POEMA

CORAÇÃO EM ÁFRICA


(4)

De coração em África na mão deste Negro enrodilhado e sujo de beira-cais
vendendo cautelas com a incisão do caminho da cubata
perdida na carapinha alvinitente;
de coração em África com as mãos e os pés trambolhos disformes
e deformados como os quadros de Portinari dos estivadores do mar
e dos meninos ranhosos viciados pelas olheiras fundas das fomes de Pomar,
vou cogitando na pretidão do mundo que ultrapassa a própria cor da pele
dos homens brancos amarelos negros ou às riscas
e o coração entristece à beira-mar da Europa
da Europa por mim trilhada de coração em África;
e chora fino na arritmia de um relógio cuja corda vai estalar
soluça a indignação que fez os homens escravos dos homens
mulheres escravas dos homens crianças escravas dos homens
negros escravos dos homens
amarelos e brancos e brancos e amarelos e negros escravos
sempre dos homens
e também aqueles de que ninguém fala e eu Negro não esqueço
como os pueblos os xavantes os esquimós os aínos eu sei lá
que são tantos e todos escravos entre si.


Francisco José Tenreiro

(«Coração em África»)

3 comentários:

samuel disse...

Os homens. Sempre os homens.
Uns, poucos, sempre, repetidamente, parte e causa do problema.
Muitos, os outros, tardando com a solução...

Abraço.

Maria disse...

Já não consigo ler o poema com os neurónios todos. Metade está já a dormir. Volto amanhã...

Um beijo grande.

Graciete Rietsch disse...

Poema fascinante, como os outros aliás.

Um beijo.