«NORMALIDADE DEMOCRÁTICA»...

Diz Obama que até final deste ano sairão do Iraque todos os soldados norte-americanos que há quase nove anos ocupam o país.
Isto porque, diz o Prémio Nobel da Paz, está estabelecida e assegurada «a normalidade democrática» naquele país...

Sairão até Dezembro? Todos os soldados norte-americanos?
Veremos...

Quanto à «normalidade democrática» vejamos:
estamos a falar de um país que foi invadido e ocupado pelo mais poderoso exército do planeta, provocando a morte de mais de 1 milhão e 300 mil pessoas e obrigando mais de 4 milhões a refugiar-se; que destruiu e saqueou o riquíssimo património cultural do país e que se apropriou das suas riquezas naturais; que destruiu a economia e liquidou os serviços públicos de Saúde e Educação, que antes eram garantidos gratuitamente à maioria da população;
estamos a falar de um país onde os sequestros e as matanças se converteram num hábito; onde, nas 420 prisões a cargo dos EUA, há mais de 23 mil presos e nas restantes, a cargo do governo iraquiano, há mais de 400 mil - em cárceres onde as mulheres são torturadas e violadas e donde apenas 10% saem para julgamentos;
estamos a falar de um país onde 28% das crianças sofrem de desnutrição e 10% de doenças crónicas; e onde a corrupção alastra, começando nos membros do governo... (um exemplo: descobriu-se recentemente a existência, só no ministério do Interior, de 66 mil empregos fictícios que custam ao Estado, anualmente, cinco mil milhões dólares...)

Mas não há razão para preocupações: Obama garante que tudo está bem; que reinam a paz e a ordem; que o governo foi «eleito democraticamente» e está, por isso, em condições de assegurar a «normalidade democrática»...
Assim, os soldados norte-americanos podem sair do Iraque e ir espalhar a «normalidade democrática» na Síria, no Irão... enfim, onde haja petróleo...

POEMA

SONETO IMPERFEITO DA CAMINHADA PERFEITA


Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada,
em que os poetas são os próprios versos dos poemas
e onde cada poema é uma bandeira desfraldada.

Ninguém fala em parar ou regressar,
ninguém teme as mordaças e as algemas.
- O braço que bate há-de cansar
e os poetas são os próprios versos dos poemas.

Versos brandos... Ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: sou da hora.
E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas

que possam perturbar a nossa caminhada,
onde cada poema é uma bandeira desfraldada
e os poetas são os próprios versos dos poemas.


Sidónio Muralha

ESTÁ-SE MESMO A VER...

«O governo sírio cometeu crimes contra a humanidade».
Quem o diz é um Relatório da ONU, ontem apresentado em Genebra -
um Relatório elaborado «por um painel independente» o que, está-se mesmo a ver, lhe confere a máxima imparcialidade e credibilidade...; um Relatório feito exclusivamente na base de conversas com pessoas que fugiram da Síria - o que, está-se mesmo a ver, lhe confere a máxima credibilidade e imparcialidade...

O governo francês, pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, foi o primeiro a reagir à divulgação do Relatório.
Alain Juppé, todo a tremer de indignação e com tremidinhos de voz, clamou:
«A comunidade internacional tem que agir. Mais do que nunca temos o dever de travar o sofrimento da população civil» - declaração que, está-se mesmo a ver, é a repetição das declarações feitas há meses atrás em relação à Líbia - e que, está-se mesmo a ver, será repetida amanhã pelos governos britânico, dos EUA, etc.
Depois... está-se mesmo a ver, não está?...

POEMA

ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA


Sabes o que é a luta? Embora pises
areias ardendo e cimentos
aflorando pontas de lança?
- É a ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA
de dar folhas, frutos, rebentos,
com lanhos no tronco e nas raízes.

Luta em ti, fora de ti, na rua,
porque lutando
a ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA será tua.

E, enquanto a vida queira e possa,
luta sempre, porque lutando
a ÁRVORE QUE NÃO SE CANSA será nossa!


Luís Veiga Leitão

MATAR É O SEU OFÍCIO

O imperialismo norte-americano, na sua ambição de domínio do mundo, não olha a meios para atingir os seus fins.
E o facto de os EUA serem o país militarmente mais poderoso do planeta e serem simultaneamente os patrões da ONU e da organização terrorista que dá pelo nome de NATO, facilita muito a tarefa...

Criando os pretextos necessários (ou mesmo sem pretextos) - mas sempre, sempre em nome da liberdade, da democracia e dos direitos humanos... - o imperialismo bombardeia, invade e ocupa países soberanos, colonizando-os e apropriando-se das suas riquezas naturais.
Comportando-se como dono do mundo, o imperialismo decide e ordena o que cada país deve ser e fazer em cada momento.
Impondo-se como modelo de democracia, o imperialismo impõe o seu modelo à escala planetária e declara antidemocráticos - ou terroristas - todos os países que não aceitem esse modelo.
E ai do país que ouse opor-se-lhe e assumir a independência e a soberania!
E ai dos governantes que coloquem os interesses do seu país e do seu povo acima dos interesses dos EUA!
E ai dos países que, mesmo sendo aliados dos EUA, se encontrem na rota das bombas imperialistas!
Há dias, forças da NATO ocupantes do Afeganistão, bombardearam dois postos militares paquistaneses, matando 24 soldados e ferindo 13.
Trata-se de um crime brutal, de um atentado terrorista contra um país com o qual os EUA não estão em guerra, pelo contrário...
Rasmussen, o criminoso de guerra que ocupa as funções de secretário-geral da NATO - e aí obedece servilmente às ordens do patrão imperialista - fez o que é seu hábito nestas circunstâncias: pediu «desculpas», «lamentou» o ocorrido e jurou que se tratou de um «acidente involuntário»... - desculpas, lamentos e juras que só destapam a enorme hipocrisia destes criminosos.
Porque é isso que eles são: criminosos.
Criminosos que estão em todo o lado - e matam em todo o lado onde estão.
Porque matar é o seu ofício.

POEMA

VOSSOS NOMES


No chumbo, no terror, na morte, com sangue escrevo
vossos nomes.

Na pedra, no ácido, neste branco muro escrevo
vossos nomes.

Nas trevas, no medo, na raiz da aurora escrevo
vossos nomes.

No sonho, nos ventos, na flor do trigo escrevo
vossos nomes.

No aço das duras tarefas, no relâmpago escrevo
vossos nomes.

No amor, na cólera, na fome desta ave escrevo
vossos nomes.

No sol que levamos, na verde esperança escrevo
vossos nomes.

No riso, nas lágrimas, no coração da pátria escrevo
e semeio
vossos nomes.

No ventre em flor da minha amada semeio, escrevo
e multiplico
vossos nomes.


Papiniano Carlos

BAILARICO

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Politica/Interior.aspx?content_id=2152401

DIA 30 HÁ MAIS

Os escribas ao serviço do grande capital não se poupam a esforços para «demonstrar» que a Greve Geral não existiu...

A habitual Fernanda Câncio (lembram-se dela?: exactamente, é essa...) foi ver a greve à Baixa, ao Chiado e ao Colombo e não viu nada...
Acresce que, no seu voo de pássara sobre a cidade, a Câncio encontrou um indivíduo que lhe disse que greve geral é quando pára tudo, ora está quase tudo a trabalhar e até há comboios... portanto...
E a Câncio questiona-se sobre «se a greve, geral ou particular, ainda faz sentido como única "forma de luta" das chamadas classes trabalhadoras» - veja-se como ela, numa escassa dúzia de palavras e umas aspas, consegue sintetizar o essencial do pensamento de quem lhe paga...

O também habitual Alberto Gonçalves (lembram-se dele?: exactamente, é esse...) viu a Greve Geral pelo óculo estreito da «sondagem» encomendada pela TSF e pelo Diário Económico - uma «sondagem» surgida na hora exacta... - que dá 70% dos votos aos partidos da troika e 12% aos que «organizaram e apoiaram a greve»...
Logo, conclui o Gonçalves, luminar, a política das troikas é que é boa, por isso é apoiada, e quem está em desacordo com ela não tem vergonha nenhuma...
Tudo isto, integrando uma enchente daquelas reaccionarices fascistóides que constituem a imagem de marca do escriba dominical do DN.


Ou seja: a Greve Geral meteu-lhes medo.
E com razão, pois ela veio confirmar a força da força organizada dos trabalhadores.
E dia 30 há mais: é frente à Assembleia da República, às 9 horas.

POEMA

ADEUS


Fiquem em paz, meus amigos,
fiquem em paz
Eu vou partir
convosco no coração
e a minha luta na cabeça.
Fiquem em paz,
amigos meus,
fiquem em paz.
Não quero ver-vos na praia
alinhados como aves num postal.
Não quero os vossos lenços a acenar, não, isso não.
Vejo-me inteiro nos olhos dos meus amigos.
Ó meus amigos
meus irmãos de luta
meus companheiros de trabalho
adeus sem uma palavra.

As noites vão fechar o ferrolho da porta
Os anos vão criar teias de aranha nas janelas
e eu cantarei na prisão a minha canção de combate.
Tornaremos a ver-nos, amigos, tornaremos a ver-nos.

Juntos, sorrindo, olharemos o sol
bater-nos-emos lado a lado.
Ó meus amigos
meus irmãos de luta
meus companheiros de trabalho
Adeus.


Nazim Hikmet

CONVITE

VIVA A CONCENTRAÇÃO DE DIA 30!

O Cravo de Abril saúda fraternalmente os trabalhadores que, superando os muitos obstáculos que se lhes deparavam, vencendo muitas e diversificadas manobras, ameaças e violações da lei, ergueram ontem aquela que foi uma das maiores jornadas de luta de sempre do movimento operário e popular do nosso País.

Bem pode o Governo ridicularizar-se na tentativa de reduzir a nada a Greve Geral; bem podem os habituais comentadores de serviço produzir textos que, em vários casos, raiam a demência; bem podem os defensores da política das troikas destapar todo o seu ódio aos trabalhadores, que não conseguem anular a realidade.

E a realidade é que, como afirmou Jerónimo de Sousa,
«A Greve Geral foi um momento maior da história da luta dos trabalhadores e do povo português, expressão intensa da luta de classes que se trava no nosso País».
(...) «Em milhares de empresas e locais de trabalho, milhões de portugueses expressaram um combativo "não" ao Pacto de Agressão, numa jornada memorável em defesa dos direitos dos trabalhadores e de um Portugal desenvolvido e soberano».

«A LUTA CONTINUA, NAS EMPRESAS E NA RUA»: esta foi uma das palavras de ordem mais gritadas nas 35 manifestações e concentrações realizadas por todo o País - a confirmar que a formidável adesão à Greve Geral foi, também, a demonstração inequívoca da disponibilidade dos trabalhadores para prosseguir a luta.
E esse é, seguramente, o dado mais relevante que emerge da impressionante jornada de luta de ontem.

E que A LUTA CONTINUA mostra-o a marcação, pela CGTP-IN, de uma concentração junto à Assembleia da República, às 9 horas do próximo dia 30 - dia da votação final do Orçamento do Estado.
Lá estaremos.

POEMA

ENTRE PATRÃO E OPERÁRIO


Entre patrão e operário,
entre operário e patrão,
o que é extraordinário
é pretender-se união.
Não vista a pele do lobo
quem do lobo a lei enjeita.
A propriedade é um roubo.
Ladrão é quem a aproveita.
Negar a luta de classes
é negar a evidência
de um mundo de duas faces,
de miséria e de opulência.


Armindo Rodrigues

VIVA A GREVE GERAL (2)

Cinco breves apontamentos sobre a Greve Geral:


1 - Provavelmente estamos perante a maior de todas as greves gerais realizadas em Portugal.

2 - Mais alguns dados:
O Metro de Lisboa está parado - e no Metro do Porto teve lugar a maior greve de sempre: 207 dos 210 condutores aderiram à Greve Geral;
mais de 600 voos cancelados;
paralisação total do sector portuário;
85% de adesões nos CTT;
92% na Corticeira Amorim;
93% na Centralcer;
etc. etc, etc.
3 - Multiplicam-se os casos de intimidações, chantagens, ameaças, violações da lei da greve, muitas vezes com as administrações das empresas a atirar as forças policiais contra os piquetes de greve.
Os «democratas» são assim...
4 - Em mais de trinta manifestações realizadas noutras tantas cidades do País, milhares e milhares de trabalhadores trouxeram a Greve Geral para as ruas, expressando de viva voz o seu repúdio pela política das troikas e a sua exigência de uma política ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

5 - Trabalhadores de vários países - Grécia, da Espanha, da Itália, etc - fizeram chegar a sua solidariedade com a Greve Geral dos trabalhadores portugueses.

POEMA

SALMO 57



Senhores defensores da Ordem e da Lei:
Porventura o vosso direito não é de classe?
o Civil para proteger a propriedade privada
o Penal para aplicá-lo às classes dominadas

A liberdade de que falam é a do capital
o seu «mundo livre» é a livre exploração
Sua lei é a das armas, sua ordem a dos gorilas
vossa é a polícia
são vossos os juízes
Na prisao não há latifundiários nem banqueiros

Extraviam-se os burgueses já no seio materno
têm preconceitos de classe desde que nasceram
como a cascavel nasce com venenosas glândulas
como nasce o tubarão devorador de gente

Oh Deus acaba com o statu quo
arranca os colmilhos aos oligarcas
Que se precipitem como a água dos autoclismos
e sequem como as ervas sob o herbicida

Eles são os «gusanos» quando chega a Revolução
Não são células do corpo mas somente micróbios
Abortos do homem novo que é preciso atirar
Antes que lancem espinhos que o tractor os arranque

O povo irá divertir-se nos clubes privativos
entrará na posse das empresas privadas
o justo há-de alegrar-se com os Tribunais do Povo
Festejaremos em grandes praças o aniversário da Revolução

O Deus que existe é o dos proletários


Ernesto Cardenal

VIVA A GREVE GERAL!

Ela aí está. Em força como se esperava. Poderosa com tudo fazia prever.
A mostrar que a força dos trabalhadores unidos e organizados é imparável.
A garantir que amanhã a luta continua, mais participada e mais forte.

O Cravo de Abril está, naturalmente, com a Greve Geral.
Por isso não fecha, antes se mantém activo, começando o seu dia de Greve com a publicação de um belo poema do Zé Carlos.
Outros poemas serão publicados ao longo do dia, bem como informações sobre aspectos mais relevantes em matéria de adesões à Greve Geral - e sempre remetendo os visitantes para o sítio do PCP (com link ali em baixo), onde podem acompanhar a evolução da Greve minuto a minuto.

Para já sublinhem-se:
as fortes adesões registadas nas Pescas e nas Autarquias, e as adesões a 100& nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, a 80% nas Minas da Panasqueira e a 83% na Carris - Pontinha...


Tudo a confirmar que «Isto vai meus amigos isto vai»...

POEMA

A FÁBRICA


Da alavanca ao tear da roda ao torno
da linha de montagem ao cadinho
do aço incandescente a entrar no forno
à agulha a trabalhar devagarinho.

Da prensa que se fez para esmagar
à tupia no corpo da madeira
do formão que nasceu a golpear
à força bruta de uma britadeira.

Do ferro e do cimento até ao molde
que é quase um esgar de plástico sereno
do maçarico humano que nos solde
à luz da luta e não do acetileno

nasce este canto imenso e universal
sincopado enérgico fabril
sereia que soou em Portugal
à hora de pegarmos por Abril.

Transformar a matéria é transformar
a própria sociedade que nós fomos
ser operário é apenas saber dar
mais um pouco de nós ao que nós somos.

Um braço é muito mas por si não chega
por trás da nossa mão há uma razão
que faz de cada gesto sempre a entrega
de um pouco mais de força. De mais pão.

Estamos todos num único universo
e não há uns abaixo outros acima
pois se um poema é uma obra em verso
um parafuso é uma obra-prima.

Operários das palavras ou do aço
da terra do minério do cimento
em cada um de nós há um pedaço
da força que só tem o sofrimento.

Vamos cavá-la com a pá das mãos
provar que em cada um nós somos mil
é tempo de alegria meus irmãos
é tempo de pegarmos por Abril.


José Carlos Ary dos Santos

UMA MUITO GRANDE GREVE GERAL

Hoje e amanhã, a Greve Geral vai estar aqui no Cravo de Abril:
hoje porque é véspera dela - amanhã porque é o seu dia;
hoje para deixarmos a previsão de que vai ser uma MUITO GRANDE GREVE GERAL-
amanhã, para confirmarmos que foi uma MUITO GRANDE GREVE GERAL;
hoje e amanhã, para sublinharmos a importância e o significado de uma acção que evidencia de forma clara a força da força organizada dos trabalhadores.

Prever, para amanhã, uma MUITO GRANDE GREVE GERAL é coisa fácil: basta termos em conta a disponibilidade de luta manifestada por centenas de milhares de trabalhadores nas últimas semanas; as centenas e centenas de plenários de trabalhadores realizados no decorrer do processo da construção da Greve; as declarações de adesão de centenas de empresas e sectores, quer do público quer do privado...
E também não é difícil prever que o êxito da Greve Geral de amanhã constituirá um poderoso estímulo ao prosseguimento, à intensificação e ao alargamento da luta contra a política das troikas e por uma política patriótica e de esquerda - uma luta que é necessário continuar até alcançar os seus objectivos.

Os politólogos, comentadores, analistas & Cia. desdobram-se em declarações sobre o assunto.
Sintomaticamente, todos eles reconhecem que vai ser uma MUITO GRANDE GREVE GERAL - e, como não podia deixar de ser, desvalorizam e menorizam os seus resultados e dizem e escrevem o que o grande capital quer que seja dito e escrito: que não vale a pena, que não vai mudar nada, que tudo vai ficar na mesma, etc, etc, etc.
Com tudo isto, revelam o medo que têm da luta das massas trabalhadoras, que sabem ser, não apenas o principal obstáculo à concretização dos objectivos do grande capital, mas igualmente o caminho certo para dar a volta a isto.
(é esse medo, aliás, que está na origem das mil e uma manobras, quer do grande patronato quer dos seus lacaios no Governo, visando limitar a adesão dos trabalhadores à Greve)

Amanhã vamos ter uma MUITO GRANDE GREVE GERAL.
E esse vai ser o acontecimento maior no nosso País - Quer eles queiram quer não.

POEMA

PARA VÓS O MEU CANTO...


Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos,
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais o leito de um rio;

- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim: e confio;

- para vós os meus versos, companheiros da vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios pra cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...

Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia do Juizo...

Que o Dia do Juizo
não é no céu... é na Terra!


Sidónio Muralha

Assim vai a democracia

Assim vai a democracia:


1 - Sobre a Greve Geral de 5ª feira, diz o PS que «compreende» mas... «abstém-se»...
Isto é: não apoia. O que não surpreende.
Também não constitui surpresa o facto de António José Seguro ter aproveitado a ocasião para, precisamente numa reunião de sindicalistas do PS, voltar ao velho blá-blá-blá das «correias de transmissão» - um blá-blá-blá muito apreciado e aplaudido pelo grande capital que, assim, vê que as suas correias de transmissão estão activas...
É claro que, se fosse o PS a estar no Governo, o mesmo blá-blá-blá estaria a cargo de Passos Coelho - e o grande capital apreciaria e aplaudiria com igual entusiasmo...

2 - Entretanto, em Espanha, desta vez ganhou o PP e perdeu o PSOE, ou seja: ganhou a política de direita - a mesma política que, nas anteriores eleições, com a vitória do PSOE, tinha sido a grande vencedora...
A maioria do eleitorado espanhol, lá como cá consciente ou (e) inconscientemente, deu a vitória ao mais do mesmo - registe-se, no entanto, o facto altamente positivo de a Esquerda Unida ter passado de 2 para 11 deputados.
Os média dominantes lançaram luzido foguetório à vitória do PP e, nalguns casos, desenharam mesmo cenários paradisíacos: «A Espanha está pronta para um novo tempo de mudanças», atreveu-se a escrever, no DN, a correspondente do jornal ABC em Portugal...
É claro que também lá, o grande capital apreciou a aplaudiu a vitória do PP - e fê-lo com o mesmo entusiasmo com que, antes, tinha apreciado e aplaudido a vitória do PSOE...

POEMA

MÁQUINA DO MUNDO


O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto é a matéria.

Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.


António Gedeão

SERVENTUÁRIOS DO CAPITALISMO

Afinal, a intenção de liquidar o feriado do 1º de Maio é mesmo a sério.
E os analistas de serviço já entraram em acção.
Manuel Vilaverde Cabral foi o primeiro a vir a público: para ele as datas do 25 de Abril e do 1º de Maio «são a mesma coisa» - portanto, diz, acabe-se com o 1º de Maio...

É claro que ele sabe muito bem que 25 de Abril e 1º de Maio não são «a mesma coisa» - e atirando-se ao 1º de Maio sabe que está atirar-se ao Dia do Trabalhador, com todo o significado que isso tem.
Aliás, estou em crer que, para ele, o melhor seria acabar com os dois feriados...

Confesso que já não suporto estes analistas, politólogos & Cia.: mete nojo a forma como assumem a sua condição de provocadores encartados, de mercenários sem vergonha; a forma como exibem o seu reaccionarismo sem fronteiras, as suas provocações ignóbeis, o seu ódio à democracia e aos direitos dos trabalhadores , enfim, metem nojo, eles, todos sem excepção.

Daí o meu entusiástico aplauso para a resposta dada pelo camarada Jerónimo de Sousa a esta provocação de Manuel Villaverde Cabral, particularmente quando o secretário-geral do PCP diz: «Para estes serventuários do capitalismo, o melhor era acabar com a democracia».

«Serventuários do capitalismo»: com isto se diz tudo

POEMA

QUEM ESCOLHE O CAMINHO DAS PEDRAS


Quem escolhe o caminho das pedras
foge à fascinação do fácil

Quem escolhe o caminho das pedras
sabe de cor a cor do sangue

Quem escolhe o caminho das pedras
nada quer para tudo ser

Quem escolhe o caminho das pedras
ama o amor na raiz do lume

Quem escolhe o caminho das pedras
equilibra-se nos fios da morte


Luís Veiga Leitão

A MELHOR SOLUÇÃO

Anunciada com fanfarras mediáticas, a troika ocupante chegou, passou revista à troika colaboracionista e declarou lá de cima: sim senhor, estão a portar-se bem, continuem...
A troika colaboracionista, com o rabinho a dar a dar, salivou, agradecida e feliz, e prometeu continuar a portar-se bem...
Os média dominantes embandeiraram em arco com a ocorrência, certamente pensando que os elogios da troika ocupante também lhes eram dirigidos - e eram...

Para mostrar que não brinca em serviço, a troika ocupante, de sobrolho franzido, adiantou a ideia - e bem sabemos que cada ideia da troika ocupante é uma ordem - de que, tal como os salários dos trabalhadores do sector público, os do privado devem também ser reduzidos - ideia que a troika colaboracionista acatou de imediato e de forma exuberante, como que a dizer: chiça, como é que não nos tínhamos lembrado desta!...

Estavam as coisas neste ponto, eis que entram em cena os Patrões!
Recorde-se que os Patrões têm e falam a quatro vozes, a saber; a voz da troika ocupante, a voz da troika colaboracionista, a voz dos média e a voz deles próprios, Patrões.
Foi então nesta última que sobre a matéria se pronunciaram, dizendo, lá do alto da sua Classe, que, em vez da redução dos salários, preferem o aumento das horas de trabalho (eles bem sabem porquê...)
Divergências na quadrilha?: não, não há problema, entre cavalheiros tudo se resolve e será encontrada a melhor solução...

E é bem provável que, um dia destes, a troika ocupante decida que a melhor solução é reduzir os salários e aumentar as horas de trabalho - assim satisfazendo a vontade de todos...
Porque esta gente pensa em tudo - e em todos...

POEMA

OS MENINOS NASCEM


Vós podeis, tiranos, forjar ainda mais sólidas algemas,
chapear de aço as paredes das nossas e vossas cadeias,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, cravar mais fundo as vossas baionetas,
esmagar-nos nas ruas debaixo das patas dos vossos cavalos,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, roubar, incendiar, fuzilar sem descanso,
vedar os caminhos ainda livres, envenenar as fontes ainda puras,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, vir de novo descarregar a vossa cólera sobre Oradour,
lançar vossa chuva de raios sobre o nosso humano desejo de viver,
e fazê-lo-eis;

Vós podeis, tiranos, inventar ainda piores suplícios,
mordaças mais espessas, baixezas mil vezes mais desumanas para Buchenwald,

inutilmente o fareis:

Esta simples criancinha dormindo em seu berço,
este menino ainda na barriga da mãe, olhai
como vos fitam
serenos e terríveis.


Papiniano Carlos

O EXPOENTE MÁXIMO

Mário Soares vai publicar mais um livro.
A Coisa chama-se «Um político assume-se» e será posta à venda daqui por dez dias.
No entanto, entendeu o Diário de Notícias brindar os seus leitores com 4 - páginas - 4 de publicidade à Coisa - páginas repletas de transcrições da Coisa e de comentários à Coisa, produzidos pelo jornalista João Céu e Silva, o qual, enlevado com o «fabuloso» texto, se entrega aos ditirambos da ordem.

Pelas transcrições feitas, fica-se com uma ideia do que é a Coisa - do mesmo modo que, como é costume dizer-se, pelo andar da carruagem se vê quem vai lá dentro...
Por hoje, detenho-me apenas nesta afirmação de Soares, citada pelo jornalista:

«Portugal viveu desde a Revolução dos Cravos 35 anos de democracia pacificamente» - e explica o jornalista que, para Soares, «os anos do PREC não contam para a democracia».
Certamente porque não foram anos nem pacíficos nem democráticos, digo eu...

Mas vamos por partes: pacíficos, de facto, não foram, como Soares sabe melhor do que ninguém, ó se sabe!, ele que foi o chefe local da contra-revolução - já que os chefes supremos estavam lá fora e limitavam-se a enviar para Soares os dólares, os marcos, os francos, as libras, as coroas, indispensáveis à desestabilização do País...

Todos estamos lembrados da intensa campanha de mentiras, de falsificações, de calúnias postas a correr, aqui e no estrangeiro, espalhando uma imagem de desordens, de terror, de ataques à democracia, de «sangue nas ruas»... - e Soares, o mais completo de todos os mentirosos, falsificadores, caluniadores, sabe disso melhor do que ninguém.
Todos estamos lembrados do terrorismo bombista: sedes do PCP e de sindicatos assaltadas, incendiadas, militantes comunistas assassinados - e Soares sabe disso melhor do que ninguém.

Portanto, tem razão Soares quando diz que os anos do PREC não foram pacíficos - faltando-lhe apenas dizer o essencial: que foi ele o principal responsável por isso.

Já quanto a não existir democracia nesses anos do PREC, nada mais falso, como Soares muito bem sabe: esse foi, na realidade, o tempo em que a democracia - política, económica, social, cultural e amplamente participada - atingiu a sua expressão máxima em toda a história do nosso País.
Mas percebe-se que Soares não tenha gostado do que viu: os dólares, os marcos, os francos, as libras, as coroas, toldavam-lhe a visão: a democraCIA dele era outra... como se viu, logo que tomou posse o primeiro governo por ele presidido e desencadeou a mais brutal e feroz ofensiva contra tudo o que, de positivo, de progressista, de moderno, a Revolução de Abril tinha trazido a Portugal.

Sem olhar a meios, a «democracia pacífica» de Soares - ao mesmo tempo que entregava o poder ao grande capital que havia sido sustentáculo do fascismo e agravava brutalmente as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e do povo - exibia a sua natureza avançando contra a Reforma Agrária e, «pacificamente» e «democraticamente» dava início a um processo que, durante 14 anos, viria a pôr novamente o Alentejo a ferro e fogo, reprimindo, prendendo, espancando, julgando e condenando em julgamentos sumários milhares de trabalhadores - assassinando, como nos casos de Caravela e Casquinha.

Mas sempre, insista-se, «pacificamente» e «democraticamente».
Portanto, ao gosto e ao jeito de Soares e da contra-revolução de que ele foi, no plano nacional, o expoente máximo.

POEMA

NA FÁBRICA ONDE EU TRABALHAVA


Na fábrica onde eu trabalhava havia muito frio
mas os meus camaradas sorriam e contávamos histórias
uns aos outros
de vez em quando encandeávamo-nos e esfregávamos os olhos
depois olhávamos admirados a perfeição da soldadura

medíamos dobrávamos batíamos o ferro
e era como se pouco a pouco algo dentro de nós se construísse
tínhamos ali as nossas entranhas e o nosso jardim

e aquilo era como a nossa horta ou a nossa casa à hora do almoço


José Vultos Sequeira

fim

Ouvi chorar a morte de uma oliveira já velha
E então percebi que os homens são o susto vegetal do seu próprio assombro.


Casa das glicínias, 19 de Outubro de 2011
Lains de ourém

gota a gota

Gota a gota
Desfalece no trabalho o suor operário
Ceifando trigo
bordando enxovais às gerações devedoras ao seu tutano


Casa das glicínias, 14 de Outubro de 2011
Lains de ourém

A NOSSA PRINCIPAL TAREFA

Há dias, na Assembleia da República, o ministro Álvaro Pereira procedeu a uma brilhante representação. Disse ele: «2012 irá certamente marcar o fim da crise. Será o ano da retoma para o crescimento gradual em 2013 e 2014» - e, perante os sorrisos irónicos de muitos deputados, pôs-se em bicos de pés e decretou: «Que não exista qualquer dúvida».

Fê-lo com a mesma convicção que vimos no então primeiro-ministro, José Sócrates, em
Agosto de 2009, ao anunciar solenemente que tínhamos chegado ao «princípio do fim da crise»...
Igual convicção manifestara, menos de um ano antes, em Outubro de 2008, o ministro da Economia de Sócrates, Manuel Pinho, ao garantir peremptoriamente que «a crise acabou, vive-se um ponto de viragem»...

E, por estas ou por outras palavras, e com igual convicção, falaram todos os primeiros-ministros, desde Mário Soares - já lá vão mais de 35 anos...
Se puxarmos pela memória, lembrar-nos-emos que todos eles, ao tomarem posse, começaram por dizer que, 1º: isto está mau; 2º: a culpa é do governo anterior; 3º: agora temos que, todos, fazer sacrifícios ...
E toca de aplicar a mesma política de direita do governo anterior...
Depois, perante a constante degradação da situação por eles provocada, aí estavam eles - todos sem excepção: Soares, Cavaco, Guterres, Barroso, Sócrates... - a garantir que a retoma já chegou e o fim da crise está quase mesmo a chegar...
E enquanto exibiam estas manifestações de confiança e de esperança, destruíam o aparelho produtivo e a economia nacional; flagelavam as condições de trabalho e de vida da imensa maioria dos portugueses; vendiam a independência e a soberania nacional por um prato de lentilhas; destroçavam as conquistas da Revolução; empurravam Portugal para o abismo...

É a vez, agora, de o Governo PSD/CDS, presidido por Passos Coelho, cumprir a sua função - e o ministro Álvaro Pereira mostra saber a lição de cor e salteado...

Mas talvez as contas lhes saiam furadas... - e sairão se a luta dos trabalhadores e das populações se intensificar e ampliar.
Sinais de que assim é, foram dados pelas recentes acções dos trabalhadores dos Transportes e da Administração Pública.
E a Greve Geral de 24 de Novembro pode vir a ser um grande, um enorme passo em frente.
Por isso ela é, no momento actual, a nossa principal tarefa.

POEMA

O NOVO MANDAMENTO


Está criado
o novo mandamento. Aos pássaros
dirás: não cantareis; às flores,
não florireis. E florirão
as bombas. E morrerão
as pombas. E ao sangue
dirás: rio
serás. E sobre
os escombros erguerás
o homem novo, o seu cadáver, desenharás
a ferro e fogo o mapa
do luto e das lágrimas. E imporás,
enfim,
a liberdade. A liberdade
do terror e das armas. A liberdade
para matar.


Albano Martins

O MELHOR DE TODOS OS FERIADOS

O Governo decidiu reduzir o número de feriados.
Isto porque, acham eles e ela - os do Governo, os patrões da troika e a patroa Merkel - os portugueses trabalham pouco, descansam muito e isto assim não pode ser... por isso toca de cortar quatro feriados, a «crise» a isso obriga, etc, etc...

Mal a notícia veio a público, a Igreja, que também acha que os sacrifícios tocam a todos... - e temendo que os cortes incidissem essencialmente em feriados religiosos - apressou-se a avisar que, reduzir o número de feriados, sim senhor, desde que os quatro cortes anunciados fossem divididos em partes iguais pelos feriados civis e os religiosos.

O negócio parece estar bem encaminhado, porque, diz a notícia, D. Policarpo está disposto a «deixar cair o Corpo de Deus e a Nossa Senhora» - e o Governo está disposto a deixar cair a sua parte...
(quero desde já manifestar o meu apreço por este espírito compreensivo do Patriarca - e só alerto para que sejam tomadas as medidas necessárias de modo a que o Corpo de Deus e Nossa Senhora não se magoem na queda...)

Quanto ao Governo - que começou por acatar piamente a exigência da Igreja - parece ter já decidido acabar, não com os feriados do 25 de Abril e do 1º de Maio (como algumas almas maldizentes insinuaram...), mas com o 5 de Outubro e o 1º de Dezembro.
E se, em relação à primeira data não descortino razões que justifiquem tal corte - a implantação da República é, quer as troikas queiram quer não, uma data maior da História de Portugal - já no que respeita à segunda, se me afigura uma decisão perfeitamente explicável.
Com efeito, o 1º de Dezembro traz-nos à memória a independência nacional, os que a traíram vendendo-se à troika ocupante de então, o castigo defenestrador a que foram sujeitos... enfim, tudo coisas em que a actual troika colaboracionista não pode ouvir falar...

Seja como for, tenho para mim como coisa certa que um dia - não sei quando, mas um dia - teremos que acrescentar mais um à lista dos feriados nacionais: o feriado comemorativo do fim das troikas e da retoma do caminho de Abril.
E esse será, na circunstância, o melhor de todos os feriados.

POEMA

NÃO ME PEÇAM RAZÕES


Não me peçam razões, que não as tenho,
ou darei quantas queiram: bem sabemos
que razões são palavras, todas nascem
da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
a força da maré que me enche o peito,
este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
a cor da primavera que há-de vir.


José Saramago

MATURIDADE CÍVICA

O Presidente da República prossegue a sua operação de venda de Portugal aos capitalistas dos EUA.
Fá-lo em discursos à sua cavacal maneira: em mau português e com uma sem-vergonha sem margens.
Assim, ao mesmo tempo que vai vendendo pedaços de Portugal ao desbarato, ao preço da uva mijona, oferece aos capitalistas compradores todas as garantias : as ordens da troika serão cumpridas integralmente e os portugueses farão todos os sacrificios necessários a tal cumprimento - porque, disse ele, ontem, nos EUA, «tenho confiança na maturidade cívica dos portugueses»...

Para Cavaco Silva, então, «maturidade cívica» significa prescindir de todos os direitos de cidadania e aceitar alegremente a política de direita e anti-patriótica que ele e os seus pares levam à prática, servindo fielmente os interesses do grande capital.
Ou seja, aceitar alegremente o desemprego e a precariedade, a destruição de serviços públicos essenciais, o roubo nos salários e nos subsídios de Natal e de férias, o roubo de direitos fundamentais conquistados à custa de muitas e difíceis lutas - e aceitar como coisa patriótica e inevitável os aumentos dos lucros dos grandes grupos económicos e financeiros.

E assim sendo, muito há-de ter sofrido Cavaco Silva - e muito enraivecido terá ficado - ao saber das poderosas lutas levadas a cabo nos últimos dias pelos trabalhadores portugueses dizendo «não!» ao pacto das troikas, lutas que valem pela força demonstrada e pelo que significam em termos de estímulo e de preparação da grande Greve Geral de 24 de Novembro: a fortíssima e participadíssima luta dos trabalhadores do sector dos Transportes; a giganteca manifestação dos trabalhadores da Administração Pública que ontem encheu Lisboa de luta; as múltiplas acções, por iniciativa de diversas comissões de utentes, em defesa dos serviços públicos - e a impressionante manifestação dos militares.

Em todos estes casos, sim, os que participaram nestas lutas revelaram uma enorme MATURIDADE CÍVICA - precisamente porque fizeram o oposto do que Cavaco diz que deviam fazer...

POEMA

CANÇÃO DE GUERRA


Aos fracos e aos covardes
não lhes darei lugar
dentro dos meus poemas.
Covarde já eu sou.
Fraco, já o sou demais,
e se entre fracos for
me perderei também.

Quero é gente animosa
que olhe de frente a Vida,
que faça medo à Morte.
Com esses quero ir,
a ver se me convenço
de que também sou forte.
Quero vencer os medos...
Vencer-me - que sou poço
de estúpidos terrores,
de feminis fraquezas.
Rir-me das sombras, rir-me
das velhas ondas bravas,
rir-me do meu temor
do que há-de acontecer.

Venham comigo os fortes...
Façam-me ter vergonha
das minhas covardias.
E de seus actos façam
(seus actos destemidos)
chicotes prós meus nervos.
Ganhe o meu sangue a cor
das tardes das batalhas.
E eu vá - rasgue as cortinas
que velam o Porvir.
Vá - jovem, confiado,
cumprindo o meu destino
de não ficar parado.


Sebastião da Gama

CUIDADO COM O GASPAR

No decorrer do debate sobre o Orçamento do Estado, o ministro Gaspar das Finanças acusou os que discordam do OE de responsáveis por todos os males que aí vêm.
Quer isso dizer que, na maneira de ver do ministro Gaspar, discordar do OE constitui um crime grave e aplaudir o OE constitui o único caminho a seguir...

É claro que não há a mínima originalidade na postura do ministro Gaspar - o que ele diz e defende hoje, já Salazar o dizia e defendia no tempo da outra senhora - mas é curioso verificar como o Gaspar tem a lição toda na ponta da língua...
Por isso... cuidado com ele!...

A dada altura - sempre negando aos discordantes o direito de discordar - o ministro avançou com um argumento demolidor: disse ele que «cerca de 80% dos portugueses votaram nos três partidos que subscrevem o programa» - o que conferiria ao OE uma legitimidade democrática a toda a prova...
Ora não é assim, de modo nenhum.
E convém desde já esclarecer que, mesmo que fosse verdade, ou seja, mesmo que «cerca de 80% dos portugueses» tivesse apoiado os tais três partidos, isso não retirava legitimidade à discordância de quem entendesse discordar.
Mas para além disso, o ministro Gaspar está a mentir quando diz o que diz: não foram «cerca de 80% dos portugueses» que votaram no PS, no PSD e no CDS: foram cerca de 80% dos votantes - e os votantes foram cerca de 60% dos inscritos nos cadernos eleitorais... e nem todos os portugueses estão inscritos...

Portanto foram menos, muito menos de 50% dos portugueses os que votaram na troika nacional - e muitos deles não teriam votado se soubessem previamente o que aí vinha em matéria de política de destruição dos interesses dos trabalhadores, do povo e do país...

Mas - repito - cuidado com o Gaspar!

POEMA

PRANTO PELO DIA DE HOJE


Nunca choraremos bastante quando vemos
o gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
que quem ousa lutar é destruído
por troças por insídias por venenos
e por outras maneiras que sabemos
tão sábias tão subtis e tão peritas
que nem podem sequer ser bem descritas.


Sophia de Mello Breyner Andresen

AO QU'ISTO CHEGOU!...

«Vender a imagem de Portugal» é o objectivo maior da visita aos EUA do presidente Cavaco e do ministro Portas.
Eles o dizem na fórmula acima citada - fórmula enganosa, no entanto, já que, na verdade, o que eles foram vender, quais caixeiros-viajantes, não foi «a imagem de Portugal» mas Portugal... como os factos mostram.

Assim, num encontro com empresários norte-americanos, Cavaco leiloou «as oportunidades que existem em Portugal».
Como quem ensina o padre-nosso ao vigário, começou por explicar aos ditos empresários que «nos tempos de crise, quem tem empenho, quem tem espírito empreendedor, consegue sempre oportunidades»...
Depois, abrindo o livro todo, que é como quem diz, abrindo a mala de vendedor, passou aos concretos: «Está em curso um programa ambicioso de privatizações em sectores chave da economia»...
Aqui chegado, deve ter exposto toda a mercadoria disponível: façam favor de escolher... - sempre sublinhando que «este programa é um ponto de oportunidade de negócios que deve ser aproveitado»...
Assim se vende um país...

A política de direita, ao longo dos seus longos 35 anos de existência, mostrou-nos ser capaz de tudo em todas as matérias; e é sabido que os «programas de privatizações» - sempre no desrespeito frontal da Constituição da República Portuguesa - têm constituído, sempre, colossais devastações do património nacional em favor do grande capital - tudo feito, sempre, em nome da «modernidade» e do «progresso»...
É sabido igualmente que, nessa acção devastadora e anti-patriótica, participaram todos os governos, sem excepção, e todos os presidentes da República, sem excepção.
Todavia, tanto quanto me lembro, nunca antes um Presidente da República viera a público exibir, com tal despudor e tal descaro, a sua faceta de vendilhão da Pátria.

Ao qu'isto chegou!...

POEMA

ANA E ANTÓNIO


A Ana e o António trabalhavam
na mesma empresa.
Agora foram ambos despedidos.
Lá em casa, o silêncio sentou-se
em todas as cadeiras
em volta da mesa vazia.

«Neo-Realismo!» dirão os estetas
para quem ser despedido
é o preço do progresso.

Os estetas, esses, nunca
serão despedidos.

Ou julgam isso, ou julgam isso.


Mário Castrim

O MICROFONE ESTAVA LIGADO...

Cavaco Silva, enquanto Presidente da República Portuguesa, falou no Conselho de Segurança da ONU.
A dada altura, abordando o tema da «intervenção humanitária em situações de conflito», disse:
«É nossa obrigação aprender com as lições do passado. A inacção nunca é uma solução e jamais poderá ser a resposta das Nações Unidas, sob pena de sermos coniventes com aqueles que violam os Direitos Humanos».

Não se pode ser mais claro...
Ou melhor, pode.
Cavaco - que sabe de cor e salteado a lenga-lenga das «intervenções humanitárias» (que destroem milhares e milhares de vidas) e dos «direitos humanos» (em nome dos quais os EUA e os seus lacaios cometem as maiores desumanidades) - podia ter sido mais claro.
Mas não lhe convinha...

Estou em crer que o que Cavaco queria dizer era qualquer coisa no género:
Devemos aprender com a lição da Líbia, onde a NATO, mandatada pelo Conselho de Segurança, fez implacavelmente o que tinha a fazer. É isso que, implacavelmente, deve ser feito em todo o lado onde o presidente Obama entenda, a começar já na Síria, depois no Irão, a seguir na Venezuela, na Bolívia, na Nicarágua...

Só que... o microfone estava ligado...

POEMA

VIAGEM


Aparelhei o barco da ilusão
e reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
o mar...

(Só nos é concedida
esta vida
que temos;
E é nela que é preciso
procurar
o velho paraíso
que perdemos).

Prestes, larguei a vela
e disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
a revolta imensidão
transforma dia a dia a embarcação
numa errante e alada sepultura...
mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
o que importa é partir, não é chegar.


Miguel Torga

PARA QUE FIQUE REGISTADO...

«Não suporto o Netanyahu, é um mentiroso» - disse Sarkozy para Obama (por ocasião da recente Cimeira G20, em Cannes) sem saber que os microfones estavam ligados e que, portanto, estava a ser ouvido pelos jornalistas.
Também julgando que estava a falar só para Sarkozy, Obama retorquiu:
«Isso dizes tu, que só falas com ele de vez em quando; imagina o que direi eu, que tenho que lidar com ele com muito mais frequência».

Como se vê, são dois «amigos» a falar de um «amigo» que não suportam (com os microfones desligados...) mas ao qual tecem rasgados elogios (com os microfones ligados) e cuja política criminosa de contornos fascistas e de desprezo pelas decisões da ONU apoiam incondicionalmente.

Foi por isso que Obama não se esqueceu de criticar Sarkozy pela posição que este tomou favorável à entrada da Palestina para a UNESCO.
Sempre julgando que o som estava desligado, falou como patrão para criado: «Não gostei do modo como apresentaste as coisas. Enfraqueceu-nos. Devias ter-me consultado antes» - e, para sublinhar que a decisão favorável à Palestina lhe desagradou profundamente, recordou as represálias económicas dos EUA contra a UNESCO, anunciadas logo que a decisão foi tomada...
Como que a lembrar que votações «democráticas»... só as que são apoiadas pelos EUA...

É certo que nada disto surpreende, mas não é menos certo que tudo isto merece registo - quanto mais não seja para que fique registado...

POEMA

UTILIDADE


Só as mãos que se estendem para a frente interessam.
Só os olhos que vêem para além do que se vê,
só o que vai para o que vem depois,
só o sacrifício por uma realidade que ainda não existe,
só o amor por qualquer coisa que ainda não se vê e ainda,
nem nunca, será nossa
interessa.


Mário Dionísio

GRAÇAS E DEUS...

O Presidente da República, no seu esforço titânico para convencer os trabalhadores a deixarem-se explorar mais e mais e a prescindirem dos seus direitos, tem vindo a recorrer a um vasto argumentário que lhe é proporcionado pela sua cultura, pela sua inteligência e pela sua opção política...

Há dias, Cavaco Silva invocou os pastores de antanho como exemplo a seguir pelos portugueses de hoje.
Isto porque os pastores, sim, eram gente de trabalho; gente que só pensava no interesse nacional, no bom nome de Portugal; gente que trabalhava de sol a sol, sem sábados, nem domingos, nem feriados, nem férias, nem subsídio de Natal...; gente que não reivindicava, nem protestava, nem fazia manifestações, nem paralisações, nem greves...; gente pobrezinha mas feliz, pão e vinho sobre a mesa, é uma casa portuguesa concerteza, os filhos sorriem, o Manel também, não há melhor vida que aquela que a gente tem...
Enfim, tudo razões e cenários mais do que suficientes para Cavaco invocar os pastores como modelo a seguir, A Bem da Nação...

Imagino o ditador, no seu túmulo em Santa Comba, sorrindo satisfeito e murmurando: Graças a Deus ainda há quem se lembre de mim... e dos meus pastores...

POEMA

MENINO POVO


O meu Menino Povo de olhos resplandecentes
mora
na choça negra de terra e colmo
a meio da floresta,
entre a fome
e a noite.
E a sua mãe pobre
nada mais tem para lhe dar
que dois grandes seios.
Agora
o piar das aves agoirentas enche a noite
e o Menino treme
de pavor.
Lá fora uivam as alcateias
e a floresta range diabolicamente.
Parece que a noite
será sempre noite...
Ai se assim fosse!
Mas eu que venho de longe
e sou a clara esperança
trago comigo o canto das calhandras
na alvorada,
e juro ao meu Menino Povo de olhos resplandecentes
que a manhã não tarda,
ela aí vem a caminho por todos os caminhos do mundo,
é breve Dia.


Papiniano Carlos

É TÃO SIMPLES, NÃO É?

Num tempo em que abundam as más notícias, retomo os meus escritos com duas boas noticias - notícias que se complementam e que nessa complementaridade devem ser entendidas.

Primeira notícia: A Nicarágua é o segundo dos países do continente americano que mais êxitos obteve na batalha pela redução da pobreza e das desigualdades (o primeiro é a Venezuela).
Deve-se isso ao conteúdo da política do governo de Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), há seis anos no poder - uma política que está a mudar profundamente as condições de vida dos trabalhadores e do povo da Nicarágua, até agora um dos países mais pobres do continente; uma política que tem como referência primeira o respeito pelos direitos humanos.
Registe-se que, apesar da crise mundial do capitalismo, na Nicarágua, no ano de 2010, «a economia cresceu 4,5 %, as exportações aumentaram 32% e os investimentos, 17%» - e espera-se que este ano os resultados sejam ainda melhores.
Assim, «a Nicarágua já não é, hoje, o país que era em 2006, e em 2016 não será o país que é em 2011».

Segunda notícia: Milhares e milhares de nicaraguenses festejam nas ruas a vitória de Daniel Ortega, candidato do da FSLN, nas eleições ontem realizadas.
«Todas as ruas se transformaram num cenário de festa com as suas bandeiras da Nicarágua, com as suas bandeiras da Frente Sandinista» - uma multidão plena de confiança em que «as mudança positivas que houve se aprofundem, em benefício da população e não em benefício das transnacionais».
As eleições foram as mais concorridas de sempre e Daniel Ortega obteve mais de 60% dos votos expressos.

Estou em crer que esta enorme afluência às urnas tem tudo a ver com a primeira notícia acima referida e com o que ela significa...
E creio, também, que entre esta expressiva massa de eleitores que optou pelo voto na Frente Sandinista, e entre esta multidão que, agora, festeja a vitória nas ruas, estão muito dos que sentiram na pele os efeitos positivos do combate à pobreza e às desigualdades - os que «ouviram, viram»... e perceberam que «cada ser humano, pelo simples facto de existir, tem direitos que ninguém tem o direito de lhe negar ou roubar»...

É tão simples, não é?...

POEMA

DEZ RÉIS DE ESPERANÇA


Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.


António Gedeão

BOM DIA! BOM DIA!

Bom dia! Bom dia!

Alguém disse que as férias são como bolas de sabão: acabam logo.
É verdade, digo eu...

Por isso aqui estou, hoje apenas para:
saudar os/as visitantes do Cravo de Abril - de quem tinha saudades, muitas saudades;

dizer-vos como é bom regressar de férias e ser recebido com a notícia da convocação de uma Greve Geral - assim, até dá vontade de ir mais vezes de férias...

e oferecer-vos um poema que me foi oferecido pelo autor, o grande poeta cubano Miguel Barnet:

CHE


Che, tú lo sabes todo,
los recovecos de la Sierra,
el asma sobre la yerba fria,
la tribuna,
el oleaje en la noche
y hasta de qué se hacen
los frutos y las yuntas

No es que yo quiera darte
pluma por pistola
pero el poeta eres tu.

outono

Vieram com as primeiras chuvas
E traziam na humidade todas as searas. Talvez se conseguissem ouvir
Os gritos do joio entre as promessas do pão, espigas em esforço
Ante o silêncio imemorial
saltavam potros rasgando a paisagem
Na crua luz do orvalho.
Vieram com as primeiras chuvas engrossar as lágrimas que por cá já habitavam
Entre o ruído mouco das bocas operárias rasgando o pão.
Traziam o cheiro a lenha acesa e o íngreme ligeiro das ruas na planície.
Havia o silêncio roto pelo matraquear das botas cardadas, levantando a pele aos amores proibidos
E o medo à infância comprometida com a fuga resgatada.
Vieram com as primeiras chuvas impregnadas do odor do gado
E do cio dos homens. Lembro-me das janelas de avental e da lareira reflectida
Nas romãs. Os gritos. Pão. Trabalho. Terra. Mesmo quando das gargantas apenas a queixa dos dentes hiantes perante a rijeza das côdeas. No Alentejo são os olhos que falam, mesmo antes
Da invenção dos sons.
Vieram com as primeiras chuvas. As saudades do sul. Com a tempestade rompendo o útero da minha mãe nasceu, caniculamente, um alentejano. Com as águas do céu, viola-me essa certeza o meu exílio.

Casa das glicínias, 4 de Novembro de 2011
lains de ourém