POEMA

NINGUÉM

Andaimes
até ao décimo quinto andar
do moderno edifício de bettão armado.

O ritmo
florestal dos ferros erguidos
arquitectonicamente no ar
e um transeunte curioso
que pergunta:
- Já caíu alguém dos andaimes?

O pausado ronronar
dos motores a óleos pesados
e a tranquila resposta do senhor empreiteiro:
- Ninguém. Só dois pretos.

José Craveirinha

RAUL ALVES

Ao contrário do que escrevem os «historiadores» do sistema, no âmbito da operação em curso visando o branqueamento do fascismo, o fascismo existiu e a PIDE prendeu muito, torturou muito e matou muito.

No dia 31 de Julho de 1958 - faz hoje precisamente 50 anos - Raul Alves, operário de Vila Franca de Xira, militante comunista, foi lançado do 3º andar da Sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso.

De uma janela da Embaixada do Brasil, a esposa do Embaixador assistiu, ocasionalmente, ao crime e, profundamente impressionada, escreveu ao Cardeal Cerejeira.

Duas semanas depois, o Cardeal fez-lhe chegar a resposta do Ministério do Interior:

«Não há motivo para ficar tão impressionada. Trata-se, apenas, de um comunista sem importância».

POEMA

TRAGÉDIA

Foi para a escola e aprendeu a ler
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
- vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era «o senhor António»!...)
ficou dono da loja e chefe de família...
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!...
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado...
- que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: - Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão!...

Manuel da Fonseca

BALELAS

O Público noticia hoje, a manifestada intenção do nosso PR – Cavaco Silva – em interromper as suas merecidas férias para falar ao País, comunicação essa a ser transmitida a todas as cabecinhas, logo à noite nas televisões. A não perder.
A intenção só poderia ter como motivo as angelicais e legítimas preocupações do PR com o estado actual do pequeno Portugal, um motivo concreto de importância nacional, pois, só um motivo supinamente importante poderia retirar o PR das suas refasteladas e espreguiçadas férias.
O hipotético discurso poderá ter como assunto o recente veto pelo Tribunal Constitucional ao Estatuto dos Açores, ou talvez, o possível veto de algumas das leis que esperam promulgação em Belém (como as alterações à lei do Divórcio e ao Novo Regime Laboral da Função Pública), quiçá, uma palavrinha reconfortante e democrática aos seus conterrâneos, em tempo de descanso (leia-se crise) que, diga-se, vinha mesmo a calhar.
Ora, se a preocupação é a situação cada vez mais caótica do País, porque não assume de uma vez por todas, a sua cota parte de responsabilidade, no que ajudou a construir, no legado que deixou e ajuda a perpetuar, através e em parceria com os compadres do com e sem D? Isso é que gostaríamos de ver.
Mas enganem-se aqueles que ainda têm esperança que tal aconteça, o cérebro apagou a parte do remorso e da consciência do erro, e deixa escapar de quando em vez, seja, em interrupção de férias ou não, umas quantas balelas com acompanhamento de uns tantos perdigotos que já deixaram de ser música para os nossos ouvidos. Como dizia o outro, fala, fala, fala, mas não o vejo a fazer nada… Venha o mais do mesmo… peço desculpa… as balelas… perdão, o discurso.

Ao Miguel, no seu 4º Aniversário, e contra o nuclear, naturalmente



Vais crescendo, meu filho, com a difícil

luz do mundo. Não foi um paraíso,

que não é medida humana, o que para ti

sonhei. Só quis que a terra fosse limpa,

nela pudesses respirar desperto

e aprender que todo homem, todo,

tem direito a sê-lo inteiramente

até ao fim. Terra de sol maduro,

redonda terra de cavalos e maçãs,

terra generosa, agora atormentada

no próprio coração; terra onde teu pai

e tua mãe amaram para que fosses

o pulsar da vida, tornada inferno

vivo onde nos vão encurralando

o medo, a ambição, a estupidez,

se não for demência apenas a razão;

terra inocente, terra atraiçoada,

em que nem sequer é já possível

pousar num rio os olhos de alegria,

e partilhar o pão, ou a palavra;

terra onde o ódio a tanta e tão vil

besta fardada é tudo o que nos resta;

abutres e chacais que do saber fizeram

comércio tão contrário à natureza

que só crimes e crimes e crimes pariam.

Que faremos nós, filho, para que a vida

seja mais que a cegueira e cobardia?


Eugénio de Andrade pelo Mário Viegas

POEMA

FICAM AS SOMBRAS...

Não. Não podeis levar tudo.
Depois do corpo,
e da alma,
e do nome,
e da terra da própria sepultura,
fica a memória de uma criatura
que viveu,
e sofreu,
e amou,
e nunca se dobrou
à dura tirania que a venceu.

Fica dentro de vós a consciência
de que ali onde o mundo é mais vazio
havia um homem.
E sabeis que se comem
os frutos acres da recordação...

Fantasmas invisíveis que atormentam
o sono leve dos que se alimentam
da liberdade de qualquer irmão.


Miguel Torga

AO QU'ISTO CHEGOU!

O Público de hoje dedica duas-páginas-duas a Berlusconi.
Trata-se de um texto que descreve, entusiasticamente, as operações plásticas e outros transplantes de cabelo com os quais o primeiro-ministro italiano se transformou num jovem... - podendo dizer-se, sem exagero, que uma peça de propaganda produzida pelos assessores de imagem de Berlusconi não faria melhor trabalho...

O referido texto, em tom de notícia/reportagem - e, repito, contando em pormenor toda a plástica saga berlusconiana, e sempre com um sorriso ora de apreço, ora de simpatia, ora de desatada admiração - insere-se na prática, adoptada por cada vez mais «jornalistas», de promoção de um produto político fingindo que estão a dar uma notícia.

Assim sendo, não há que estranhar que nas duas-páginas-duas não haja uma única referência, por exemplo, à lei que, recentemente, Berlusconi fez aprovar para se safar dos crimes de corrupção de que é acusado...
Mas isso já seria informar com objectividade, coisa que está muito, muito, muito para além dos objectivos editoriais de todos os média dominantes - onde o Público ocupa um destacado e merecido lugar.

Ao qu'isto chegou!...

POEMA

VOU A CANTAR...

Vou a cantar! Vou a cantar!

... mas cada vez mais próximo da Esquina
onde está talvez à minha espera...
a Garra.
Saída do outro lado do Ar...
a Garra.
Pendida da pele da sombra...
a Garra.
Implacável no silêncio curvo...
a Garra.

Mas talvez não seja ainda naquela esquina.
Talvez só na outra mais adiante
onde se vê uma ave a esvoaçar
na sombra do muro...

(O melhor é cantar! O melhor é cantar!)

José Gomes Ferreira.

Contos do Sul - Antigamente?


Os olhos amarelados denunciavam a nicotina avançando pelo organismo absorto nos dias da fome. Alguma memória de juventude justificando o sorriso fácil, nostálgico, contido. O porta-chaves, em forma de bolota, ganho à batota na venda do Nice das Galinhas, equilibrava as pernas franzinas em cima do desgosto profundo que lhe enchia o dia na luz bafienta do bagaço entre as gengivas da boca deserta de dentes. Sessenta anos ainda mal ganhos, de tanta dureza, e a fome gritante dos filhos na sua própria fome. Canina. Fora-lhe duro tanto remoer. Um ano ausente de ceifas, mondas ou qualquer poda que lhe pudesse ter calhado às sortes. Quanto tempo mais? Quanto tempo mais ? O casaco, comido pela bicheza e pelo suor, não convinha à brasa quarentona que estala na planície. Remendado, é certo, por algum sentido de honra que sempre sobra a quem trabalha, mas gasto. Gasto, tanto como o dia quando o sol não aguenta mais o peso do astro no horizonte anoitecido. Uma palha de trigo ceifado entre o espaço hiante do seu desassossego, e a pele queimada pelo moreno das horas mortas do seu desemprego. Como pagar o ultimo fiado na venda da ti’Ermelinda? Como calar as bocas que se levantam do fundo da miséria?

Aljustrel, 30 de Julho de 2008

POEMA

AS PESSOAS SENSÍVEIS

As pessoas sensíveis não são capazes
de matar galinhas
Porém são capazes
de comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
à roupa do seu corpo
aquela roupa
que depois da chuva secou sobre o corpo
porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
a roupa
que depois do suor não foi lavada
porque não tinham outra.

«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
assim nos foi imposto
E não:
«com o suor dos outros ganharás o pão»

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
porque eles sabem o que fazem

Sophia de Mello Breyner Andresen

«QUEM QUER A CARLA?»

Para o bom cumprimento da sórdida tarefa que lhes está atribuída, os fabricadores da União Europeia do Grande Capital não olham a meios para alcançar os fins.
O caso do Tratado Porreiro, Pá é exemplar do desprezo a que estes fabricadores votam os princípios e valores democráticos: sabendo que não tinham garantida previamente a vitória do «sim», estes democratas-de-repúblicas-de-bananas não hesitaram em mandar às urtigas o, por eles tão propalado «pilar da democracia» que é o sufrágio universal.

Como sabemos, a pecadora Irlanda tem vindo a passar um mau bocado por ter sido o único país a agir democraticamente...
E de então para cá, os eurodemocratas da treta tudo têm feito para descobrir uma golpaça para ludibriar uma vez mais a democracia. Ou seja: uma golpaça que transforme em «sim» o «não» dos irlandeses: repetir o referendo é uma hipótese, mas... o ideal seria não correr tal risco...

E tantas são as «hipóteses» e tão grande é a desvergonha destes cavalheiros que já nada surpreende, mesmo quando falam em tom supostamente brincalhão.
Nada surpreende: nem que seja a oferta pública de venda de uma primeira-dama, como aconteceu há dias.
Foi o caso de um assessor de Sarkozy que, instado por uma jornalista irlandesa a falar de Carla Bruni, respondeu deste jeito:

«Se os irlandeses querem a Carla, têm que votar como deve ser no Tratado de Lisboa».

É claro que não é lícito classificar - nem eu classifico - tal oferta como uma trivial operação de proxenitismo.
Contudo, recorrendo ao tom supostamente brincalhão do assessor, dá vontade de perguntar se «a Carla» está em condições para dizer sim a todos os irlandeses que votarem «sim»...

POEMA

MAIS TARDE SIM

Escreverei mais tarde
simples poemas claros
e falarei das aves
sem sofisma.

Escreverei mais tarde
de navios, lagunas,
das tuas roupas soltas
manchadas de luar...

Escreverei mais tarde
saudades da infância
e de pedras e rosas
sem dúbios sentidos.

Escreverei mais tarde
de um anel muito simples
e das tardes plenas
em que o amor se inscreve.

Mas agora deixai-me
chorar sobre estas lágrimas.

Egito Gonçalves

A Nossa Festa

Esta foi a 1ª jornada. Muitas se seguiram e seguirão para construir a nossa festa, a Festa do Avante! 2008.


POEMA

OS CANTOS DOS HOMENS

Os cantos dos homens são mais belos do que os homens,
mais densos de esperança,
mais tristes,
com uma vida mais longa.

Mais do que os homens eu amei os seus cantos.
Consegui viver sem os homens
nunca sem os seus cantos;
aconteceu-me ser infiel
à minha bem amada
mas nunca ao canto que para ela cantei;
nunca também os cantos me enganaram.

Qualquer que fosse a língua
sempre compreendi os cantos.

Neste mundo,
de tudo o que pude beber e comer,
de todos os países por onde andei,
de tudo o que pude ver e ouvir,
de tudo o que pude tocar e compreender,
nada, nada
conseguiu fazer-me tão feliz como os cantos...

Nazim Hikmet

Propaganda

Na última edição do Expresso, foi publicada uma peça (e que peça!) assinada por dois «jornalistas» e intitulada «Bloco de Esquerda à pesca de eleitores no Verão».
Começa assim: «BE tem agenda cheia de comícios, PCP e CDS desaceleram mas não páram, PS e PSD deixam"rentrée" para Setembro».
Lendo isto, só pode concluir-se... o que lá está: que o único partido com «agenda cheia» neste Verão é o BE.
Segue-se, depois, uma «informação» sobre a actividade dos diversos partidos - mesmo à conta para os dois «jornalistas» concluirem o que, antes de escreveram a «notícia», já tinham decidido, a saber: que «o mais activo nesta época estival será o Boloco de Esquerda, com 20 comícios de rua entre 10 de Julho e 31 de Agosto» - e, é claro, os autores da peça trataram de ir ouvir Francisco Louçã que fez o elogio da actividade do BE e lhes forneceu a deixa para concluírem, triunfantes que, «decididamente», o BE não vai ter «férias políticas»...

«a actividade política do PCP, abranda»- embora não parando de todo, reconhecem...
Porquê?: porque «Jerónimo vai de férias para o Algarve» e, no intervalo dos banhos de mar, lá vai participando numa ou noutra iniciativazeca: «um almoço em Lagos e um comício em Faro», «a já habitual sardinhada no Parque das Merendas de Montegordo»...
Mas nada de «agenda cheia», nada de «não ter férias políticas», que isso, só o Louçã e o BE... - assim, concluem ainda, «a actividade política dos comunistas (só) regressará ao ritmo normal, logo no início de Setembro, com a Festa do Avante»...
Ou seja: do lado do BE a actividade intensa, a «agenda cheia», Louçã, sacrificadissimo, sem férias, tudo em grande; do lado do PCP: Jerónimo de férias, banhos de praia, umas sardinhadas...

Estamos perante uma desavergonhada peça de propaganda ao BE, desta vez produzida por «jornalistas» do Expresso. Uma daquelas peças cada vez mais frequentes nos média nacionais, em que, fingindo dar uma notícia se dá uma opinião, valorizando ou desvalorizando o que se quer valorizar ou desvalorizar - sendo que o desvalorizado é, sempre, sempre, sempre o PCP.

Já agora - e para dar o devido destino aos cálculos do Expresso - se dermos uma vista de olhos ao Avante!, verificaremos que:
de 10 de Julho até agora, o PCP realizou mais iniciativas (comícios, sessões, debates, convívios, idas a empresas onde os trabalhadores vivem situações difíceis, etc) do que o BE, o CDS/PP, o PS e o PSD em conjunto - isto para além da realização da Festa da Alegria e da construção em curso da Festa do Avante;
e que, daqui até 31 de Agosto, o mesmo se irá passar.

Entretanto, a «notícia» do Expresso foi comprada e lida por muitos milhares de leitores - que a aceitaram como verdade...

POEMA

IN MEMORIAM

Esses mortos difíceis
que não acabam de morrer
dentro de nós; o sorriso
de fotografia,
a carícia suspensa, as folhas
dos estios persistindo
na poeira; difíceis;
o suor dos cavalos, o sorriso,
como já disse, nos lábios,
nas folhas dos livros;
não acabam de morrer;
tão difíceis, os amigos.

Eugénio de Andrade

MORREU ÁLVARO RANA

O Cravo de Abril presta a sua sentida homenagem a ÁLVARO RANA - dirigente sindical e militante comunista, ontem falecido.

ÁLVARO RANA foi um dedicado activista e dirigente sindical e militante comunista.
Ele foi um dos fundadores da Intersindical, em 1970; em representação do seu Sindicato dos Profissionais de Propaganda Médica, integrou o primeiro Secretariado Nacional da Intersindical, eleito na clandestinidade, em 1973.
Após o 25 de Abril integrou os órgãos máximos da CGTP- Intersindidal Nacional, no desempenho de uma responsável e intensa actividade sindical de mais de duas décadas.
ÁLVARO RANA - que foi, desde 1958, um activo antifascista - era militante do PCP desde 1967.
Com a sua morte, os trabalhadores portugueses perdem um destacado e permanente defensor dos seus interesses e direitos - e os comunistas perdem um camarada dedicado, um militante sempre com o seu Partido, um amigo de todos os momentos.

O funeral de Álvaro Rana realiza-se amanhã, às 15 horas, da Igreja de Santa Isabel para o Cemitério dos Prazeres.

POEMA

A QUEIMA DOS LIVROS

Quando o Regime ordenou que queimassem em público
os livros de saber nocivo, e por toda a parte
os bois foram forçados a puxar carroças
carregadas de livros para a fogueira,
um poeta expulso, um dos melhores,
ao estudar a lista
dos queimados, descobriu, horrorizado, que os seus
livros tinham sido esquecidos.
Correu para a secretária
alado de cólera e escreveu uma carta aos do Poder.
Queimai-me! escreveu com pena veloz, queimai-me!
Não me façais isso! Não me deixeis de fora!
Não disse eu sempre a verdade nos meus livros?
E agora tratais-me como um mentiroso! Ordeno-vos:
Queimai-me!

Brecht

MALANDRECO, MALANDRÃO E MALANDROTE

O Diário de Notícias informa sobre um «debate» ocorrido em Sesimbra, na passada sexta-feira, e no qual participaram as três seguintes «personalidades»:
1 - «Mário Soares, ex-presidente da República e europeísta»;
2 - «O renovador comunista, Carlos Brito»;
3 - «o deputado do BE, Fernando Rosas».

Que o debate foi de alto nível, é fácil de ver: Soares começou por reiterar as suas opiniões sobre as consequências da «possível vitória de Obama» - que irá representar uma mudança mundial, salvando o Ocidente de uma enorme decadência, porque será um momento de viragem nas políticas neoliberais europeias, blá-blá-blá...
Depois, enveredou por um «discurso duro» contra os «tipos sem política que lideram alguns países europeus», entre os quais Sarkozy - e arrancou fartas gargalhadas ao auditório com aquilo a que o DN chama «a frase da noite»: «Sarkozy é um tipo sem política. A única coisa que ele tem é bom gosto em matéria de mulheres».
Malandreco, este Soares...

A confirmar o elevado nível do debate, também Carlos Brito «conseguiu surpreender a plateia, quando revelou a última razão pela qual decidiu afastar-se do PCP»- que foi a que se segue: «Decorria o ano de 2001 e António Guterres estava à beira de abandonar o Governo depois de um mau resultado nas eleições autárquicas. Era o Governo mais à esquerda que podíamos ter. O nosso secretário-geral (Carlos Carvalhas) foi chamado a Belém e eu defendi que ele deveria dizer diante das televisões que o PCP estava aberto a alguns entendimentos para não deixar cair o Governo»...
Não sei se a «revelação» de Brito é verdadeira ou falsa (nem isso interessa, aliás...): se é verdadeira, trata-se da confirmação, pelo próprio, daquilo que toda a gente já sabia: que este ex-comunista pretendia transformar o PCP em muleta do Governo PS/Guterres e da sua política de direita; se é falsa (falsa factualmente, entenda-se...) ela não traz nada de novo ao currículo de Brito...
Em todo o caso, fica a confissão que bem merece ser sublinhada: como o PCP não se abriu a entendimentos com o Governo Guterres/PS, Brito bateu com a porta e, isto digo eu, foi... fazer debates com Mário Soares e Fernando Rosas.
Malandrão, este Brito...

Ainda a atestar o elevado nível do «debate», o DN nada nos diz sobre o que disse Fernando Rosas.
Mas consta que o «deputado do BE» riu a bandeiras despregadas quando da concupiscente alusão de Soares à Carla...
Malandrote, este Rosas...

POEMA

A BOMBA

O primeiro sopro arrancou-lhe a roupa;
o imediato levou também a carne.
Ao longo da rua
durante alguns segundos correu o esqueleto.
Mas a rua já não estava,
estava toda no ar;
de lá caíam bocados de prédios, bocados
de crianças, restos de cadilaques...
O esqueleto não compreendia sozinho
aquela situação:
deixou-se tombar sobre algumas pedras radioactivas
e permitiu na queda o extravio de alguns ossos.

(Caso curioso: o coração
pulsou ainda três ou quatro vezes
entre o gradeamento das costelas.)

Egito Gonçalves

O QUE PENSA OBAMA

Voltemos ao «caso Irão» e aos pequenos-grandes passos que todos os dias são dados com vista a uma intervenção armada EUA/Israel/? naquele país.

Em conferência de imprensa, em Paris, Obama disse que «o Irão não deve esperar pela eleição do futuro presidente dos EUA, em Novembro, para aceitar as propostas do Ocidente e suspender o seu programa nuclear».
Registe-se, em primeiro lugar, que Obama não coloca outra hipótese que não seja a de o Irão aceitar as ditas «propostas» - o que, em rigor, faz com que aquilo a que chama «propostas» não passe de uma imposição taxativa; registe-se, em segundo lugar, a substituição de «EUA» por «Ocidente», com o óbvio objectivo de , desde já, arranjar cúmplices para o crime que está ( e ele sabe que está...) em preparação.

Aliás, o conceito de «proposta» de Obama fica mais claro numa outra afirmação sua, em que, dirigindo-se directamente ao Irão, afirma: «Mudem de atitude e terão todas as vantagens. Continuem com o vosso programa ilegal e a comunidade internacional irá exercer cada vez mais pressão em termos de sanções».
Trata-se de uma nova versão da «tese da cenoura e do pau», que Obama expôs em Israel: o programa iraniano é «ilegal» (porque os EUA assim decretaram!) e, se os iranianos não o abandonarem, a «comunidade internacional» (ou seja: os EUA e os seus lacaios!) trata-lhes da saúde...

Assim pensa Obama, o candidato da mudança e da esperança da esquerda à presidência dos EUA - e para quem «Portugal é um importante aliado dos EUA (porque) foi um dos primeiros a enviar tropas para o Afeganistão e para o Iraque»...
Não se pode ser mais claro.

POEMA

PAREDES ALTAS...

Paredes altas, ou baixas,
estacarias, tapumes, redes de arame,
grades,
meros marcos, cães de guarda,
sinais de posse,
quando acabareis?
Quando acabarás, cobiça?
Quando acabarás, satisfação reles
e ostentosa
de explorar os outros?

Armindo Rodrigues

MALDITA HORA...

No decorrer da sua recente visita a Israel, Obama explicitou a política que defende, se for eleito presidente dos EUA, em relação àquele país.
O que disse podia ter sido dito pelo candidato republicano McCain - e é bem possível, até, que tenha sido isso que McCain escreveu no artigo cuja publicação viu recusada pelo New York Times, no dia em que Obama estava em Israel...

«O meu compromisso com a segurança do Estado de Israel é inabalável» - garantiu Obama, acrescentando, solene, que «a maior prioridade da política externa dos EUA e de Israel é impedir o Irão de obter armas nucleares».
Depois, naquele tom conciliador, cordato e didáctico utilizado por todos os presidentes e candidatos a presidentes dos EUA, enunciou os dois únicos caminhos possíveis para alcançar essa «maior prioridade»:
«Estão na mesa cenouras e paus, ou seja a opção diplomática e a opção militar» - assim dando ao Irão, democraticamente, a possibilidade de: ou fazer o que os EUA dizem, ou ser bombardeado.

E foi com este discurso poético, de mudança e de esperança (que tanto agrada aos obamamaníacos Manuel Alegre e Mário Soares) que Obama se despediu do governo fascista israelita e voou para a Alemanha, onde, resumindo o que havia dito em Israel, proclamou:
«Povo de Berlim, povos do mundo, a nossa hora chegou!»...

Maldita hora, essa.

POEMA

MANGA, MANGUINHA...

A manga é um símbolo de África:
no seu sabor
no seu aroma
na sua cor
na sua forma.

A manga tem o feitio do coração!
A África também.
Tem um sabor forte, quente e doce!
A África também.
Tem um tom rubro-moreno
como os poentes e as queimadas
da minha Terra apaixonada.

Por isso te gosto e te saboreio
ó manga!
Coração vegetal, doce e ameno.

Tu és o amor do abacate
porque ele guarda no seu meio
um coração que por ti bate;

bate, bate, que bate!
Ó manga, manguinha,
amor do abacate!

Tomás Jorge

EMBUSTEIRICES...

Francisco Van Zeller, Presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), é um dos mais entusiásticos apoiantes de Sócrates e dos seus ministros - e, com frequência, expressa publicamente esse apoio, sublinhando o «bom trabalho» deste ou daquele ministro.
Trata-se de justas manifestações de apreço por uma governação que tem como preocupação maior (e única...) precisamente servir os interesses que a CIP representa.
Ricos e bem agradecidos são, pois, os ricos...

É verdade que, por vezes, tais apreços, assim, expressos publicamente, não dão grande ajuda à governação, pelo contrário.
É o que está a acontecer, agora, como aqui se resume:
andam o Sócrates e o seu ministro do Trabalho (mais o chefe da UGT...) numa agitada representação teatral, a divulgar a multidão de bondades que o Código do Trabalho traz para os trabalhadores - qualificando, mesmo, de «embusteiros» os que não vêem essas bondades - e eis que vem à boca de cena o agradecido Presidente da CIP e diz:
«Vieira da Silva fez melhor do que um Governo de direita».

E, porque é verdade, só resta a Sócrates chamar embusteiro ao patrão...

POEMA

VIAGEM ATRAVÉS DA FESTA

Reivindicamos a alegria.
Reivindicamos as canções de liberdade.
Reivindicamos a música ordenadora do universo.
Reivindicamos as mãos dadas dos amantes.
Reivindicamos o sabor descoberto de todas as coisas.
Reivindicamos as pontes tranquilas.
Reivindicamos a invenção das cidades habitáveis.
Reivindicamos a palavra, o poema, o livro.

Reivindicamos a festa.
Reivindicamos esta arma.

Mário Castrim
(In Viagens, edição da célula da Renascença Gráfica/Diário de Lisboa, para a Festa do Avante/1977)

A FESTA DO LIVRO

É, todos os anos, uma festa dentro da FESTA
E, para não variar, este ano assim será.

O Avante! de hoje, informa sobre os livros que serão lançados na FESTA.

Aqui estão eles:
- «Princípios Elementares da Propaganda de Guerra. Utilizáveis em caso de guerra fria, quente ou morna...»- de Anne Morelli;
- «O Socialismo Traído» - de Roger Keeran e Thomas Kenny;
- «Marx, Engels e o Desenvolvimento Histórico do Marxismo» - de Lénine;

- «50 Anos de Economia e Militância» - de Sérgio Ribeiro;

- «Quando os Lobos Uivam» - de Aquilino Ribeiro, com um prefácio inédito de Álvaro Cunhal e 20 ilustrações originais de João Abel Manta.


Isto é para não dizerem que nunca trago notícias boas...

POEMA

ESTA GENTE

Esta gente cujo rosto
às vezes luminoso
e outras vezes tosco

ora me lembra escravos
ora me lembra reis

faz renascer meu gosto
de luta e de combate
contra o abutre e a cobra
o porco e o milhafre

Pois a gente que tem
o rosto desenhado
por paciência e fome
é a gente em quem
um país ocupado
escreve o seu nome

E em frente desta gente
ignorada e pisada
como a pedra do chão
e mais do que a pedra
humilhada e calcada

meu canto se renova
e recomeço a busca
de um país liberto
de uma vida limpa
e de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen

«VIVA LA MUERTE!»

«Viva la Muerte!», era uma das frases utilizadas pelo general fascista Millán Astray para exibir a sua dimensão... humana.
Em 12 de Outubro de 1936, no decorrer de uma sessão na Universidade de Salamanca, Millán Astray enriqueceu a ideia, acrescentando à frase um novo condimento: «Muera la Inteligencia! Viva la Muerte!».
Aí está o que bem poderia ser a palavra-de-ordem do poder capitalista dominante, hoje.

Vem isto a propósito da forma como os jornais portugueses têm tratado os acontecimentos na Colômbia.
Com efeito, lendo-os parece estarmos perante uma tradução adaptada ao tempo actual da frase do fascista espanhol, em que os elogios a Uribe e aos seus homens de mão soam como autênticos gritos de Viva la Muerte! gritados à maneira actual, ou seja, decorados com os habituais enfeites pseudo democráticos - e complementados com a desinformação dos leitores, quer divulgando notícias falsas sobre a realidade colombiana, quer silenciando cuidadosamente os brutais crimes do regime de Uribe.

Por isso aqui ficam mais alguns dados sobre a realidade colombiana nessa matéria, desta vez tirados de um relatório da Amnistia Internacional (AI).
Informa esse relatório que, «em 2007, aconteceram na Colômbia 280 execuções extra judiciais». As vítimas, na maioria camponeses, foram apresentadas pelos militares como sendo «guerrilheiros mortos em combate».
Por seu lado, os grupos paramilitares cometeram 230 assassinatos no mesmo ano de 2007.
Ainda em 2007, estes grupos paramilitares - ligados, como se sabe, ao narcotráfico - «roubaram 4 milhões de hectares de terra a camponeses pobres».

Sempre segundo o relatório da AI, os que se queixam destes crimes à justiça correm sérios riscos, tal como os seus advogados de defesa. Exemplos: Yolanda Isquierdo, advogada de várias famílias vítimas dos paramilitares, foi assassinada no dia 31/1/2007; a advogada Carmen Romaña, que representava vítimas de roubos de terras, foi assassinada a tiro no dia 7/2/2007.

Quanto aos sindicalistas - que Uribe considera serem «elementos subversivos» - são alvos preferenciais da repressão.
Assim, informa a AI, durante as duas últimas décadas, foram assassinados 2. 245 sindicalistas e desapareceram 138 (estes desaparecimentos correspondem, regra geral, a assassinatos) - e 3. 400 sindicalistas estão ameaçados de morte.
Mais de 90% destes casos não foram sequer investigados - aliás, segundo a AI, «mais de 40 legisladores são suspeitos de ligação aos paramilitares»...

Eis, em resumo muito resumido e parcial, um retrato do governo de Uribe - que os média portugueses não se cansam de elogiar e apresentar como um exemplo de governo democrático...

POEMA

ALDEIA

Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria

Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para longe
um nome familiar
se assustam os pombos bravos
e acordam ecos no descampado.

Manuel da Fonseca

É Tão Bom Uma Amizade Assim...

Dos tempos de criança, do Gaspar e do Guarda Serôdio recordo a música dos melhores bonecos da altura. Além da mensagem que faz passar, e que, às vezes, parece estar esquecida nas mentes das gentes.

ABRAÇO SOLIDÁRIO E FRATERNO

Dizem os jornais que o Partido Comunista de Espanha vai deixar de fazer a sua festa anual - a Festa do Mundo Obrero. Ao que parece, devido a dificuldades financeiras.

Trata-se de uma triste notícia, que nos traz à memória momentos e nomes da história do PCE:
- a intervenção corajosa e determinada dos comunistas na Guerra de Espanha, contra a rebelião fascista;
- a figura heróica de Dolores Ibarruri, a Pasionária, e o seu célebre Não Passarão!
- a resistência do Partido à ditadura fascista de Franco, ocupando a primeira fila do combate;

- depois, em meados da década de 60, a opção euro-comunista - em conjunto com o PCI e o PCF, o primeiro hoje liquidado; o segundo, em vias disso - encabeçada por Santiago Carrilho, e iniciando um sistemático processo de destruição do Partido;
- de Carrilho dizia-se, na altura, que conseguira fazer o que Franco jamais conseguira: liquidar o PCE...
- com o euro-comunismo, foi o abandono, pelo Partido, da identidade comunista: primeiro, deitando fora o marxismo-leninismo, a seguir... tudo: o fim das células de empresa; a conciliação de classes e a entrega das Comissões Obreras ao inimigo de classe: tudo;
- e Santiago Carrilho, completada com êxito a sua tarefa de traição, a integrar as fileiras do PSOE...

Nos últimos tempos, contudo, têm chegado promissores sinais de vida do PCE: se não de um regresso total à sua identidade comunista, pelo menos de alguns passos nesse sentido.
Daí a tristeza provocada pelo anunciado fim da Festa do Mundo Obrero.
Daí, também, o necessário abraço solidário e fraterno aos militantes comunistas espanhóis que prosseguem a luta pela reconstituição do seu Partido.

POEMA

O HOMEM DE CALICITO

Em Calicito há um jipe,
que é de Armando Díaz;
um automóvel azul,
que é de Armando Díaz;
a mulher mais bela da terra,
que é de Armando Díaz.
Poça pró Armando Díaz...!
Se algum dia morrer
ficam sem dono
o único jipe,
o único automóvel azul,
a mulher mais bela de Calicito.

Domingo Alfonso

DÁ GOSTO...

Há cerca de duas semanas, o Parlamento italiano aprovou uma lei que suspende os processos de corrupção de que Berlusconi é acusado (post de 11/7).
Agora, o Senado confirmou essa decisão.

Pronto: Berlusconi pode dormir descansado.
Mais: pode, mesmo, prosseguir, triunfal, as suas proveitosas práticas de corrupção activa.
E quando houver problema, as instituições democráticas lá estão para, como lhes compete, safar o democrático primeiro-ministro italiano.
Para o bom êxito da prática de corrupção (como para outras práticas da mesma família), não há nada como um tipo ser eleito democraticamente.

Dá gosto viver nesta democracia que tão eficazmente assegura, aos chefes, a liberdade de corrupção, e que tão democraticamente lhes defende os direitos humanos...

POEMA

RECUSA

Convosco, não, traidores!
Que poeta decente poderia
acompanhar-vos um segundo apenas?
À quente romaria do futuro
não vão homens obesos e cansados.
Vão rapazes alegres,
moças bonitas,
trovadores,
e também os eternos desgraçados,
revoltados
e sonhadores.

Miguel Torga

Mito de Sísifo



Ervidel, Agosto. Ano de 2007. Depois de uma história de vida recolhida a um informante/amigo, surge uma conversa acerca da Praça de Jorna. Julgo ficar tudo dito, na lucidez/palavras que se seguem.


Domingos – Havia, ao Carregueiro havia uma praça...

Valverde – Ao Carregueiro havia uma praça, aqui em Ervidel no sitio do mercado também havia, em que se juntavam os proprietários e os trabalhadores. Ia eu por exemplo, que era proprietário, precisava de cinco ou seis homens “olha, eu dou x”.

Caixinha – Depois escolhiam-nos. E escolhiam-nos...!!

Domingos -Havia outro que dizia “eu preciso de vinte homens, dou x”, o que desse mais seria o que levava mais pessoal não é? Mas pronto ali era discutido o ordenado...

Caixinha – Aquilo havia diferença pouca. Cinco tostões...

Valverde - Os lavradores esses iam ao Carregueiro, porque vinham algarvios, campaniços, vinham de comboio, não é?

Domingos Tomar praça.

Valverde – Vinham de combóio, vinha o combóio cheio, chegavam ali ao Carregueiro, formavam aquela multidão de gente para tomar praça. Depois vinham os lavradores e combinavam uns com os outros “quanto é que agente damos?” “damos x e tal”, depois “eu dou x eu dou x” e coiso. E as condições, “dou x a de comer” ou “dou x a seco” ou pronto, e aí combinavam e levavam as pessoas que eles entendiam. Havia a praça...

Domingos – E assim é que se fazia a áceifa.

Caixinha – Aquilo era praticamente como quem ia ao mercado de gado e ia comprar gado.

Domingos- ... e ia comprar gado!

Valverde – Isto ainda foi um tique que ficou de quando era a escravidão. Quando existia a escravidão chegavam ali ao mercado e compravam dez ou doze escravos. Só que depois quando acabou a escravidão, eram livres mas era com estes contratos assim à mesma.

Discurso azedo

Ora pois, que a nossa “benemérita” Sra. Madre Manuela Ferreira Leite, num discurso proferido no 34º aniversário da juventude, não toda, mas da que representa, considera desadequadas as “políticas assistenciais, de ajudas e subsídios aos jovens”, pois, estas, são inimigas do espírito de iniciativa (privada), causa de inércia e falta de autonomia relativamente à vida profissional e à família. Aliás espírito bem presente na juventude que representa, autónomos, inteligentes e perspicazes em aproveitar o que o berço lhes proporcionou.
Pois se vê o quão afastada da realidade dos jovens a Sra. está, do alto do seu pedestal, arrogante e empinado. Dos jovens… Dos que não representa… Dos que não têm direito a uma política de emprego digno e com salários justos, dos que não têm acesso a um sistema de saúde operacional, consistente e de assistência permanente, dos que nem acesso têm ao ensino “pouco rigoroso e pouco exigente”, tal como o classifica, dos que têm que se endividar até ao pescoço e durante toda a vida para poderem ter uma habitação, dos que têm que aturar políticas de incentivo ao trabalho e ao investimento, que raramente estão ao seu alcance… Empreendedores? Estes? Talvez não… Desmotivados e sem respostas? Talvez sim.
E a responsabilidade recai sobre quem? Claro, os jovens que não querem nada com o trabalho, os que se encostam à sombra da bananeira, à espera que lhes caia em cima a banana premiada. Sim, porque as sucessivas políticas de direita, ao longo destes mais de trinta anos, nada têm a ver com o estado actual da vida do povo e dos (jovens) trabalhadores.
E a Sra. nem sequer foi um agente activo, em governos anteriores, à escalada da calanzisse. E assim, se vai fugindo (ou tentando, porque há aqueles que não se esquecem) com o rabo à seringa.

UM TRIO E PÊRAS

A obamamania cresce e alastra como fogo em restolho seco - e muito especialmente a obamamania de esquerda, ou seja, a admiração pela suposta postura de esquerda de Obama.

Manuel Alegredeclamou de sua justiça: depois de enaltecer «a grande lição de democracia que os EUA, através das primárias democráticas, deram ao mundo», salientou que «a palavra poética voltou a ser necessária e o discurso novo de Obama tem algo a ver com a poesia», porque mostra «a necessidade de poesia, esperança e sonho na política» - e «a inspiração das palavras de Obama é um sinal de mudança».
Alegre e Obama: eis um poético duo de esquerda.

Para Mário Soares, 1: «Obama é a esperança»; 2: «a vitória do afro-americano nas presidenciais será por si só, um revolução cultural nos EUA»; e 3: «a candidatura de Obama é portadora de mudanças radicais na América e na sua relação com o mundo».
Soares e Obama: eis um prosaico duo de esquerda.

Entretanto o verdadeiro Obama prossegue a sua viagem pelo Médio Oriente, produzindo declarações velhas - da idade do Bush, do Clinton, do Bush-pai, do Reagan... - como as que aqui reproduzimos no passado domingo.
Declarações que, mais poéticas ou menos poéticas, confirmam o essencial: as ambições de domínio do mundo por parte dos EUA - um domínio do mundo de esquerda e carregado de poesia, como não se cansam de anunciar Alegre e Soares.

Alegre, Soares e Obama: um trio e pêras.

POEMA

GUITARRA

Foram caçar guitarras
em noite de lua cheia.
E trouxeram esta,
pálida, fina, esbelta,
olhos de inesgotável mulata,
cintura de madeira aberta.
É jovem, mal voa.
Mas já canta
quando ouve noutras jaulas
entoar sons e cantigas.

Tem na jaula esta inscrição:
«Cuidado: sonha».

Nicolas Guillén
(In O Grande Zoo)

DEGRADAÇÃO, PODRIDÃO, ABJECÇÃO

É costume dizer-se que o que não aparece na comunicação social não existiu.
Por isso aqui venho jurar que no último fim-de-semana ocorreu, em Braga, a Festa da Alegria: juro!
Estive lá e vi - e comigo milhares de pessoas estiveram lá e viram.

A Festa da Alegria foi o maior acontecimento político-partidário do fim-de-semana. E essa é uma realidade indesmentível - goste-se ou não do PCP e por mais que custe a quem não gosta.
O facto de os média dominantes terem ignorado esse acontecimento não o apaga do mapa das realizações do PCP - mas é bem elucidativo do conceito de informar que vigora nesses média.

Nas televisões foi uma vergonha: nenhum dos canais mostrou uma imagem dos milhares de pessoas que participaram na Festa e assistiram ao comício com o secretário-geral do PCP. Do discurso de Jerónimo de Sousa nada disseram - e no final, fizeram-lhe umas perguntas sobre questões que nada tinham a ver com a sua intervenção...

Nos jornais, foi ainda pior - se é que é possível...
No Jornal de Notícias, no Público e no Correio da Manhã, nem uma linha.
No Diário de Notícias... uma linha...

São estes os média que temos. É este o estado a que chegaram: um estado que atingiu um grau extremo de degradação, de podridão, de abjecção.

POEMA

O CARAíBA

No aquário do Grande Zoo,
nada o Caraíba.

Este animal
marítimo e enigmático
tem uma crista de cristal,
lombo azul, cauda verde
ventre em coral compacto,
barbatanas cinzentas de ciclone.

No aquário, esta inscrição:
«Cuidado: morde».

Nicolas Guillén
(In O Grande Zoo)

OS TREINOS DE OBAMA...

Obama está de visita ao Afeganistão, donde seguirá para o Iraque. Segundo o DN trata-se de uma visita de «treino para presidente».
É bem vista esta coisa de o putativo futuro presidente dos EUA visitar os países ocupados pelo seu país - corre é o risco de ter que dar a volta ao mundo...

Em relação ao Afeganistão, Obama tem ideias muito maduras - como compete a um homem de esquerda e que se prepara para levar a cabo grandes mudanças na política externa e interna dos EUA.
Recorde-se que, quando da ocupação do Iraque, ele defendeu que «os EUA deviam acabar a tarefa de eliminar os talibãs no Afeganistão, antes de atacar outro país» - isto porque, dizia ele, «é no Afeganistão que se concentra a verdadeira ameaça terrorista».
E, a provar que é homem de palavra, voltou agora a manifestar essa opinião, pedindo mesmo «o envio de dez mil soldados para reforçarem o contingente de 70 mil militares que se encontram em território afegão».

Obama é, inegavelmente, um combatente do terrorismo da cepa de Bush - revelando, contudo, uma muito mais apurada noção de eficácia.
Para ele, eliminar e ocupar, sim, sem dúvida: mas de acordo com um bem elaborado caderno de prioridades.

É assim que deve ser um presidente dos EUA: antiterrorista, lúcido, democrata.
E se a todas essas qualidades juntar a de homem de esquerda, então é ouro sobre azul...

POEMA

LINC(H)E

Linc(h)e do Alabama.
Rabo em forma de chicote
e garras terciárias.
Costuma manifestar-se
com uma grande cruz em chamas.
Alimenta-se de negros, cilhas,
fogo, sangue, cravos,
alcatrão.

Capturado
junto a uma forca. Macho.
Castrado.

Nicolas Guillén
(In O Grande Zoo)

UM PRECEDENTE INSIGNIFICANTE...

O governo de Uribe - depois de vários desmentidos - reconheceu que o exército colombiano usou a insígnia da Cruz Vermelha na «operação de resgate» de Ingrid Betancourt.

Uribe apresentou as suas desculpas à Cruz Vermelha.
A Cruz Vermelha aceitou as desculpas de Uribe.

Trata-se de um precedente grave, tanto mais que, como é sabido, à luz das leis internacionais, a utilização abusiva do símbolo da Cruz Vermelha é considerada «crime de guerra».
No entanto, a poderosa campanha mediática desencadeada em torno dessa «operação de resgate» reduziu a zero a gravidade dessa utilização abusiva - e o precedente grave passa a precedente insignificante.

Contrariar, minimamente que seja, os crimes do fascista Uribe é visto como coisa de gente terrorista e, portanto, na calha para integrar a famosa «lista» do Governo dos EUA.
E ai de quem passe a fazer parte de tal «lista»!...

POEMA

POEMA

Anda, vá, conta uma história
conta uma história qualquer,
conta lá, mamana Elisa

«Uma vêgi uma muilher
ficou triste, triste, triste
qui nunca mais tinha filho...»
(Mamana: a tristeza existe?
existe, mamana? existe?)
«Homi não qu'ria mais ela
porqui filho não nascia...»
(Que história!... Não gosto dela,
não era essa que eu queria...)
«Está bem, eu vai contar
aquela... da flor de rosa
qui vinha à noite dançar...

Mas óia, minino, óia
qui tu já tem muita idade...
Porque é qui tu nunca gosta
da história qui são virdade?...»

Guilherme de Melo
(In Poetas de Moçambique)

O YDISGATE

Chama-se assim pelo facto de uma das principais envolvidas ter o nome de Ydis.
E o que é o Ydisgate?: é o caso de suborno de três congressistas colombianos (a Ydis mais o Teolindo Avendaño e o Ivan Diaz) com vista à aprovação de uma lei que permitiu a reeleição do narco-fascista Uribe, em 2006 - lei que o Supremo Tribunal de Justiça da Colômbia considerou «ilegítima», tendo os subornados sido presos.
Registe-se a curiosidade de os subornados terem sido presos e os que os subornaram terem ficado em liberdade...

Yris reconheceu ter vendido o seu voto a Uribe «a troco de prebendas políticas e económicas» e confessou que denunciou a situação porque «parte das prebendas não foram cumpridas». Agora, foi condenada a três anos de prisão (comutados por prisão domiciliária porque é mãe-chefe-de-família).
Ligados ao caso há, ainda, cinco altos funcionários de Uribe: dois ex-ministros, um ex-director da polícia política, um ex-superintendente de Notariado e Registos e o ex-chefe dos Assuntos Políticos do Ministério do Interior.

Uribe manifestou o seu desagrado com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça e ameaçou resolver a situação com a realização de um referendo - um referendo para o eleitorado dizer se sim ou não... a fraude é legal...

Naturalmente, o Ydisgate tem passado à margem dos circuitos noticiosos dos média de todo o mundo. Com efeito, este é um tipo de notícias que não tem lugar nos jornais, rádios e televisões propriedade do grande capital.
Mas hoje o Público resolveu falar do «caso», isto é: informou que «Álvaro Uribe desiste do referendo sobre reeleição». Porquê?: o Público explica: porque «o Tribunal Constitucional não validou uma determinação do Supremo Tribunal de Justiça (...) que condenara uma ex-congressista por ter recebido favores em troca da aprovação de reforma constitucional que abriu caminho à reeleição».
E dizendo isto, o Público disse tudo o que acha que é direito dos seus leitores saberem...

Pronto: está a Ydis absolvida, está o tirano legalizado... e estão os leitores do Público devidamente desinformados - já que desconhecem tudo o que é dito nos primeiros três parágrafos deste post...

Porque o Público preocupou-se essencialmente em informar que «milhões de pessosas deverão participar hoje na Colombia (...) e no estrangeiro em dezenas de manifestações a favor dos reféns nas mãos dos grupos armados colombianos»...

E assim o Público confirma-se como um jornal à dimensão democrática do Uribe usurpador da presidência da República da Colômbia.

POEMA

GORILA

O gorila é um animal
quase inteiramente humano.
Não tem patas quase pés,
não tem garras quase mãos.
Estou-lhes a falar
do gorila do bosque africano.

O animal que aqui se mostra,
por pouco
é inteiramente um gorila.
Patas em lugar de pés
e quase garras em lugar das mãos.
Estou-lhes a mostrar
o gorila americano.

Adquiriu-o
num quartel o nosso agente
para o Grande Zoo.

Nicolas Guillén
(In O Grande Zoo)

É PENA...

O Público de hoje assinala o 90º aniversário natalício de Nelson Mandela com um extenso texto onde nos recorda aspectos da sua vida de luta pela liberdade e contra o iníquo regime do apartheid.

É pena que no extenso texto não tenha havido espaço para uma referência, ainda que breve, ao facto de Mandela ter sido recentemente retirado da «lista de terroristas» elaborada pelos EUA - lista na qual Mandela fora incluído precisamente por lutar pela liberdade e contra o iníquo regime do apartheid...

Curiosamente, já houve espaço no extenso texto para a transcrição da mensagem de felicitações enviada a Mandela pelo casal Clinton - mensagem na qual o referido casal diz a Mandela que «a sua vida foi uma bênção para nós».

É pena que a vida da família política dos Clinton não tenha sido uma bênção para Mandela...

POEMA

SEMEARÁS O VENTO

semearás o vento
o trigo a sede

sentirás o grão
amadurecer
ao longo do teu corpo

escutarás no teu peito
o largo silêncio
da seara

colherás outro tempo
uma romã
uma fonte

semearás o vento
com o amor
que cria a tempestade

Rui Namorado

O SILÊNCIO DOS CULPADOS

O Cravo de Abril denuncia uma vez mais o silêncio a que os jornais portugueses têm remetido o assassinato do dirigente sindical boliviano Guillermo Rivera.
Silêncio absoluto, isto é: nem uma palavra.

Não é por falta de espaço, obviamente (acabei de comprar o DN e o Público e constato que carreguei para casa 344 páginas...)
Esse silêncio é intencional e faz parte do posicionamento desses jornais face ao problema colombiano:
eles são apoiantes caninos do governo narco-fascista de Uribe e apoiam os seus crimes;
eles são coniventes com a repressão uribista, as prisões cheias, as torturas, os assassinatos - e só não aplaudem explicitamente essa barbárie porque isso podia borrar a imagem que tentam fazer passar de jornais independentes, isentos imparciais e ao serviço da democracia...

O seu silêncio em relação ao assassinato de Guillermo Rivera é o silêncio vergonhoso dos culpados.

POEMA

MEMÓRIA

Gotejam sangue as estrelas
(e a noite vai tão calma!...)
Rasgue-se a noite só para vê-las
que a treva basta já na nossa alma.

Companheiro morto à beira do caminho
que milhões de caminhantes já pisaram.
Tu não estarás jamais sozinho,
que contigo estão os que ficaram.

Orlando de Albuquerque
(In Poetas de Moçambique)

GUILLERMO RIVERA FÚQUENE

No dia 22 de Abril, desapareceu, em Bogotá.
Ontem foi anunciado que o seu corpo, sem vida, foi encontrado.

Era dirigente sindical e militante comunista - duas razões para, no regime narco-fascista de Uribe, não ter direito à vida.

Muito provavelmente, a notícia do seu assassinato ocupará, na generalidade dos média dominantes, tanto espaço e tanto tempo como ocupou a notícia do seu desaparecimento: zero - mas parte grande desse espaço e desse tempo continuará a ser utilizada no louvor dos assassinos de Guillermo Rivera.

São estes os tempos que vivemos. Fazer-lhes frente, assumindo todas as consequências, é a meu ver um imperativo de dignidade.
E fazer-lhes frente, nesta concreta situação colombiana, é afirmar frontalmente e sem reservas a nossa incondicional solidariedade com os revolucionários colombianos, aí incluídos os guerrilheiros das FARC.
É essa a minha posição.

POEMA

(Hora da visita. A Sra. Ermelinda também
estava à entrada com a cestinha onde ia aquela
sopa tão boa que ferveu desde as seis da manhã)


Entretanto cá fora
as mães aquecem com os dedos
as merendas nos cestos.

Outras sorriem
com inquietação de cilada.

São as que esconderam limas de sonho no pão
para os filhos cortarem as grades
e fugirem esta noite
pelos lençóis
da solidão rasgada.

José Gomes Ferreira

PERGUNTA/RESPOSTA (2)

«Press TV - Finalmente, a questão que tantos espíritos ocupa no Médio-Oriente e não só. Escreveu sobre tantas guerras imperiais dos Estados Unidos. Pensa que Bush e Cheney vão arriscar outra guerra naquilo que Mohammad ElBaradei da IAEA (Agência Internacional de Energia Atómica) chama uma bola de fogo?

Gore Vidal - Queriam, mas gastaram o dinheiro todo. Meteram-no nas sua próprias empresas privadas, como o vice-presidente e uma empresa chamada Halliburton que rouba mais dinheiro e devia mais tarde ou mais cedo ser julgada perante o Congresso. Mas talvez não, quem sabe? Contudo, é bem conhecido em Washington que esta gente desvia o dinheiro do país.
Pronto, acabou-se o dinheiro. Querem uma guerra com o Irão. O Irão não é ameaça maior para nós do que foi o Iraque ou o Afeganistão. Inventaram um inimigo, mentem, mentem, mentem.
O New York Times colabora com as suas mentiras, mentiras, mentiras. E não páram.
Quando se mente ao público trinta vezes por dia, ele acaba por acreditar nas mentiras, não será assim?»

E é gente desta que está à frente do mais poderoso país do mundo...


(Extractos da entrevista da Press TV ao escritor norte-americano Gore Vidal. A entrevista completa encontra-se em odiario.info - e vale a pena lê-la)

POEMA

CANTO DE UM PRISIONEIRO

Prisioneiro sem algemas nem grades
sem uniforme e sem arames farpados
privo-me de chorar durante o dia
por maiores que sejam o vexame e a dor
Ansioso cultivo a flor do orgulho
e enveneno de fel as lágrimas que bebo
Também não grito que não mo consinto
nem o consentem neste ordeiro campo
E espero a noite para cantar em surdina
junto as palavras astuciosas e de rosto inocente
atiro-as ao escuro fecundas de rancor
e ainda humedecidas de um suor de sangue
e no íntimo escondendo limas de esperança

Neste universo pacato e sem algemas
nem grades visíveis e todavia existentes
adivinho tímpanos feridos pelo meu canto
e lábios com sede de limas de esperança
e ventres vazios à espera que os fecunde
o cálido e surdo rancor do meu canto

Por isso canto poemas algo inesperados
opacos sussurrantes e gratuitos como ventos
que todavia transportam invisíveis esporos
de sentido fechado como ouriços do mar
de agudos espinhos para mãos inábeis
e escondendo por dentro limas de esperanças

Fernando Couto
(In Poetas de Moçambique)

PERGUNTA/RESPOSTA (1)

Press TV - O senador Obama fala de mudança, mas é claro que tem feito a corte a Wall Street e ao lobby de Israel. Vê alguma hipótese de mudança com ele como presidente?

Gore Vidal - Na verdade, não. Não duvido da sua boa-fé, tal como não duvido da má-fé de Cheney e Bush, pessoas abomináveis como nunca antes tivemos no governo. Jamais teriam ascendido sem compra de eleições, como fizeram na Flórida em 2000 e no Estado de Ohio, em 2004. São dois descarados ladrões da Presidência. Quando descobri que isto não interessava nem ao New York Times, nem ao Washington Post, nem a nenhuma da imprensa do país, percebi que estamos arrumados. Já não somos um país, somos uma estrutura onde os malfeitores entram para roubar dinheiro. Sabido isso, jamais serão apanhados e vão ser admirados por isso. Os americanos consideram sempre os outros a partir do que estes se afirmam. Se digo: «Eu sou um Estado», eles dizem: «Sim, sim, ele é um Estado, é fantástico!».
E, antes de os cometer, começa-se por acusar os outros dos crimes próprios. É um velho truque conhecido de Maquiavel, que escreveu sobre isso no seu manual «O Príncipe».

Que belo retrato do país berço da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, não acham?

POEMA

PERGUNTA A PAUL ROBESON

Que rios te correm na voz
Paul Robeson?
Que marulhantes graves e longos
rios é o teu canto
Paul Robeson?
É o Congo ou é o Mississipi
com manchas de sangue indissoluto?
Ou são os afrontosos rios
da humilhação impotente
Paul Robeson?
Ou é o Nilo ou o Missouri
cavando às cegas o leito
nas terras da hostilidade?
Ou será a mágoa sem fundo nem tempo
náufraga sem morte dos barcos de negreiros
soluçando nos campos de algodão
dos diversos estados da Carolina do Sul
Paul Robeson?
Ou será a incomparável curva doida do Niger
rompendo a caminho do mar?
Ou será apenas o lento pesado arrastar de pés
dos teus irmãos de raça
Paul Robeson
rompendo a caminho do mar?

Fernando Couto
(In Poetas de Moçambique)

NO PELOTÃO DA FRENTE

Segundo o Eurobarómetro da Comissão Europeia, «71% dos portugueses tem dificuldades em pagar as contas no final do mês».
Esta percentagem coloca Portugal num honroso 2º lugar europeu e é mais uma confirmação da descoberta feita pelo então primeiro-ministro Cavaco Silva - e corroborada por todos os seus sucessores - de que Portugal ocupava «o pelotão da frente da União Europeia».
É também uma oportunidade para sublinhar a justeza da descoberta de Cavaco (a confirmar que o homem nunca tem dúvidas e raras vezes se engana), lembrando que existem naUE dois pelotões da frente: um, ocupado pelos países onde os índices de bem-estar são mais elevados; outro, agrupando os países onde os índices de mal-estar são mais elevados.
E que, assim sendo, era verdadeira a cavacal afirmação sobre a presença de Portugal no pelotão da frente - no qual se mantém por obra e graça dos mui dignos continuadores de Cavaco na governação.

Porque é bom não esquecer que esta presença crónica de Portugal no pelotão da frente que vai atrás, nada tem a ver com menores capacidades governativas dos líderes lusitanos: como eles nos dizem - e devemos acreditar, a bem da Nação - todos, desde o genial Cavaco ao não menos genial Sócrates, são governantes muito, muito, muito, muito apreciados lá fora.

POEMA

XICUEMBO

eu bebeu suruma
dos teus ólho Ana Maria
eu bebeu suruma
e ficou mesmo maluco
agora eu quere dormir quere comer
mas não pode mais dormir
mas não pode mais comer

suruma dos teus ólho Ana Maria
matou sossego no meu coração
oh matou sossego no meu coração

eu bebeu suruma oh suruma suruma
dos teus ólho Ana Maria
com meu todo vontade
com meu todo coração

e agora Ana Maria minhamor
eu não pode mais viver
eu não pode mais saber
que meu Ana Maria minhamor
é mulher de todo gente
é mulher de todo gente
todo gente todo gente

menos meu minhamor

Rui Nogar
(In Poetas de Moçambique)

COMO UMA LUVA...

Um dos muitos métodos de desinformação utilizados pelos média dominantes é a utilização dos títulos como meio de manipulação.
Exemplificando:
Na primeira página do Público de hoje, um título informa-nos que:
«Irão ameaça atacar bases americanas no Golfo».

Depois, lendo a notícia, ficamos a saber que «o Irão ameaça responder a um eventual ataque norte-americano c o com uma operação contra as 32 bases norte-americanas no Golfo Pérsico».

A diferença entre ameaçar atacar e ameaçar responder a um ataque é substancial e põe a nu os critérios (des)informativos do órgão da Sonae.
Com efeito, trata-se de um título no qual o Público empurra os seus leitores para a sua visão dos factos: o Irão é a ameaça brutal, o mal; os EUA são as potenciais vítimas, o bem - por isso, quando os EUA bombardearem o Irão, fá-lo-ão em legítima defesa...

O Público sabe que é elevada a percentagem de leitores que se ficam pela leitura dos títulos; sabe que é ainda maior o número de leitores que, não comprando o jornal, lêem os títulos nos escaparates - e sabe, ainda, que são muitos os leitores distraídos, isto é, os que, mesmo lendo a notícia, já fixaram e tomaram como certa a informação dada no título. Por isso, sabendo o que sabe, e informando como informa, o Público sabe que está a desinformar - neste caso concreto, cumprindo a sua opção de propagandista dos EUA e dos seus interesses.

É claro que ninguém teria nada com isso, se o jornal - pago pela Sonae e dirigido por José Manuel Fernandes - assumisse frontalmente essa vocação propagandista.
Mas não é isso que se passa, bem pelo contrário: o Público não se cansa de nos tentar vender todas as suas excelsas qualidades de jornal de referência, designadamente a sua imparcialidade, independência, isenção, imparcialidade, rigor informativo - e, assim, está a mentir; e, estando a mentir, é necessário que seja desmentido.
Daí este post. No qual se sublinha, ainda, que o que aqui fica dito sobre o Público serve como uma luva à generalidade dos média nacionais.

POEMA

REZA, MARIA!

Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem à míngua de pão
vermes nas ruas estendem a mão à caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

Bichos espreitam nas cercas de arame farpado
curvam cansados dorsos ao peso das cangas
e também não são bichos, Maria!

Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança.

Ah, Maria
põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos
e reza, Maria!

José Craveirinha

A GRANDE GOLPAÇA

«O Tratado está morto»: concluiram todas as pessoas sérias após a vitória do «não» na Irlanda.
«O Tratado está vivo»: concluiram todas as outras pessoas, na mesma altura - e trataram de anunciar publicamente a sua disposição de recorrer a todas as aldrabices, vigarices, trapaceirisses, trafulhices - enfim à grande golpaça - para que o «não» irlandês contasse como «sim».

Agora vem o Sarkozy e diz que «a França e a Irlanda vão apresentar uma proposta para ressuscitar o Tratado» - com isto confirmando duas coisas essenciais:
1 - o Tratado está morto;
2 - a promessa de o ressuscitar significa que a grande golpaça vai de vento em popa.

Não há dúvida: estes líderes da União Europeia estragam os seus súbditos com tantos mimos democráticos...

POEMA

O MEU IRMÃO ERA AVIADOR

O meu irmão era aviador.
Deram-lhe um dia a passagem.
Fez a mala e lá partiu,
para o Sul foi a viagem.

O meu irmão é conquistador,
falta espaço vital ao nosso povo
e conquistar terreno novo
foi sempre o nosso sonho velho.

O que o meu irmão conquistou com fama
está lá no Guadarrama:
tem de comprido um metro e oitenta
e de fundo, um metro e cinquenta.

Brecht

UM PASSO HOJE, OUTRO AMANHÃ

Duas declarações gémeas:

1 - Condoleezza Rice, chefe da diplomacia norte-americana:
«Na zona do Golfo, os Estados Unidos aumentaram a sua capacidade de segurança, a sua presença de segurança, e estamos a trabalhar de perto com os nossos aliados para garantir que são capazes de se defender. São tudo elementos que mostram a determinação da América em impedir o Irão de ameaçar os nossos interesses, ou os interesses dos nossos amigos e aliados.»

Sublinhe-se: «América» é como os dirigentes dos EUA (já agora, recorde-se: e o Público...) costumam referir-se à parte da América que é o seu país - assim como quem diz que «a América é dos americanos», isto é, do EUA...
«Os nossos interesses»: eis o mais poderoso e «democrático» «argumento» do imperialismo norte-americano para justificar a sua política de terror em todo o planeta.

2 - Ehud Barak, ministro da Defesa de Israel: «Israel provou no passado que não hesitará em agir quando a sua segurança vital estiver em risco.»

Sublinhe-se: é o governo israelita que decide quando a «segurança vital» de Israel estará em «risco» - tal como foi Hitler que decidiu o tempo de o Reich ocupar o seu «espaço vital»...

Ou seja: um passo hoje, outro amanhã, até ao dia do horror...

POEMA

HÁ DIAS

Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo nos cai
em cima. Depois
ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam.
Não lhes sei o nome. Uma
ou outra parece-se comigo.
Quero eu dizer: com o que fui
quando cheguei a ser
luminosa presença da graça,
ou da alegria.

Eugénio de Andrade

«DEMOCRACIA»...

O conceito dominante de democracia exibe todos os dias expressões concretas que o explicam luminarmente.
Exemplos disso são, entre muitos, muitos outros: os métodos utilizados no processo de construção da União Europeia do grande capital - de que o Tratado Porreiro, Pá é a mais recente amostra; ou este massacre que é a glorificação «democrática» do regime do narco-fascista Uribe; ou a argumentação terrorista utilizada pelos EUA e por Israel em relação ao Irão, etc, etc, etc...

Esse conceito de democracia surge também, e não poucas vezes, ligado a situações aparentemente menos graves, mas que nem por isso deixam de ser reveladoras - e de que maneira! - do estado a que chegou a prática «democrática» nos tempos que vivemos.

É o caso da notícia hoje divulgada, segundo a qual «o Parlamento italino aprovou, por 309 votos contra 236, uma lei que confere a imunidade penal ao primeiro-ministro Sílvio Berlusconi».
Ou seja, o Parlamento absolveu temporariamente Berlusconi dos vários processos judiciais em que é acusado - e, de certo modo, deu-lhe luz verde para prosseguir as golpaças.
Se alguém disser que estamos perante uma brutal violação da democracia e dos seus valores e princípios essenciais, os média dominantes responderão com o habitual irrefutável, incontestável e poderoso «argumento»: «Berlusconi foi eleito democraticamente».

Foi?