O Lado dos Homens


Foto: Boca do Inferno, Cascais, Maio '10


De agora em diante eu e o meu irmão (António Galamba) "postaremos" as nossas fotografias no Cravo de Abril - uma junção dos blogs "O Lado dos Homens" e o "Cravo de Abril".

Abraços,

POEMA

HOMEM


Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pincelada de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.


António Gedeão

(Gedeão é a escolha do Cravo de Abril para o ciclo de poesia hoje iniciado.)

ISTO ANDA TUDO LIGADO

Diário da Manhã era o título do jornal diário que, no tempo de Salazar, cumpria o papel de órgão oficioso do fascismo.
Depois, a Cadeira cumpriu o seu dever patriótico e Salazar passou a chamar-se Caetano; e a PIDE passou a chamar-se DGS; e o Diário da Manhã passou a chamar-se Época - e o fascismo passou a chamar-se Primavera...

Apesar de nada de essencial ter mudado, alguns fascistões mais trogloditas ficaram profundamente irritados com a «mudança» e, quais viúvas para todo o serviço, carpiam a morte do Chefe, rezavam pela sua ressurreição e continuavam a tratar a PIDE e o Diário da Manhã pelos nomes próprios...

São, talvez, as saudades desses tempos que estão na origem do aparecimento recente, no Correio da Manhã, de uma rubrica que tem por título, precisamente, o título do antigo jornal fascista/salazarista: Diário da Manhã.
Os textos ali vertidos diariamente - reaccionários até dizer chega - são assinados por um tal António Ribeiro Ferreira, autor cuja postura política desvendada o parece colocar à direita de toda a direita (mesmo da mais direita de todas as direitas conhecidas).
E tudo isto me traz à memória os tais fascistões trogloditas que continuavam a tratar a PIDE e o Diário da Manhã pelos nomes próprios...

Isto porque a escolha da designação da referida rubrica não foi obra do acaso - bem pelo contrário...
E em verdade vos digo, meus amigos: isto anda tudo ligado...

POEMA

ITINERÁRIO


Os milhares de anos que passaram viram
a nossa escravidão.

NÓS carregámos as pedras das pirâmides,
o chicote estalou,
abriu rios de sangue no nosso dorso.
NÓS empunhámos nas galés dos césares
os abomináveis remos
e o chicote estalou de novo na nossa pele.
A terra que há milhares de anos arroteámos
não é nossa,
e só NÓS a fecundamos!
E quem abriu as artérias? quem rasgou os pés?
Quem sofreu as guerras? quem apodreceu ao abandono?

E quem cerrou os dentes, quem cerrou os dentes
e esperou?

Spartacus voltará: milhões de Spartacus!

Os anos que aí vêm hão-de ver
a nossa libertação.


Papiniano Carlos

A LUTA É O CAMINHO!

Foram mais de 300 mil os homens, mulheres e jovens que, ontem, em Lisboa, protagonizaram uma das maiores manifestações de massas de sempre em Portugal.

Vieram de todo o País - do Minho ao Algarve; do Alentejo às Beiras; do Ribatejo a Setúbal; dos Açores à Madeira; do sector público ao sector privado; de todas as áreas de actividade; empregados e desempregados; reformados e pensionistas - trazendo consigo a determinação de pôr termo à política de direita ao serviço do grande capital e exigindo o cumprimento dos seus direitos.

(Quem não gostou foi a ministra do «trabalho» - que condenou a «contestação», enalteceu o «diálogo» e a «concertação» e elogiou a UG«T»)

Gritavam, de viva voz ou através de milhares e milhares de panos e cartazes: «A Luta é o Caminho»; «Não ao PEC do PS/PSD/Capital»; «Não às Privatizações»; «A privatização faz mal à Saúde»: «Privatiza a tua tia, pá!»; «A Luta é o Caminho»; «O País não se Endireita com a política de Direita»; «Não ao Roubo de Salários, Não ao Roubo de Direitos, não à Escravatura. Capitalismo, Não!»; «A Luta é o Caminho»; «Os Mellos que Paguem a Crise»; «Não ao Congelamento de Salários»; «Por que não Congelam o Governo?»; «Pela Liberdade e a Democracia»; «A Luta é o Caminho»...

(Quem não gostou foi o «sindicalista» Proença - que fez suas as palavras da ministra do «trabalho» e ainda acrescentou que a manifestação «prejudica a imagem do País nos mercados internacionais»...)


Alguns - muitos - vieram pela primeira vez - e viram que, todos juntos, temos mais força; e viram que, todos juntos, temos muita, muita força.
E voltarão. E trarão consigo muitos outros que, na próxima vez, virão pela primeira vez, dando mais força à luta.
Porque «A Luta é o Caminho».

POEMA

ANTES QUE SEJA TARDE


Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.


Manuel da Fonseca

A LUTA CONTINUA

Cinco observações a propósito da manifestação de hoje e da luta que se lhe seguirá:


1 - A CGTP-IN, baseada em «dados de todo o País», prevê que a manifestação de hoje seja «uma das maiores de sempre».
Assim será.
E bem necessário é que assim seja.


2 - «Os trabalhadores são a força da nação»
e é na sua luta organizada que está a solução para os muitos e graves problemas causados por 34 anos de política de direita - esta política da contra-revolução com a qual os sucessivos governos PS/PSD/CDS têm vindo a cerrar portas que Abril abriu e a depositar os direitos dos trabalhadores e o destino e a independência de Portugal nas garras do grande capital nacional e internacional.


3 - Foi para dividir os trabalhadores e enfraquecer a sua luta, que os três partidos da política de direita - com o apoio financeiro das grandes centrais mundiais do divisionismo sindical - criaram a UGT.
E ela aí está uma vez mais a cumprir o seu papel, opondo-se à manifestação de hoje: «A UGT segue o seu caminho privilegiando o diálogo para obter resultados concretos e a mudança de políticas. E não tentando pôr em causa governos ou criando instabilidade social».
(As palavras são de João Proença, chefe da UGT, mas poderiam ser de qualquer membro de qualquer associação patronal ou de qualquer membro de qualquer dos governos da política de direita dos últimos 34 anos).


4 - Entretanto, comentando o apelo da UGT «para que os trabalhadores não se manifestem», Libério Domingues - da Comissão Executiva da CGTP-IN e responsável pela coordenação da manifestação de hoje - informa que «nos locais de trabalho há uma grande unidade, sejam os trabalhadores da UGT, da CGTP ou não sindicalizados».
Assim é.
E bem necessário é que assim seja.


5 - Porque, amanhã, A LUTA CONTINUA - tanto mais forte quanto maior for a participação dos trabalhadores, sejam eles «da UGT, da CGTP ou não sindicalizados».
Eis o que desejo: que a manifestação de hoje constitua um estímulo decisivo para a adesão à luta - antes que seja tarde - de segmentos das massas trabalhadoras até agora dela afastados.

POEMA

UMA CHAMA NÃO SE PRENDE


rodeado de paredes
rodeadas de muros altos
que foram depois muralhas
um preso encarcerado
ao longo da terrível década de 50
inteira
Não cedeu.

Levado a tribunal
em 3 e 10 de Maio de 1950
só então fica a saber que Militão e Sofia
presos com ele torturados não «falaram»
não cederam E que esse grande patriota Militão
Ribeiro fazendo greve da fome foi morto
Perante o tribunal acusa os seus acusadores
Defende o seu Partido a sua acção
e a sua orientação política

Ponto a ponto responde às calúnias
que são os porcos argumentos do ódio
e do terror de estado Ponto a ponto
responde com o orgulho do homem livre
e o vigor da inteligência Responde por si
e pelos seus como quem acusa
e ameaça Ameaça o inimigo que o tem preso
Dos 11 anos seguidos, preso,
14 meses incomunicável,
8 anos em isolamento
E não cedeu Nunca cedeu
Agora na humidade salina da cela
contra o eco do estrondo do mar
que não esquece/e grita/contra a fortaleza
contra a corrente contínua dos dias e das noites
este homem livre é uma chama
uma lâmpara marina

Não cede lê e desenha lê
e estuda e escreve este homem livre
que está preso e é uma chama
açoitada pelo vento e pelo silêncio
numa cela
Não cede e escreve
A Questão Agrária
As lutas de classes em Portugal nos fins da Idade Média
e escreve uma tradução do Rei Lear
e escreve
Até Amanhã, camaradas

o homem livre encarcerado
fugiu enfim
colectivamente
a 3 de Janeiro de 1960
e nunca mais foi apanhado


Manuel Gusmão

(de «Três Curtos Discursos em Homenagem Póstuma a Álvaro Cunhal»)

ÁLVARO

Hoje apeteceu-me falar do Álvaro.
Porquê?: sei lá, razões para falarmos dele e sobre ele todos os dias, há muitas...
Tantas quantas as que existem para os seus (e nossos) inimigos dizerem dele e sobre ele o que é hábito dizerem...

Porquê, então, me apeteceu, hoje, falar do Álvaro?
Talvez porque estamos em Maio, mês que todos os anos começa por ser Dia do Trabalhador e este ano, antes de partir, vai encher a Avenida da Liberdade de trabalhadores: milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de trabalhadores, vindos de todo o País, em luta por direitos que o governo do grande capital lhes quer roubar.

Talvez, também, porque nestes dias de Maio de 2010 passam 60 anos sobre aqueles dias de Maio de 1950, em que o Álvaro, frente aos juízes fascistas, passou de acusado a acusador...

Começou assim o julgamento:

«Juiz - Sabe de que é acusado? Tem alguma coisa a dizer em sua defesa?

AC - Sim. Quero começar por referir neste tribunal que, desde a minha prisão em 25 de Março de 1949, há, portanto, mais de um ano, me encontro ilegalmente submetido a um regime de rigoroso isolamento.

Juiz - Sabe certamente que há peças no processo relativas a isto.

AC - Perfeitamente. Não há qualquer exagero em dizer que esse regime é uma nova forma de tortura. Uns resistem a ela, outros, como esse grande patriota que foi Militão Ribeiro, perdem nela a vida, conforme tomei conhecimento já depois de me encontrar neste tribunal.
Da primeira vez que fui preso, como me negasse a prestar declarações, algemaram-me, meteram-me no meio de uma roda de agentes e espancaram-me a murro, pontapé, cavalo-marinho e com umas grossas tábuas com uns cabos apropriados. Depois de me terem assim espancado longo tempo, deixaram-me cair, imobilizaram-me no solo, descalçaram-me sapatos e meias e deram-me violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando cansados, levantaram-me, obrigando-me a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltavam a espancar-me pelo primitivo processo. Isto repetiu-se numerosas vezes, durante largo tempo, até que perdi os sentidos, estando 5 dias sem praticamente dar acordo de mim. Desta vez não fui sujeito aos mesmos processos. Mas estou em condições de comparar, avaliar e aqui dizer que um ano de isolamento não é menos duro que os referidos tratos. Não há, pois, qualquer exagero ao dizer que o referido regime de isolamento é uma nova forma de tortura»...

E terminou assim:

«Vamos ser julgados e certamente condenados. Para nossa alegria basta saber que o nosso povo pensa que se alguém deve ser julgado e condenado por agir contra os interesses do povo e do país, por querer arrastar Portugal a uma guerra criminosa, por utilizar meios incosntitucionais e ilegais, por empregar o terrorismo, esse alguém não somos nós, comunistas. O nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe Salazar».


Depois do julgamento de Maio de 1950, o Álvaro voltou para a Penitenciária de Lisboa, onde foi mantido na «nova forma de tortura» que era o «regime de isolamento» até ser transferido para a Cadeia do Forte de Peniche, em 27 de Julho de 1956 - donde viria a evadir-se, integrando a histórica fuga colectiva de 3 de Janeiro de 1960.


Hoje apeteceu-me falar do Álvaro.
Porquê?: sei lá...

PRONTO!

«A greve geral que afinal não haverá»: eis o título do editorial do Público.
E o que é que leva o órgão central da Sonae a lavrar tal decreto?
Que razões sustentam a decisão anunciada pelo editorialista?

Vejamos:
Em primeiro - primeiríssimo - lugar: o dono do Público não gosta de greves - e muito menos de greves gerais - e se o dono não gosta, o Público também não gosta. Pronto.

Em segundo lugar: o Governo PS, o PSD e o CDS não gostam de greves - e muito menos de greves gerais - e já alertaram para os perigos da «instabilidade social» e do «agravamento dos problemas do país» que uma greve geral provocaria. Pronto.

Em terceiro lugar: a UGT não gosta de greves - e muito menos de greves gerais - e já «disse, como seria óbvio, que a hipótese não está sequer em cima da mesa». Ora, decide o Público, «sem a UGT nenhuma greve será geral». Pronto.


Entretanto, enquanto o editorialista do jornal da Sonae cumpre a tarefa de escrever o que deve escrever, a CGTP, do lado de lá dessa escrita, prepara a manifestação do próximo sábado.
Que vai ser, inevitavelmente, uma poderosa acção de massas e uma muito grande demonstração da força organizada dos trabalhadores.

Dos trabalhadores que, se e quando o entenderem, avançarão para a Greve Geral.
Seja qual for a decisão do Governo PS/PSD/CDS/Público/UGT.

Pronto!

POEMA

CORAÇÃO EM ÁFRICA


(5)

Chora coração meu estala coração meu enternece-te meu coração
de uma só vez (oh órgão feminino do homem)
de uma só vez para que possa pensar contigo em África
na esperança de que para o ano vem a monção torrencial
que alagará os campos ressequidos pela amargura da metralha
e adubados pela cal dos ossos de Taszlitzki
na esperança de que o Sol há-de prenhar as espigas de trigo
para os meninos viciados
e levará milho às cabanas destelhadas do último rincão da Terra
distribuirá o pão o vinho e o azeite pelos alísios;
na esperança de que às entranhas hiantes de um menino antípoda
haja sempre uma túlipa de leite ou uma vaca de queijo
que lhe mitigue a sede de existência.
Deixa-me coração louco
deixa-me acreditar no grito de esperança lançado pela paleta viva de Rivera
e pelos oceanos de ciclones frescos das odes de Neruda;
deixa-me acreditar que do desespero másculo de Picasso
sairão pombas
que como nuvens voarão os céus do mundo de coração em África.


Francisco José Tenreiro

(Com «Coração em África» o Cravo de Abril encerra o ciclo de poesia dedicado a Francisco José Tenreiro - um dos grandes poetas da língua portuguesa, nascido em São Tomé, em 20 de Janeiro de 1921 e falecido em Lisboa no dia 31 de Dezembro de 1963)

CONSTITUIÇÃO SOFRE!

Constitucionalistas citados pelo Diário Económico dizem que «a decisão do governo de subir a taxa do IRS é retroactiva» e, por isso, inconstitucional - pelo que, pedem ao Presidente da República «a fiscalização da constitucionalidade do diploma».

Sobre o assunto, o Diário Económico foi ouvir o Presidente do Tribunal Constitucional, que opinou assim: «Em princípio a Constituição pronuncia-se em sentido negativo em relação à retroactividade das leis fiscais. Mas o caso concreto é o caso concreto e só perante ele é que o Tribunal se pronunciará, se for caso disso».

Portanto: «em princípio» o diploma do Governo é inconstitucional, MAS... «o caso concreto é o caso concreto»..., ou seja: se for chamado a pronunciar-se, o Tribunal Constitucional, «em princípio» inclinar-se-á para «o caso concreto», que o mesmo é dizer para a constitucionalidade do diploma que ele e os constitucionalistas sabem ser anticonstitucional...


Muito tem sofrido esta nossa Constituição! - Ela que é, recorde-se, Lei Fundamental do País há 34 anos!
Na verdade, desde 1976 até agora, nenhum governo a cumpriu e todos a desrespeitaram - da mesma forma que nenhum Presidente da República cumpriu o juramento, feito em acto de posse, da a «cumprir e fazer cumprir».

Quer isto dizer que os governantes (do PS, PSD e CDS-PP) que há 34 anos se têm sucedido no poder, estão há 34 anos fora da Lei Fundamental do País.
«Em princípio» e «no concreto».

Por isso, correr com eles definitivamente é um dever constitucional.

POEMA

CORAÇÃO EM ÁFRICA


(4)

De coração em África na mão deste Negro enrodilhado e sujo de beira-cais
vendendo cautelas com a incisão do caminho da cubata
perdida na carapinha alvinitente;
de coração em África com as mãos e os pés trambolhos disformes
e deformados como os quadros de Portinari dos estivadores do mar
e dos meninos ranhosos viciados pelas olheiras fundas das fomes de Pomar,
vou cogitando na pretidão do mundo que ultrapassa a própria cor da pele
dos homens brancos amarelos negros ou às riscas
e o coração entristece à beira-mar da Europa
da Europa por mim trilhada de coração em África;
e chora fino na arritmia de um relógio cuja corda vai estalar
soluça a indignação que fez os homens escravos dos homens
mulheres escravas dos homens crianças escravas dos homens
negros escravos dos homens
amarelos e brancos e brancos e amarelos e negros escravos
sempre dos homens
e também aqueles de que ninguém fala e eu Negro não esqueço
como os pueblos os xavantes os esquimós os aínos eu sei lá
que são tantos e todos escravos entre si.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

A NÃO ESQUECER

Lembram-se?:
Há cerca de um ano, nas Honduras, um golpe militar derrubou o governo democraticamente eleito e impôs uma ditadura fascista.
O golpe foi organizado pelo governo de Obama, a partir de uma base militar dos EUA naquele país, e foi concretizado por um grupo de oficiais hondurenhos, chefiados por um general fascista.

Lembram-se?:
De imediato se desenvolveu, em todo o mundo, um amplo movimento de protesto, de solidariedade com o povo hondurenho e de exigência de reposição da legalidade democrática. O presidente Obama e a sua ministra Hillary Clinton desde logo declararam «aderir» a esse movimento. O objectivo de tal «adesão» cedo se revelou: boicotar o apoio ao povo hondurenho e consolidar o poder fascista instalado.

Lembram-se?:
O povo hondurenho resistiu - e continua a resistir - através da vasta e intensa acção de uma Frente Nacional de Resistência criada logo após a concretização do golpe.
A repressão tem sido brutal: prisões, torturas, assassinatos, «desaparecimentos», enfim, os métodos a que o imperialismo norte-americano e os seus lacaios recorrem em tais circunstâncias.


Os visitantes do Cravo de Abril lembram-se certamente de tudo isto. Coisa que não acontece com milhões de portugueses (a imensa maioria) desinformados e manipulados pelos média dominantes em relação às Honduras - e em relação a tudo o que se passa no País e no mundo.
Relembrar hoje, aqui, o golpe fascista das Honduras tem como objectivo procurar contribuir para que nenhum de nós esqueça esse acontecimento sinistro e não desarme na sua acção solidária com a luta do povo hondurenho.

Luta que continua - e sobre a qual continua a cair a mais brutal repressão, como pode constatar-se:
As últimas notícias provenientes das Honduras contam-nos que um jovem activista da Frente Nacional de Resistência - Gilberto Nuñez Ochoa, de 27 anos - e um seu amigo, - José Andrés Oviedo, de 26 anos - foram executados a tiro quando, regressados de uma manifestação de professores, se encontravam a falar à porta da casa do primeiro.
Os assassinos são os conhecidíssimos «desconhecidos» que, ao serviço da ditadura fascista e do boss dos EUA, prendem, torturam, matam os que se batem pela liberdade e pela democracia.

POEMA

CORAÇÃO EM ÁFRICA


(3)

De coração em África em noites de vigília escutando o olho mágico do rádio
e a rouquidão sentimento das inarmonias de Armstrong.
De coração em África em todas as poesias gregárias ou escolares que zombam
e zumbem sob as folhas de couve da indiferença
mas que têm a beleza das rodas de crianças com papagaios garridos
e jogos de galinha branca vai até França
que cantam as volutas dos seiso e das coxas das negras e mulatas
de olhos rubros como carvões verdes acesos.
De coração em África trilho estas ruas nevoentas da cidade
de África «no coração e um ritmo de be bop be nos lábios
enquanto que à minha volta se sussurra
olha o preto (que bom) olha um negro (óptimo)
olha um mulato (tanto faz) olha um moreno (ridículo)
e procuro no horizonte cerrado da beira-mar
cheio de maresias distantes de areias distantes
com silhuetas de coqueiros conversando baixinho à brisa da tarde.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

CIRÚRGICA ALTERNÂNCIA

Imperdível a entrevista de Jerónimo de Sousa no Diário de Notícias de hoje.
Nela, o secretário-geral do PCP aborda frontalmente e com exemplar clareza as grandes questões da situação actual que lhe são colocada pelos dois entrevistadores (João Marcelino e Paulo Baldaia), e acrescenta outras que, a seu ver - e muito bem - exigem igual ponderação e reflexão.

No entanto - e sem surpresa - quer nas perguntas feitas quer no tratamento dado a algumas respostas, o DN não perde a oportunidade de exibir a sua condição de órgão da comunicação social dominante...

Aqui ficam dois exemplos.

A dada altura diz Jerónimo de Sousa: «Admito que o PSD, dando a mão (ao PS) para salvar esta política de direita, simultaneamente e com um grande tacticismo eleitoral, queira que o Partido Socialista vá cozendo em banho-maria, se vá desgastando, para se colocar como alternância»
O DN puxa esta resposta para título e, entre aspas, «resume» assim:
«O PSD quer que o PS vá cozendo em banho-maria para ser alternativa»
Como é óbvio, a substituição da palavra utilizada por Jerónimo de Sousa - «alternância»- pela palavra escolhida pelo DN (em título!) - «alternativa»- altera e deturpa a essência da afirmação do secretário-geral do PCP.


Noutro passo da entrevista, Jerónimo de Sousa recorda a intervenção de encerramento da Conferência Económica realizada pelo PCP em 1990 - intervenção feita «pelo meu camarada Álvaro Cunhal» e que pela sua «capacidade de previsão e de análise, vale a pena reler».
Muito acertada e profissionalmente, o DN cita e comenta essa intervenção de Álvaro Cunhal.
Fá-lo assim: «O histórico antigo líder dos comunistas foi sempre muito céptico face à adesão de Portugal à então CEE. Chegou a dizer que isso iria ajudar "a reconstituição e restauração dos grandes grupos monopolistas" e que sacrificava «os interesses nacionais aos interesses, decisões e imposições dos países mais ricos"».
Álvaro Cunhal «chegou a dizer»!!!: vejam bem, o que ele dizia!!!...
Como se o que ele «chegou a dizer» não estivesse totalmente confirmado pela realidade, hoje, após décadas de política de direita aplicada pelo PS e pelo PSD - em cirúrgica alternância disfarçada de fraudulenta alternativa.

POEMA

CORAÇÃO EM ÁFRICA


(2)

Em três linhas (sentidas saudades de África) -
Mac Gee cidadão da América e da democracia
Mac Gee cidadão Negro e da negritude
Mac Gee cidadão Negro da América e do Mundo Negro
Mac Gee fulminado pelo coração endurecido feito cadeira eléctrica
(do cadáver queimado de Mac Gee do seu coração em África e sempre vivo
floriram flores vermelhas flores vermelhas flores vermelhas
e também azuis e também verdes e também amarelas
na gama polícroma da verdade do Negro
da inocência de Mac Gee) -
três linhas no jornal como um falso cartão de pêsames.
Caminhos trilhados na Europa
de coração em África.
De coração em África com o grito seiva bruta dos poemas de Guillén
de coração em África com a impetuosidade viril do I too am América
de coração em África coms as árvores renascidas em todas as estações
nos belos poemas de Diop
de coração em África nos rios antigos que o Negro conheceu
e no mistério de Chaka-Senghor
de coração em África contigo amigo Joaquim quando em versos incendiários
cantaste a África distante do Congo da minha saudade
do Congo de coração em África.
De coração em África ao meio-dia do dia de coração em África
com o Sol sentado nas delícias do zénite
reduzindo a pontos as sombras dos Negors
amodorrando no próprio calor da reverberação
os mosqeuitos da nocturna picadela.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

DIA 29!

Cavaco Silva passeou-se, ontem, pelo distrito do Porto.
E falou. À sua maneira: no seu jeito e no seu tom inconfundíveis: ostentando sabedorias inexistentes: professoral, enfático, pomposo: ridículo.
E sempre cobarde: sempre fugindo com o dito à seringa.

Dirigindo-se aos governantes - «àqueles que decidem em nome do povo» - apontou-lhes, severo, a «exigência da prestação de contas, do cumprimento das promessas feitas, da transparência e da verdade, que é fonte de confiança numa sociedade».

Quem isto diz, é o governante que, durante dez anos no cargo de primeiro-ministro, não prestou contas a ninguém (a não ser ao grande capital); não cumpriu as promessas feitas (a não ser as que fez ao grande capital); e fez da opacidade e da mentira poderosos instrumentos de governação (ao serviço dos interesses do grande capital) - ou seja: fez, enquanto primeiro-ministro, exactamente o mesmo que fizeram todos os primeiros-ministros que o antecederam e lhe sucederam - de Soares a Sócrates, passando por Sá Carneiro, Guterres, Barroso, etc.
Enfim, é o imoral a dar lições de moral aos colegas imorais.

As declarações de Cavaco Silva são bem o espelho da fraude que sustenta esta política de direita que desde há 34 anos tem vindo a flagelar o País, afundando-o na dramática situação actual.
Situação só superável com uma mudança de política.
Mudança de política que só será conquistada pela luta de massas.
Luta de massas que... dia 29 lá estaremos.

E no dia seguinte.
E nos dias seguintes.

POEMA

CORAÇÃO EM ÁFRICA


(1)

Caminhos trilhados na Europa
de coração em África.
Saudades longas das palmeiras vermelhas verdes amarelas
tons fortes da paleta cubista
que o Sol sensual pintou na paisagem;
saudade sentida de coração em África
ao atravessar estes campos do trigo sem bocas
das ruas sem alegria com casas cariadas
pela metralha míope da Europa e da América
da Europa trilhada por mim Negro de coração em África.
De coração em África na simples leitura dominical
dos periódicos cantando na voz ainda escaldante da tinta
e com as dedadas de miséria dos ardinas das cities boulevards e baixas da Europa
trilhada por mim Negro e por ti ardina
cantando dizia eu em sua voz de letras as melancolias do orçamento que não equilibra
do Benfica venceu o Sporting ou não
ou antes ou talvez seja que desta vez vai haver guerra
para que nasçam flores roxas de paz
com fitas de veludo e caixões de pinho;
oh as longas páginas do jornal do mundo
são folhas enegrecidas de macabro blue
com mourarias de facas e guernicas de toureiros.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

PALAVRAS NECESSÁRIAS

Palavras de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP.
Na Voz do Operário, a voz do Partido da classe operária e de todos os trabalhadores:


«Dizemos aos portugueses: não se resignem, não acreditem em fatalismos, engrossem a corrente de luta que dê uma forte resposta à ofensiva que aí está.

A luta de massas é a única saída que pode travar a ofensiva.
Só a luta da classe operária, dos trabalhadores, dos jovens e das populações pode assegurar e determinar a concretização de uma ruptura com a política de direita e uma mudança na vida nacional.

Nós não desarmaremos e muito menos renunciaremos. Porque este é o caminho que é necessário percorrer, porque é a única solução para dar a volta à situação a que o país chegou.

É com confiança na justeza dos combates que trava que o PCP aqui está e estará na luta, transportando consigo o projecto e o ideal da construção do socialismo».



DIA 29 TODOS OS CAMINHOS VÃO DAR A LISBOA!

POEMA

DIA AZIAGO


3

(Há um riso de manicómio racionado
poluindo as fontes frescas e os vales
embaciando os olhos vivos da noite
murchando o tenro das folhas verdes
e as vergonhas cerradinhas das virgens...
em Sexta-feira 13.)

Só a criança que nasceu sem pai
abriu a garganta ao mundo para chorar
- não o choro fininho de quem
agradece à vida a luz dos olhos -.

Só os homens das estepes ressequidas ou geladas
e os que nas selvas vivem como macacos
caçaram, beberam, fornicaram
na doce ilusão dos que amam
entregues ao Sol, à água e ao fogo

- Cantaram
inocentes de Sexta-feira 13!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

COM LUVAS

O «Caso Freeport» aproxima-se do fim - isto é, do «arquive-se»...
Isto digo eu, que não percebo nada de leis, nem de justiças, nem de justiça...

Segundo os jornais de hoje, aquele DVD - lembram-se? - que mostra o senhor Charles Smith a dizer que pagou «luvas» ao então ministro do Ambiente, José Sócrates para que este aprovasse o projecto Freeport, não conta como prova de nada.

Porquê?: porque, dizem os jornais, segundo os procuradores Vítor Magalhães e Paes de Faria, de acordo com a lei portuguesa o referido DVD, «não constitui prova validamente obtida».
Porquê?: porque, se bem entendi, o DVD foi entregue à Polícia e devia ter sido entregue à Justiça...

Assim, a questão de saber se sim ou não houve negócio - toma lá a massa e passa para cá a aprovação do projecto - deixa de se colocar.
Isto é: se Sócrates recebeu «luvas» das mãos de Smith e Smith recebeu a aprovação das mãos de Sócrates, é assunto que diz respeito aos dois e apenas aos dois - e com a qual mais ninguém tem nada a ver.
Assunto arrumado, portanto - e que, ficando dependente de dois gentlemen, de dois cavalheiros, será certamente bem arrumado.

A mostrar que é assim que devem ser resolvidos todos os problemas semelhantes.
Com cavalheirismo.
Com elegância.
Com luvas.

POEMA

DIA AZIAGO


2

Vêm dias e noites de Sexta-feira 13 carregados de infortúnios
e de revoluções siderais de tempos antigos
de magias e ritos que os rios dos séculos não escoaram
para mares de compreensão e antes
levaram a lagoas com cabeleiras de limos da estagnação mental;
vieram um após outro 54 cavalos que foram como 54
brasidos de lama e fogo
de vulcões convulsos que escarraram sobre nós as vergonhas
e os opróbrios de 19 séculos passados
de 19 estradas obtusas de 19 becos de soluções que desafiaram
as agulhas magnéticas
de 19 milhões de milhões de lutas mesquinhas e pessoais;
19 caminhos de piteiras que levaram ao amanhecer cadavérico
de Sexta-feira 13.
Que o homem se fez a si próprio - fez-se muito mal.
Que o homem inventou as pirâmides - para nada serviram.
Que de Nabucodonozor uma biblioteca houve - ninguém a leu.
Que os romanos deram ao mundo a linguagem da justiça - também deram as galé.
Que os árabes trouxeram a água em odres de sangue - o corpo da terra finou-se de secura.
Que o homem desafiou os mares e o céu dos pássaros - e ninguém ganhou asas:
Ninguém, ninguém ganhou asas
em Sexta-feira 13.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

OLHA O GAJO!...

O ex-comunista Carlos Brito escreveu um livro de 365 páginas, no qual, segundo se diz, conta a sua intimidade com Álvaro Cunhal.
A ocorrência tem provocado animada efervescência no Diário de Notícias que, há cerca de duas semanas, dedicou uma-página-uma ao dito livro e, hoje, lhe devota mais duas-páginas-duas - num caso e no outro com destaques de primeira.
E é de prever que o prestimoso DN - sempre preocupado em divulgar notícias sobre o PCP, como sabemos... - não fique por aqui, tanto mais que, segundo informa, a apresentação pública da peça será perpetrada na próxima semana, em cerimónia abrilhantada por três outros ex-comunistas: Manuel Alegre, António Borges Coelho e José Manuel Mendes.

Ora se, como é sabido, não há como os ex-comunistas para dizerem sobre o PCP o que o DN pensa do PCP, é mais do que certo que podemos contar com luzida reportagem sobre a cerimónia de apresentação por parte deste «diário de referência», propriedade da Controlinvest - grupo que é também proprietário do JN, do 24 Horas, de O Jogo, do Global (gratuito), de várias revistas e jornais especializados, da TSF e da Sport TV...

Sobre o livro, o seu autor diz hoje no DN que muitos leitores, depois de o lerem, dirão: «O gajo bate no Cunhal» - e, respondendo desde já a esses muitos eventuais leitores, «o gajo» esclarece que não, senhor, não bate nada no Cunhal, apenas quer «acabar com as lendas» à volta de Cunhal...

Olha o gajo!...

POEMA

DIA AZIAGO


1

Sexta-feira 13

No Black Belt um negro mais
foi linchado.

Sexta-feira 13

O canto da morte cresce
nos olhos rasgados dos coreanos.

Sexta-feira 13

A psitacose ganhou a política
e Paul Reynaud formará governo.

Sexta-feira 13

Shang é o amarelo poeta
pelos Yankees encadernado.

Sexta-feira 13

As paredes e os muros sem hera
vestem-se de brincar às eleições.

Sexta-feira 13
Tudo é silêncio além cortina:
grave silêncio de quem
planeia cinco anos de felicidade.

Sexta-feira 13

Seu Getúlio era fascista
quaisquer dia, Senhor do Bonfim
té parece comunista.

Sexta-feira 13

Vem ou não vem
o empréstimo americano?
Sexta-feira 13
em toda a Terra
Sexta-feira 13
depois de Cristo.

Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

SOARES, SEMPRE ELE...

Desde já as minhas desculpas a todos os visitantes do Cravo de Abril: mais uma vez venho falar de Mário Soares...
Eu sei que ele é isso tudo que aqui tem sido escrito em vários comentários.
Sei, até, que ele é mais do que isso tudo.
Mas confesso: às terças não resisto...
E hoje é terça.
E aí estou eu a abrir o DN e a tapar o nariz frente à página inteira na qual Soares se entorna semanalmente, exibindo-se tal qual é, igualzinho a si próprio: aldrabão, parlapatão, charlatão, oportunista, demagogo... e sempre, sempre, sempre - e acima de tudo - prestimoso homem de mão do capitalismo.

Esta semana, Soares lança foguetes e mais foguetes a festejar «o acordo corajoso e oportuno» feito por Sócrates e Passos Coelho - ou seja, o acordo dos dois meliantes no roubo de salários, de empregos, de subsídios, de comida, de água, de gás, de luz, etc, etc, etc.

Graças a esse acordo, diz Soares, foi possível «anunciar as mudanças sem ocorrerem graves revoltas ou actos desesperados de violência» - não sei a que «revoltas» e «actos desesperados de violência» se refere Soares: estou em crer que, pondo as coisas como põe, ele está a dirigir-se aos Serviços de Segurança... aliás cumprindo a função de «bufo» que tão bem tem desempenhado ao longo da sua longa vida.

Finalmente, Soares congratula-se com o facto de «as medidas» terem sido anunciadas na altura da visita do Papa, para a qual a atenção das pessoas fora desviada pelos média...
E, nesse sentido, confessa-se: «Quero dizer, sem ironia, que a visita do Papa foi uma bênção».
Aqui é a longa, longa experiência de Soares a falar, a sua incomensurável capacidade de desvergonha, o seu oportunismo sem fronteiras - fazendo lembrar aquele indivíduo que matou o pai e a mãe só para ter entrada no Baile dos Órfãos.

Na próxima terça prometo não vos falar do Soares.
A não ser que...

POEMA

ABRAHAM LINCOLN


Negros de carapinha branca
levantaram braços esguios ao céu
e crianças balbuciaram espirituais;

E um rachador de lenha
suspendeu o machado no ar
e quis viver seus cantos de amargura:

Lincoln os brancos o chamaram;
Abraham os negros disseram!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

OBVIAMENTE, DEMITO-OS

O Governo Sócrates/Passos Coelho acaba de aprovar o diploma com o qual, à luz das «medidas para responder à crise», decide sobre o subsídio de desemprego.
A partir de agora vai ser assim:

- os desempregados vão ter de aceitar trabalho noutra profissão que não a sua; e se forem despedidos dessa nova profissão, vão ter de aceitar trabalho noutra profissão- e assim sucessivamente.
Se não aceitarem estas condições, deixarão de receber o subsídio de desemprego - obviamente.

- os desempregados vão ter de aceitar ganhar menos do que ganhavam na sua profissão; e se forem despedidos dessa nova profissão, vão ter de aceitar ganhar menos do que ganhavam nessa nova profissão - e assim sucessivamente.
Se não aceitarem estas condições deixarão de receber o subsídio de desemprego - obviamente.

A ministra do Trabalho - sindicalista made in ugt - considera que estas medidas são muito positivas, porque combatem o desemprego. já que, diz ela, «aceleram o regresso dos desempregados à vida activa» - obviamente.

Estas e outras medidas da mesma família - como o aumento dos impostos, o assalto aos salários e pensões, o aumento do preço de todos os bens e serviços essenciais, etc, etc. - têm sido muito louvadas pelos chefes da União Europeia que apontam os governantes portugueses como cumpridores exemplares das ordens deles emanadas - obviamente.


Não comento, por agora.
No próximo dia 29 e seguintes... obviamente, demito-os.

POEMA

CORPO MORENO


Se eu dissesse que o teu corpo moreno
tem o ritmo da cobra preta deslizando
mentia.
Mentia se comparasse o teu rosto fruto
ao das estátuas adormecidas das velhas civilizações de África
de olhos rasgados em sonhos de luar
e boca em segredos de amor.

Como a minha Ilha é o teu corpo mulato
tronco forte que dá
amorosamente ramos, folhas, flores e frutos
e há frutos na geografia do teu corpo.

Teu rosto de fruto
olhos oblíquos de safís
boca fresca de framboesa silvestre
és tu.

És tu minha Ilha e minha África
forte e desdenhosa dos que te falam à volta.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

Almoço 3º Aniversário - Aviso à Navegação!




Camaradas: Até amanhã ainda se podem inscrever para o almoço de comemoração do 3º aniversário do Blog. Para tal, devem enviar mail para antonio.galamba@gmail.com
Os camaradas que já o fizeram, devem dizer que prato escolhem para o almoço entre as duas opções disponíveis (Lulas ou escalopes - ambos grelhados).

Venham daí, Abraçar Abril!

É AQUI QUE VIVEMOS

Diz-me como comemoraste o 1º de Maio, dir-te-ei em que país vives: esta adaptação de um conhecido provérbio popular ocorreu-me quando, há dias, li as notícias sobre as comemorações do Dia do Trabalhador na Bolívia e na Venezuela.

Num caso e no outro, grandiosas manifestações de trabalhadores.
Num caso e no outro, os respectivos presidentes - Hugo Chávez e Evo Morales - fizeram questão de anunciar medidas adequadas ao Dia.

Hugo Chávez escolheu o Dia do Trabalhador para anunciar a entrada em vigor do aumento de 15% do salário mínimo nacional - a juntar ao aumento de 10% já concretizado em Março passado.

Evo Morales, por seu lado, anunciou a nacionalização de importantes empresas de energia, sublinhando que, com estas nacionalizações, o Estado passa a «controlar mais de 80% da energia que se produz na Bolívia» - e acrescentou: «hoje estamos a recuperar a luz para todos os bolivianos».


É claro que se trata de dois regimes «totalitários» liderados por dois «ditadores» (ainda por cima «populistas») e onde não existem «liberdades» e onde os «direitos humanos» não são respeitados...
Nada que se compare, portanto, à maravilhosa «democracia» portuguesa e aos «democratas» que a regem - os quais asseguram todas as «liberdades» e todos os «direitos humanos» e que comemoram Maio anunciando «democráticos» aumentos de impostos, roubos de subsídios e a liquidação de direitos laborais.

E é aqui que vivemos.
Até darmos a volta a isto - coisa que pode começar a acontecer no dia 29...

POEMA

O OSSOBÓ CANTOU


A cavalo do vento
a chuva chegou.
A chuva chegou
e o ossobó cantou.

Cantou o ossobó
seu canto molhado.
«Tchuva já vêo?
Já vêo si siô»

Já veio a chuva, Dêçu mum
e é um estoirar de amor pelas grotas.
Té o ribeirão seco como mulher vazia
se abriu gostosamente ao ribeirinho entumecente.

As águas levam carícias de mãos.
Sob a folhagem amodorra a cobra preta
enquanto o potro e menino do engenho
brincam e correm no terreiro os corpos molhados
do canto bonito do ossobó.

Já vêo a chuva?
Já vêo si siô.
Não vêo não siô.
Ah! Já vêo que ossobó cantou!

A preta do meu amor pariu,
pariu, meu Deus!, porque o ossobó cantou!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

QUE GRANDECÍSSIMA ALTEZA!

A revista Notícias de Sábado dedica 10-páginas-10 a uma entrevista com «Sua Alteza, Dom Duarte Pio de Bragança, herdeiro da Casa Real».

«Sua Alteza» pronunciou-se sobre (quase) tudo; disse pouco (ou nada) sobre muita coisa; e disse tudo sobre algumas (poucas) coisas.
Ou seja, Sua Alteza sabe-a toda...


Disse que «a revolução militar do 25 de Abril estava muito controlada pela União Soviética» e, por isso, em vez de se proceder à descolonização de acordo com a vontade do general Spínola - que «apoiei e em quem tinha toda a confiança» - «entregou-se o poder aos movimentos de guerrilheiros»...
Na opinião de Sua Alteza, a solução boa teria sido a criação de «uma Commonwealth como a inglesa» - ou seja, o colonialismo com rosto democrático.

Respondendo à pergunta «Álvaro Cunhal era patriota?», decretou Sua Alteza: «O Álvaro Cunhal era mais um internacionalista, que seguia o ideal marxista-leninista e o internacionalismo soviético. Se tivesse tomado o poder teria sido um desastre (...) haveria fuzilamentos e perseguições políticas».
Sua Alteza esqueceu-se (esquecimento imperdoável) de acrescentar aos «fuzilamentos» e às «perseguições políticas» essa outra conhecidíssima característica dos comunistas que é a de «comerem criancinhas ao pequeno almoço e matarem os velhos com uma injecção atrás da orelha»...

«A questão da educação preocupa-me muito», confessou Sua Alteza - e criticou: «desencorajam-se as aulas de educação moral e estamos a dizer que a moral não tem importância, que só a sexualidade livre é fundamental para a felicidade dos portugueses». E Sua Alteza Real, em ousada linguagem plebeia, avisa: «tornar obrigatório o ensino da educação sexual resume-se a dizer: forniquem à vondade»
Ou seja: fornicar, sim, mas não à vontade e, se possível, contra vontade; fornicar, sim, mas controladamente, moderadamente; fornicar, sim, mas em dias certos e nas horas marcadas...

E foi certamente seguindo a mesma linha de pensamento que Sua Alteza disse ainda: «em muitos aspectos concordo com José Sócrates».

Que grandecíssima Alteza!...

POEMA

MAMÃO TAMBÉM PAPAIA


Mamão
também papaia.

Que sabor é o teu mamão
também papaia
que andas na boca dos pobres
e és delícia matinal
do Senhor Administrador?

Qual a tua sedução
mamão também papaia?

Será esse teu ar estranho
de seres melão e nasceres nas árvores
ou esse rosto da mama de mulher preta
recordando ao Senhor Administrador aquela
cujo seio se abriu em filhos mulatos
brincando pelas traseiras da Casa Grande?

Que força é a tua
mamão também papaia?

Será porque alivias o rotundo ventre
do Senhor Administrador
e soltando a barriga do Senhor Administrador
libertas a neura e o sorriso
do Senhor Administrador
deixando-o mais macio e de olhos parados
para o dia de sol e quentura do Senhor?

Oh! mamão também papaia
na boca de pobres e de ricos
de pretos de brancos e de mulatos
fruto democrático da minha ilha!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

O JULGAMENTO COMEÇA NO DIA 29

Exibindo o Pacote, disse o primeiro primeiro-ministro, qual Dupont:
«Tenho a consciência tranquila».

Mostrando o Pacote, disse o segundo primeiro-ministro, qual Dupond:
«Não me sinto pessoalmente responsável».

A pensar no Pacote, e após ter papado a segunda missinha papal, disse a cavacal figura, qual Oliveira de Figueira:
«A visita do Papa é um sinal de esperança e confiança» - e partiu, apressado, a caminho da terceira missinha.

Entretanto, Dupont e Dupond lembraram-se (ou foram lembrados) que se tinham esquecido de oferecer o Pacote Completo ao insaciável Mercado e puseram-se a jeito: a partir de agora, os patrões podem despedir quem quiserem, quando quiserem, como quiserem.
Pronto: o crime está consumado.


O julgamento dos criminosos começa no dia 29, na imensa sala de audiências da Avenida da Liberdade, entre o Marquês de Pombal e os Restauradores.
Os trabalhadores serão os juízes - e quanto mais juízes participarem, mais justa será a sentença.

(ouvi dizer que o Papa se vai embora hoje: alguém confirma?)

POEMA

VINHO DE PALMA


- Vinho de palma é fruto?
- Claro: vinho de palma é fruto.

É filho de árvore
é entrega de árvore
é amor que escorre de árvore.

- Vinho de palma é fruto?
- Vinho de palma é mêmo fruto.

É filho de árvore para sede matar
é entrega de árvore ao homem
é amor que escorre de árvore para amar.

Vinho de palma é fruto?

Eu acho sim-sim
Vinho de palma é mêmo fruto para amar!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

VAMOS A ISSO?

Com o objectivo de «conseguir, já este ano, uma redução de 2% do défice», o Governo PS/PSD exibiu o seu Pacote.
O resultado está à vista nas manchetes dos jornais de hoje:

«Imposto extra sobre os salários»
«Impostos aumentam»
«Sobem todos os impostos»
«Portugueses vão perder até 1,5 % do salário para reduzir o défice»

Assim, o Pacote Sócrates/Passos Coelho vai arrecadar, este ano - roubando os trabalhadores e os reformados e pensionistas - os tais cerca de 1,5 milhares de milhões de euros que vão baixar o défice em 2%.

Sócrates diz que o Pacote «vai vigorar pelo menos até 2011» e que se trata de «um esforço colectivo e nacional que os portugueses vão entender» (os portugueses a que Sócrates se refere são, obviamente, os chefes dos grandes grupos económicos e financeiros...

Ora, se se trata de «um esforço colectivo e nacional» - e se já sabemos com quanto é que vão contribuir os que trabalham e os que já trabalharam - seria bom sabermos com quanto é que vão contribuir os que não trabalham e nunca trabalharam.

E aí é que o primeiro- ministro Sócrates/Passos Coelho torce o rabo...
No entanto, tudo seria simples e rápido se...

Aqui fica uma ideia: as fortunas das quatro famílias portuguesas mais ricas (quatro!, apenas quatro!) totalizam 7, 4 milhares de milhões de euros - pelo que, metade destas fortunas chega para reduzir a zero não sei quantos défices; e mesmo um quarto destas fortunas fará o défice em frangalhos.
Quer isto dizer que, se o primeiro-ministro bicéfalo quiser, o problema do défice pode ficar resolvido de um dia para o outro...
Faço-me entender?

Ou então, outra ideia (como se vê, hoje estou cheio de ideias...): a soma dos lucros dos quatro maiores bancos privados (quatro!, apenas quatro!) no ano de 2010, será de cerca de 1,5 milhares de milhões de euros (os lucros do ano passado foram superiores), portanto...
Faço-me entender?


Agora a sério: os tempos que aí vêm são de pesadelo e de terror.
São tempos de banditismo à solta, com os bandidos guardados pelas forças de segurança.
Preparemo-nos para lhes dar a resposta necessária.
No próximo dia 29 temos uma palavra a dizer.
Vamos a isso?

POEMA

RITMO PARA A JÓIA DAQUELA ROÇA


Dona Jóia dona
dona de lindo nome;
tem um piano alemão
desafinando de calor.

Dona Jóia dona
do nome de Sum Roberto;
está chorando nos seus olhos
de outras terras saudades.

Dona Jóia dona
dona de tudo o que é lindo:
do oiro cacaueiro
do café de frutos vermelhos
das brisas da nossa ilha.

Dona Jóia dona
dona de tudo o que é triste:
meninos de barriga oca
chupando em peitos chatos;
negros de pèsão grande
trabalhando pelos matos.

Ai! Dona Jóia dona,
dona de mim também -
Jesus, Maria, José
Credo! -
não me olhe assim-sim
que me pára o coração!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

CADA UM É COMO É

Quando, aqui há umas semanas, li a primeira notícia sobre este caso, estive tentado a comentá-la - mas desisti.
Todavia, o surgimento de novo da notícia em quase todos os jornais de hoje, reacendeu-me a vontade de a comentar.

Trata-se do caso da «carreira militar de Manuel Alegre».
A tal primeira notícia dava conta de que Alegre fora acusado de (e criticado por) ter desertado da guerra colonial - coisa que ele desmentiu veementemente, aliás apresentando provas cabais do desmentido.
No entanto, ao que parece, de então para cá a acusação espalhou-se pela internet, presumo que assumindo novos contornos, e Alegre sentiu-se na necessidade de voltar a desmenti-la, demonstrando uma vez mais, para que fique claro, que cumpriu «o serviço militar, nomeadamente em África e em situação de combate».
Para além disso, informou que «vai agir judicialmente contra os que colocarem em causa a sua carreira militar» - afirmando, mesmo, que «quem a colocar em causa (à sua carreira militar) vai para a cadeia».

É claro que Alegre tem todo o direito de processar e (tentar) mandar «para a cadeia» os que o acusam de ter feito o que não fez.
Mas pergunto:
Porquê e para quê?
Será uma acusação assim tão grave essa de ter desertado do exército colonialista mesmo não o tendo feito?
Por mim, resolveria o caso com uma resposta do género: não desertei, mas se tivesse desertado não me envergonhava de o ter feito - e pronto, ficavam os acusadores a falar sozinhos e ficava o problema arrumado.
Mas Alegre não pensa assim. Pronto, ele lá sabe.

Este caso traz-me à memória o caso de um amigo que - mais ou menos na altura em que Alegre cumpria o serviço militar em África - foi informado, numa sala de interrogatórios da PIDE, que tinha sido «expulso do glorioso exército português».
Ouvida a informação, o meu amigo limitou-se a dizer: «tenho muito orgulho em ser expulso do exército colonialista português».
E estou certo de que esta seria a resposta que ele daria, hoje, se um reaccionário qualquer o insultasse por ter sido «expulso do glorioso exército português»...

Mas cada um é como é, não é verdade?

POEMA

FRAGMENTO DE BLUES

A Langston Hughes



Vem até mim
nesta noite de vendaval na Europa
pela voz solitária de um trompette
toda a melancolia das noites de Georgia:
oh! mamie oh! mamie
embala o teu menino
oh mamie oh! mamie
olha o mundo roubando o teu menino.

Vem até mim
ao cair da tristeza no meu coração
a tua voz de negrinha doce
quebrando-se ao som grave dum piano
tocando em Harlem:
- Oh! King Joe
King Joe
Joe Louis bateu Buddy Baer
e Harlem abriu-se num sorriso branco.

Nestas noites de vendaval na Europa
Count Basie toca para mim
e ritmos negros da América
encharcam meu coração
- ah! ritmos negros da América
encharcam meu coração!

E se ainda fico triste
Langston Hughes e Countee Cullen
vêm até mim
cantando o poema do novo dia
- ai! os negros não morrem
nem nunca morrerão!

... logo com eles quero cantar
logo com eles quero lutar
- ai! os negros não morrem
nem nunca morrerão!


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

A IDEIA

Bruxelas impõe «reforço da austeridade» - e fica à espera.
«Os Mercados aprovam» - e ficam à espera.

O Governo declara que vai já tratar do assunto.
Os analistas aplaudem a imposição de Bruxelas, a aprovação dos Mercados e a declaração do Governo - e dão sugestões.

«O Governo estuda o aumento do IVA e cortes no 13º mês»- e há que reconhecer o pragmatismo das medidas em estudo:
é preciso dinheiro, muito e com muita urgência?
Vai-se buscar onde o há.
E onde é que o há?.
Naturalmente, nas contas bancárias dos que trabalham e vivem do seu trabalho...
A ideia é brilhante!

Os analistas não se cansam de aplaudir a ideia e de a apontar como «a forma mais fácil e rápida de garantir as receitas necessárias»...
De facto, feitas as contas, dá isto: se o Governo roubar aos trabalhadores o total do 13º mês, o saque andará pelos «2 300 a 2 400 milhões de euros».
Fácil e rápido,
como se vê.

É claro que a ideia não é nova: quem, pela primeira vez, a teve e aplicou foi... digam lá, digam lá... exactamente, ele mesmo, esse, o mais, o maior: o «pai da democracia!».
Nessa altura, Bruxelas chamava-se FMI - mas a família é a mesma...
E também por cá, a família é a mesma: quem há aí que seja capaz de descobrir diferenças entre o Governo Sócrates/PS/em contacto permanente com Passos Coelho/PSD e o Governo Soares/PS /Mota Pinto/PSD?...

Mas uma coisa sabemos nós - e sabem eles: é que a ideia deles só irá por diante se nós deixarmos.

A propósito: dia 29, a luta é em Lisboa.

Bocage, muito a propósito!

P'ra que viva a cozinheira,
que tão boas papas fez,
confesso por esta vez
que bem me sabe e me cheira.
O Papa em sua Cadeira
vestido de estolas e capas
não faz cousas tão guapas;
A cozinheira faz mais;
O Papa faz Cardeais,
a cozinheira faz papas.

POEMA

LOGINDO O LADRÃO


Os olhos de Logindo
saltam a noite
como dois bichinhos luminosos.

Chiu!
Só o eco do mar!

O corpo de Logindo
segue os olhos
como caçô atrás de homem!

Chiu!
Só o rumor do palmar!

A mão de Logindo
estendeu-se prà frente
os olhos saltando na noite!

Ui!
Um tiro de carabina!

O coração de Logindo
começou batendo
e a navalha cantou de encontro à pele.

Hum!
Um tiro de carabina!

Logindo fechou um olho.
Depois o outro.
O branco o perdeu na escuridão!...

Ah!
Só o ronco-ronco do mar!


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo»)

SÓ MAIS UM

Do meio de páginas e páginas dedicadas pelos jornais à visita do Papa - naquela que é, porventura, a maior e mais intensa operação de propaganda alguma vez realizada em Portugal - emerge, como questão maior, a da «canonização de Francisco e Jacinta».

Será desta que «os dois pastorinhos» serão canonizados?: eis a pergunta que se coloca, e provavelmente, tira o sono, a milhares, quiçá milhões, de pessoas.
E se não é desta, por que é que não é desta?, que mais é preciso para que a decisão seja tomada e aplicada? Não basta o facto, bem significativo, de a Virgem Maria ter escolhido, como seus interlocutores, entre toda a população do planeta, os pastorinhos de Fátima?


A resposta a todas estas perguntas é-nos dada por uma senhora, de cujo nome não me lembro mas que é a responsável actual pelo «processo de canonização».
Diz ela que, para que todas as condições estejam preenchidas e a canonizaçao se concretize, «falta apenas um milagre».
Um.
Apenas um.
E para que o milagre em falta aconteça, a senhora aconselha os crentes a rezar, a rezar muito.

Não tenho dúvidas de que a reza acabará por resolver a questão, mais tarde ou mais cedo.
Mas, se eu fosse crente, complementaria a reza com aquele grito que os adeptos de futebol dirigem aos jogadores da sua equipa, em certos jogos: «Só mais um!, só mais um!...»
Se resulta para os golos, é bem possível que resulte igualmente para os milagres.
Tanto mais que, como sabemos e o Fado destinou, é grande, estreita e antiga a ligação entre Fátima e Futebol...

(e quem isto vos diz, foi ontem à Luz, ver o Benfica-Rio Ave...)

SENÃO...

O Diário de Notícias prossegue empenhadamente o cumprimento da sua tarefa de sentinela vigilante da ordem.
Perdão: da Ordem.
(há-de ser feitio que lhe ficou do antigamente, quando funcionava como órgão oficioso da Ordem de Salazar e Caetano... isto digo eu...)

Ontem foi o que se viu e aqui se resumiu.
Hoje é o que se vê e aqui se resume:
na primeira página, destaque:
«Mário Mendes
"Temos planos de contingência para a perturbação social"».
Assim como quem diz aos leitores: estejam tranquilos, as forças da Ordem zelam por vós, está assegurada a paz nos espíritos e nas ruas...

Segue-se uma entrevista de quatro páginas a «Mário Mendes, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna» - em que o entrevistado produz declarações várias, mas das quais o DN achou por bem destacar em título, para além da citação acima referida, esta outra:
(Mário Mendes) «prevê um aumento de perturbações sociais, na sequência da crise económica, mas garante que há planos de contingência a ser preparados pelas forças de segurança».
Assim como quem diz aos leitores: estão a ver, está tudo previsto, portanto fiquem em casa, tranquilos, senão...; vejam televisão e deixem-se de protestos e de reivindicações, senão...; sentem-se, senão «as polícias estão preparadas para enfrentar possíveis alterações de ordem pública como aquelas que já aconteceram»...; portem-se bem, não se metam em política e digam todos, em coro: a minha política é o trabalho, eu quero é ganhar o meu, ricos e pobres sempre houve e há-de haver, vale mais ganhar poucochinho do que não ganhar nada, o que seria de nós sem os patrões, que Deus e o Papa os ajudem... senão...; lembrem-se que a Ordem é isso: todos em casa, sentados, quietos e calados, senão...


Por isso, insisto: a intensificação e alargamento da luta das massas trabalhadoras - pela justiça social e pelos direitos consagrados na Lei Fundamental do País - é a condição essencial para pôr termo à desordem social, política e económica provocada pela política de direita e para assegurar a democracia e a liberdade.
Por isso, insisto: vamos fazer do dia 29 uma poderosa jornada de luta.
Senão...

POEMA

O MAR

A voz branca que está no mato
perde-se na imensidão do mar.
Lá vai!
O sol bem alto
é uma atrapalhação de cor
- Abacaxi sàfu nona
carregozinho do barco...

Um tubarão passando
é um risco de frescura.
Lá vai!

O barco deslizando
só com a vontade livre e certa do negro
lá vai!...


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo»)

A VERDADEIRA AMEAÇA

Mostra-nos a História que o sistema capitalista, em tempo de crise, redobra a sua característica exploradora, opressora, belicista e repressiva.
E quanto mais forte é a crise mais violentas e brutais são as medidas tomadas pelos vários governos contra os trabalhadores e os povos - e mais se acentua o domínio dos países dominantes (EUA, Alemanha, etc) sobre os dominados (Portugal, Grécia, etc.)

É o que está a acontecer actualmente: os grandes dão ordens, os pequenos obedecem.
Basta olharmos para a acção do Governo PS/Sócrates e para as práticas dos restantes partidos da política de direita: sujeição humilhante aos ditames dos centros de decisão do grande capital (desta vez com a inovação da entrada em cena das sinistras «agências de notação») e entrega da independência nacional aos mandantes do planeta; aumento da exploração dos trabalhadores, com um PEC feito à medida dos interesses do grande capital; acentuação da violação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos., etc, etc.

Mas atenção: é bem possível que o pior ainda esteja para vir. Em todos os aspectos.
O capitalismo é implacável e não olha a meios para impor o seu domínio. E quando digo que não olha a meios, quero dizer que, para o capitalismo vale tudo - inclusive, se necessário, o recurso ao fascismo, como sabemos por dolorosa e longa experiência própria.

Vem isto a propósito da alarmante manchete que, hoje, enche a primeira página do Diário de Notícias, e que passo a transcrever:

«Crise obriga Sócrates a reforçar segurança pessoal.
Ameaça. A PSP concluiu que alguns sectores mais radicais da contestação social elevam o risco de acções hostis sobre o primeiro-ministro».

No interior do jornal - ocupando toda uma página - a ideia é desenvolvida à maneira: como exemplos da anunciada «ameaça», volta a ser referida a muito badalada «ameaça» ao Presidente da República, à qual se acrescentam outras «ameaças», como as vaias de que Sócrates tem sido alvo desde há dois anos...
Com tudo isto, «justifica-se» a necessidade de «medidas de segurança». Para fazer frente à «ameaça»...

Estamos perante um filme velho, muito velho - tão velho como a história do capitalismo...
Na verdade, a única e verdadeira AMEAÇA existente é a de o poder dominante, a pretexto de «ameaças» oportunamente inventadas, acentuar a repressão sobre os trabalhadores, procurando impedir o desenvolvimento e a intensificação da luta.

É a essa AMEAÇA que os trabalhadores deverão responder de forma inequívoca.
Precisamente desenvolvendo, intensificando e ampliando a luta de massas.
E fazendo do próximo dia 29 de Maio uma poderosa jornada de luta.

POEMA

NEGRO DE TODO O MUNDO


O som do gong
ficou gritando no ar
que o negro tinha perdido.

Harlem! Harlem!
América!
Nas ruas de Harlem
os negros trocam a vida por navalhas!

América|

Nas ruas de Harlem
o sangue de negros e de brancos
está formando xadrez.

Harlem!
Bairro negro!
Ring da vida!


Os poetas de Cabo Verde
estão cantando...

Cantando os homens
perdidos na pesca da baleia.
Cantando os homens
perdidos em aventuras da vida
espalhados por todo o mundo!

Em Lisboa?
Na América?
No Rio?
Sabe-se lá!...

- Escuta.
É a Morna...

Voz nostálgica do cabo-verdiano
chamando por seus irmãos!

Nos terrenos do fumo
os negros estão cantando.

Nos arranha-céus de New-York
os brancos macaqueando!

Nos terrenos da Virgínia
os negros estão dançando.

No show-boat do Mississipi
os brancos macaqueando!

Ah!
Nos estados do sul
os negros estão cantando!

A tua voz escurinha
está cantando
nos palcos de Paris.
Folies Bergères!

Os brancos estão pagando
o teu corpo
a litros de champagne.
Folies Bergères!

Londres-Paris-Madrid
na mala das viagens...

Só as canções longas
que estás soluçando
dizem da nossa tristeza e melancolia!

Se fosses branco
terias a pele queimada
das caldeiras dos navios
que te levam à aventura!

Se fosses branco
terias os pulmões cheios
do carvão descarregado
no cais de Liverpool!

Se fosses branco
quando jogas a vida
por um copo de whisky
terias o teu retrato no jornal!

Negro!


Na cidade da Baía
os negros
estão sacudindo os músculos.

Ui!
Na cidade da Baía
os negros
estão fazendo macumba.

Oraxilá! Oraxilá!

Cidade branca da Baía.
Trezentas e tantas igrejas!

Baía...
Negra. Bem negra!
Cidade de Pai de Santo.

Oraxilá! Oraxilá!


Francisco José Tenreiro

(«Ilha de Nome Santo»)