POEMA

ODE À REVOLUÇÃO


A ti,
assobiada-
escarnecida por balas de metralhadoras,
a ti,
que as baionetas ferem,
que as maldições envolvem,
grito enebriado
o início da ode
solene.
Oh! Bestial!
Oh! Ingénua!
Oh! Mesquinha!
Oh! Sublime!
Que outro nome te foi dado?
Em que te tornarás, ser de duplo rosto?
Um arquitectura harmoniosa
ou um amontoado de ruínas?
Exaltas o maquinista
coberto pela poeira do carvão,
o mineiro que perfura as entranhas da terra...
Exaltas,
veneras
o trabalho humano.
E amanhã...

Em vão
erguem as igrejas as flechas suplicantes,
os teus canhões de pescoço taurino
fazem saltar os milenários kremlins.
Glória!
Agonia das feridas mortais.
Uivo estridente das sereias.
Envias marinheiros
salvar num cruzador que vai a pique
um gatinho
esquecido.
E depois,
a multidão enfurecida
empurra à coronhada velhos almirantes,
lança-os de cabeça
do alto da ponte de Helsínquia.
O gosto áspero das feridas do passado,
vejo novamente as veias abertas.
Os burgueses amaldiçoam-te:
«Oh! sê três vezes maldita!»
mas o poeta,
eu,
dou-te a minha bênção:
Oh! Quatro vezes bendita, sê gloriosa!


Maiakovsky
(Tradução de Egito Gonçalves)

É PELO SONHO QUE LUTAMOS

O anticomunismo constitui o mais relevante capítulo da multifacetada história da repressão e da violência postas ao serviço da velha sociedade baseada na exploração do homem pelo homem e contra a sociedade nova, liberta de todas as formas de opressão e de exploração.
Por efeito de uma longa experiência, o anticomunismo assume as expressões adequadas a cada momento, ora recorrendo à brutalidade, às prisões, às torturas, aos assassinatos (quando as circunstâncias o exigem e permitem), ora exibindo a mistificadora máscara democrática (quando as circunstâncias o permitem e exigem).

Foi assim que a ditadura salazarista - sistema capitalista servido por um regime fascista - diabolizando o comunismo e os comunistas, perseguiu, prendeu, torturou, assassinou milhares de comunistas - procurando liquidar a resistência e assegurar a brutal exploração a que submetia os trabalhadores portugueses.
E foi assim que, derrotado o fascismo, o anticomunismo recorreu à sua máscara democrática e na nova situação criada - sistema capitalista servido por um regime de democracia burguesa - fez do PCP o inimigo a abater, de forma a melhor prosseguir a sua acção exploradora, desprezando e violando direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos - mas fazendo-o democraticamente e em liberdade...

O anticomunismo é velho: nasceu há 160 anos, no dia em que o Manifesto do Partido Comunista fez tremer os donos do mundo de então, ao demonstrar inequivocamente que havia uma alternativa à sociedade VELHA, opressora e exploradora - e que essa alternativa era a sociedade NOVA, sem exploradores nem explorados, socialista, comunista.
Foi nesse dia que nasceu - fruto do medo do futuro - o anticomunismo e, com ele e para começar, as patranhas ampla e intensamente difundidas sobre os malandros dos comunistas, que comiam criancinhas e matavam os velhos com uma injecção atrás da orelha... - argumento ainda hoje utilizado, aliás, como vimos nas campanhas dos recentes referendos da Venezuela e da Bolívia, onde os que o utilizaram visavam, em primeiro lugar, as democracias em construção naqueles dois países latino-americanos.


Quer isto dizer que o anticomunismo é - em primeiro lugar, acima de tudo e sempre - antidemocrático.
Ignorar ou negar esta verdade constitui perigo grave para a democracia e para todos - sublinho: TODOS! - os democratas.
Como a História nos mostra, sempre que os democratas não-comunistas igoraram esta realidade, a democracia sofreu pesadas derrotas: primeiro, levaram os comunistas, mas eu não me importei porque não era comunista... - escreveu Brecht, certeiro e luminar.

É claro que os mandantes, os produtores e os difusores do anticomunismo sabem que travam uma guerra que, apesar de vitoriosa em muitas batalhas, está irremediavelmente condenada à derrota.
Porque sabem que lutam contra um inimigo que - porque portador do mais humano e do mais belo de todos os ideais - traz consigo o Futuro: o Sonho de liberdade, justiça social, paz, solidariedade, fraternidade - e a determinação revolucionária de lutar, lutar sempre, até à concretização desse Sonho.

E também essa determinação revolucionária (expressa nesses precisos termos) nasceu há 160 anos...
No cadastro policial de Marx, encontra-se uma anotação, feita por um oficial prussiano, que define «o sujeito em questão» como «extremamente perigoso».
E o referido oficial explica as razões do «perigo»:
«Marx é um sonhador que pensa e um pensador que sonha».

Por mim, aceito esta definição de comunista - verdadeira há 160 anos; verdadeira hoje, verdadeira daqui por 160 anos...

POEMA

DE QUE SERVE A BONDADE?


1
De que serve a bondade
quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
aqueles para quem foram bondosos?

De que serve a liberdade
quando os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?

2
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor:
a faça supérflua!

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
por criar um situação que a todos liberte
e também o amor da liberdade
faça supérfluo!

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
um mau negócio!

Brecht

A MUDANÇA

Obama traz consigo a MUDANÇA: disse-o ele próprio desde a início da campanha e têm vindo a repeti-lo os seus admiradores aqui em Portugal, sublinhando, todos, a novidade que é esta promessa de MUDANÇA, coisa rara e nunca antes vista nos EUA.
Hoje mesmo, no Público, Ana Gomes, escrevendo de Denver, produziu um excitadíssimo texto - «Completa rendição a Obama» - em que nos informa sobre as reacções nela provocadas pelo discurso do líder, que ouviu com «a cabeça e o coração fervilhantes de admiração, contentamento e esperança».
Ana acha que, ali, «estava a assistir à história e ao sonho de Martin Luther King a realizar-se». E acha que «Obama é um líder progressista de tipo novo», pelo que «os americanos têm de o eleger: todos ficaremos a ganhar. Porque a grande mudança que Obama quer trazer à América porá ao alcance de toda a humanidade um mundo melhor, mais seguro e mais justo».

Cá temos, sempre presente, a palavra chave e supostamente nova: MUDANÇA.
Supostamente nova, mas de facto já com idade avançada. Como irei recordar, assumindo o papel de desmancha prazeres... - e, pior do que isso, correndo o risco de os visitantes do Cravo de Abril, fartos das eleições nos EUA, passarem ao lado deste post...

O primeiro candidato à presidência dos EUA a afirmar-se portador de um «mandato de mudança», fazendo disso o tema principal da sua campanha, em 1951 - ainda o Obama não era nascido... - foi Eisenhower.
Tratou-se, aliás, de uma campanha inovadora: Eisenhower foi, também, o primeiro a contractar uma agência de publicidade - que, obviamente, lhe criou o slogan da «mudança»... - e foi, ainda, o primeiro a encomendar uma sondagem à boca das urnas (obviamente sugerida pela dita agência...)
Eisenhower foi eleito.
Quanto à «mudança»: no plano interno, o maccarthismo atingiu o auge...; e, no plano externo, os EUA, em 1954, derrubaram o governo democrático de Jacob Arbenz, na Guatemala, e substituiram-no por um governo fascista (e dois anos depois esmagaram uma revolta contra esse governo fascista); em 1958, impediram a eleição de Allende, no Chile; em 1960 começaram a preparar a invasão de Cuba, naBaía dos Porcos (que seria concretizada no mandato de Kennedy) - isto para referir apenas algumas expressões concretas da «mudança» prometida por Eisenhower.

Em 1992, Clinton recuperou o lema de Eisenhower: o seu «mandato para a mudança» correu mundo, acendeu esperanças e emoções, foi elogiado por todas as anas gomes da época...
Clinton foi eleito - para a «mudança» - substituindo Georges Bush (o pai deste filho).
O conteúdo da «mudança» introduzida por Clinton na política dos EUA, pode ser resumido assim:
o último acto de Bush enquanto presidente foi, dias antes de abandonar o poder, ordenar o disparo de 45 mísseis Tomahawk contra um complexo industrial nos arredores de Bagdad (um dos quais atingiu o Hotel Rashid);
o primeiro acto do «mandato para a mudança» de Clinton, foi ordenar um ataque com 23 mísseis Tomahawak contra o centro de Bagdad.
No dia seguinte, à saída da missa, o «profundamente religioso» Clinton - transpirando «mudança» por todos os poros - comentou assim o êxito do ataque: «as notícias que recebi fazem com que me sinta muito satisfeito, e penso que o povo dos EUA deve sentir-se também muito sastisfeito».

Mas não percamos a esperança: a «mudança» de Obama está aí não tarda.
E se ela não chegar, não percamos a esperança na mesma: ouvi dizer que o McCain também não é nada mau em matéria de «mudança»...


POEMA

É SEMPRE TUDO IGUAL


É sempre tudo igual:
uma mulher que morre, um ser próximo
que pragueja e pergunta...
Tantas, tantas vezes
vivemos já a nossa existência.

Sabemos o papel, representamos bem
a cena,
entramos e saímos quando nos ordenam.

Nalgum sítio alguém deve aplaudir.

José Agustin Goytisolo

ESTÓRIAS DE ESTORIADORES...

Passada a data e feito o balanço de como ela foi festejada nos média nacionais, constata-se que estes, no seu conjunto, dedicaram umas dez páginas ao tema - falo apenas de jornais, já que praticamente não frequento televisões nem rádios.
O tema era Checoslováquia/1968: a «Primavera de Praga» e os «tanques soviéticos», cozinhados com todos os condimentos próprios do anticomunismo trivial, isto é, repetitivo, recorrente - e confirmando que, enquanto o capitalismo for o sistema dominante no mundo, a «história» desses acontecimentos será a que eles escrevem.
Curiosamente, o que os jornais de 2008 escreveram sobre o assunto é, no essencial, o que em 1968 escreveram o Diário de Notícias, o Século, o Diário da Manhã... - os de hoje, contudo, talvez num jeito anticomunista mais enraivecido...

No que os jornais de hoje diferem dos de então é no que toca ao PCP.
Por razões óbvias: hoje há um exército de estoriadores que, tendo como tarefa proceder ao branqueamento do fascismo, tudo faz para menorizar a resistência antifascista e, muito especialmente, o papel do PCP nessa resistência - e tudo lhes serve de pretexto para contar estórias sobre a luta dos comunistas contra o fascismo.

Assim, em título, um desses jornais gritou que os «tanques soviéticos também arrasaram a hegemonia do PCP» - e para confirmar o arrasamento chamou a depor, entre outros, Fernando Rosas (FR), que nesta área da Estória é insuperável.
Como lhe era pedido, FR confirmou que sim senhor: o PCP devido à posição que tomou, «perdeu a hegemonia junto da oposição de esquerda» - e quem encontrou a hegemonia perdida foram, é claro, os estudantes, os sectores católicos, blá, blá, blá...

E segue-se um exemplo comprovativo dessa perda da hegemonia pelo PCP: o de FR, ele próprio e por ele próprio confirmado.
Diz assim: «o historiador e actual deputado do BE tinha então 22 anos, estava na Faculdade de Direito de Lisboa, não era militante, mas o PCP era o seu partido» - «era» mas logo deixou de ser, porque «o CC do PCP apoiou a invasão» e isso para FR «foi a gota de água» que o levou a afastar-se do PCP.
Aqui chegado, o leitor distraído e (ou) desinformado não pode deixar de concluir... o que jornal e estoriador querem que ele conclua, a saber: que o que levou FR a afastar-se do PCP - e a entrar para o MRPP... - foi a sua atitude de, digna e corajosamente, se opor aos «tanques soviéticos»...

Ora, as coisas não foram exactamente assim. Bem longe disso.
E é sintomático que FR fuja sempre à verdade em relação a esta matéria.
Atenção: não se lhe exige que conte a história toda - isto é: que foi militante do PCP; que, nessa qualidade, foi preso pela pide; que etc, etc, etc.
O que se lhe exige é que, também sobre isso, se deixe de contar estórias...
Quanto mais não seja por respeito por si próprio.

POEMA

DESLIGANDO A TV

A esta hora as anémonas nadam evitando o lodo
e Jesus Cristo está ainda sentado à direita de Deus Pai.
É a ele que me dirijo: para que
evite a poluição das águas;
acenda a luz das auto-estradas;
faça admitir na Guarda Nacional indivíduos capazes;
fiscalize devidamente os empréstimos externos;
esteja ao lado dos camponeses e operários;
mantenha a nossa cidade limpa;
acabe de vez com a inflação e o contrabando;
não permita lock-outs;
não se alheie das graves dificuldades do Serviço Nacional de Saúde;
atenda as preces das mães solteiras;
não deixe continuar nesta situação o nosso único Zoo;
dê coragem aos que julgam que já não há nada a fazer;
tire da cabeça dos nossos governantes a ideia maluca
de mandarem construir uma central nuclear;
impeça o desvio dos nossos aviões;
dê um em empurrãozinho na Habitação Social;
veja bem o que se está a passar com os impostos;
dê também uma olhadela pela Secretaria de Estado da Cultura;
ajude o mais possível as nossas colheitas;
procure a maneira de actualizar as pensões de reforma e invalidez;
termine com as pequenas e grandes invejas dos nossos intelectuais;
volte a pôr a Feira do Livro na Avenida da Liberdade;
tente que cada um de nós ame mais o próximo ou
se não for possível
que ao menos façamos todos férias repartidas.

Joaquim Pessoa

TUDO O QUE FOR NECESSÁRIO...

Diz-nos, de Denver, a reportagem do Público que o «sonho» de Marthin Luther King «tornou-se finalmente realidade».
Também de Denver, garante-nos a inevitável Ana Gomes que «o sonho está a cumprir-se». Não sei se de Denver se de Lisboa, o DN confirma que «Obama vive sonho de Luther King» - e o mesmo, mais palavra menos palavra, hão-de dizer todos os média dominantes do planeta.
Não foi por acaso que a nomeação, pela Convenção do Partido Democrata, de Barack Obama para candidato à presidência, ocorreu na véspera do 45º aniversário da gigantesca marcha pelos direitos civis que culminou com o célebre discurso I have a dream proferido por Luther King - «sonho» que era, entre outras coisas, o do fim da segregação racial nos EUA.
Concluindo como concluem, os média querem que concluamos com eles que, com a nomeação do «afro-americano» Obama, está o sonho de Luther King cumprido, ou seja, a segregação racial nos EUA acabou - e sobre isso, basta apenas olhar para o que nos dizem os dados sobre o lugar ocupado pelos negros norte-americanos, por exemplo, em matéria de desemprego, de pobreza, de população prisional...

Outra componente desta colossal operação propagandística - realçada pelos mesmos média - é a que focaliza nos objectivos de «reconstruir o sonho americano e restaurar a liderança americana no mundo» as «duas questões fundamentais da próxima eleição».
Sublinhe-se que este «sonho americano» (de que é parte integrante o «sonho» de «liderança americana no mundo») nada tem a ver com o sonho do I have a dream - e também sobre isso basta apenas lembrar que Luther King viria a ser assassinado por acrisolados defensores do sonho americano e da liderança no mundo...

E quanto à tão anunciada e louvada «mudança» prometida por Obama, o «estratega principal» do candidato diz-nos que o discurso que este irá proferir (já proferiu) na Convenção «é inspirado nos de John Kennedy em 1960, de Ronald Reagan em 1980 e de Bill Clinton em 1992».
Está tudo dito: com tais inspirações, fica claro que a «mudança» consiste no velho sonho americano de liderar o mundo - isto é, de o dominar, explorar e oprimir.

Entretanto, enquanto, lá dentro, a Convenção confirmava Obama como candidato, no exterior ocorriam manifestações de protestos vários e uma «marcha em defesa dos Direitos Humanos, de solidariedade com os prisioneiros políticos detidos nos cárceres norte-americanos, contra a ocupação do Iraque e do Afeganistão e pelo imediato regresso das tropas dos EUA».
A polícia reprimiu estas manifestações. Como lhe competia.
Ou não fosse a liderança do mundo a menina dos olhos do sonho americano - que há que defender mesmo que, para isso, seja necessário... tudo o que for necessário...

POEMA

O VIANDANTE


Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.

Carlos de Oliveira

NOTÍCIAS DA FOME

Eis a situação no mundo, em matéria de «pobreza extrema»:
«A pobreza é maior do que se pensava» - diz o Banco Mundial (BM), e especifica que hoje «há mais pessoas a viver em condições de pobreza extrema» do que havia há três anos.
Nessa situação estão «1.400 milhões de pessoas», ou seja, um em cada quatro habitantes do Planeta - o que corresponde a um aumento de cerca de 500 milhões em relação a 2005.
Isto - adverte o BM - «não considerando, ainda, o impacto, sobre os pobres, da recente escalada dos preços do petróleo e dos alimentos, o que poderá fazer cair mais 100 milhões de pessoas na pobreza extrema».

Para ficarmos com uma noção mais completa do significado destes números, importa ter em conta que, para o BM, uma pessoa vive em«pobreza extrema» quando tem um rendimento que não ultrapassa 85 cêntimos por dia.
Assim sendo (isto não diz o BM, digo eu) quem tiver um rendimento de 1, ou 2, ou 3 euros por dia, vive apenas na «pobreza»... e, muito provavelmente, os que disponham de meia dúzia de euros/dia já entram na categoria de felizardos...

Se os EUA autorizassem que o direito à alimentação fosse considerado um direito humano, diriamos que o respeito pelos direitos humanos deixa muito a desejar neste mundo dominado pelo sistema capitalista...
E nos próprios EUA, onde o número de pessoas que vivem no «limiar da pobreza» - isto é, que têm um rendimento inferior a 13 dólares/dia - anda pelos 38 milhões.

A diferença entre estes 13 dólares/dia/EUA e os 85 cêntimos/dia/resto do mundo, é a diferença que há entre o sonho americano interno e o sonho americano exportado...

POEMA

A LIÇÃO


Francisco Miguel estava na prisão.
Todos os dias guardava do seu pão
para dar aos pombos
que vinham até ali
das velhas casas.

Ele sabia
que o dever
de todo o homem
é defender as asas.

Mário Castrim

A festa é NOSSA!



Olhar cabisbaixo, não de vergonha que alentejano é altivo. nada deve e o que não tem, foi-lhe roubado ao suor pela tirania de quem o mantém no limiar da fome, na profundidade absoluta da certeza. certeza de quem sabe ser de sede o sonho, as palavras proibidas balbuciadas entre dentes ao peito camarada de circunstância igual! joaquim morte certa, mestre candeias para a familiaridade das gentes da sua terra e algum forasteiro de coração atento, tem o olhar cabisbaixo vergado ao peso da simplicidade que o assalta sempre que ensina da sua arte a quem dela vai à pergunta. entre palavras que pronuncia como quem chama pelos filhos - mastros, velas, mós, - se encontra no curioso alguma pinga de ternura ou entendimento, ousa falar-lhe ao entendimento e desabafa: isto são fascistas. estamos no mesmo. isto são os fascistas, mudaram-lhe foi a coleira. e eu, estalado no espanto de tanta lucidez, saio do meu encantamento quixoteano provocado pela magia do moinho e lembro-me do que querem eles fazer à minha Festa, à nossa Festa. e no íntimo, sorriso triste no meu silêncio apavorado - até me chegar a coragem que o derrubará! - aceno-lhe a cabeça, sinto-lhe as lágrimas, olho as velas como lenços no cais militar e colonial. eles estão aí. pois estão. mas o moinho é nosso, como sempre foi a razão imemorial do nosso pão! e rebento em grinaldas nas velas uivantes. aterro na saudade da quinta da atalaia. porque, como escrevi faz uns tempos, cada vez que o fascismo aperta, o coração dos homens bons levanta-se nas bandeiras do meu Partido. Fernando Samuel, a Festa é nossa, é NOSSA! aprendi-o contigo na alegria que sempre nos invade no nosso encontro. e aprendi-o com o mestre candeias, quando reconhece a lucidez do seu sentir nas letras sangrentas com que estes tempos de fome caiam as paredes do seu moinho!

POEMA

MEU GLORIOSO PARTIDO

Meu glorioso Partido
Comunista Português,
ao dares-me à vida sentido
deste-me a vida outra vez.

Na multidão já fui só.
Hoje, em mim, sou multidão.
Basta-me aceitar que sou
como os demais homens são.

O olhar antes estreito
em redor passou-me a ver.
Meu coração no meu peito,
oiço-te noutros bater.

A voz que isolada era
fundi-a numa maior.
Fez-se-me a dor primavera
e a desconfiança amor.

A própria pátria que eu tinha,
idêntica a não ter nada,
de alheia voltou a minha,
por teu dom reconquistada.

Meu glorioso Partido
Comunista Português,
ao dares-me à vida sentido,
deste-me a vida outra vez.

Armindo Rodrigues

«INSTINTO REVOLUCIONÁRIO»

Declaração prévia: dia 7, assistirei ao espectáculo de encerramento da nossa FESTA e, em frente ao palco 25 de Abril, aplaudirei os Xutos&Pontapés.

Antes disso, li a entrevista que o Zé Pedro dos Xutos deu ao Sol, entrevista não tanto para falar de música (o que foi pena), mas essencialmente para falar de política (o que foi pena) - neste caso dupla pena já que o músico se pronunciou sobre política nacional e internacional.

Sobre si próprio, o homem dos Xutos disse ser «de Esquerda», ou seja, «sempre preparado para a mudança e para assumir causas sociais e políticas», graças ao «meu instinto revolucionário».
Está a auto-apresentação feita.

Sobre as eleições presidenciais nos EUA, revelou: «Gostei muito do Clinton e gosto muito da Hillary, mulher com muita força e muita garra», mas... «o Obama está mais fresco politicamente e parece-me consciente nas propostas»
Presumo que seja o «instinto revolucionário» do Zé Pedro a falar...

Sobre o seu posicionamento nacional: «a nível governamental posiciono-me ao lado do PS».
Os caminhos seguidos pelo «instinto revolucionário» são imperscrutáveis...

Sobre a «arrogância de Sócrates» (referida pelo entrevistador), o Zé Pedro não só aplaudiu - «na posição que ocupa e tendo em conta o estado do país é necessário que assim seja» - como fez profissão de fé: «Continuo a ter esperança em Sócrates».
Eis o «instinto revolucionário» como fonte de esperança...

Sobre se «hoje votaria em Sócrates», clarificou: «Não sei. Ainda tenho tempo para pensar, mas só há três hipóteses: o PS, o Bloco de Esquerda, ou em branco».
Três hipóteses qual delas mais inspirada pelo «instinto revolucionário»...

Sobre o PCP, o Zé Pedro decretou: «o Partido Comunista tem que se adaptar ao mundo de hoje» e tem que deixar de «fechar todas as portas» à unidade da Esquerda.
Neste caso, o «instinto revolucionário» mostrou estar farto de só aplaudir e assumiu, revolucionariamente, a necessidade de estar contra qualquer coisa: calhou ao PCP...
Estou certo de que o PCP vai seguir as instruções do Zé Pedro e vai «adaptar-se», já hoje, ao «mundo de hoje» - que é o mundo do Clinton, da Hillary, do Obama (e mais do Bush-filho, e do Bush-pai, e do Reagan...); e vai adaptar-se, também já hoje, ao mundo do Sócrates ( e mais do Soares, do Cavaco, do Guterres, do Barroso - e, já agora e por arrasto, do Louçã...); e vai adaptar-se todo, da cabeça aos pés, «posicionando-se ao lado do PS», aplaudindo a política de direita, deitando foguetes ao Código do Trabalho... - e, em coerência com todas estas adaptações, o PCP vai, naturalmente, deixar de fazer a Festa do Avante!...; e vai, é claro, abrir «todas as portas» à unidade de esquerda, mobilizando todos os militantes comunistas para... o Teatro da Trindade...

Já ao cair do pano, o Zé Pedro falou das FARC. Neste caso, o seu «instinto revolucionário» impeliu-o a repetir, mais coisa menos coisa, o que o Bush usa dizer sobre a matéria: «as FARC são um grupo terrorista»; «as balas que as FARC disparam são alimentadas pelo tráfico de droga»; «qualquer pessoa com consciência política sabe que as FARC não estão a lutar pela democracia».
Corrijo-me: neste caso não foi apenas o «instinto revolucionário» o causador da afirmação: foi também a «consciência política»...

Não há dúvida: o «instinto revolucionário» e a «consciência política» do Zé Pedro absorveram, quais esponjas sugadoras, todo o sumo da ideologia dominante.

Porquê esta entrevista - política - a quinze dias da Festa do Avante (onde o Zé Pedro vai estar)?
Será que o Zé Pedro se apercebeu do objectivo maior da entrevista e, mesmo assim, decidiu dá-la?
Ou será que caíu inadvertidamente na armadilha cirurgicamnte montada?
Só ele o sabe.
Ele e o seu «instinto revolucionário».

Declaração final: dia 7, assistirei ao espectáculo de encerramento da nossa FESTA e, em frente ao palco 25 de Abril, aplaudirei os Xutos&Pontapés.

POEMA

O DENTE


Bebé tem um dente.
A família está contente:
«aba a boquinha
moste o dente...»
toda contente.
Bebé sorri
Bebé sabe já
que é preciso ter dente.

Mário Castrim

A NOSSA FESTA É NOSSA!

A ofensiva contra a FESTA DO AVANTE! já vai em 32 anos - tantos quantos tem a política de direita...
Nessa ofensiva, os inimigos da Festa - que são os inimigos da Revolução de Abril - têm utilizado os meios e métodos correspondentes, em cada momento, às práticas contra-revolucionárias.

Em 1976 - quando o terrorismo bombista era uma das suas principais armas - eles colocaram uma bomba nas instalações da FIL, dias antes da abertura da Festa, tentando, assim, impedir a sua realização.
Não o conseguiram: apesar dos estragos provocados pela bomba, a Festa abriu no dia marcado á hora marcada - graças a múltiplos esforços suplementares dos militantes comunistas seus construtores.

Depois, porque a FIL era pequena, a Festa passou para o Jamor - terreno cheio de pedras, de entulho, de mato, que os militantes comunistas desbravaram e limparam construindo ali uma Festa ainda maior e mais bonita do que a do ano anterior.
Dois anos depois, o Governo da altura (era do PS mas podia ser do PSD) decidiu que o terreno do Jamor era necessário para, urgentemente, ali ser iniciada uma obra que já não me lembro qual era e que, até hoje, não foi construída...

A Festa deslocou-se para o Alto da Ajuda - terreno cheio de pedras, de entulho, de mato, que os militantes comunistas desbravaram e limparam e transformaram num aprazível espaço.
Anos depois, o Governo da altura (era do PSD mas podia ser do PS) decidiu que aquele terreno era necessário, com carácter de urgência, para ali construir um polo universitário (que viria a ser construído anos depois).
E a Festa ficou outra vez sem terreno...

Em extremo recurso, procurou-se e encontrou-se a Quinta do Infantado, em Loures - terreno cheio de pedras, de entulho, de mato, que os militantes comunistas desbravaram e limparam garantindo ali a construção da Festa.

Foi então que o Partido decidiu comprar um terreno que assegurasse a realização tranquila de Festa. E comprou-se a Quinta da Atalaia - na sequência de uma grande campanha nacional de fundos, que o colectivo partidário comunista levou por diante com êxito e para a qual contribuiram milhares de amigos e simpatizantes do Partido.
A ATALAIA É NOSSA!: foi este o grito de milhares e milhares de camaradas, no dia em que teve início a primeira Festa ali realizada.

Os objectivos da política de direita em relação à Festa tinham sido uma vez mais vencidos e, aparentemente, os problemas estavam resolvidos. Aparentemente, apenas.
Na verdade, o ódio deles à Festa do Avante!, é incomensurável: eles não suportam aquela que é a maior realização política, cultural, artística, convivial ocorrida no nosso País; muito menos suportam que a Festa seja construída e realizada na base, essencialmente, do trabalho voluntário, da militância revolucionária - e não dormem a pensar que a Quinta da Atalaia é, durante três dias, o espaço com maior índice de fraternidade por metro quadrado no território nacional - um pedacinho do futuro de liberdade, de justiça, de paz, de solidariedade, de fraternidade, de amizade e camaradagem, pelo qual os comunistas lutam.
Daí o seu ódio de classe à Festa; daí o seu desejo de acabarem definitivamente com ela: daí o recurso aos métodos que lhes são característicos...
Foi assim que os partidos da política de direita - PS, PSD e CDS/PP - aprovaram na Assembleia da República duas leis antidemocráticas, anticomunistas e exalando nauseabundos cheiros fascizantes: as leis dos partidos e da seu financiamento - leis que, recorde-se, o então Presidente da República, Jorge Sampaio, considerou «muito positivas»...

A partir daí, como por eles estava determinado, a lei do financiamento dos partidos passou a ser a principal arma utilizada contra a Festa do Avante! - para além, é claro, das habituais provocações sobre a presença das FARC, a venda de t-shirts com o Stáline, e tantas outras em que estes «democratas» são especialistas eméritos.

E aí estão eles, outra vez, ao ataque, empunhando a lei e, de dedo no gatilho, «argumentando»...
Na conferência de imprensa da direcção da Festa, ontem realizada e que alguns jornais de hoje relatam, falou-se do principal desses «argumentos» que pode levar, dizem eles, à «inconstitucionalidade da Festa»...
Dizem os responsáveis pelo cumprimento da lei que a posição assumida pelo PCP é inaceitável.
E qual é essa posição inaceitável?
Simples:
o PCP «sustenta que o lucro da Festa é a diferença entre as receitas e as despesas».
Ora, para os tais «responsáveis», «o lucro da Festa é a soma de todas as receitas»...
Isto é: segundo os tais «responsáveis», os lucros nada têm a ver com as despesas e vice-versa: se, por exemplo, um almoço é vendido por dez euros, o lucro dessa venda para a organização são dez euros. E pronto...
Não julguem que estou a caricaturar. É isso mesmo que eles dizem - e é através desta boçalidade que desferem o actual ataque à Festa.
Quando a desfaçatez, a desvergonha e o descaro atingem tais níveis, é caso para dizermos que nada do que esta gente diga ou faça surpreende...

E, já agora, é caso para lhes dizermos, também, que a NOSSA FESTA É NOSSA - e que assim continuará a ser no futuro.

POEMA

ESTA GENTE/ESSA GENTE


O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Essa gente dominada por essa gente
nem sente como a gente
não quer
ser dominada por gente
nenhuma

A gente
só é dominada por gente
quando não sabe que é gente


Ana Hatherly

DIREITOS HUMANOS

Antes, durante e, pelos vistos, após os Jogos Olímpicos, a ideologia dominante assestou baterias na China.
O bombardeamento incidiu, essencialmente, nos «direitos humanos» - Tibete incluído, é claro...

Recorde-se, antes de mais, que o conceito de direitos humanos definido pelo actual sistema dominante não abarca os direitos ao trabalho, à alimentação, à saúde, à habitação, ao ensino, enfim, a uma vida digna.
Por uma razão simples: quem definiu esse conceito fê-lo na consideração de que a existência de exploradores e explorados é uma «inevitabilidade», decorre de uma «ordem natural das coisas», estabelecida por um poder supremo para o qual a existência de uma imensa minoria de ricos e de uma imensa maioria de pobres é a chave para a «boa harmonia» da sociedade.
Garantida essa questão para eles essencial, os fazedores do conceito estabeleceram, depois, que os direitos humanos eram as «liberdades políticas» - multipartidarismo e sufrágio universal - tratando de assegurar que essas liberdades servissem os seus interesses.
E assim têm vindo a fazer.
Aliás, com um grande pragmatismo. Por exemplo, os EUA conseguiram criar um sistema partidário que, dizendo-se multi é uni: trata-se do unipartidarismo bicéfalo, ou seja, da existência de um partido com duas cabeças, uma «democrática» outra «republicana», ambas defensoras intransigentes do sistema, mas fingindo que são oposição uma à outra e concorrendo, até, a animadas e folclóricas eleições...
Também no que respeita ao sufrágio universal, vimos recentemente, a propósito do Tratado Porreiro, pá, a forma como eles torneiam as dificuldades que ocasionalmente se lhes deparam: se há perigo de serem derrotados nas urnas, não há referendo... e não hesitam em mandar o sagrado sufrágio universal para as urtigas.

E assim, e através de uma poderosa máquina de propaganda, vão estabelecendo o seu conceito de direitos humanos - um conceito do qual são impiedosamente excluídos todos os países que recusam ser lacaios do imperialismo norte-americano.
Como é o caso, entre outros, da China.
Quero eu dizer com isto que a China é um modelo de respeito integral pelos direitos humanos?
Longe de mim, tal ideia.
Mas quero dizer, isso sim, é que a meu ver não há um único país do mundo onde os direitos humanos - nas suas dimensões política, social, humana - sejam integralmente respeitados. E que a auto-promoção dos que criticam a China a zelosos cumpridores dos direitos humanos, só pega porque tem a divulgá-la a mais poderosa máquina de propaganda que alguma vez existiu.
É também minha opinião que num mundo em que o capitalismo/imperialismo - baseado na exploração, na opressão, na injustiça, na inumanidade - é o sistema dominante, não cabe o respeito pelos direitos humanos. Não cabe de todo: nem no países que combatem esse sistema (porque estão condicionados por uma permanente ofensiva visando liquidar as suas experiências) nem, obviamente, nos países do sistema que vivem e se alimentam precisamente do desrespeito pelos direitos humanos.

Por isso, a luta contra o capitalismo e pelo socialismo é o único caminho que conduzirá a uma sociedade baseada no respeito pelos direitos a que todo o ser humano, pelo simples facto de existir, tem direito.

POEMA

CANÇÃO DOS QUE VIVEM DAS SUAS MÃOS


Não peço o de ninguém.
Apenas o meu pão,
meu ar.

Apenas a flor,
o fruto do que fazem minhas mãos.


Jesus Lopez Pacheco

POR QUE SERÁ?

Aviso prévio: este post vai ser monótono, repetitivo, chato. Todavia, como verificará quem tiver a coragem de o ler até ao fim, a culpa não é (toda) minha...

Aqui há um mês, o Expresso «informou» que os partidos estavam de férias até Setembro: todos, excepto o BE - esse, sim, a trabalhar no duro, desdobrando-se em comícios e acampamentos por todo o País, sempre com a presença do incansável Louçã.
Os outros jornais - Sol, JN, DN... - cada um no seu estilo, corroboraram a notícia e deram-lhe os desenvolvimentos que se impunham.
Os desenvolvimentos foram os habituais: silenciar as múltiplas iniciativas do PCP (matéria em que todos eles têm vasta experiência) e dar realce máximo às do BE (matéria em que todos eles têm vasta experiência)...
Assim, à força de tanta corroboração e desenvolvimento, a mentira do Expresso passou a ser uma verdade absoluta.

Fixemo-nos, por hoje, no curioso e inovador método adoptado pelo DN para cumprir a tarefa de que está encarregado de propagandear o BE.
Dias depois da notícia do Expresso, o DN dedicou uma página ao BE/eleições autárquicas de 2009, logo seguida de outra página sobre assunto igualmente candente mas cujo tema não me recordo...
Depois, na rubrica «Vai acontecer...» começou a sua campanha de propaganda ao «acampamento dos jovens do BE», assim:
Num dia, anunciou que dentro de dois dias, terá ínício o acampamento dos jovens do BE; no dia seguinte, anunciou que amanhã terá início o acampamento dos jovens do BE; mais um dia e o DN a informar: amanhã, segundo dia do acampamento dos jovens do BE; outro dia passado e: amanhã, último dia do acampamento ...

Aqui chegado, qualquer leitor bem intencionado dirá para si: caramba, que descarada operação de propaganda, não acredito, é impossível uma coisa destas...
Ora, o DN mostrou que - para ele, como para os seus ilustres colegas - nesta matéria, não há impossíveis.
Eis como tem vindo a tratar os tais muitos comícios do BE.
DN de sexta-feira, 22/8: «domingo, o Bloco de Esquerda realiza um comício em Portimão. No dia seguinte, os bloquistas organizam novos comícios em Vila Nova de Mil Fontes e, na terça-feira, na Nazaré»;
DN de sábado: «hoje, o Bloco de Esquerda organiza um comício na Manta Rota, em Montegordo»; e, ainda no DN de sábado: «amanhã, novo comício do Bloco de Esquerda, desta vez em Portimão»; e, sempre no DN de sábado: «segunda-feira, BE faz comício em Vila Nova de Milfontes»:
Finalmente (para já), DN de hoje, domingo: «hoje, novo comício do Bloco de Esquerda, desta vez em Portimão»; e, também hoje: «Amanhã, o Bloco faz comício em Vila Nova de Milfontes».
(Registe-se, no entanto, que o DN confirmou a sua imparcialidade e isenção anunciando: «amanhã, o PCP faz uma conferência de imprensa para anunciar as últimas novidades da Festa do Avante...»)

Sem comentários.
Deixo apenas uma pergunta: por que será que estes jornais, propriedade do grande capital, tratam o BE como se fosse um dos deles?
E outra pergunta: por que será que este jornais, propriedade do grande capital, tratam o PCP como seu inimigo principal?

POEMA

CHAMEI POR MIM


Chamei por mim quando cantava o mar
Chamei por mim quando corriam fontes
Chamei por mim quando os heróis morriam
E cada ser me deu sinal de mim.


Sophia de Mello Breyner Andresen

INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DO SILÊNCIO

Desculpem a insistência, mas não posso deixar passar em silêncio a insistência do DN na gritaria sobre o «silêncio» da velha senhora.
Hoje, é mais uma página: a 24. Desta vez para - além da reincidência em ir ouvir o Passos Coelho repetir o que ontem disse... - mandar palpites sobre qual será o conteúdo do discurso que a senhora pronunciará em... 7 de Setembro, daqui por quinze dias... - o discurso da quebra do voto de silêncio...
Sobre o conteúdo do dito discurso o DN garante que «cresce a expectativa» - tanto mais quanto se trata desse momento solene que é a pasagem à segunda fase da «estratégia do silêncio»...

Curiosamente - vá lá a gente entender esta maneira de informar... - a página 25 do DN (exacto: a que se segue à 24...) deita por terra parte grande quer do que diz a página anterior, quer de tudo o que ontem foi dito em cerca de três páginas e grita assim:
«Líder do PSD quebra silêncio» e «exige explicações a Sócrates» sobre «o aumento da criminalidade»...
Quer isto dizer que a «estratégia do silêncio» deu lugar à estratégia da interrupção voluntária do silêncio...
Quer isto dizer que o discurso de 7 de Setembro já não vai ser o do fim do silêncio...
Quer isto dizer que nada disto diminui a expectativa em torno do esperado discurso - antes pelo contrário...
Como o DN fará o favor de nos ir demonstrando nos próximos dias...

Não prometo não voltar ao assunto...

POEMA

É PRECISO ESTAR CEGO


É preciso estar cego
ou ter nos olhos aparas de vidro,
cal viva,
areia a ferver,
para não ver a luz que brota em nossos actos,
que ilumina por dentro a nossa língua,
a nossa palavra diária.

É preciso quere morrer sem um sinal de glória e de alegria,
sem participação nos hinos futuros,
sem ficar na lembrança dos homens que hão-de julgar o passado
sombrio da Terra.

É preciso querer já em vida ser passado,
obstáculo sangrento,
coisa morta,
seco olvido.

Rafael Alberti

SEMPRE ELA...

Ha mais de um mês, Manuela Ferreira Leite decidiu e tornou público que não faria qualquer declaração até 7 de Setembro. E partiu para férias em parte incerta.
De então para cá, essa declaração de silêncio foi motivo para múltiplos comentários em todos os média - e assim se transformou em ruidosa propaganda a favor do PSD e da política que este fará quando for governo - seja lá isso quando for...
O DN de hoje, chama mesmo a senhora ao pódio e, em editorial - «o silêncio estudado de Ferreira Leite» - enaltece a «estratégia de silêncio» da líder laranja, afirma não estar provado que o silencio não valha mais para os eleitores do que a «chicana política» e conclui que «a líder do PSD pode ganhar mais do que perder por se calar» - e assim lhe entrega a medalha silêncio de ouro.

No entanto o prestimoso DN não se fica por aí.
Alguém, por lá, há-de ter pensado: e se, afinal, o tal silêncio vier a revelar-se, politicamente, não ouro mas pechisbeque?; e se o retiro para férias vier a revelar-se uma estratégia fatal?; não será mais prudente prevenir qualquer eventualidade dessas?
E alguém há-de ter respondido: bem pensado...
E toca de chamar Pedro Passos Coelho ao pódio, pondo à sua disposição nada mais nada menos do que uma página.
Para quê?: para nada, apenas para lembrar que ele existe, que não gosta do silêncio e que gosta de falar - e para lhe fazer entrega da medalha prevenção de prata...

Tarefa cumprida, dir-se-á...
Errado: o DN achou por bem, ainda - e, nesta altura, certamente já em rota de colisão total com a razão - ir ouvir o inimitável Jardim e dedicar-lhe mais de meia página do seu precioso espaço.
Para quê?: para nada, apenas para lembrar que ele existe, que também não gosta nada do silêncio e que gosta de falar - e para lhe fazer a entrega da medalha arroto de bronze.

E com isto tudo - ou seja, com um dia inteiro de pódio DN para o PSD - quem ficou a ganhar foi o silêncio da senhora...
Que o mesmo é dizer: a política de direita.
Sempre ela...

POEMA

ARENGA ÀS ROSAS E AOS HOMENS

Rosas, crescei, robustecei-vos, multiplicai-vos
até invadir as caixas fortes em caudais
até impedir as metralhadoras,
até semear a luz e a Primavera,
sobre a pólvora e o ferro,
até ocupar o ódio e as entranhas
das bombas, dos obuses, das balas e morteiros.

Crescei, rosas, crescei. Aumentai sem tréguas!
Enchei os olhos dos carniceiros,
florescei os cérebros belicosos,
à gente podre corroei-a de esperança,
iluminai o cérebro dessas bestas
que se alimentam de ouro, sangue e lágrimas;
que são capazes de matar a vida
porque ela em nossas mãos brilha e palpita.

Árvores, águas, pássaros, pomares,
cereais, videiras, operários, mães, plantas,
óleos, músicas, máquinas, ideias,
vamos proclamar a resistência
do amor contra a guerra.

O ar está a ser semeado de suspeitas
para nos amargurarem a alegria,
para que nos matemos, tu e eu, irmão,
agora que as dores amadurecem e o sentido
vai revelar-se ao mundo.

Trabalhai
de costas para o medo. Abri os olhos,
rosas, homens, ao bem e à beleza.
Crescei! Cantai! A vida é nossa:
a terra é nossa e nosso é o futuro.

Trabalhos, pensamentos, esperanças,
vossas e nossas, rosas, homens.
Nós acendemos as estrelas
e trazemos o dia. Através de nós
a paz realizar-se-á.

Estamos em perigo, rosas, homens,
perfume, sol, matéria, inteligência,
morte, ciência, fé, pedra, perdão, Deus.
Afoguemos os bárbaros em luzes!
Avançai, rosas, homens! Ocupai o mundo!

Ramon de Garciasol

UM CERTO CHEIRO A ESTURRO...

O «tacho» é, desde há muito, uma instituição nacional - tanto que «arranjar tachos para os amigos» passou a ser uma expressão corrente.
Aliás, falsa, falsíssima, já que, em meu entender, os «tachos» não são uma manifestação de amizade, bem pelo contrário.
Quero eu dizer com isto que aos amigos oferecemos a amizade e deles não esperamos senão a amizade. E acrescento que, a meu ver, não é amigo o que insulta o amigo oferecendo-lhe um «tacho», como não o é o que se ofende a si próprio aceitando-o.
O «tacho» é negócio de compra-venda, é coisa para arranjar aos inimigos ou adversários (ou potenciais inimigos e adversários) em troca do seu silêncio, ou do seu apoio, ou... do que ao comprador mais interessar na ocasião.

Vem tudo isto a propósito de uma notícia divulgada, hoje, em vários jornais e segundo a qual Vítor Ramalho foi convidado - e aceitou - assumir a presidência do Inatel. O convite foi feito pelo ministro do Trabalho, Vieira da Silva.
É claro que postas as coisas assim, aparentemente nada há de anormal no facto: o Inatel tem que ter um presidente; o ministro do Trabalho - que é quem decide nessa matéria - provavelmente estará insatisfeito com o actual presidente (que eu não sei quem é nem para onde vai depois de ser substituído neste cargo...) - pelo que, convidar quem muito bem entenda para o cargo é (será?) um direito que assiste ao ministro.

A razão porque trago aqui o assunto, prende-se tão somente com alguns dados fornecidos pelos jornais que dão a notícia.
Dados que aqui ficam com o convite à vossa reflexão sobre eles:
«Vítor Ramalho é deputado do PS e preside à comissão parlamentar do Trabalho»;
trata-se de um «cargo de particular importância no início da próxima sessão legislativa», porque «esta é a comissão que vai discutir o polémico Código do Trabalho» - matéria sobre a qual, «Vítor Ramalho é uma das poucas vozes críticas na bancada do PS»...
No que me diz respeito, vá lá saber-se porquê..., tudo isto me cheira... àquele cheiro que o tacho - o da cozinha, é claro - exala quando nos esquecemos de apagar o lume...

Para agravar o cheiro, o futuro ex-deputado do PS e Presidente do Inatel, «garantiu» - em voz grossa e forte - que «continuarei a dizer o que penso» e que «não vou mudar uma vírgula»... - que é como quem diz: «a mim ninguém me cala»...

Bom, fico-me por aqui. Caso contrário, o tacho pega e lá se me vai o almoço...

POEMA

O MORTO NA PRAÇA DE BEYAZIT

Um morto está deitado,
um jovem de dezoito anos,
ao sol dos dias,
à noite com as estrelas,
na Praça de Beyazit em Istambul.

Um morto está deitado:
segura numa mão o seu livro de estudo,
na outra o sonho interrompido antes de ter começado
em Abril no ano de mil novecentos e sessenta,
na Praça de Beyazit em Istambul.

Um morto está deitado.
Foi abatido,
e a ferida da bala
abre-se-lhe na fronte como um cravo vermelho,
na Praça de Beyazit em Istambul.

Um morto está deitado,
o sangue a cair na terra, gota a gota,
até ao dia em que o meu povo em armas
com cantos de liberdade
vier tomar de assalto a praça grande.

Nazim Hikmet

SUCIALISTA DE BOCHECHA HUMANA...

Mário Soares escreve às terças no DN e às quintas na Visão.
Regra geral, nos seus textos exibe-se como «homem de esquerda» e nessa condição defende a política de direita do Governo - política por ele iniciada no longínquo ano de 1976.
Soares é assim: mesmo quando ocasionalmente diz uma verdade, foge-lhe sempre a boca para a mentira...

Na Visão de hoje, Soares verte sobre Soljenitsin: «grande escritor russo»; «homem de grande coragem que recusou sempre a mentira»; «herói da guerra contra os nazis»... E mais um conjunto de excelsas qualidades que Soares sabem serem falsas mas que servem o objectivo do escrito: aproveitar em seu favor o anticomunismo cavernícola do russo - ao qual, diga-se em abono da verdade, o anticomunismo gorduroso e viscoso de Soares pede meças...

É assim que, a dada altura, Soares destaca da montanha de feitos de Soljenitsin aquele que considera o maior e mais relevante: «ter mostrado a identidade dos totalitarismos nazi e soviético».
Percebe-se que para esta «conclusão» de Soljenitsin ser tida como boa, Soares tinha que mentir, apresentando-o como um impoluto democrata - e tinha que esconder o Solyenitsin reaccionário, czarista, com assumidas simpatias pelo nazismo, fascista e apoiante de fascistas como Franco e Pinochet, etc., etc.
Daí que sobre tudo isto... nem uma palavra aparece no descarado escrito de Soares.

(Aliás, tantas e tão elogiosas e simpáticas são as referências a Soljenitsin que é legítimo concluir que só por acaso o russo não integrou o núcleo de amigos fixes de Soares, no qual teria oportunidade de conviver fraternalmente com Mobutu, Savimbi, Carlucci e dezenas de outros notáveis apóstolos da liberdade e da democracia...)

Lá para o final do escrito, Soares lembra-se assim: «Lembro-me bem de como na altura da Revolução de Abril os comunistas portugueses nos injuriavam por defendermos Soljenitsin».
Malandros dos comunistas, a injuriarem o inocente Soares e os seus homens! Totalitários, ortodoxos, a injuriarem os angélicos defensores do socialismo de rosto humano...

Para percebermos melhor o que é o Soares - e a desavergonhada sujeira que é a frase acima citada - recorde-se que «na altura da Revolução de Abril» andava o Soljenitsin a fazer discursos reaccionários nos EUA, tendo acontecido até que num desses discursos apelou aos EUA para que interviessem militarmente em Portugal e liquidassem a Revolução de Abril.

Sabe-se que os EUA não intervieram militarmente em Portugal.
Talvez por terem conseguido alcançar por outros meios o objectivo desejado por Soljenitsin.
Por outros meios: através da compra de Soares pai da democraCIA, admirador de Soljenitsin, «homem de esquerda», enfim, sucialista de bochecha humana...

POEMA

ÁRVORE QUE NÃO CANSA

Sabes o que é a luta? Embora pises
areia ardendo e cimentos
aflorando pontas de lança?
- É a árvore que não se cansa
de dar folhas, frutos, rebentos,
com lanhos no tronco e nas raízes.

Luta em ti, fora de ti, na rua,
porque lutando
a árvore que não se cansa será tua.

E, enquanto a vida queira e possa,
luta sempre, porque lutando
a árvore que não se cansa será nossa!

Luís Veiga Leitão

ISTO ANDA TUDO LIGADO...

Um dia, a senhora - falo, obviamente, de Manuela Ferreira Leite - invocou a excelência do «rigor» e proclamou a suprema valência da «credibilidade».
No dia seguinte, um politólogo, naquele jeito aparentemente distanciado com que os politólogos de profissão usam fingir a sua independência e isenção, sublinhou esse «rigor» e louvou a respectiva «credibilidade».
Nos dias seguintes, o exército de politólogos de serviço adoptou a fórmula, passou a utilizá-la no seu omnipresente discurso mediático - e a imagem de «rigor» e «credibilidade» da senhora correu o País de lés-a-lés.
De tal forma que, mais uns dias passados, a generalidade dos consumidores de comunicação social - do Minho ao Algarve e do intelectual consagrado ao simples cidadão anónimo - tinha assumido como sua a imagem que lhe fora vendida. Nas entrevistas de Verão, que os jornais e revistas fazem a personalidades que vão de férias, a pergunta - o que pensa de Manuela Ferreira Leite? - passou a ser tão inevitável como a resposta: (não gosto muito da senhora, mas) reconheço-lhe rigor e capacidade...
Assim, a imagem foi instalada no conhecimento das pessoas e passou a fazer parte daquele vasto conjunto de saberes incontestáveis que os média dominantes injectam nos seus utentes.
Ou, dito de outra forma: a imagem de «rigor» e «credibilidade» de Manuela Ferreira Leite passou de opinião publicada a opinião pública.

Os objectivos de toda esta operação são os de fazer com que, quando os portugueses não suportarem mais este Sócrates e a sua política de direita, não sonhem com outra solução que não seja... a do «rigor» e da «credibilidade desta Manuela Ferreira Leite - que só é solução para assegurar o prosseguimento da mesmíssima política de direita...
Que é a política que interessa aos grandes grupos económicos e financeiros - que são, como é sabido, os donos dos média dominantes...

E agora digam lá que isto não anda tudo ligado...

POEMA

A ARANHA

A aranha de palpos em riste,
a tecer a sua teia,
é bonita ou feia?

Existe.


Armindo Rodrigues

PAPEL CUMPRIDO - PAPEL A CUMPRIR

Diz a notícia que Jorge Coelho se mostrou «disponível para integrar o conselho fundador» de uma nova fundação do PS: a Respública.
Coelho fez questão de sublinhar que aceitava o convite «apesar de estar arredado da política».
Como estamos lembrados, Jorge Coelho arredou-se da política para aceitar o cargo de presidente executivo da Mota-Engil, a principal construtora de obras públicas de Portugal. A esse arredar-se da política chamaram os média dominantes, na altura, «dignidade» - e tantas vezes repetiram a palavra que ela passou a fazer parte do currículo mediático de Jorge Coelho.
É claro que, como todos sabemos - nós, os jornalistas e, especialmente, o Jorge Coelho - se ele não tivesse sido, antes, governante, não seria, hoje, o que é na Mota-Engil - mas isso é, ao que parece, irrelevante...

Diz ainda a notícia que esta Fundação Respública vem substituir duas outras fundações do PS recentemente extintas: a José Fontana e a Antero de Quental.
Confesso que desconhecia estas extinções e que acho estranho o silêncio que as rodeou - já que a José Fontana e a Antero de Quental são referências marcantes da história do PS nos últimos trinta anos...
Exemplificando, quer uma quer outra, como nomes de gente digna podem ser utilizados para cometer as maiores indignidades, ambas tiveram um papel destacado no financiamento da actividade contra-revolucionária do PS/Soares/Alegre.
A Fundação José Fontana - fundada em 1977, por sugestão conjunta da Fundação Friedrich Ebert, da CIA e da AFL-CIO - foi criada com o fim específico de dividir o movimento sindical: ela foi decisiva na criação da UGT e na actividade divisionista e provocatória por esta levada a cabo - enquanto a Fundação Antero de Quental, dizia dedicar-se à «estratégia eleitoral autárquica do PS»...
Estas fundações facilitaram muito, muitíssimo, os apoios financeiros - milhões de contos! - que o PS recebia dos EUA, da Alemanha, da Itália, da França, da Grã-Bretanha, da Suécia, da Noruega... - apoios sem os quais a contra-revolução de Abril, encabeçada por Mário Soares, não teria alcançado os resultados que obteve.

Agora, as duas fundações foram extintas. Porque cumpriram o papel que lhes competia e já não são necessárias? É possível...
Resta saber qual o papel a cumprir por esta Fundação Respública agora anunciada...
Há-de ser papel bom: ou não estivesse no seu «conselho fundador» um elemento como Jorge Coelho - cuja exemplar «dignidade» os média não se cansam de louvar...

POEMA

A FEDERICO GARCIA LORCA


Sobre o teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.

Vergonha de há tanto tempo
viveres - se morte é vida -
sob o chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.

Lágrimas de nocturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.

(Amanhecerá.)

Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há-de abrir-se,
mostrando gloriosamente
- ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo -
que para sempre viverão
os poetas martirizados.

Carlos Drummond de Andrade

ASSIM SE FAZ A GUERRA

Seguindo os conselhos de Obama, Bush está a virar «o esforço da guerra antiterrorista» para o Afeganistão.
Parece que é ali que se está a decidir tudo, estando neste «tudo» incluída (estará?...) a captura de Ben Laden, que foi mas já não é (não será?...) amigo de peito do Império - e amicíssimo da família Bush à qual esteve (e não estará?...) ligado por laços de avultados negócios.

Esta guerra com Ben Laden está ligada, aparentemente, ao facto de, a dada altura da sua vida, o ingrato chefe da Al-Qaeda - formado em terrorismo nas afamadas universidades dos EUA e com vasto currículo de terror ao serviço dos seus formadores - ter passado a trabalhar por conta própria e ter ousado (terá?...) levar o terror aprendido ao coração dos seus mestres e sócios...

Se assim foi ou não, sabê-lo-emos, certeza certa, um dia destes.
Mas entretanto, o Afeganistão está ocupado por 70 mil soldados dos EUA e por mais uns quantos milhares idos de países lacaios do Império - entre eles o Portugal da política de direita - e, a partir de agora, a Colômbia!!! Exactamente: a Colômbia!!!

Diz a notícia que Uribush manifestou o desejo de a Colômbia «ser o único país latino-americano» a integrar as forças de ocupação do Afeganistão, após o que alguém o
mandou falar com Zapatero, já que falam a mesma língua e entendem-se bem...
Assim, nomeado «padrinho e mandatário» da boa vontade uribiana, Zapatero acordou com o governo colombiano que a «companhia de 100 efectivos» por este oferecida «vai integrar o contingente espanhol», que é composto por cerca de 800 soldados.

Assim se faz a guerra. Assim se fazem as guerras.

POEMA

FEDERICO GARCIA LORCA


Garcia Lorca, irmão:
Sou eu, mais uma vez...
Venho negar à humana condição
a humana pequenez
da ingratidão...

Venho e virei enquanto houver poesia,
povo e sonho na Ibéria.
Venho e virei à tua romaria
oferecer-te a miséria
duma oração lusíada e sombria.

Venho, talefe branco da Nevada,
filho novo de Espanha!
Venho, e não digas nada;
deixa um pobre poeta da montanha
trazer torgas à rosa de Granada!

Indomável cigano
dos caminhos do tempo e da aventura,
sensual e profano,
o teu génio floresce cada ano...
Venho ver-te crescer da sepultura!

Bruxo das trevas onde alguém te quis,
nelas arde a paixão do que escreveste!
Sete palmos de terra, e nenhum diz
que secou a raiz,
que partiste ou morreste!

Uma luz que é o aceno da verdade
abre-se onde os teus versos vão abrindo...
a eternidade,
na pureza da sua claridade,
sobre o teu nome universal, caindo...

E o peregrino vem,
reza devotamente.
Põe no altar o que tem.
E regressa mais livre e mais contente...
Assim faço, também!

Miguel Torga

POEMA

ATÉ AMANHÃ


agachados na cova da noite
pequeninos e enormes
esperávamos o homem da bicicleta

embrulhados em papel de jornal
ele transportava uma foicinha
e um martelo

mal chegado
um minuto de silêncio conspirativo
e logo o trabalho

sobre o chão húmido e rugoso
ensinava a construir
e a semear
na inteligência dos homens
no coração dos homens
na coragem dos homens

quando partia
e montava a tosca e fiel bicicleta
sabia
que na próxima vez
vinha encontrar a terra semeada de esperanças
e mais uma telha
e mais uma trave
na casa da construção

foi ontem
e amanhã se for preciso

Francisco Gonçalves de Oliveira
(In Os Tempos do Tempo)

O ÁS DE TRUNFO

A «GUERRA» E AS «PAZES»


«Fizeram as pazes»
: anuncia o Sol, referindo-se a José Sócrates e Manuel Alegre.
A «guerra» - segundo o mesmo Sol - tinha sido declarada quando do comício Alegre/BE no Trindade - «guerra» estranha, já que desde logo se revelou de enorme utilidade quer para Sócrates e Alegre (portanto, para o PS), quer para o BE.

Na altura, escrevi que um dos objectivos de Alegre ao participar e intervir nesse comício, era o de procurar impedir que os votos dos eleitores do PS descontentes com a política do Governo se deslocassem para o PCP/CDU - ou que, se houvesse deslocações de voto, elas fossem para o BE (o que, para o caso, era o mesmo que ficarem em casa...)
A realidade veio agora confirmar essa análise.

Diga-se, entretanto, que a utilidade para o PS da «guerra do Trindade», foi também sublinhada por um dirigente do PS quando afirmou que «a Sócrates também convém que haja alguma oposição interna» - ó se convém! E o Alegre que o diga, pois anda nisto há décadas...

Pela notícia do Sol ficamos a saber que, após o comício, os dois «guerreiros» se encontraram já por duas vezes - quem se quer bem sempre se encontra, não é verdade? - e que tais encontros se revelaram altamente produtivos: os homens fizeram as «pazes», Sócrates veio a público produzir declarações lisongeiras sobre Alegre e Alegre retribuiu, vindo a público solidarizar-se com Sócrates face à crítica que a SEDES fez ao Governo...

Então, essa «guerra» e essas «pazes» começam agora a mostrar a sua utilidade e apresentam os seus primeiros resultados concretos que o Sol divulga:
são grandes as hipóteses de Alegre voltar a candidatar-se à Presidência da República, mas desta vez com o apoio de Sócrates - portanto, do PS.
E agora digam lá se o comício de esquerda no Trindade foi ou não foi uma grande jogada deles todos: Sócrates, Alegre, PS e BE?

Por tudo isto, o Sol coloca Alegre no topo ascendente do seu Sol&Sombra - que é uma rubrica na qual aquele semanário, seguindo a opinião do inevitável JAL, elege os melhores e os piores da semana.
Para JAL, a hipótese de uma candidatura de Alegre apoiada pelo PS - e não só, já que «o poeta sonha ser apoiado por toda a esquerda em 2011» - constitui um inegável êxito.

Mas mais e mais importante do que isso: o anúncio dessa possível candidatura «é uma caução de esquerda para o partido estancar o derrame de votos para o BE e o PCP nas várias eleições de 2009».
Como se vê, razões, e muitas, tem JAL para considerar Alegre o «ás de trunfo do PS» - e, portanto (isto digo eu), um ás de trunfo da política de direita.

POEMA

CARIDADE


As senhoras da sociedade
deram um baile a rigor
para vestir a pobreza
e a pobreza horas a fio
cortou, coseu, enfeitou
os vestidos deslumbrantes
que a caridade exibiu.

Depois das contas bem feitas
bem tiradas as despesas,
arranjou um namorado
a mais nova das Fonsecas;
esteve bem a viscondessa,
veio o nome e o retrato
da comissão nos jornais,
e o Doutor, o Menezes,
e o senhor desembargador,
estiveram muito engraçados,
dançaram o tiro-liro
já meio tombados...

Parece que ainda sobrou
algum dinheiro para a chita
para vestir a pobreza
numa festa comovente
com discursos de homenagem
e uma missa...
a que assistiu toda a gente.

Joaquim Namorado

AH, ESTES PADRES QUE NOS CAEM DO CÉU!

O Padre Vítor Melícias - Presidente da União das Misericórdias Portuguesas - deu entrevista ao Semanário.
Entrevista extensa, como não podia deixar de ser, conhecida que é a caudalosa fluência oratória do ex-Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Recorde-se, entretanto, que este Padre Melícias é:
1) de esquerda;
e 2) franciscano.
São conhecidas a sua estreita ligação ao pio Guterres - de quem era confessor particular- e a admiração entusiática com que aplaudia a guterral (e pia) política.
É conhecida a sua fidelidade ao hábito franciscano, que faz questão de envergar em todos os momentos solenes - um hábito de tal forma adaptado aos hábitos de Melícias que faria o pobre S. Francisco corar de vergonha, já que, pelo tecido e pelo corte, as melicianas vestes parecem ser obra de um desses grandes costureiros italianos que dão cartas na moda actual e por isso se fazem pagar (bem).

Foi, então, com uma auréola de esquerda (moderna, é claro...) nimbando-lhe os alvos cabelos, e citando S. Francisco - «onde houver tristeza que eu leve a alegria» - que o Padre Melícias respondeu a perguntas do Semanário sobre misericórdia (é claro...) mas também sobre a situação no mundo e em Portugal.
Ouçamo-lo.
À pergunta: «Qual é a sua opinião sobre o Governo de José Sócrates,» o Padre começou por responder que
1) - o facto de não desejar ter, nem ter, «estatuto para fazer pronunciamentos políticos ou de incidência directa na política»;
e 2) - mais a sua «isenção e não filiação político-partidária»
- o aconselhavam a abster-se de responder à pergunta.
Contudo, não seguindo o conselho (talvez por ser de proveniência duvidosa..), lá acabou por responder...
Asim: «Devo, porém, dizer que desde os tempos da sua juventude, em que começou a trabalhar com o Eng. Guterres, tenho muito apreço pelas qualidades do agora primeiro-ministro» - e desabafou um longo e sentido lamento pelos «insidiosos golpes de baixa política» de que o primeiro-ministro tem sido alvo, «com prejuízo para ele e para o seu trabalho em favor do País», golpes esses que, proclamou ajeitando a auréola; «o estádio actual da nossa democracia já não devia admitir».
Imaginem o que seria se o Padre Melícias fizesse pronunciamentos políticos e não fosse isento político-partidariamente...

Mais adiante, à pergunta «qual a mensagem que gostaria de transmitir ao povo português?», mensajou assim :
«Coragem, minha gente, a coisa está difícil mas não está sem saída. Poupemos e trabalhemos todos. Critiquemos menos e façamos mais»...
Depois, num rebate de franciscana misericórdia, conluiu deste jeito a sua mensagem:
«E, muito importante!, sejamos atentos e solidários para com os que formos encontrando com maiores necessidades».

E lá foi. Poupar, trabalhar e dar esmolas.
Porque a política dele é o trabalho...
E misericordiar.
E mensajar.

Ah, estes padres que nos caem do céu!...

POEMA

ARTE POÉTICA

A poesia não está nas olheiras imorais de Ofélia
nem no jardim dos lilases.
A poesia está na vida.
Nas artérias imensas cheias de gente em todos os sentidos,
nos ascensores constantes,
na bicha de automóveis rápidos, de todos os feitios e de todas as cores,
nas máquinas da fábrica
e nos operários da fábrica
e no fumo da fábrica.
A poesia está no grito do rapaz apregoando jornais,
no vai-vem de milhões de pessoas ou falando ou praguejando ou rindo.
Está no riso da loira da tabacaria,
vendendo um maço de tabaco e uma caixa de fósforos.
Está nos pulmões de aço cortando o espaço e o mar.
A poesia está na doca,
nos braços negros dos carregadores de carvão,
no beijo que se trocou no minuto entre o trabalho e o jantar
- e só durou esse minuto.
A poesia está em tudo quanto vive, em todo o movimento,
nas rodas dos comboios a caminho, a caminho, a caminho
de terras sempre mais longe,
nas mãos sem luvas que se estendem para seios sem véus,
na angústia da vida.

A poesia está na luta dos homens,
está nos olhos rasgados abertos para amanhã.

Mário Dionísio

«UM DOS MELHORES»?...

Par quem, eventualmente, não o conheça, Pedro Correia é «jornalista» do DN e licenciado em anticomunismo militante. Quando não tem pretexto imediato para exibir essas duas qualidades, apela à sua fértil imaginação e pronto. O seu ódio demencial ao PCP, expresso num desavergonhado vale-tudo, constitui a sua imagem de marca - o que, obviamente, só honra o PCP.

Todavia, as tais duas qualidades de Pedro Correia exibem-se também, quando as necessidades a isso obrigam, em matéria internacional.
É o caso do texto que hoje vomita no DN, intitulado «Um homem vulgar na Casa Branca».
Esclareça-se desde já que o «homem vulgar» é Truman.
À primeira vista, um leitor distraído, poderia ser levado a pensar que a motivação de Pedro Correia para escrever sobre este «homem vulgar» neste mês de Agosto, tivesse a ver com o facto de, nos dias 6 e 9, ter passado mais um aniversário dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasáqui - ordenados precisamente por Truman.
Mas não: o destemperado panegírico de Truman que é este texto nem sequer refere a decisão do facínora de lançar duas bombas atómicas sobre centenas de milhares de homens, mulheres e crianças de um país já vencido.

É bem possível, até, que o objectivo fundamental do vómito de Pedro Correia seja o de tentar apagar, tanto quanto lhe for possível, o que sobre o holocausto foi relembrado, há uma semana atrás, pelo PCP - e só pelo PCP, no quadro partidário nacional, sublinhe-se.
É que não convém nada que a verdade ande por aí à solta a pôr em causa a mentira meticulosamente urdida pelos assassinos - tanto mais que, na opinião de Pedro Correia, o assassino Truman foi «um dos melhores Presidentes dos EUA».

«Um dos melhores?: «o melhor», se faz favor, já que, até hoje, ninguém como esse «homem vulgar» soube exemplificar o HORROR.

POEMA

CANÇÃO DO MESTIÇO

Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando côr
no olho alumbrado de quem me vê.

Mestiço!

E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como 1 e 1 são 2.

Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
- mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.

Ah!
Mas eu não me danei...
e muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor!...

Mestiço!

Quando amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro

Pois é...

Francisco José Tenreiro
(in Ilha de Nome Santo)