriarcas, pronto!
E não adianto mais razões.

POEMA

(ESPERAREMOS CEM ANOS...
Em frente da estação do Rossio,
quando os ponteiros do relógio
se aproximam da meia-noite.)


Amigos: vai passar mais um ano no relógio luminoso do Rossio.

E a nossa Revolução
cada vez mais sonho frio,
eterna paisagem
de merda sem canos
em que os homens continuam como são
com bocas de granizo
numa repetição de poços de ecos.

Deixá-lo!

Se for preciso
teremos a coragem
de esperar mais cem anos
pela transformação do mundo
no relógio dos Séculos.

(Cem anos que voem nos relógios com asas de um segundo.)


José Gomes Ferreira

DIGAM LÁ, Ó TROIKAS, QUEM É AMIGO, QUEM É?

É assim a Igreja:
diz-se, em palavras, a favor dos oprimidos - age, de facto, a favor dos opressores;
promete benesses celestiais aos primeiros - favorece a abençoa as benesses terrenas dos segundos.
Com isto, conta sempre com o apoio de uns e dos outros:
os opressores apoiam-na olhando para os cofres; os oprimidos apoiam-na olhando para o céu...
E uns e outros dão graças a Deus quando o papa, o cardeal, o bispo, o padre (1) pregam as virtudes da caridade - perdão: da CARIDADE! - cuja é, como os opressores sabem e os oprimidos desconhecem, a Madre que alimenta toda esta hipocrisia.
E é assim - alimentando-se da fartura de uns; da miséria de outros; e das graças-a-Deus de todos - que a Igreja se vai governando.
E bem!

Vem isto a propósito das palavras ontem proferidas pelo Cardeal Patriarca de Lisboa na procissão do Corpo de Deus - que, segundo os jornais, juntou em Lisboa 10 mil... ia escrever: oprimidos... mas escrevo: pessoas.
(é que os opressores raras vezes vão a estas coisas: eles sabem, desde tempos imemoriais, que tudo o que ali vai ser dito pelo orador de serviço é em seu benefício - e sabem que os oprimidos comparecerão em massa para aplaudir o orador. Ou seja: confiam absolutamente nos desígnios de Deus e dos seus representantes e representados na Terra...)

Então, foi perante um abundante e receptivo auditório, que D. José Policarpo fez o que tinha a fazer: pediu «ajuda para os que têm fome»;
e lembrou que «a Eucaristia é o sacramento da caridade»;
e asseverou que «a comunhão do Corpo de Deus introduz-nos na experiência da caridade»;
e garantiu que «a evangelização é uma exigência da caridade»...
E em verdade vos digo, irmãos - isto digo eu - que, depois disto, não há fome que resista a tanta caridade...

Portanto... há que esperar por ela - perdão: por ELA!
Portanto... sentai-vos, famélicos de Portugal, e orai!

Portanto... digam lá, ó troikas, quem é amigo, quem é?



(1): ou o presidente Cavaco que também prega caridade que se farta.

POEMA

(Neste Bairro da Ferrugem.)


Neste Bairro da Ferrugem
feito com barrotes podres, tábuas bichosas, canas,
roupa estendida onde fulgem
sóis rotos, toalhas, lenços lavados por lágrimas humanas...

Neste Bairro de barracas-armazéns de dores
em que talvez um dia rebente
a desarmonia
de folhas, asas, raízes, frutos, bichos de flores...

Sim, surgirá enfim o paraíso de outra primeira manhã
de um dia qualquer
de primavera
sem serpente
nem maçã,
ma apenas com um homem e uma mulher
à espera
do mundo final
- em que a miséria
deixe de nos unir num sonho igual.


José Gomes Ferreira

ALDRABÕES MAS DISCRETOS...

Há 70 anos, feitos ontem, o exército nazi iniciou a invasão da União Soviética.
Nesse dia 22 de Junho de 1941, «três milhões de soldados nazis, apoiados por 70 mil peças de artilharia e por 2 700 bombardeiros, atacaram uma frente soviética que se estendia por 1600 quilómetros».

Liquidar a União Soviética - e, com ela, a primeira tentativa em larga escala, na história da humanidade, de construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados - era o objectivo maior de Hitler.

No mesmo dia, o povo soviético iniciava a heróica resistência que viria a rechaçar os invasores e a derrotá-los definitivamente.

A data foi ontem assinalada em Moscovo «de forma discreta», informa o DN...
Contudo, como veremos já a seguir, de «forma» não tão «discreta» quanto isso.
Com efeito, lá apareceu o inevitável estoriador de serviço a contar a sua estória...
Neste caso, uma estória contada em três penadas:

1 - «Estaline sabia do iminente ataque nazi»;


2 - Assim sendo, «como foi possível estarem as tropas soviéticas tão mal preparadas para responder ao ataque e defender as suas fronteiras?»;

3 - ora, sabendo Estaline da invasão e não tendo as tropas preparadas, é óbvio que foi ele o responsável pelos «mais de 25 milhões de soviéticos que perderam a vida durante a II Guerra Mundial».


É caso para dizer que esta «forma» de assinalar um crime hediondo é tão, tão, tão «discreta» que... absolve os criminosos e condena as vítimas...


Recordo essa outra patranha que situa no desembarque na Normandia, ocorrido em 6 de Junho de 1944, o ponto de viragem da II Guerra - patranha que, de tantas vezes dita e publicada, passou a ser aceite como verdade absoluta pela generalidade das pessoas, em todo o mundo.
Há dois anos, quando do 65º aniversário dessa data, Obama fez questão de se deslocar à Normandia, onde, no local do desembarque, repetiu, como se estivesse a fazer uma revelação, que «o desembarque na Normandia marcou o ponto de viragem da II Guerra Mundial».
E, sempre a contar estórias, declamou: «foi um momento e um lugar onde a bravura de uns poucos mudaram o curso de um século» - escusado será dizer que não disse uma só palavra sobre a bravura dos milhões de soviéticos que morreram lutando e que, lutando, mudaram, de facto, o curso de um século...

O aldrabão sabia bem que estava a aldrabar:
sabia bem que o ponto de viragem da guerra ocorreu mais de um ano antes, quando o povo soviético e o seu Exército Vermelho venceram os nazis na batalha de Stalinegrado - iniciada em 17.9.42 2 terminada em 2.2.43 e na qual mais de um milhão e meio de soviéticos perderam a vida;

sabia bem que foi na sequência dessa vitória que se iniciou a contra-ofensiva soviética - que somaria outra vitória decisiva logo em Julho de 1943, na batalha de Kursk - que viria a culminar com a entrada em Berlim do glorioso Exército Vermelho, em Maio de 1945;

sabia bem que o desembarque na Normandia só aconteceu porque... o Exército Vermelho vinha por aí fora, numa marcha imparável...

É caso para dizer que, também neste caso, o estoriador Obama assinalou a data de «forma discreta»: mentindo...
A confirmar que estes estoriadores são uma cambada de aldrabões - mas muito «discretos»...

POEMA

(Quem dirigirá o Socialismo no futuro,
quando o sistema capitalista morrer?
Os proletários ou os pequeno burgueses?
Eis o segredo da luta actual, a madre da traição.)


A televisão
contribuiu muito para a minha educação
nas horas mais ingratas
da contra-revolução.

Ensinou-me sobretudo
a aguçar o gosto de usar gravatas
de seda e de veludo
- para enforcar a imaginação.


José Gomes Ferreira

A LÓGICA DAS TRANSFERÊNCIAS

Duas sensacionais transferências marcam profundamente a época em curso:

André Villas-Boas deixou o FCPorto e foi para o Chelsea.
Rui Tavares deixou o BE e foi... à vida.

Do primeiro, pouco há a dizer: os ingleses ofereceram-lhe não sei quantos milhões a mais do que aquilo que os portistas lhe pagariam e pronto.
Tudo claro -
no quadro da escuridão que domina o mundo do futebol, bem entendido.
E no quadro bem definido da lógica das transferências.
Creio que, em circunstâncias idênticas, o que Villa-Boas fez era o que faria a imensa maioria dos cidadãos - mesmo aqueles pobres patetas, bêbedos de inveja, género Miguel Sousa Tavares, que vomitam gritos de traição!, traição!...

Do segundo,o que há a dizer, diz-se também em poucas palavras: o desenlace era esperado desde as eleições para o Parlamento Europeu nas quais Tavares foi eleito na lista do BE... e a derrota do BE no dia 5 de Junho (também ela esperada desde as legislativas de 2009), com o tsunami interno que gerou, caiu como sopa no mel para a concretização do desenlace...
Há quem diga que, nestas circunstâncias, isto é: tendo o eurodeputado cortado relações com o partido que o fez eleger, Tavares deveria devolver o mandato ao referido partido.
Há, até, quiçá, quem diga coisas piores, muito piores...
Mas não façam caso: quem diz isso é gente obcecada pela ética, pelo respeito pelos eleitores e por outras velharias do mesmo género.
E é, acima de tudo, gente que percebe pouco de transferências.
E é, em primeiro lugar e acima de tudo, gente que não percebe nada, nadinha, da lógica das transferências...

POEMA

(Chama que nenhum vento apaga...)


A Revolução
parece às vezes que pára
ou que recua
tornando mais funda a escuridão
e noite menos clara
- como se qualquer Mágica Mão
apagasse o sol dentro da lua.

Mas só os medrosos temem
que a viagem
para a Manhã do Renovo
com limpidez de sémen
termine
- antes que cheguemos à paisagem
sonhada para o povo
por Lenine.

Não. A nossa Revolução
ainda não acabou
nem tão cedo acaba
- como no alto mar
não gela nenhuma vaga
ao sol de Verão.

Não. A nossa Revolução
continuará,
chama que nenhum vento apaga
- enquanto no coração
dos ricos-senhores
doer a ameaça
de os cavadores vermelhos
(o tojo inútil, as estevas, o rasto
das lebres e dos coelhos)
- guiados pelo malogro,
o asco
e a esperança
da sombra de fogo
da Voz do Vasco
colérica e doce.


José Gomes Ferreira

ASSIM VAI A VOZ DO DONO

Mal foram anunciados os nomes dos ministros que integram o governo que aí vem, os patrões apressaram-se a manifestar o seu total acordo com as escolhas feitas:
sim senhor, assim é que é, «jovens», com «superiores qualidades técnicas», «independentes», uma maravilha!...
E logo os comentadores, analistas e politólogos de serviço se apressaram a opinar que... sim senhor, assim é que é, jovens, com superiores qualidades técnicas, independentes...

Por seu lado, os média, sabendo o que iam encontrar - diz-me com quem falas dir-te-ei o que sabes... - foram ouvir a opinião de alguns suspeitos do costume, entre eles Moita Flores, Marinho Pinto e João Proença.

O primeiro, opinando de acordo com a opinião dos donos, disse que «o protagonista essencial será Vítor Gaspar» - esclarecendo: «não o conheço, mas julgo que é daí que se espera a grande revolução».
Deixemos o Moita à espera da «grande revolução» e passemos ao suspeito que se segue.

O segundo, opinando de acordo com a opinião dos donos, disse que «a nova ministra da Justiça é inteligente, determinada e muito independente» - e mais não disse, mas amanhã dirá mais. E depois de amanhã também. E assim sucessivamente.

O terceiro, opinando de acordo com a opinião dos donos, confessou: «Conhecemos bem Pedro Mota Soares e temos boa opinião do trabalho que ele tem feito na Assembleia da República» - e quedou-se nesta postura de sindicalista para o qual respeitinho é que é preciso...


E assim vai a voz do dono...

POEMA

(E subiu ao Trono o primeiro Governo
da Contra-Revolução.)


E agora
que os gigantes do avesso
nos querem transformar em subgente?

Que nos resta? O recomeço
do frio das algemas
e os grilhões desumanos,
para voltar inutilmente
a escrever poemas
recusando-me outra vez a ter mais de vinte anos?

Que fazer agora,
se até o Sonho nos querem roubar?

Exigir talvez
ao sol que, todas as noites dorme na lua e chora
com melancolia,
ouse de súbito acordar
- para que brilhe sempre o Espanto da Haver um Eterno Dia.


José Gomes Ferreira

O ELOGIO DA TRAIÇÃO

«Concelho de Estado» foi a designação escolhida pela Câmara Municipal de Arcos de Valdevez para, numa série de «eventos» (como se diz agora...), «prestar tributo e reflectir» sobre o percurso e a obra de algumas das maiores personalidades políticas do planeta.

A primeira edição do Coisa ocorreu o ano passado e, como não podia deixar de ser, o homenageado foi Mário Soares.
Entre os convidados que «reflectiram» sobre o homenageado estavam Gorbatchev, através de video-conferência - e, ao vivo, Carlucci.
Foi um êxito estrondoso - êxito que, se não correu mundo, pelo menos correu Concelho...

Para a edição deste ano - a realizar no próximo fim-de-semana - o homenageado é Gorbatchev.
E Mário Soares é um dos convidados que vai «reflectir» sobre ele.
Não sei se Carlucci também vai (a notícia é omissa sobre isso)... mas se não for é uma falha imperdoável, que tira brilho, conteúdo e sentido à homenagem.
Está lá Mário Soares, é certo - e a confirmar que amor com amor se paga...- mas toda a gente sabe que Soares sem Carlucci não é nada...

Aguardemos para ver o que aquilo vai dar - e estou em crer que vai dar para contar.
(por mim, vou estar atento ao desenrolar da representação...)

E aguardemos, igualmente, que a Câmara Municipal do Concelho (de Estado) de Arcos de Valdevez nos diga qual vai ser o homenageado na terceira edição do certame.
Isto porque se se mantiver o critério seguido nas duas primeiras edições - ou seja, se o terceiro homenageado for, como os dois primeiros, um reles vendedor da sua pátria e do seu povo - então, a Coisa deverá passar a chamar-se «O Elogio da Traição».

POEMA

Segunda «Poesia de Parede»


Meu filho, queres saber
porque recusei fazer o papel de paisagem
e não entrei no elenco
da farsa que houve aí de homenagem
a Ievtuchenko?

Primeiro: porque já estou velho para pagem.
Depois, porque quase chorei quando vi
que foram fotografá-lo
debaixo do galo
do S.N.I.

Ah! Ievtuchenko,
que pensarão das tuas fotografias
e desse galo torto
(que tão bem te define)
as raivas do coração fundo
dos presos de Caxias!

E Lenine?

Que pensará o camarada Lenine
que - sabias? -
até depois de morto
fez a revolução no outro mundo?

Conclusão, meu rapaz:
nunca queiras ser cartaz.


José Gomes Ferreira
(1967 - quando da vinda a Portugal do poeta soviético Ievtuchenko)

O INIMIGO NÚMERO UM DA HUMANIDADE

Volto à Líbia... sem sair de Portugal.
O governo Passos/Portas - próximo executante da política de direita - prepara-se para prosseguir a devastação do País;
dessa devastação consta o prosseguimento da entrega da independência nacional ao imperialismo;
dessa entrega consta o prosseguimento do apoio servil, sabujo e criminoso aos bombardeamentos da NATO ordenados pelo imperialismo norte-americano.

Bombardeamentos que prosseguem com crescente intensidade e brutalidade destruindo, arrasando, matando, mas que os criminosos seus responsáveis - Obama em primeiro lugar - apresentam como coisa necessária, justa, democrática, meritória, salvadora de vidas, humanitária...

Raras vezes a hipocrisia destes profissionais do crime em massa, expoentes máximos do terrorismo internacional - ao pé dos quais todas as al-kahedas não passam de meninos de coro - terá atingido proporções semelhantes às actuais.
Isto, mesmo sabendo que os bombardeamentos do imperialismo norte-americano sobre países e povos soberanos sempre foram hipocritamente justificados com a «necessidade de salvar vidas humanas».
Foi assim tanto em Hiroshima e Nagasáqui como nas quase quatro dezenas de países até agora alvos dos bombardeamentos salvadores dos apóstolos da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.

Todavia, no caso da Líbia a hipocrisia dos criminosos, porque assumida arrogante e insolentemente, vai mais longe do que nunca.
«Proteger civis»: dizem eles, lançando sobre os civis toneladas de bombas.

E aos bárbaros bombardeamentos que destroem bens e vidas humanas na Líbia, juntam-se os bombardeamentos da hipocrisia assumida, desferidos pelos criminosos e pelos seus lacaios nos governos e nos média dominantes, contra a inteligência dos cidadãos - dos que a têm, obviamente...
Na verdade, a forma como a acção «humanitária» dos criminosos nos é relatada nos jornais, atinge expressões e dimensões que aviltam e espezinham o dever de informar e o direito a ser informado, que aviltam e espezinham os mais elementares princípios democráticos.

Um pequeníssimo exemplo:
Título de uma notícia do DN:
«NATO intensifica ataques a Tripoli»
.
Até aqui, nada a dizer: é verdade que os bombardeamentos da NATO sobre a capital da Líbia têm vindo a intensificar-se, aliás obedecendo a ordens expressas de Obama nesse sentido.
No entanto, depois o DN faz suas as palavras do criminoso Rasmussen, secretário-geral da NATO:
«A nossa mensagem ao povo líbio é clara. Vamos proteger-vos o tempo que for necessário».
Isto é: os bombardeamentos anunciados no título são para proteger... os bombardeados...

E, neste caso, a questão está em saber quem é o maior criminoso: se o criado de Obama na NATO, se quem, no DN, se associou ao crime.

Isto, claro, sem esquecer o criminoso número 1.
E sem esquecer a afirmação - certeira e plena de actualidade - feita pelo então jovem Che Guevara: «o imperialismo norte-americano é o inimigo número um da Humanidade».

POEMA

(Morreu Picasso, que não se limitou
a mostrar com génio nos seus quadros
as coisas e os homens destruídos pelo
sistema capitalista...)


Mais nos ensinou Picasso:
que não se é jovem apenas biologicamente,
em virtude
da força com que se luta, o vigor do passo,
o sangue ardente,
nenhuma ruga na face,
o punho agreste e rude.

Na opinião dele
a juventude
nada tem a ver com a pele.
É um sonho mais profundo.
Constrói-se, faz-se
hora a hora, dia a dia,
segundo a segundo.

Sobretudo quando se é comunista
como ele era,
e se ambiciona um Mundo Novo
em que exista
a imaginação, a alegria
e a dupla primavera
nos homens e na Terra.


José Gomes Ferreira

QUE SEJA O ÚLTIMO

Digo-vos que o governo PSD/CDS/Passos/Portas vai ser ainda pior do que o governo PS/Sócrates.

Não digo isto depois de saber os nomes dos ministros que os trabalhadores e o povo vão ter que suportar a partir de agora: com estes ou outros nomes, o governo que aí vem seria sempre pior do que aquele que se foi.
Digo isto, porque é assim que as coisas se passam de há 35 anos a esta parte, e nada permite supor que assim não é desta vez - antes pelo contrário.

E digo mais: todos sabemos que o governo PS/Sócrates foi pior do que o do PSD/Barroso;
e que este foi pior do que o do PS/Guterres;
e que este foi pior do que o do PSD/Cavaco - e assim sucessivamente...
... por aí fora até ao longínquo e fatídico ano de 1976, em que o governo PS/Soares deu início à ofensiva contra a democracia de Abril e à entrega do País ao grande capital nacional e estrangeiro.

Digo ainda
que, de então para cá, cada governo levou mais longe do que o seu antecessor a obra destruidora, porque cada governo criou condições para que o seu sucessor o superasse na destruição de Abril.

Quero eu dizer
com isto - dizendo, agora, as coisas com mais rigor - que cada governo, ao longo destas três décadas e meia, não foi melhor nem pior do que o anterior: foi igual - porque todos foram iguais: porque cada um deles cumpriu a tarefa que a todos está destinada de tudo fazer para liquidar totalmente a democracia de Abril.

Digo então , resumindo, que o governo que aí vem, sendo igual a todos os que o antecederam, vai ser o pior de todos, porque é o mais recente.
E esperemos que seja o último.
E, sobretudo, lutemos, lutemos muito - e com muita força - para que seja o último.

POEMA

(De um entrevista qualquer num jornal
inquiridor: «Mas estarão os comunistas
dispostos a aceitar o princípio da "alternância no poder"?»


«Democracia é alternância»
repetiu de novo a embalar tédio,
um senhor de sono espesso.

Como se fosse possível - ó glória! ó ânsia! -
construir um prédio,
mudando de vez em quando
os mesmos tijolos do avesso.


José Gomes Ferreira

A CHICOTE, SE FOR PRECISO

Afinal os cortes de trânsito na Avenida da Liberdade vão manter-se até às 6 horas de segunda-feira - e não até sábado, como ontem escrevi.
Também a privatização quer da Avenida quer da Liberdade parece estar, para já, fora de questão: garantem-me fontes dignas de todo o crédito que, por enquanto, a parelha de troikas apenas manifestou disponibilidade para uma troika de opiniões exploratória com o mega-interessado.
Percebe-se este compasso de espera: por um lado, a parelha tem uma agenda carregadíssima e não pode acudir a tudo ao mesmo tempo; por outro lado, e como os factos mostram, a privatização quer da Avenida quer da Liberdade é apenas um pró-forma, visto que o mega-dono-disto-tudo, porque é dono-disto-tudo é já o dono quer da Avenida quer da Liberdade.

Da tal agenda carregadíssima fala-nos o jornal i: o plano de privatizações elaborado pela parelha de troikas, em serviço combinado, engloba para já, as seguintes empresas:

«ANA, TAP, BPN, CP Carga, Galp, EDP, REN, Caixa Seguros, bem como uma série de empresas de menor dimensão» ( os chamados trocos...)
«também abertura para a concessão de linhas e rotas da Carris, STCP e Metro de Lisboa» - para além de «um programa de alienações parciais na Águas e Portugal».
A abertura também se estende à RTP, à Antena 1, à Antena 2, à Antena 3 e à Lusa.

Com tanto trabalho, percebe-se que quer a Avenida quer a Liberdade tenham que esperar um pouco mais pela sua vez.
Mas não há crise: a parelha de troikas, com a parelha Costa/Zé-faz-falta atrelada, comprometem-se a compensar o dono-disto-tudo por eventuais prejuízos decorrentes do atraso, garantindo-lhe desde já um substancial aumento dos lucros do ano em curso... e seguintes.

Porque, como patrioticamente disse o patriota Cavaco - fazendo parelha com o patriota Barreto - para erguer o País são inevitáveis os sacrifícios...

Bom, com isto tudo quem está mesmo sobrecarregado com trabalho é o mega-dono-disto-tudo, que tem que fazer marchar com passo certo estas parelhas todas - e a chicote, se for preciso.

POEMA

(Carta mental para o filho preso.)


Agora que estás sozinho,
chora com coragem de homem
o teu destino insubmisso,
a ouvir a chuva nas grades,
caída de olhos alheios.

Rumor frio
que tanto aquece os sonhos
e dá à morte
a intimidade adormecida dos seios.


José Gomes Ferreira

O MEGA-DONO-DISTO-TUDO

Por razões imperativas tive que passar, ao fim da tarde de hoje, pela Avenida da Liberdade.
Má sorte a minha!: caí num engarrafamento monstruoso, como há muito tempo não me acontecia; cheguei atrasadíssimo ao meu destino; irritei-me.
E pior fiquei quando me apercebi que, para sair dali, no regresso, teria que passar pelo mesmo calvário - como veio a acontecer.

Muito pior fiquei quando me apercebi que as razões do engarrafamento se prendiam com o facto de as faixas centrais da Avenida estarem, nos dois sentidos, fechadas ao trânsito automóvel - que apenas circulava pelas laterais - e que tal sucedia (segundo a prestimosa informação prestada por um dos muitos polícias ali de serviço) «por causa do mega-pic-nic do Continente».
Quis saber mais e soube que, pela mesma mega-pici-nical razão, já ontem assim foi e assim será - para pior - amanhã e sábado, dia da mega-coisa.

Ora (pensei para mim), isto de a Câmara Municipal de Lisboa, presidida pelo dr. António Costa, decidir cortar o trânsito, por quatro dias, na Avenida da Liberdade - artéria principal da capital do País - para a organização de uma acção de propaganda de uma empresa privada, é coisa nunca vista - é coisa de espantar, mesmo neste tempo em que as razões para espantos por tais megas-coisas quase deixaram de existir.

Depois pensei melhor e fez-se-me luz: lembrei-me que Continente é Belmiro e Belmiro é o que é: um dos dos donos disto tudo, razão pela qual os seus desejos são ordens para qualquer presidente de Câmara ou de República; para qualquer primeiro (ou segundo, ou terceiro...) ministro - ou para qualquer outro dos seus fiéis servidores.

E não me admirarei nada (já não há nada que me faça admirar...) se, no sábado, a multidão presente ouvir do apresentador do espectáculo qualquer mega-coisa deste tipo: «E agora, senhoras e senhores, connosco!, Belmiro, o mega-dono-disto-tudo!».
E se assim for, é bem provável que entre a assistência, em lugar de honra, esteja o primeiro-ministro-quase-indigitado - aproveitando para pagar, publicamente, a visita que o patrão lhe fez num comício de campanha eleitoral...

E agora?
Bom, agora, é só esperarmos pela próxima pancada:
É bem provável que, mais dia menos dia, a Avenida seja transformada numa mega-superfície-comercial...
E é mais do que provável a privatização da Liberdade.

POEMA

(Outro edital.)


Não afoguem o inimigo em lágrimas
embrulhadas em algodão em rama.

Não odeiem
como que ama.


José Gomes Ferreira

CUIDADO COM O RAFEIRO!

Em editorial, com o título
«"Democracias" que a história não reconhece»
e o subtítulo
«A herança do "companheiro Vasco» ou a "democracia já" dos que acampam no Rossio são faces da mesma moeda»,
o órgão da Sonae de 12 de Junho acusa o toque em relação à homenagem prestada no dia anterior ao General Vasco Gonçalves.

Porque o editorialista sabe - mas finge que não sabe - ser falsa a semelhança que enuncia entre «os que acampam no Rossio» e os que, ao apelo da Associação Conquistas da Revolução, recordaram o exemplo e a obra do Companheiro Vasco - figura maior da Revolução de Abril - não lhe farei o frete de contestar e fazer em cacos tal «semelhança».

Registarei, sim, as considerações por ele produzidas sobre a Democracia de Abril - bem reveladoras, aliás, de como o grande capital - pela boca esfaimada dos seus cães de guarda - ainda treme de susto quando pensa no 25 de Abril libertador e na Revolução que se lhe seguiu.

Escreve o «colaborador» da Sonae - certamente a pensar nas graças do «empreendedor»... - que foi com Vasco Gonçalves «como primeiro-ministro que Portugal mais se dilacerou em acesas guerrilhas de poder que conduziriam ao 25 de Novembro e ao fim das ilusões utópicas de uma «"democracia" popular onde acabariam por mandar não-eleitos» - coisa inadmissível nesta democracia das sonaes onde quem manda são os belmiros eleitos...

E é fielmente agradecido e abocanhando o osso lançado pelo dono que, em ganidos deleitados, procede à definição da sua (isto é, do dono) «democracia» - que é «aquela onde o povo escolhe os seus representantes e onde os depõe quando falham, e rejeita imposições»...
Com tal definição, o escriba finge - o escriba é um fingidor... - estar a falar desta «democracia» do dono dele, onde, ainda no dia 5, o povo escolheu os seus representantes (ó se escolheu!), depôs os que falharam (ó se depôs!) e rejeitou imposições (ó se rejeitou!)...
Mas esta é que é a «democracia»! - exclama - a tal, a do gostinho especial que faz o jeito ao capital, a tal que «não reconhece "democracias" vindas de iluminados que o povo não legitimou».

Então, é assim - nesta prosa ganida e lambida à volta de um mísero osso - que o rafeiro decreta, de uma assentada, quatro ilegitimidades:

a ilegitimidade do derrubamento do governo fascista pelo Movimento das Forças Armadas;

a ilegitimidade dos governos provisórios designados pelo MFA;

a ilegitimidade da Revolução de Abril e das suas conquistas alcançadas através da aliança POVO/MFA; e

a mais antidemocrática, a mais grave, a mais perigosa, a mais subversiva, a mais terrorista de todas as ilegitimidades: a ilegitimidade do SONHO
.


Cuidado com o rafeiro!

POEMA

(No túnel antes de chegar à estação
de S. Bento, no Porto.)


Ousaram
fechar um homem na treva
promovê-lo ao silêncio
impor-lhe muros de sede.

E agora?

Ei-lo sozinho,
terror de olhos secos
com uma lâmpada de lágrimas no coração
a furar um túnel de névoa na parede.

Ousaram
iluminar a treva com homens.


José Gomes Ferreira

«OUVIR BARRETO»?: CHIÇA!

Pedro Lomba é um dos comentadores com lugar cativo no órgão da Sonae.
Um, igual a muitos que, fingindo profundas diferenças entre si, ali vão vertendo a ideologia comum a todos - que, por coincidência, é a ideologia do patrão da Sonae...

Na peça de hoje, Lomba manifesta o seu desagrado por haver quem não tenha gostado do discurso de António Barreto, no 10 de Junho. Vejam bem, os ingratos!...
E identifica os que não gostaram da barretal oração com «a esquerda» - que para ele é, explicitamente, o PS e é, depois, uma equívoca «certa esquerda»...
(tal identificação tem toda a lógica: sendo Lomba um direitinha à maneira, convém-lhe - e de que maneira! - que conste que o PS é de «esquerda» - e, até, como ele diz, «socialista» - sabendo bem que essa é a melhor forma de denegrir a esquerda e o socialismo).

Pergunta o Lomba: «O que disse Barreto de tão ofensivo?».
E responde: «Criticou os políticos, exigiu o "apuramento de responsabilidades" e falou no "direito" das novas gerações em rever a Constituição» - ou seja, remata o Lomba, triunfante, Barreto «disse fielmente o que dizem as pessoas na rua»...
É certo que muitas pessoas, «na rua», criticam os «políticos» e exigem o apuramento de responsabilidades pelas tropelias cometidas «pelos políticos»;
é certo, também, que para essas pessoas, os «políticos», como os «partidos», «são todos iguais»;
e é tragicamente certo que o que essas pessoas dizem, é o que lhes foi dito e redito, todos os dias de todos os anos, pelos comentadores com lugares cativos nos média dominantes - os tais cuja opinião comum a todos, de tantas vezes publicada se transforma em opinião pública...
Pelo que, invocar o que dizem «as pessoas na rua» para fazer de uma manipulação cozinhada uma verdade absoluta, constitui profunda desonestidade - e mostra bem o tipo de condimentos de que é feita a ideologia dominante...

Sobre a Constituição, que é hoje o tema dos temas para o grande capital e para os partidos que o representam - e é, por isso, o tema dos temas para os comentadores com lugar cativo nos média do grande capital - Lomba cumpre a tarefa de não ter dúvidas: «É necessária uma reforma constitucional a sério»!!!
E avançando já com a «necessária» argumentação - que, nos tempos mais próximos, vai ser repetida e repetida por tudo quanto é comentador pago pelo grande capital - Lomba clama por uma revisão «em que todos nós, e os que nasceram depois de 1976, possamos intervir num debate novo e limpo sobre o nosso futuro colectivo»...
Porque, como disse o genial Barreto, citando não sei quem, «cada geração tem o direito de rever a Constituição».
E porque, como disse o sempre genial Barreto, desta vez citando-se a si próprio, para esse debate «novo e limpo» vamos proceder à «repolitização das novas gerações». (quererão Barreto&Lomba Associados dizer que as «novas gerações» já foram, em tempos, politizadas, mas entretanto perderam a politização?...)

Esta apetência participativa, vinda de um Lomba assim, é no mínimo estranha.
Não sabe , talvez, o Lomba - ou sabe, mas não quer que se saiba - que a elaboração da Constituição de Abril, aprovada em 1976, resultou de um processo de participação popular único na história do nosso País - da mesma forma que uma das características essenciais da democracia de Abril foi a sua forte componente participativa.
E como o Lomba muito bem sabe, a democracia burguesa em que vivemos é estruturalmente, intrinsecamente, avessa à participação - o que se compreende, pois se assim não fosse não durava dois dias...
Por isso, quando o Lomba clama por uma revisão «a sério», com a participação de «todos nós, e de todos os que nasceram depois de 1976», sabe muito bem que está a querer enfiar-nos o barrete. E o Barreto.

E é em tom profético que o Lomba termina o seu panegírico de Barreto - que é, simultaneamente, auto-panegírico: «Barreto provavelmente compreendeu, e não foi o único, que certa esquerda se tornou arcaica, conservadora, desconfiada. Essa esquerda devia perceber que, se não quiser fugir ao seu tempo, tem de ouvir Barreto».
Aqui chegado - e independentemente de quem seja a referida «certa esquerda» - só posso desabafar:
«Ouvir Barreto»?: CHIÇA!

POEMA

(A meu lado na carruagem-restaurante,
um pedante faz muitos gestos para exibir
o brasão do anel.)


Também tenho brasão.
Este:

Em campo agreste,
oculta na bainha,
uma espada
com altivez de cipreste
- a lutar sozinha
contra a morte a fingir de acordada.

(Lema do meu brasão)

Viva a solidão!
que cerra mais e mais
os punhos dos homens
- para terem a ilusão
dos dedos iguais.


José Gomes Ferreira

ALA QUÊ?

É voz corrente que há, no PS, uma «ala esquerda».
Haverá?: responda quem souber.
Dizem uns que ela é indetectável mesmo que com o recurso a forte lupa; segundo outros, ela é detectável mesmo à vista desarmada; dizem terceiros que tanto se lhes faz...
Há ainda quem diga que há e não há, isto é: há uma coisa com esse nome à qual está atribuída a exclusiva, útil e utilitária tarefa de mostrar que no PS - líder incontestável da contra-revolução e da política de direita - há uma «ala esquerda» - que é coisa que fica sempre bem.

Diz a mesma voz corrente que Ana Gomes integra essa «ala esquerda» - que uns detectam, outros não e outros nem sim nem não.
Integrará?: responda quem souber.
Certo-certo é que, de vez em quando, a exuberante eurodeputada do PS, arreia a giga e, de mãos nas ancas, representa a tradicional peixeirada que a catapulta para a ribalta mediática - umas vezes dando ares de «esquerda»; outras, nem por isso; outras, bem pelo contrário...


Há dias, Ana Gomes entornou no DN um texto intitulado «Líbia: de armas e sandálias, pela liberdade».
Nele, a representante da (in)detectável «ala esquerda», destilando emoção por tudo quanto é sítio, relata as suas impressões sobre uma viagem à Líbia e o seu entusiasmo com a eficácia libertadora e humanista dos bombardeamentos da NATO.

É neste estilo de correspondente de guerra que puxa a brasa à sua sardinha - à «esquerda» do fogareiro, obviamente - que ela arranca:
«À saída de Bengazi, passei pelas carcaças dos tanques de Kadhafi: impressionante a precisão cirúrgica da intervenção aérea que impediu o massacre».
E é com ainda maior fervor bombista e ardor de «esquerda» que prossegue:
«Foi redentora a decisão das forças aliadas de levar à prática a "Responsabilidade de Proteger»...

Mais adiante - chamando à memória tudo o que leu sobre o assunto - conta que conversou «com combatentes sobre o desenrolar espontâneo da revolta popular», conversa que, faz questão de sublinhar, decorreu «na linha da frente» (se bem entendo: onde não caem bombas da NATO).
E o que é que lhe disseram os «combatentes»?: para além, naturalmente (isto digo eu...), de expressarem o desejo de que a NATO bombardeie até à rendição todas as cidades que estão sob controlo do governo líbio, confessaram-lhe, (isto diz ela), que querem «uma democracia secular», com «medias livres», com «leis eleitorais e reformas constitucionais e institucionais».
Enfim, uma «democracia» (isto digo eu) mais coisa menos coisa como a que existe em Portugal, graças à contra-revolução e à política de direita lideradas pelo partido no qual Ana Gomes integra a (in)detectável «ala esquerda».

E é com lágrimas de emoção libertadora correndo-lhe pelas falangetas que ela descreve as cidades libertadas, (onde) «as crianças brincam nas ruas»; onde «as lojas estão abertas e até os semáforos são obedecidos»... enquanto na Tripoli ocupada, «faltam gasolina, electricidade, alimentos e a repressão é brutal»...

Aqui chegado, não posso deixar de dar toda a razão a Ana Gomes:
é um facto que, em Tripoli,
as crianças não brincam nas ruas,
as lojas estão fechadas,
os semáforos nem sequer funcionam,
não há alimentos,
a repressão é brutal.

E nem é preciso ir lá para saber que assim é: basta saber que os redentores/protectores - amigos e heróis de Ana Gomes - despejam sobre a cidade, dia e noite, toneladas e toneladas de bombas.
Bombas que, não obstante Ana Gomes nos garantir que são «redentoras» e cumpridoras da «responsabilidade de proteger»,
destroem bairros residenciais, escolas, hospitais e ferem, estropiam e matam milhares de pessoas inocentes;
bombas que são complementadas por um cerrado bloqueio humanitário que impede a entrada de alimentos e medicamentos;
bombas que matam quando rebentam e que, por efeito do urânio empobrecido que contêm, continuam a matar pelos tempos fora;
bombas que - Obama o diz- são ainda poucas e têm que ser multiplicadas para que a «protecção» seja total.

Mas isso que importa? Mas isso que interessa?
Para a intrépida activista da «ala esquerda», o futuro da Líbia é por demais promissor:
depois da destruição redentora, virá a ocupação libertadora, à qual se seguirá a reconstrução protectora (as grandes empresas dos países ocupantes, generosas, reconstruirão tudo, tudo, tudo o que as suas bombas destruíram); e, finalmente, chegará a democracia salvadora - made in USA - garante da democrática transferência das riquezas naturais da Líbia - petróleo incluído... - para a pátria da democracia, da liberdade e dos direitos humanos: a mui louvada pátria do mui louvado Obama, descendente directo e herdeiro de Bush-filho, de Clinton, de Bush-pai, de Reagan e de todo o cortejo de redentores, libertadores, reconstrutores e salvadores aos quais o mundo e a humanidade tanto devem - e tanto têm ainda que pagar...

Voltando à matéria de primeiro: ala quê?...
É caso para dizer que um partido com tal «ala esquerda» nem precisa de «ala direita» para ser o que é.

POEMA

(«Ó papoilas da vingança/a nova cor da esperança/é a vossa cor».
A mãe cantava-lhe estes versos.
Entretanto consta que no Baleizão mataram uma camponesa:
Catarina Eufémia.)


Toda a noite cantaste em voz baixa,
para adormecer o menino,
a canção do Graça:
«Ó papoilas dos trigais...»

Canta, canta,
para o acordares mais.

(Transforma-lhe os dedos
em pátrias de punhais.)


José Gomes Ferreira

O QUE FAZ CORRER ASSIS

Da entrevista de Francisco Assis ao Diário de Notícias (com sublinhados meus, em jeito de comentário...):

«É evidente que me candidato a secretário-geral e a primeiro-ministro».
«O meu objectivo é mesmo ser o secretário-geral e ser o próximo primeiro-ministro socialista de Portugal».

«É evidente que o PS tem de honrar em absoluto os compromissos assumidos» (com a troika).

«Desejo (a Passos Coelho) que tudo lhe corra bem».

«Desejo a melhor sorte ao próximo Governo».

«É bom para o País, é bom para a saúde das instituições democráticas, para o prestígio do próprio regime, que esta legislatura seja cumprida».

«Se as eleições fossem só daqui a quatro anos, isso era um bom sinal».


Pergunta: «Dentro do PS é da ala esquerda
Resposta: «Sou um homem de esquerda democrática, sempre fui desde que me conheço com consciência política. Não tenho uma preocupação excessiva em estar-me a colocar mais à esquerda ou mais à direita, insiro-me nessa tradição histórica do socialismo democrático e da social-democracia.
(...) Tenho dito ao longo dos anos que talvez a minha maior referência política seja o dr. Mário Soares. Mas também não é difícil que assim seja. É um fundador, não apenas do PS como da democracia portuguesa».

Comentário do entrevistador: «O discurso de Francisco Assis, fluente, sai rápido, está estruturado. Faz lembrar António Guterres».