MILITANTES DA ESPERANÇA

Todos os anos, nos últimos dias do ano, os jornais relembram acontecimentos, ocorrências e pessoas que, de acordo com os critérios de cada jornal, marcaram os doze meses passados.
Lá vem, todos os anos, a lembrança das (dez) tragédias ocorridas, dos (dez) feitos desportivos mais relevantes, dos (dez) mais assombrosos fenómenos acontecidos, tudo...
Tudo, excepto as lutas dos trabalhadores, obviamente.
Essas são para esquecer: assim mandam os donos dos jornais e assim obedecem os que, nos jornais, são a voz dos donos.

O Diário de Notícias de hoje destaca «dez personalidades que, este ano, disseram adeus».
Personalidades (quase) todas respeitáveis - ou, pelo menos, (quase) todas não desrespeitáveis.
Entre os «dez» está, naturalmente, o Nobel do nosso contentamento - e registe-se, positivamente, o facto de o DN não se ter esquecido de referir que «José Saramago foi militante do PCP desde 1969».

Por mim, se tivesses que escolher «dez», também não hesitaria em Saramago - o nosso Nobel Levantado do Chão.
E optaria, também, como fez o DN, por Rosa Coutinho - ao qual acrescentaria, no entanto, outro militar de Abril: Costa Martins.
Mas lembro-me de outros que a morte me (nos) roubou neste ano de 2010.
Outros que, não sendo «personalidades» para os média dominantes, marcaram o tempo que viveram com o seu exemplo de fraterna coragem, de solidária dignidade, de inquebrantável verticalidade.

No poema de Armindo Rodrigues que antecede este post, o Poeta faz o julgamento do monstro salazarento que durante quatro décadas oprimiu e reprimiu Portugal e os portugueses - e recorda esse tempo sombrio, «os dias tristes/de miséria e cobardia/ apenas iluminados/pela teimosia heróica/dos militantes da esperança/ousados e clandestinos».

São três desses «militantes da esperança», este ano desaparecidos do nosso convívio, que o Cravo de Abril hoje recorda:
SOFIA FERREIRA, ANTÓNIO DIAS LOURENÇO E JOAQUIM GOMES.
Personalidades maiores da nossa história colectiva, pelo seu exemplo de coragem, de dignidade, de entrega total à luta pela liberdade, pela justiça social, pela paz, pelo socialismo, pelo comunismo.
Para eles o nosso imenso adeus.

POEMA

O MONSTRO JULGADO


Desenterremos o monstro
e, mesmo morto, o julguemos.
Mais nojento o foi em vida.
Mais nojento o foi em vida,
com as suas falas mansas,
os seus melífluos gestos,
o seu perfil de navalha,
o seu sonho imperial.
Julguemo-lo pela vergonha
com que nos enlameou.
Julguemo-lo pelos ladrões
que à sua sombra roubaram.
Pois roubaram, prestem contas.
Pois roubaram prestem contas.
Julguemo-lo pelos bandidos
que mataram a seu soldo.
Pois mataram, não mais tenham
ocasião de matar.
Erguei-vos, assassinados,
para o frio julgamento,
em que é forçoso que soe
a vossa condenação.
Julguemo-lo pelos assaltos
às nossas casas quietas,
às horas do nosso sono
merecido e sem remorso.
Julguemo-lo pela traição
que a nós próprios nos impunha
de nos pautarmos por ele,
sob pena de punição.
Julguemo-lo pela suspeita
a que nos habituou
de em tudo espreitarem perigos,
de todos serem espiões.
Julguemo-lo pela incerteza
de cada dia futuro,
no curso dos dias tristes
de miséria e cobardia,
apenas iluminados
pela teimosia heróica
dos militantes da esperança,
ousados e clandestinos.
Julguemo-lo pelas torturas
dos seus carrascos cruéis,
os seus juízes submissos,
os seus campos de concentração.
Julguemo-lo pela maldade.
Julguemo-lo pela frieza.
Julguemo-lo pela mentira,
sua única paixão.
Julguemo-lo pela fé falsa
de antigo seminarista,
com que aos fiéis iludidos
iludia a boa fé.
Julguemo-lo pela herança
de abandono e esgotamento
em que nos deixou os campos,
em que nos deixou as fábricas,
em que nos deixou a pródiga
e vasta leira do mar,
a que nos levou as escolas,
cuja cultura tolheu,
vazias de camponeses,
operários, pescadores,
professores e alunos,
que obrigou a emigrar.
Julguemo-lo pelo cuidado
de guarda-livros mesquinho,
com que serviu os interesses
só da grande burguesia,
a nação espezinhando
com os seus pés descomunais.
Julguemo-lo pela perfídia.
Julguemo-lo pela vaidade.
Julguemo-lo pelos palhaços
que escolheu para ministros,
que nomeou deputados,
que de pobres tornou ricos,
e diante dele tremiam,
e lhe lambiam o cu.
Para sempre o apaguemos
de nosso compatriota,
e até de homem simplesmente,
visto que nunca homem foi.


Armindo Rodrigues

DIREITOS QUÊ?

Enquanto, na Colômbia, foi descoberta mais uma vala comum, nas Honduras a violação dos direitos humanos continua a ser a imagem de marca do governo fascista.

A nova vala comum agora descoberta situa-se no departamento de Meta e contém mais de 1 500 corpos de «falsos positivos» - assim são designados os jovens que o governo colombiano apresenta como «combatentes das FARC abatidos em combate», mas que, na realidade, são jovens recrutados pelo exército com promessas de trabalho e a seguir executados e enterrados nessas valas.
(Como o Cravo de Abril já denunciou, neste mesmo departamento de Meta, foram descobertos, há um ano, 2 000 cadáveres naquela que é, tanto quanto se sabe, a maior vale comum do continente americano).
Comentando a mais recente descoberta, um dos advogados das vítimas e familiares, resumiu assim a situação:
«A Colômbia pode ser uma gigantesca vala comum. O exército colombiano converteu-se num autêntico exército ocupante contra o seu próprio povo».
A Colômbia é, como se sabe, a menina dos olhos do governo de Obama no continente: um modelo de democracia, de liberdade, de respeito pelos direitos humanos...


A situação nas Honduras após o golpe organizado pelo governo dos EUA e por fascistas hondurenhos, tem sido, também, tema frequentemente abordado no Cravo de Abril.
Registe-se, então, que a violenta repressão desencadeada pelo governo fascista contra os trabalhadores e o povo hondurenhos - e que a Frente Nacional de Resistência Popular tem corajosamente denunciado - foi agora confirmada por um grupo de representantes de 28 organizações suíças, alemãs e austríacas.
E, já agora, registe-se também o Programa de Apoio da União Europeia ao governo fascista das Honduras - o Programa Paz!...
Esse Apoio - no valor de 44 milhões de euros - é toda ele canalizado para a Defesa, a Administração Interna e o Supremo Tribunal de Justiça - ou seja: para o aparelho repressivo, com o qual o governo golpista leva por diante a brutal ofensiva de violação dos direitos humanos.

Que dizer destes direitos humanos made in USA /UE feitos de repressão, de crime, de valas comuns?...

POEMA

PRISÃO DE CAXIAS, 1949


Como fantasmas, sem repouso,
no corredor andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite.
Nuvens vazias lhes pesam.
Um vinho azedo os corrompe.
O corredor é longo e estreito,
longo e sujo,
longo e escuro.
Do tecto baixo as lâmpadas exaustas
dir-se-ia que de remorso lhe põem mais sombras
na atmosfera sombria de remorso.
Só nas salas, fechados, os presos falam,
os presos riem,
os presos cantam.
Não há remorso na lembrança deles.
Na desgraça deles não há remorso.
O remorso ficou lá fora,
no corredor onde andam os guardas,
de pistola à cinta, dia e noite,
a manchar de vergonha a vida
e a fazer nojo aos escarradores
alinhados contra a parede.
O remorso ficou lá fora,
na felicidade e na cobardia
dos que se alheiam do combate.

Na minha sala há treze presos.
Treze são as salas que dão
para o corredor onde andam os guardas,
de pistola è cinta, dia e noite.
Maldita seja a maldição
com que à honra se responde.
Cada sala tem uma janela
que nem finge de fingimento,
porque além da barreira das grades
em frente um talude nos cobre
a despreocupação de ave
do horizonte desdobrado,
e lá fora andam outros guardas,
de carabina oa ombro, dia e noite.
Na minha sala há treze presos,
com treze protestos erguidos,
mas erguida uma só bandeira.
São criminosos de querer,
num tempo torpe de prisões,
as torpes prisões arrasadas.
Os outros presos, as outras salas,
sangram das mesmas feridas,
ardem de desejo igual.

Estão aqui presos, mas são livres,
porque neles a justiça
sopra como os vendavais.
A prisão ficou lá fora,
nos felizes e nos cobardes.


Armindo Rodrigues

GOSTEI

Realiza-se hoje um desafio de futebol amigável entre as selecções do País Basco e da Venezuela.
O embaixador venezuelano em Madrid, Isaías Rodriguez, assistirá ao jogo em representação do seu País.
Provocatoriamente, o presidente do PP basco, Antonio Basagoiti - que também assistirá ao jogo - declarou que não quer encontrar-se com o embaixador venezuelano, porque «no seu Governo há gente da ETA».

O embaixador venezuelano respondeu:
«Também não é do meu interesse falar com o presidente do PP basco. Na minha opinião, ele faz parte da corporação da TETA (órgão dos mamíferos que, na fome, serve para secrecção de leite e nas corporações bancárias serve para dar de mamar a dirigentes políticos sem maturidade e sem preparação social nem humanística)».

E prosseguindo:
(a esses indivíduos) na Venezuela destetamo-los, isto é, damos-lhes um curso para que percam a sua condição de "senhoritos, filhos de banqueiros" e aprendam que a política e a educação não se manejam da mesma forma que o dinheiro».

E, mais adiante:
«Os não-destetados têm causado bastantes danos ao Euskadi e vem agora este senhorito graças à pasta que o seu pai tem, pretender utilizar um encontro de futebol cordial para agredir a Venezuela...»

E rematou, certeiro:
«No meu Governo não há gente da ETA. E no PP há gente da TETA».

Gostei.

POEMA

ENTRE PATRÃO E OPERÁRIO


Entre patrão e operário,
entre operário e patrão,
o que é extraordinário
é pretender-se união.
Não vista a pele do lobo
quem do lobo a lei enjeita.
A propriedade é um roubo.
Ladrão é quem a aproveita.
Negar a luta de classes
é negar a evidência
de um mundo de duas faces,
de miséria e de opulência.


Armindo Rodrigues

METEM NOJO

Quando, um dia, se fizer a história da ofensiva contra o PCP ao longo dos tempos, constataremos que ela constitui parte grande da história lusitana da pulhice humana.
Estou em crer que o conteúdo odiento e a forma desavergonhada dessa ofensiva têm a ver com a raiva que se apossa dos seus protagonistas ao verem frustradas, sucessivamente, as suas previsões necrológicas sobre o PCP...

Salazar e os seus jornais anunciaram repetidas vezes a morte do Partido, na convicção de que os comunistas não resistiriam às perseguições, às prisões, aos assassinatos, a toda a brutal repressão fascista.
Obviamente, enganaram-se.

O grande capital actual e os seus média, não se cansam de decretar a morte do PCP, na convicção de que, fazendo dos comunistas o seu alvo preferencial, utilizando contra eles toda a espécie de mentiras, de falsidades, de calúnias e difundindo-as massivamente, os desejos que têm de ver o PCP morto serão concretizados.
Obviamente, enganam-se.

Mas lá que lhes custa enganarem-se, custa, ó se custa!...
E lá que lhes causa raivas, causa, ó se causa!...

Vem isto a propósito da «notícia» do Público de ontem, sobre as coimas nas contas dos partidos.
O texto - assinado pelo inevitável Nuno Sá Lourenço (NSL) - como todos os escarros, mete nojo.
Partindo da premissa de que «é a partir das despesas que o Estado calcula a subvenção concedida aos partidos», NSL chega à conclusão de que, «ao incluir as coimas nessas despesas, os partidos acabam por receber de volta, mais tarde, o valor monetário das coimas que lhes foram aplicadas».

Ora, porque a premissa é falsa, a conclusão também o é.
Na verdade, as subvenções do Estado aos partidos são decididas, não a partir das despesas, mas a partir dos votos que cada partido obtém na mais recente eleição à AR - e, portanto, é falso tudo o que NSL escreve sobre os partidos receberem de volta o valor das coimas.

Mas NSL não é só isto... não esqueçamos que ele é um jornalista-tipo da nova ordem comunicacional, um daqueles a quem Serge Halimi chamou certeiramente os novos cães de guarda...
Pelo que, pegando na falsidade produzida, NSL virou-a... contra quem havia de ser?: contra o PCP, pois claro - o PCP que, diz ele, porque pagará de coimas não os 3 mil euros que os restantes partidos pagam, mas 30 mil euros, é o grande beneficiado!...
Esclareça-se que o facto de o PCP pagar 30 mil euros em vez dos 3 mil que deveria pagar, resulta de uma atitude claramente persecutória contra o Partido - mas isso que interessa?: NSL não tem nada contra atitudes persecutórias se elas forem contra o PCP...
E, já agora, sublinhe-se que quem vai pagar esses injustos 30 mil euros são os militantes e simpatizantes comunistas.

Depois, não querendo ficar sozinho com a patranha que engendrou, NSL foi ouvir o habitual «especialista», que desta vez dá pelo nome de Luís de Sousa; que é «investigador» não sei de quê; e que, fazendo sua a patranha de NSL, sentenciou que «as multas têm que ser sentidas na pele, têm que ser subtraídas à subvenção»...
(ó sr. investigador, em vez de cagar sentenças por ouvir dizer, não seria melhor investigar primeiro e depois falar?...)

Posto isto - patranha escrita e devidamente avalizada pelo «investigador» - a mentira correu célere por todos os telejornais como se se tratasse de verdade incontestável.
E para que fosse, também, incontestada, o comunicado emitido pelo PCP e repondo a verdade foi cirurgicamente silenciado por todos os telejornais.

É a isto que eles chamam informação isenta, imparcial e independente...
Metem nojo.

POEMA

MALDIÇÃO


Maldito seja o que busca
matar o sonho dos homens.
Maldita seja a vergonha.
Maldito seja o pesar.
Maldito seja o silêncio
que nos cala antes da morte.
Maldito seja o que é falso,
ou induz em confusão.
Malditos sejam os bons
que o são só por piedosos.
Maldito seja o cruel
por ódio ou por piedade.
Maldito seja o que aceita
argumentos que não pesa.
Maldito seja o que força
alguém a acreditá-lo.
Maldito seja o orgulho
do que o alheio despreza.
Maldito seja o que faz
dos desejos maldição.
Maldito seja o desejo
de só nada desejar.
Maldito seja o que inveja
o pão de que não precisa.
Maldito seja o que encontra
na fome conformação.
Maldito seja o que é feio
por gosto de fealdade.
Maldita seja a beleza
que à vida seja traição.
Maldita seja a riqueza
que de fartura não serve.
Maldita seja a fartura
quando a todos não chegar.
Maldito seja o saber
arvorado em tirania.
Maldito seja o que ignora
e não dá por ignorar.
Maldito seja o que impõe
o que para si não quer.
Maldito seja o que jura
contra a sua convicção.
Maldito seja o que alcança
sem o esforço de colher.
Maldito seja o temor
de luz de mais nos cegar.


Armindo Rodrigues

TAKIJI KOBAYASHI

TAKIJI KOBAYASHI é o nome de um grande escritor japonês.
Dele foi publicado recentemente, pela editora Clube do Autor, o romance O Navio dos Homens.

Trata-se de uma obra notável - e de leitura imperdível - que nos conta a revolta dos tripulantes de um barco de pesca, submetidos a uma exploração brutal, forçados a trabalhar até ao esgotamento e sujeitos a castigos de violência extrema, se se atreviam a protestar.
O romance, publicado pela primeira vez am 1929, ressurgiu há dois anos transformando-se num repentino sucesso internacional, uma vez que os leitores modernos, particularmente os jovens japoneses, se identificaram com as personagens que protagonizam o romance.
É um libelo contra o capitalismo explorador e opressor, que confirma TAKIJI KOBAYASHI como um grande escritor e que explica as razões pelas quais ele é conhecido como «o grande escitor do proletariado» e «o mais revolucionário dos escritores japoneses».
Insisto: é um livro de leitura imperdível.


A edição portuguesa fornece alguns dados sobre a vida do Autor.
TAKIJI KOBAYASHI nasceu em 1903.
Concluídos os estudos, foi trabalhar para um dos principais bancos do Japão - e escreve os seus primeiros contos.
Nas suas obras, o compromisso político e o valor literário confluem para a luta contra a injustiça social.
Aos 23 anos aderiu ao Partido Comunista Japonês, tendo sido preso várias vezes pela sua actividade revolucionária.
Despedido pelo banco foi eleito secretário da Associação de Escritores Japoneses.

No dia 21 de Fevereiro de 1933, foi preso, na rua.
Cinco horas depois estava morto devido às bárbaras torturas que lhe foram infligidas - recusando-se sempre a falar e a fornecer à polícia nomes de outros camaradas.


A polícia levou o cadáver para o hospital, onde obteve uma certidão de óbito falsa, na qual o médico o declarou morto por ataque cardíaco...

Chamaram os pais para que levassem o corpo.
A mãe - que simpatizava com a ideologia do filho - virou-se para os agentes da polícia e, olhando-os nos olhos, disse-lhes que jamais acreditaria na história da morte por causas naturais.
Pediu que não lhe dessem um funeral religioso, mas um funeral adequado a um trabalhador.

Oa amigos tentaram obter uma autópsia noutros centros hospitalares, mas ninguém aceitou fazê-la, receando represálias.
As fotografias que tiraram ao cadáver, mostravam ferimentos horríveis:
as costas estavam queimadas;
dos joelhos às canelas, a carne estava inchada e púrpura devido a hemorragias internas;
nos pulsos, um dos quais estava partido, viam-se as marcas das algemas;
à volta do pescoço havia equimoses, causadas por uma corda fina e cortante;
na testa via-se a marca de um ferro em brasa...

A polícia prendeu mais de trezentas pessoas que velavam a urna do jovem assassinado e devolveu todas as coroas fúnebres, inclusive a coroa enviada pela Associação de Escritores.
Nem assim conseguiu impedir a grandiosa homenagem prestada a TAKIJI KOBAYASHI por milhares de trabalhadores e camponeses no funeral, realizado em 15 de Março - data do quinto aniversário de uma vaga de prisões de militantes comunistas, que fora tema de um conto escrito por TAKIJI KOBAYASHI: A Aldeia de Numajiri.
Em todos os grandes centros urbanos, trabalhadores e estudantes saíram às ruas, manifestando-se e distribuindo folhetos nos quais denunciavam aquele crime hediondo.


TAKIJI KOBAYASHI.

POEMA

JURO NUNCA ME RENDER


Pela minha terra clara
e o povo que nela habita
e fala a língua que eu falo,
juro nunca me render.

Pelo menino que fui
e o sossego que desejo
para o velho que serei,
juro nunca me render.

Pelas árvores fecundas
que nos dão frutos gostosos
e as aves que nelas cantam,
juro nunca me render.

Pelo céu que não tem margens
e as suas nuvens boiando
sem remorso nem receio,
juro nunca me render.

Pelas montanhas e rios
e mares que os rios buscam,
com o seu murmúrio fundo,
juro nunca me render.

Pelo sol e pela chuva
e pelo vento disperso
e pela plácida lua,
juro nunca me render.

Pelas flores delicadas
e as borboletas irmãs
que nos livros espalmei,
juro nunca me render.

Pelo riso que me alegra,
com a sua nitidez
de guizos e de alvorada,
juro nunca me render.

Pela verdade que afirmo,
dos que a verdade demandam
até à contradição,
juro nunca me render.

Pela exaltação que estua
nos protestos que não escondo
e a justiça que os provoca,
juro nunca me render.

Pelas lágrimas dos pobres
e o pão escasso que comem
e o vinho rude que bebem,
juro nunca me render.

Pelas prisões em que estive
e os gritos que lá esmaguei
contra as mãos enclavinhadas,
juro nunca me render.

Pelos meus pais e meus avós
e os avós dos avós deles,
com o seu suor antigo,
juro nunca me render.

Pelas balas que vararam
tantos peitos de homens justos,
por amarem muito a vida,
juro nunca me render.

Pelas esperanças que tenho,
pelas certzeas que traço,
pelos caminhos que piso,
juro nunca me render.

Pelos amigos queridos
e os companheiros de ideias,
que são amigos também,
juro nunca me render.

Pela mulher a quem amo,
pelo amor que me tem,
pela filha que é dos dois,
juro nunca me render.

E até pelos inimigos,
que odeiam a liberdade,
e por isso não são livres,
juro nunca me render.


Armindo Rodrigues

ISENÇÃO E ÁGUA BENTA...

Confesso: não estava nos meus planos voltar tão cedo ao Cardeal Patriarca.
Mas, o que é querem?, o DN entrevistou-o...

A entrevista é grande, longa, enorme, pelo que, limitar-me-ei a referir a parte que diz respeito às eleições presidenciais, à posição do Cardeal sobre elas e à posição dele e da Igreja sobre eleições em geral...

À pergunta sobre se «a reeleição de Cavaco Silva seria favorável para a pacificação da situação nacional», o Cardeal respondeu que sente que sim: «Cavaco Silva é favorável àquilo que for melhor para Portugal».
Mas logo advertiu que, «com orientação nossa (isto é: dele, Cardeal), não haverá apelo ao voto», porque, lembrou: «costumamos ser o mais isentos possível a esse respeito».
E ele próprio, Cardeal, fez questão de assegurar: «Eu sou realmente o mais isento possível»...
Pronto, Cardeal, não é preciso insistir - convenceu-me: «isenção» é consigo e com a sua Igreja...

Aliás, é essa «isenção» que, como se está mesmo a ver, o torna «incapaz de sugerir um candidato».
Isto, na situação actual, porque «em situações extremas de risco para a Nação», aí, a «isenção» é outra...
Ou seja: há situações - «situações extremas», obviamente - em que é necessário a Igreja apelar publicamente ao voto. Apelar, especialmente, ao não-voto...
Porque, «isenção», sim, mas com a conta, o peso e a medida adequados a cada momento...


E o que são «situações extremas», de tal modo «extremas» que levam o Cardeal e a sua Igreja, em actos eleitorais, a optar pela outra «isenção»?

O Cardeal podia, se quisesse, ter dado exemplos vários de eleições em Portugal - desde o tempo do fascismo até agora - em que centenas de padres em milhares de missas prègaram o voto neste ou naquele e, sempre, o não-voto nos comunistas...

Mas optou por dar um «exemplo» mais abrangente, digamos assim: «o exemplo do pós-guerra, em Itália, em que havia o perigo de o Partido Comunista conquistar o poder»
Ora aí está!: face ao «perigo comunista», a «isenção» dizia que votar nos comunistas é votar no Diabo, pelo que é nos anti-comunistas que deveis votar, irmãos, e não deveis abster-vos porque a abstenção é pecado...
E, mostrando que, naquelas circunstâncias, a abstenção não passava de uma «isenção» pecaminosa, o Cardeal lembrou que «o Papa Pio XII até deu ordem às carmelitas, freiras de clausura, para irem votar»...


Tudo isto, num tempo - digo eu - em que o Papa, vergado ao peso das preocupações, vivia, porventura, uma angustiante crise de fé, repetindo e repetindo a dilacerante pergunta: como é que Deus - omnipotente, omnipresente e omnisciente - tinha permitido a derrota dos seus amigos nazis, ainda por cima derrotados graças, essencialmente, ao Exército Vermelho e ao povo soviético?...
Tudo isto, num tempo - insisto eu - em que o pio Papa se via a braços com a pia tarefa de assegurar passaportes falsos para os criminosos nazis em fuga e o envio destes para os países onde lhes era garantida segurança...

Preocupações, crise de fé e tarefa a confirmar que isenção e água benta cada qual toma a que quer...

POEMA

HOMEM, ABRE OS OLHOS E VERÁS


Homem,
abre os olhos e verás
em cada outro homem um irmão.

Homem,
as paixões que te consomem
não são boas nem são más.
São a tua condição.

A paz,
porém, só a terás,
quando o pão que os outros comem,
homem,
for igual ao teu pão.


Armindo Rodrigues

O ELOGIO DA POBREZA

«Não olhemos só para aquilo de que nos privaram ou nos obrigaram a pagar mais; mas partilhemos generosamente o que temos com os que menos têm»: palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa, José Policarpo, na sua tradicional mensagem de Natal.
Santas palavras, estas, que nos ensinam tudo o que devemos saber, a saber: a resignação face à «inevitabilidade» das «medidas de austeridade», e a prática da caridade - com os que têm, a dar, generosamente, aos que não têm - como solução para a «crise»...

É claro que o Cardeal sabe que «para muitas famílias, este não será um Natal fácil»...
Todavia, será isso razão para que seja um Natal triste?; será isso impedimento para que este seja um Natal com alegria?
Não, irmãos, não é - da mesma forma que «há dois mil anos, a alegria daquele nascimento não foi impedida pela pobreza da gruta»...

Por isso, em verdade vos digo, irmãos: «esta crise pode suscitar, em cada um de nós, este espírito de solidariedade» - a «solidariedade» da esmola, da caridade, do amor aos pobrezinhos, aos quais devemos dar tudo o que sobra do nosso prato...

Por isso, haja alegria, irmãos!: «A pobreza não impede, necessariamente, a alegria».

Por isso, façamos todos, irmãos, o elogio da pobreza, louvemo-la como Obra de Deus que é.
Feliz Natal, irmãos!...

POEMA

SIMPLIFICAÇÃO


O mundo é cada vez mais complexo,
mas é cada vez mais simples entendê-lo.


Armindo Rodrigues

BOM NATAL?

Que escrever neste Natal?

Primeiro, pensei escrever sobre Cavaco:
depois de tudo o que o homenzinho disse sobre as suas poupanças, seria educativo comentar a notícia de que, afinal, ele «é o candidato que vai gastar mais nas presidenciais»;
depois de tudo o que é sabido sobre os seus «investimentos» em acções da SLN/BPN e os resultados que obteve, daria pano para mangas a afirmação do «investidor» de que «para serem mais honestos do que eu têm de nascer duas vezes».

Depois, pensei escrever sobre os aumentos dos géneros, os quais, acrescentados «com o aumento do IVA vão, em vários casos, sofrer aumentos acima dos 10%» - é o caso do pão, que «aumentará 12%».

Na sequência - e porque se tratava de aumentos - pensei escrever sobre o aumento do desemprego, que já vai em 11% e «continuará a subir em 2011».

Ainda na sequência, pensei escrever sobre os cortes nos salários e nas pensões - e sobre as «50 medidas» que o Governo vai acrescentar aos PEC's 1, 2, 3, 4 e ao Orçamento de Estado.

Finalmente, deparei com esta:
«Agências de rating dizem que Portugal já não está na Zona Euro» - traduzindo: «os planos de austeridade do Governo convencem pouco»...

Aqui chegado, decidi nada escrever - pensando, com os meus botões: para correr com esta cambada vamos ter que lutar muito.

Bom Natal?...

POEMA

NENHUM PRÉMIO, POR MAIOR...


Nenhum prémio, por maior,
vale as dores da liberdade.
Siga o seu próprio pendor
quem de segui-lo se agrade.
Ninguém chore um bem perdido.
Há muitos bens por achar.
Sonhos ocos de sentido
porque havemos de os sonhar?
A liberdade não é
de se dar, mas de tomar-se.
Liberdade que se dê
é apenas um disfarce.


Armindo Rodrigues

A ORDEM NATURAL DAS COISAS

Há um ano, por esta altura, os donos disto tudo proclamaram que 2010 seria o «Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social».
A proclamação fez o seu caminho normal: foi notícia destacada em todos os média dominantes; proporcionou declarações de amor ao próximo por parte de todos os governantes e seus derivados; alimentou ilusões nos pobres e nos excluídos...
O resultado foi o que estava previsto.

Por cá, sabemos como é: há mais exclusão social, há mais pobres, há mais miséria, há mais fome - não obstante os ciclópicos esforços dos governantes, a começar pelo inevitável Cavaco, que ainda há dias nos relembrou a sua meritória acção na luta contra a pobreza: vejam bem que o homenzinho falou da pobreza em vários discursos; alertou para ela em várias declarações presidenciais; e todos os natais visitou instituições de caridade...


«É a crise» - dizem os donos disto tudo - «e a crise toca a todos e todos terão que fazer sacrifícios»...
Dito por outras palavras: é «a ordem natural das coisas», ou seja, toda a gente sabe que ricos e pobres sempre houve e há-de haver e nisso reside a suprema harmonia do mundo...

E é para garantir essa harmoniosa relação que «a crise» providenciou no sentido de os lucros dos donos disto tudo continuarem a aumentar - porque, digam lá, se não houvesse ricos quem é que daria esmolas aos pobres?, quem é que combateria a pobreza?...

E em 2011?
Em 2011, naturalmente, o «combate à pobreza» continuará.
Começa já em Janeiro.
E começa em cheio, na medida em que aos cortes nos salários e nas pensões vai juntar-se o brutal aumento do custo de vida.
E a tudo isso juntar-se-ão, logo a seguir, as 50 medidas já anunciadas por esse intrépido soldado do combate à pobreza que é José Sócrates.


Tudo isto a confirmar o que já sabemos: o combate, de facto, à pobreza passa, primeiro, pela derrota da política de direita e pela sua substituição por uma política de esquerda, patriótica e vinculada aos valores de Abril.
E passa, a seguir, pela liquidação do capitalismo e pela construção de uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e de exploração: a sociedade socialista e comunista.

Quando lá chegarmos... acabaram-se os «anos de combate à pobreza e à exclusão social»...
E as coisas passarão a reger-se por uma outra ordem: esta, sim, natural.

POEMA

A CADA UM CHEGA UM POUCO...


A cada um chega um pouco
do que para todos chega.
Quem o quer diz-se que é louco.
Mas por que é que se lho nega?
É porque a verdade assusta
que a mentira persuade.
A unidade mais justa
nasce da variedade.
Querer só não é querer.
Não há querer sem acção.
O próprio pão, para o ser,
primeiro rebenta o chão.


Armindo Rodrigues

O TIRA-TEIMAS...

Eu já sabia que Francisco Lopes é portador de um projecto para Portugal que situa nos antípodas do cavacal projecto - o primeiro, tendo como referência fulcral a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País; o segundo, exclusivamente virado para a defesa dos grandes grupos económicos e financeiros.
Mas gostei de ver essa diferença, ao vivo - clara e inequívoca - no debate de ontem.

Eu já sabia que a candidatura de Francisco Lopes é a única que não só não está comprometida com a política de direita que conduziu o País à sitação actual, como é a única que combate essa política e lhe contrapõe uma alternativa - de esquerda, patriótica, vinculada aos valores de Abril, assumidamente com os trabalhadores.
Mas gostei de ver confirmada, ao vivo, essa singularidade no debate de ontem.

Eu já sabia das profundas diferenças - intelectuais, culturais, de conhecimento, políticas, humanas... - existentes entre Francisco Lopes e Cavaco Silva.
Mas gostei de ver essas diferenças, ao vivo, no decorrer do debate que opôs o candidato da política de esquerda a mais este candidato da política de direita.

E gostei de ver, no DN de hoje, o reconhecimento da vitória de Francisco Lopes no debate.

E gostei de ver, no mesmo DN, a transcrição deste grandíloqua tirada de Cavaco Silva, atirada contra Francisco Lopes:
«O futuro de Portugal não se trata com radicalismos, extremismos ou retórica».

E gostei de ver, ainda no DN, a transcrição da resposta de Francisco Lopes:
«Não há maior radicalismo do que aceitar a versão dos mercados e abdicar dos interesses nacionais ou aprovar um orçamento que vai gerar mais recessão e desemprego».

Ou seja: este debate foi um verdadeiro tira-teimas - para quem teimasse...

POEMA

DESTA LAMA...


Desta lama de folhas amassadas,
que o varredor com a vassoira varre,
espreita a promessa já de novas folhas.


Armindo Rodrigues

QUE GRAÇA QUE ELE TEM

O candidato Cavaco todos os dias nos proporciona exuberantes demonstrações das suas excelsas qualidades.
Arrasa-nos com exibições da sua vasta cultura.
Esmaga-nos com o fulgor da sua penetrante inteligência.
Cega-nos com a luz deslumbrante do seu saber.

Ele já leu, uma vez, um-livro-um.
Ele nunca tem dúvidas e raras vezes se engana.
Ele sabe tudo, tudo, tudo - tudo.

Como se tudo isso não bastasse, destroça-nos com aquele seu inigualável sorriso, onde a cultura, a inteligência e o saber se fundem numa ironia arrasadora, esmagadora, penetrante e deslumbrante.

E não perde uma única oportunidade de fazer humor - e de o fazer a sorrir com o tal sorriso e, depois, a rir, ele próprio, das graças que diz.
E nessa matéria não há pai para ele.
(nessa matéria e, infelizmente, não só: também não há pai para ele em tempo de ocupação de cargos e em malfeitorias praticadas contra os trabalhadores, o povo e o País)

Há dias, dirigindo-se ao filho do treinador de futebol Fernando Santos, actualmente a treinar uma equipa grega, o candidato Cavaco, visivelmente em hora de suprema inspiração humorística, perguntou:
«O seu pai não se sente grego no meio do futebol grego?» - e riu, riu, riu...

Pronto: cada um ri daquilo a que acha graça - e Cavaco acha-se graça...
E convenhamos que razões não lhe faltam...

O mal é que, sabemo-lo há décadas, a graça dele é a nossa desgraça.

POEMA

IDEIAS BOAS OU MÁS


Ideias boas ou más,
actos maus e actos bons,
é a vida quem os faz,
ou são os seus próprios dons?
A quem negue a liberdade
vá-se ao extremo de a impor.
Não é com meia verdade
que uma verdade dá flor.
E não se tenha receio
de perder para ganhar.
A liberdade é um meio
de a vida se libertar.


Armindo Rodrigues

OS CANDIDATOS «INDEPENDENTES»

Nas últimas eleições presidenciais, coube a Manuel Alegre representar o papel de candidato «independente» - é há que reconhecer a sua brilhante prestação, o destemor com que se bateu contra os «espartilhos partidários» e pela «independência cidadã»...

Sublinhe-se que, para Alegre, não era fácil representar esse papel, na medida em que, na altura, já era credor de mais de 30 anos de militância partidária, a maior parte dos quais como deputado - para além de outras importantes tarefas que cumpriu com igual brio partidário, como a de correio da contra-revolução (corrida a Spínola/Massamá, corrida a Soares/Largo do Rato...), levando e trazendo novas sobre o golpe em preparação enquanto, nos intervalos, escrevia incandescentes poemas à liberdade, liberdade!
Este ano, Alegre, seguindo uma prática velha no seu partido, fechou na gaveta os «espartilhos partidários» e a «independência cidadã» e abriu as portas ao apoio de dois-partidos-dois: o BE e o PS (por ordem de entrada em cena).
E ele aí anda, o Alegre. Igual a si próprio. Uma tristeza.


Nas eleições em curso, coube a Fernando Nobre substituir Alegre como candidato «independente».
Nobre -que, enquanto candidato, nasceu, ao que se diz, de pai conhecidíssimo e de mãe incógnita - está bem lançado no cumprimento da tarefa de «independente»: a todo o lado onde vai, ele dispara sucessivas rajadas contra «os partidos» e os seus malefícios.
E fá-lo com tal arreganho, intencionalidade e pontaria que nos faz lembrar velhos tempos: quando Salazar ordenou a auto-dissolução de todos os partidos existentes e criou a União Nacional - que só não ficou sozinha no terreno porque o PCP decidiu o que só o PCP podia decidir: mergulhar na clandestinidade e resistir.
E é talvez por isso - velhas raivas ainda não digeridas... - que os ataques de Nobre «aos partidos» são acima de tudo, contra o Partido...

Nobre é, então, o candidato «independente» a Presidente da República.
Do seu currículo, atestando a sua inegável aversão aos partidos, deve destacar-se o facto de, em anteriores actos eleitorias, ter apoiado apenas três-partidos-três: PS, PSD e BE (por ordem de entrada em cena) - tudo indicando que o CDS está na calha, e sendo certo que no PCP nem pensar...
Em abono da profundíssima vocação presidencial de que é portador, Nobre invoca o facto relevantíssimo de ter nascido numa «província ultramarina» - lembram-se?: uma daquelas do «Portugal uno e indivisível» que faziam o orgulho do Salazar...- onde foi despertado para as grandes, médias, pequenas e micro causas, no dia em que presenciou a acesa disputa entre uma galinha e uma criança batendo-se por um pedacinho de pão.
E ele aí anda, o Nobre. Igual a si próprio. Uma tristeza.

POEMA

A SOCIEDADE DE CONSUMO É UM BALCÃO


A sociedade de consumo é um balcão.
Nela se vende o pão,
se vende o amor,
se vende o sonho, se vende a bondade,
se vende a justiça, se vende o favor,
se vende o acesso à informação,
se vende a modéstia, se vende a vaidade,
se vende a honra, se vende a fé,
se vende a vontade, que é uma ilusão,
se vende a morte, que não o é.


Armindo Rodrigues

A FRASE DO DEBATE

Os debates continuam...
A bem dizer, não se trata propriamente de debates, mas de entrevistas paralelas, no decorrer das quais, a entrevistadora coloca aos candidatos/entrevistados as questões que, na opinião dela, interessam.
Mas não há nada a fazer, chamam-lhes debates... debates são...

Como habitualmente, os jornais destacam «especialistas» para apreciar o desempenho de cada candidato - e o desempenho do candidato comunista é, regra geral, tratado de acordo com os critérios vigentes nos média dominantes.
Este ano há, contudo, uma diferença: o candidato comunista, Francisco Lopes, sendo em regra, avaliado como «perdedor» no debate... «perde» pela diferença mínima!!! - acontecendo, até, que em alguns casos, lhe é atribuído um «empate» !!!! e, excepcionalmente, uma «vitória»!!!!!...

Quer isto dizer que a notável prestação de Francisco Lopes na campanha eleitoral, obrigou os «especialistas» a esquecerem a desvalorização e menorização que dele fizeram quando a sua candidatura foi anunciada: afinal, o «obscuro», «limitado», etc, etc, candidato do PCP mostra-se seguro, arguto, acutilante, conhecedor dos problemas, claro na exposição das suas ideias, inteligente.
É claro que seria demais exigir que os «especialistas» reconhecessem explicitamente o seu erro de avaliação - em todo o caso há que sublinhar o facto de, implicitamente, o reconhecerem.

Ontem, os entrevistados foram Francisco Lopes e Manuel Alegre.
Sobre o desempenho de ambos, pronunciaram-se, no DN, Filomena Martins, jornalista e A. Perez Metelo, redactor principal.
A jornalista põe Manuel Alegre a «vencer» por 3-2, enquanto o redactor principal se decide por um «empate»: 3-3 - notas de 1 (mínimo) a 5 (máximo)

Quais as razões que levaram uma e outro a pronunciar-se desse modo?
Vejamos:
Filomena acha que, em matéria de «propostas», Alegre «soube conciliar políticas de esquerda com pose de Estado: vincou ser um europeísta, mesmo crítico, e defensor da aprovação do OE» - para além de ter aproveitado «o espaço, o tempo e até as ideias do oponente, para atacar o seu único e real adversário; Cavaco».
Então, para a Filomena, jornalista, «propostas» - «propostas», a sério... - são as que... propõem o mais do mesmo: políticas de direita disfarçadas de esquerda, OE e etc...
Já no que respeita a Francisco Lopes, a mesma Filomena acha que ele «leu de cor e com fluidez a cartilha do PCP: penalizar os ricos, ajudar os pobres. Mas não apresentou soluções ou caminhos» - não obstante ter levado estudada «a lição de colar Alegre às políticas do Governo».
Então, «a cartilha do PCP» foi o que estragou tudo: tivesse Francisco Lopes lido «de cor e com fluidez», a cartilha da Filomena e outra pontuação seria a sua...

Em matéria de «propostas», Metelo lê pela mesma cartilha da colega, sublinhando, no entanto, que Francisco Lopes se «propõe, de forma consistente mobilizar os descontentes com a política do Governo para derrotar Cavaco Silva».

Pronto: fiquemo-nos nos 3-2 da Filomena e nos 3-3 do Metelo...

Mas retenhamos na memória aquela que foi a frase do debate:

«Manuel Alegre está em melhores condições para mobilizar os que apoiam o Governo; eu estou em melhores condições para mobilizar todos os que são contra o Governo».

Mais palavras para quê?: estas dizem tudo.
Por elas, dou nota máxima a Francisco Lopes: 5.

POEMA

À MORTE VORAZ...


À morte voraz,
nem boa, nem má,
tanto se lhe dá
levar o audaz,
levar o sagaz,
levar o tenaz,
levar o mordaz,
levar o capaz,
levar o incapaz.
As destrinças que há
a vida é que as faz.


Armindo Rodrigues

QUE GRANDE PROJECTO, O DO CAVACO!

Terminou a primeira ronda de debates televisivos.
O primeiro registo a fazer é o da duração dos debates: 30 minutos.
Meia hora é tempo mais do que insuficiente para cada um dos dois candidatos presentes expor como se propõe desempenhar o cargo se for eleito e proceder à avaliação do mandato findo do actual Presidente da República - para além da indispensável abordagem da situação actual do País, das suas causas, das suas consequências e dos seus responsáveis.
Quero dizer com isto que, obviamente, o grande beneficiado com a curta duração dos debates é aquele que, entre todos, tem mais contas a prestar: Cavaco Silva.
O que, não constituindo surpresa, deve ser registado.

Feito o registo, passemos adiante.
«A importância de um projecto político», é o título de um artigo hoje publicado no Diário de Notícias e assinado pelo Director do jornal, João Marcelino.
Para Marcelino, há dois candidatos: Cavaco Silva, o «claro favorito» e Manuel Alegre, o «challenger».
Quanto aos restantes, pessoas «com certeza muito estimáveis, não possuem qualquer projecto político coerente para apresentar ao País», enquanto que os dois primeiros, esses sim, possuem projectos políticos coerentes para o País... - e que são, nem mais nem menos, isto digo eu, os projectos que conduziram o País ao desgraçado estado em que se encontra.

Depois, Marcelino, numa dúzia de palavras, arruma o candidato comunista: «Francisco Lopes ainda cumpre uma missão no PCP, como outros camaradas seus o fizeram no passado» - apreciação que, para além daquele enigmático «ainda», finge desconhecer as propostas singulares da singular candidatura de Francisco Lopes e nos mostra que, para o Director do DN, só é projecto político coerente o que se propõe seguir a política que, ao longo dos últimos 34 anos, afundou Portugal - e que não é projecto político coerente, nem nada que se pareça, o que se propõe pôr termo a essa política e tirar Portugal do buraco em que PS, PSD e Cavaco Silva o meteram.

Mas, jura Marcelino, projecto, projecto - a sério e coerente... - quem o tem é Cavaco Silva, ele e só ele.
E explica o projecto e o projectista.
Começa assim: «Cavaco Silva é um homem do centro (que sempre ganhou todas as eleições até hoje)» - e, à primeira cavadela, minhoca, duas minhocas, aliás: se Cavaco é do centro o que será ser de direita?; e: «ganhou todas as eleições»?: ó Marcelino e então as presidenciais de 1996, em que foi derrotado por Jorge Sampaio?...

Marcelino passa, depois, à enunciação do projecto coerente de Cavaco (que, obviamente, é também o dele, Marcelino), e que é o projecto de um homem «que aposta na Europa, que não vacila na lealdade aos nossos aliados históricos (como os Estados Unidos), que acredita na economia de mercado, que tem uma perspectiva social da função do Estado e, ainda assim, sabe melhor do que ninguém como o País não pode falhar o objectivo de flexibilizar o mundo do trabalho e ajudar as empresas».

Aí está, exposto às claras, o projecto coerente de Cavaco - que tanto agrada a Marcelino e, especialmente, aos seus patrões, digo eu: o projecto do grande capital europeu; o projecto da subserviência canina aos ditames do imperialismo norte-americano; o projecto do capitalismo explorador e opressor; o projecto da liquidação dos direitos dos trabalhadores; o projecto do favorecimento exclusivo dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros; o projecto do desemprego, da precariedade, do corte nos salários, dos salários em atraso, das pensões e reformas que não dão para comer, da pobreza, da miséria, da fome - enfim, o projecto do mais do mesmo.

Que grande projecto, o do Cavaco!

POEMA

O RICO GASTA O QUE QUER


O rico gasta o que quer.
O pobre gasta o que tem.
Como se pode achar bem
um ter e outro não ter?
O mundo foi sempre assim?
É uma explicação alvar.
Porque se há-de conservar
o que se tem por ruim?
Alguma vez houve alguém
sem precisão de comer?
O rico gasta o que quer.
O pobre gasta o que tem.


Armindo Rodrigues

A LOJA DOS HORRORES

Assim vão as coisas:

1 - «Mais de 300 mil jovens portugueses (14% do total dos jovens entre os 15 e os 30 anos) não trabalham nem estudam, não têm qualquer actividade».

2 - «Mais de 300 mil pessoas passam fome em Portugal».

3 - «O Estado poupa 300 milhões com o corte salarial nas empresas públicas».


Com diferentes graus de responsabilidade, são 3 os actuais gerentes desta Loja dos 300: o sr. Sócrates, o sr. Coelho e o sr. Cavaco.
O primeiro é, e quer continuar a ser, o que é.
O segundo quer ser o que o primeiro é.
O terceiro, sendo o que é, já foi o que o primeiro é e o segundo quer ser - por isso, ao que se diz, sonha voos mais altos: quer ser TUDO.

É claro que, se um dia destes, o primeiro for corrido por má gestão, e o segundo o substituir no cargo, a Loja, em princípio, continuará a ser o que há 34 anos é.
Mas, se nem o primeiro nem o segundo derem conta do recado, então o terceiro - com a sua longa experiência, com o seu incomensurável saber, com os seus predestinados dotes - está em condições - ele o diz - de, sozinho, se assumir como o salvador da Loja.
Como se vê, está tudo previsto...

Mas previsões são previsões - e às vezes saem furadas...
E neste caso não há nada como a luta de massas para furar previsões e fechar, de vez, esta Loja dos Horrores.

POEMA

MESMO DEPOIS DO DIA...


Mesmo depois do dia em que por fim triunfe,
abolidas as classes, a justiça no mundo,
do pior ao melhor, ascensionalmente,
prosseguirá sem pausa o movimento de sempre.
Apenas, por diferença, fundamental no entanto,
o que antes sucedia por explosões brutais
passará a fazer-se por graduais mudanças.
A luta travar-se-á não já entre interesses,
mas entre simplesmente o moderno e o antigo,
desde o exterior aos homens até a neles próprios,
nos recessos estagnados da sua consciência.
O que era, pois, forçado tornar-se-á voluntário.
O que era, pois, penoso tornar-se-á natural.


Armindo Rodrigues

RETRATO DO PAÍS

Eis um retrato do País, tirado por notícias e títulos dos jornais da última semana:


«São mais de 300 mil os que passam fome em Portugal»

«12% da população activa não ganha o suficiente para sustentar a família»

«Cantinas de Gaia dão quatro refeições por dia a 14 mil crianças»

«Já não são só os sem-abrigo a procurar as carrinhas de distribuição de comida»

«Igreja já não tem dinheiro para dar aos pobres»

«Banco Alimentar bateu recorde de ajuda aos pobres»

«Recebemos todos os dias pedidos de ajuda de pessoas sem dinheiro para comer, para medicamentos, renda, água ou uma botija de gás para cozinhar»


Esta recolha de dados que fiz, não resultou de uma busca exaustiva: trata-se de notícias ou títulos que me foram saltando à vista e que, pela brutal desumanidade que espelham, registei.
A situação é, certamente, muito, muito pior do que estes dados mostram.

Em todo o caso, são notícias que evidenciam inequivocamente o estado real dos direitos humanos em Portugal - quer pelo que em si próprias significam, quer pelo que revelam sobre as medidas de «combate à pobreza e à fome» que os governantes vão anunciando nos dias santos...
Repare-se que, em todas estas notícias relacionadas com a fome que atinge centenas de milhares de portugueses, o «combate à fome» aparece ligado a assistencialismo, caridade, etc...

É claro que esta realidade não entra nos dados estatísticos sobre o estado dos direitos humanos, já que, como é sabido, para os executantes da política de direita e para os seus propagandistas de serviço, o direito à alimentação não é um direito humano fundamental...

Foi a isto que 34 anos consecutivos de política de direita - sempre praticada pelo PS e pelo PSD (sozinhos, de braço dado, ou com o CDS/PP atrelado) - conduziram o País.
E em Janeiro próximo, quando aos brutais cortes nos salários e pensões se juntar o brutal aumento dos preços, tudo vai agravar-se...

Não ponho em causa as boas intenções das instituições assistencialistas e os problemas que, de facto, vão ajudando a resolver a muitos milhares de pessoas.
Mas não é assim que o problema da fome se resolve.
Só com uma mudança de política, com a implementação de uma política ao serviço dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País, é possível acabar com essa terrível realidade.

E essa mudança de política, é a luta de massas que a concretizará.
Mais tarde ou mais cedo, consoante as fragilidades ou a força dessa luta.

Por isso... a luta continua!


POEMA

NUNCA FUI RICO...


Nunca fui rico, nem tive
pena de nunca ser rico.
O que tenho o adquiri
pela tarefa cumprida.
Isto o aceitei por destino.
Este é o meu código estrito.


Armindo Rodrigues

para os meus amigos

ASSANGE PARA GUANTÁNAMO, JÁ!

Miguel Sousa Tavares (MST) prevê, no Expresso, que a divulgação dos documentos secretos feita pelo WikiLeaks terá consequências catastróficas...
Por isso, ele acha que Assange deveria estar preso não pelas razões que levaram à sua detenção, mas «por quebra de segredos militares que pode pôr em risco a vida de pessoas, e por aquilo que é, para todos os efeitos, um acto de guerra».
Ora, para tantos e tão graves crimes não é qualquer prisãozeca que serve...

Acresce que MST pensa (sim, ao contrário do que muitas vezes se pensa, MST, às vezes pensa...) que o objectivo de Assange «é claramente o de desarmar a única superpotência ocidental»: os EUA - que são, garante, «o garante militar da sobrevivência da civilização ocidental. Ou, dito mais simplesmente, o garante da liberdade e da paz relativa em que vivemos».
Ora, para um Assange com tão negro objectivo... há que pensar a sério, pensa MST, numa prisão a sério...

Acresce ainda e mais que, como MST bem nos avisa, «não sei se sabem que, no Ocidente onde vivemos, estamos em guerra não declarada contra o terrorismo da Al-Qaeda (...) E, se não sabem, passarão a sabê-lo no dia em que tiverem o azar de ver alguém querido morrer num atentado terrorista tornado mais difícil de evitar graças às revelações desse inventado herói chamado Julio Assange».
Ora aí está: Assange para Guantánamo, já!

(e se os EUA - «garante da sobrevivência da civilização ocidental, da liberdade e da paz» - precisarem de um ajudante-de-interrogador, tenho para mim como coisa certa que MST estará totalmente disponível para a tarefa - e que saberá aplicar, in loco e na prática, as musculadas teses que, in Expresso e em teoria, semanalmente dispara).

POEMA

COM A NATUREZA APRENDE


Com a natureza aprende,
mas para a modificar.
O honrado não se vende.
Renega quem te pagar.
Não há acção sem matéria,
nem matéria sem acção,
nem inteligência séria
sem séria meditação.
Na variedade do mundo
reside a sua unidade.
Até de um poço profundo
pode nascer claridade.


Armindo Rodrigues

A DESINFORMAÇÃO ORGANIZADA

Os média dominantes, mercê de longa prática e experiência, são mestres em desinformação organizada.
Divulgam uma mentira tantas vezes quantas as necessárias para que ela passe a integrar o conhecimento e a linguagem da generalidade das pessoas, e pronto... está a feita a «verdade»-

Ontem realizaram-se eleições no Kosovo.
Sobre o assunto, o Público começa por nos informar que o Kosovo é independente desde 2008 - e quantos, entre os leitores do órgão da Sonae, estão em condições de duvidar dessa «independência»?...

Segundo o Público, o previsível vencedor das eleições é «o partido do actual primeiro-ministro kosovar, Hashim Thaçim . o qual, sempre segundo o Público, «é um dos principais artesãos da independência do Kosovo e principal figura do país».
Temos então que, a crer no Público (e quem há aí que ouse não crer?...), o Kosovo independente é governado por um herói da independência e da democracia.

Ora a verdade é que, quem procurar fontes de informação que não as do Público e dos seus congéneres,
sabe que, em matéria de independência, o Kosovo é um protectorado da ONU, isto é: dos EUA;
sabe que Thaçim proclamou unilateralmente a independência, num golpe preparado com o governo dos EUA e que essa proclamação foi o culminar da criminosa operação de desmantelamento da Jugoslávia;
sabe que os EUA reconheceram a «independência» logo no dia seguinte e foram imitados poucos dias depois pela carneirada habitual: os governos da França, da Grã-Bretanha, da Alemanha... de Portugal, obviamente;
sabe que Thaçim é um narcotraficante e terrorista, responsável pela morte de milhares de kosovares, sempre apoiado pelos EUA - Bush-filho recebia-o em audiência privada na Casa Branca - e pelas democracias burguesas da Europa;
sabe, enfim, que a notícia do Público é falsa, é manipuladora, apresenta como verdades incontestáveis as mais despudoradas mentiras, desinforma, mistifica.

E está profundamente iludido quem pensar que se trata de uma falha, de um erro, de coisa que escapou, que não é intencional: casos destes passam-se todos os dias em todos os órgãos da comunicação social dominante.
P
ensados, reflectidos, organizados.
Cuidadosamente executados.
E com consequências terríveis para milhões de pessoas.

POEMA


À CAL DE UM MURO...



À cal de um muro encosto a língua
para cauterizar uma afta.
Depois, por gratidão, na alvura dele
traço uma pomba e, a grandes letras,
escrevo a palavra liberdade.


Armindo Rodrigues

COM O RABO ENTRE PERNAS

Cavaco Silva foi a Portimão, onde participou na iniciativa que assinalou o 150º aniversário do nascimento de Manuel Teixeira Gomes.

Quer na intervenção, quer nos comentários que foi soltando no decorrer da homenagem ao grande escritor e antigo Presidente da República, Cavaco mostrou-se tal qual é: pequeno, pequenino, minúsculo, ridículo, insignificante - exactamente o oposto do homenageado...

A dada altura, leu:
«Há quem afirme que foram os escândalos financeiros e as intrigas políticas que o levaram (a Teixeira Gomes) a renunciar ao cargo de presidente, pois nunca tolerou a desonestidade, sobretudo quando envolvia dinheiros, públicos ou privados».
Mas, dito isto, Cavaco não declarou a renúncia ao cargo de presidente - certamente porque tolera a desonestidade, sobretudo quando envolve dinheiros, públicos ou privados...

Diz o DN que Cavaco falava «com voz pausada e transmitindo uma imagem de serenidade nesta fase de pré-campanha eleitoral».
Mas perdeu a compostura quando uma jornalista o confrontou com as declarações de Francisco Lopes lembrando, pertinentemente, as responsabilidades directas de Cavaco na fome existente em Portugal, devido aos mais de 15 anos em que ocupou os cargos de primeiro-ministro e de Presidente da República - coisa de que Cavaco nem quer ouvir falar, especialmente porque lhe estraga a imagem de «salvador da pátria» que ele vem contrabandeando...

Face à questão colocada pela jornalista, «logo surgiram risos e interrupções» e Cavaco - «desta vez não escondendo algum incómodo, tal como o seu staff» - do alto da sua incomensurável pequenez, fugindo com o rabo à seringa - decretou que a questão «não merece qualquer resposta»...
E, «dirigindo-se, de imediato, para a porta de saída», desapareceu, fugiu.
Com o rabo entre pernas.
Consta que os ganidos se ouviram de barlavento a sotavento...

POEMA

MEU GLORIOSO PARTIDO


Meu glorioso Partido
Comunista Português,
ao dares-me à vida sentido,
deste-me a vida outra vez.

Na multidão, já fui só.
Hoje, em mim, sou multidão.
Basta-me aceitar que sou
como os demais homens são.

O olhar antes estreito
em redor passou-me a ver.
Meu coração no meu peito,
oiço-te noutros bater.

A voz que isolada era
fundi-a numa maior.
Fez-se-me a dor primavera
e a desconfiança amor.

A própria pátria que eu tinha,
idêntica a não ter nada,
de alheia voltou a minha,
por teu dom reconquistada.

Meu glorioso Partido
Comunista Português,
ao dares-me à vida sentido,
deste-me a vida outra vez.


Armindo Rodrigues

FAZER CARIDADE

«Fazer caridade», foi uma expressão criada pelo fascismo quando, nos anos 30, Salazar levava por diante o brutal processo de fascização do Estado que mergulhou Portugal na opressão, na repressão, na exploração, no obscurantismo, na miséria.
Aos domingos e dias santos, as esposas e filhas dos chefes do regime e dos senhores do grande capital, saíam a «fazer caridade»: distribuíam pão, arroz, açúcar, restos de comida e roupas velhas aos pobres.
Os jornais da época registavam e enalteciam as acções de caridade das damas de branco de então - e Salazar louvava publicamente essas iniciativas.
Com isso, o fascismo matava dois coelhos com uma só cajadada: por um lado, apresentava a pobreza e a exploração que a gerava como inevitabilidades; por outro lado, apresentava os responsáveis pela pobreza como pessoas de bem, credoras da eterna gratidão dos pobres...

Lembrei-me disto ao ler as notícias sobre o lançamento, ontem, da campanha «Direito à Alimentação», promovida pela Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), e que consiste em dar aos famélicos da terra portuguesa, ao fim do dia, os restos de comida dos restaurantes - se há-de ir para os porcos...
A campanha podia muito bem chamar-se «Fazer caridade», mas reconheça-se que a designação escolhida tem mais «modernidade», isto é, expressa melhor a diferença (ou a semelhança...) existente entre o regime fascista e o actual regime de política de direita...

Todavia, a confirmar que «os longínquos tempos do fascismo» não são assim tão longínquos..., eis que entra em cena o Presidente Cavaco e declama em voz-de-papo: «Louvo esta iniciativa que constitui um verdadeiro exemplo de como as instituições da sociedade civil podem dar um verdadeiro contributo para um Portugal mais coeso, mais unido e solidário».
É caso para dizer que Salazar não louvaria melhor...

Mas Cavaco não é só isto... e, qual anjo anunciador da Boa Nova, informou que a última «recolha do Banco Alimentar contra a Fome foi a maior de sempre», o que quer dizer que «num momento de crise as pessoas sentem necessidade de manifestar a sua solidariedade em relação àqueles que sofrem».
É caso para dizer que Salazar não anunciaria melhor...

Onde Cavaco fica a perder com Salazar é na língua (refiro-me à Língua Portuguesa, obviamente): o homem que veio de Coimbra fazia questão de a falar e escrever correctamente; o gajo que veio de Boliqueime trata-a com os pés, submetendo-a a tratos de polé que constituem autênticos actos de terrorismo.
Ouçamo-lo:
«Nós temos de nos sentirmos envergonhados por estarmos no século XXI, Portugal ser uma democracia, ser um país que, apesar de tudo, está num desenvolvimento acima da média, no entanto, alguns de nós, alguns portugueses, sofrem de carência alimentar».
Direi mesmo mais: «Nós temos de nos sentirmos envergonhados por estarmos no século XXI» e termos como PR uma coisa que fala assim...

POEMA

AS RUAS


O que era inquietação fez-se tranquilidade.
A agitação de agora é uma expressão de alívio.
Estão as paredes cheias de inscrições explosivas,
a vermelho, a amarelo, a azul, a verde, a preto,
e de todos os lados surgem rudes cortejos,
com cartazes, bandeiras e protestos vibrantes,
na sua confusão o desejo afirmando
de mais justiça, de mais luz, de mais vontade.
Um povo prisioneiro quebrou de vez as grades.
Um povo amordaçado descobriu-se a pensar.
Por fim, na liberdade a aprenderá a ter.
Por fim, no pensamento encontrará o gosto
da paz, da harmonia e da fraternidade.


Armindo Rodrigues

ELE LÁ SABE...

Na primeira página do JN de hoje, ficámos a saber, entre outras coisas,
que o «Estado poupa 300 milhões com corte salarial nas empresas públicas»;
que, em Tomar, famílias vítimas do tornado estão «sem ajuda há dois dias»;
que, em Leiria, «um homem foi encontrado morto dentro do contentor que lhe servia de casa»... - tudo notícias exemplares do estado dos direitos humanos em Portugal.
Na última página do JN, Manuel António Pina (MAP), na sua habitual crónica, bate-se, corajoso, destemido, intrépido, pelos direitos humanos na China.

A propósito do «Prémio Confúcio da Paz», réplica chinesa (ridícula, digo eu) ao Nobel da Paz (instrumento da ofensiva ideológica do capitalismo, digo eu), MAP tece uma série de considerações que dispensam citação (tantas vezes as ouvimos e lemos no dia-a-dia que é a mediática desinformação organizada ao serviço dos interesses do imperialismo norte-americano) e nas quais, como é da praxe, não falta o tradicional disparo fatal contra Hugo Chávez (que por acaso é, no mundo, o Presidente da República mais vezes eleito, com as mais elevadas percentagens e em eleições de facto democráticas, coisa que MAP obviamente desconhece...)

MAP enuncia os 18 países que, além da China, não estarão na entrega do Nobel da Paz ao chinês Liu Xiaobo (preso «por defender a democracia e os direitos humanos» na preclara e sintética apreciação de MAP):
«Afeganistão, Arábia Saudita, Cazaquistão, Colômbia, Cuba, Egipto, Filipinas, Irão, Iraque, Marrocos, Paquistão, Rússia, Sérvia, Sudão, Tunísia, Ucrânia, Vietname e Venezuela» -
e MAP comenta, com ironia fina: «tudo boa gente, justamente reputada por ser consumidora de direitos humanos» -
e MAP remata, esmagador: «de direitos humanos "made in China", naturalmente».

Ora, porque qualquer cidadão medianamente informado sabe que na imensa maioria daqueles 18 países, os «direitos humanos» em vigor são "made in USA», sou levado a pensar que MAP só pode ter escrito o que escreveu por distracção.
Ou por cegueira.
Ou por ignorância.
Ou por má-fé.
Ou por qualquer outra virose da mesma família.
Ele lá sabe...

POEMA

NOS MUROS ESCALAVRADOS...


Nos muros escalavrados
o debate ferve,
de entusiasmos ingénuos,
de acusações brutais,
de aspirações excessivas,
de sentenças correctas,
contra o custo da vida,
contra o desemprego,
contra as ameaças de guerra,
contra a acção da polícia.


Armindo Rodrigues

QUATRO - RAZÕES - QUATRO

Cavaco Silva foi a Santarém inaugurar a sua sede de campanha e aproveitou para, enquanto candidato às presidenciais (como fez questão de esclarecer), se pronunciar sobre «os resultados do tornado» (com isto quereria dizer que o conteúdo da análise «aos resultados do tornado» seria diferente se falasse na qualidade de Presidente da República?...)

A seu lado, na cerimónia inaugurativa, encontrava-se o inevitável Francisco Moita Flores - que há tempos apoiou o p-m, agora apoia o PR e amanhã apoiará quem vier à rede - desde que se trate de peixe que navegue nas águas sujas da política de direita.

Flores apoia Cavaco por quatro-razões-quatro, qual delas a mais ajustada ao perfil do apoiado, como adiante se verá:

1 - «porque Cavaco Silva é um homem íntegro»;
2 - «porque é fiável»;
3 - «porque se pauta por critérios de respeitabilidade e responsabilidade»;
4 - «porque não constrói percursos ao sabor de vento».

Quatro razões fortes, de peso e fundamentadas, como se vê...
E que têm o grande mérito de poder vir a ser invocadas um dia destes, por Cavaco, para fundamentar o apoio a uma qualquer candidatura de Flores...
Porque, a verdade seja dita, em matéria de integridade, fiabilidade, etc e tal, pedem meças um ao outro.

POEMA

ACENDA-SE NA NOITE...


Acenda-se na noite o facho prodigioso.
Enquanto sobre a terra impere a iniquidade,
ninguém poderá ser inteiramente livre.


Armindo Rodrigues

COM O CU VIRADO PARA A LUA

Das pessoas cheias de sorte (ou de sortes) na vida é uso dizer-se que nasceram com o cu virado para a lua.
Os jornais, rádios e televisões todos os dias nos dão notícias de felizardos desses: homens de origens humildes, humílimas, e que de repente, por efeito da tal posição lunar, surgem transformados em poderosos multimilionários.

É certo que os média também nos dizem desses felizardos que todos eles têm processos a correr em tribunais: por corrupção, tráfico de influências, negócios escuros, etc, etc, etc.
Mas, lá está: também aí a posição lunar lhes resolve os problemas em dois tempos, assim:
1 - todos juram, a pés juntos, que têm «toda a confiança na justiça»; e
2 - a realidade prova que têm todas as razões para confiar na justiça: regra geral, os respectivos processos são arquivados por falta de provas - restando sempre, omnipresente, como prova real, o facto de terem nascido como nasceram: com o cu virado para a lua.

Lembrei-me disto ao ler uma notícia sobre Armando Vara - sim, esse, o nosso conhecidíssimo Vara, também ele nascido na posição lunar geradora de todas as abastanças; também ele a contas com um processo de tráfico de influências e dolo; também ele cheio de «confiança na justiça»; também ele fadado para ver confirmada a sua «confiança na justiça» - também ele, enfim, confirmando a influência decisiva dos raios lunares no seu cuzinho recém-nascido, projectando-o às alturas de quadro superior do PS e da política de direita, com tudo o que isso implica e rende.

Diz a notícia que Armando Vara é o novo Presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa África, uma poderosa empresa brasileira com negócios, muitos, e actividades, muitas, em Moçambique e Angola - negócios e actividades envolvendo milhares de milhões de euros (ou dólares, para o caso tanto faz).

Não há dúvida: a forma como nascemos marca decisivamente as nossas vidas - e não há nada melhor e mais rentável do que uma pessoa nascer com o cu virado para a lua.

POEMA

BIOGRAFIA


Protesto contra a vida,
mas amo-a com furor,
e odeio a paz traída
que me querem impor.

Qual dos homens sou eu,
de quantos posso ser?
Que foi que me venceu?
Ou é isto vencer?

Às vezes, de tardar
a esperança em que cismo,
sinto-me soçobrar
num negro niilismo.

Não há ira nem pejo
que exprimam todo o nojo
com que aviltados vejo
tantos homens de rojo.

Ilusões e tristezas
quem é que nunca as teve?
Soltem-se as nuvens presas.
Faça-se a treva leve.

Cada homem só o é
porque outros homens há.
Sofre-se para quê?
Sempre dores haverá?

Acaso nada valha
viver-se vertical.
Mas cortem-me à navalha
e eu jurarei que vale.


Armindo Rodrigues

DESPREZÍVEL?: É POUCO

Na minha óptica, o cidadão Aníbal Cavaco Silva - mais conhecido por «o Cavaco» - é um ser desprezível.
Estarei a exagerar?

Bom, no retrato real do Cavaco não sei o que mais sobressai: se o seu incomensurável reaccionarismo; se a sua incomensurável reponsabilidade no estado a que chegou o País ; se a sua incomensurável culpa na situação dramática em que vivem milhões de portugueses; se a sua incomensurável incultura; se a sua incomensurável hipocrisia; se o seu incomensurável chico-espertismo saloio; se o seu incomensurável ego; se...

Por razões várias, entre elas a da higiene intelectual, não vou aqui desenvolver cada um dos incomensuráveis atributos do Cavaco.
Mas vou lembrar a sua posição face à proposta de Francisco Lopes no sentido de, em Dezembro, se iniciar a série de debates televisivos entre os candidatos presidenciais.
Todos os candidatos concordaram com a proposta excepto a cavacal figura. E porque a sua opinião conta mais do que as outras todas juntas, democraticamente não vai haver debates em Dezembro...

E quais são as razões do veto do Cavaco?
Simples: diz ele, bem do alto da sua incomensurável hipocrisia, que só participará em debates depois de formalizar a sua candidatura; e à pergunta sobre quando é que procederá a essa formalização, respondeu que ainda não sabe, acrescentando que a formalização de uma candidatura é um processo complexo e difícil e ele, coitado, não dispõe do apoio de uma máquina partidária...
Dicilmente se pode ser mais desprezível.

Mas para o Cavaco não há «dificilmentes»...
E - para provar que pode ser ainda mais desprezível - faz a sua campanha dizendo que não.
Pior ainda: é vestido de PR, portanto abusando do cargo que desempenha, que o candidato Cavaco leva por diante uma intensa campanha eleitoral, com todos os média dominantes a acompanhá-lo e a louvá-lo, numa despudorada operação de caça ao voto, e numa igualmente despudorada ausência de respeito pela inteligência e pela sensibilidade dos portugueses.
E no dia 23 de Janeiro, se for vencedor, virá dizer que foi eleito democraticamente...

Desprezível?: é pouco.

POEMA

O QUE DA RAZÂO NÃO FAZ...


O que da razão não faz
um firme barricada
de que mais será capaz
que de não sê-lo de nada?
Pois vale a pena viver
a contrariar a vida?
Pior que a vida perder
é aceitá-la perdida.
Fique às nuvens e ao luar
a cobardia do céu.
Recto seria julgar
a lei primeiro que o réu.


Armindo Rodrigues

O ESPECTÁCULO

São seis, os personagens: um governante, dois ex-governantes, dois futuros governantes e um coro.
A Assistência é uma: os grandes grupos económicos e financeiros.

Sobe o pano.
Um governante, em traje de palhaço, chega à boca de cena e diz que a crise toca a todos e que a hora é de sacrifícios para todos - a Assistência gosta: aplaude e grita bis.
Um ex-governante, cheio de saudades, sobe ao tablado e proclama que a crise está para durar e que o pior ainda está para vir - a Assistência diz que sim com a cabeça, aplaude e grita bis.
Um candidato a governante, cheio de esperanças, entra pela direita baixa e confessa que são precisas duas legislaturas para superar a crise - a Assistência gosta: aplaude e grita bis.
Um candidato a semi-governante, vestindo e falando à moda do antigamente, entra de submarino pela direita baixíssima a cantar ó tempo volta pra trás - a Assistência aplaude discretamente e faz um sorriso de saudade.
Um ex-governante agora PR e candidato à reincidência, desce de um coqueiro com a boca cheia de bolo-rei, sacode do capote os desastres que foram a sua década de governação e o seu lustro presidencial e, de dedo em riste, dispara: eu bem avisei, eu bem disse que, eu é que sei, eu é que sou o salvador da pátria - a Assistência diz que sim com a cabeça, aplaude, grita bis e faz um sorriso de saudade.
O coro de propagandistas de serviço entra em cena ganindo, com a voz do dono, a cantiga das inevitabilidades & modernidades - a Assistência faz contas de cabeça e conclui que lhes está a pagar demasiado.
Cai o pano.
Os personagens - alinhados, perfilados, reverentes - aplaudem calorosamente a Assistência.

Entretanto, lá fora - nas ruas, nos campos, nas escolas, nas empresas, nos locais de trabalho - o cerco ao espectáculo continua.
E continuará até correr com todos os personagens.
E, em primeiro lugar, com a Assistência.

POEMA

PAZ


Paz a não há na morte.
Na morte não há nada.
Paz a não há senão
no que é próspero e farto.
Paz é a aplicação
no trabalho salubre.
Paz é a segurança
da amizade na luta.


Armindo Rodrigues

O HORROR


Disse Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em entrevista ao DN:
«Sou uma pessoa de esquerda e tenho horror às desigualdades sociais e às injustiças».
É de homem!
É de homem de esquerda!
E quem fala assim não é gago!

Há, no entanto, uma pequena contradição entre os princípios e a prática do entrevistado.
Na verdade, este homem «de esquerda», que tem «horror às desigualdades sociais e às injustiças», vai no seu décimo terceiro ano como ministro de governos de política de direita: primeiro os governos de Guterres, agora os governos de Sócrates - governos que ele, de acordo com o que diz, devia combater com toda a força, mas que... com toda a força integra e apoia, manifestando-se, mesmo, disponível para continuar neste e em futuros governos iguais a este.

Estou em crer que se trata de um espírito de sacrifício a toda a prova...
Se assim for, nem quero pensar no drama que deve ser, para uma «pessoa de esquerda», integrar, durante 13 anos, sucessivos governos que se caracterizam por práticas geradoras de profundas desigualdades sociais e pesadas injustiças.

Nem sei como é que uma «pessoa de esquerda» consegue suportar tamanho horror!...

POEMA

O VERME


Fosse o verme nuvem,
por força teria
saudades do chão.


Armindo Rodrigues

DUAS CARTAS

Um amigo fez-me chegar esta notícia que partilho convosco.

O cantor espanhol Alexandro Sanz escreveu a Hugo Chávez a seguinte carta:

«Presidente Chávez, quero ir cantar ao seu país. Permite-me? Dá-me a sua palavra de que não acontecerá nada ao meu público, nem à minha gente, nem à empresa, nem a mim? Se me permitir e me der a sua palavra, encerro esta ciclo de espectáculos na Venezuela. A palavra é sua».

À provocação miserável e estúpida Chávez respondeu:

(...)
«Por que razão não te perguntas por que é que a Venezuela é atacada é atacada com artilharia pesada pelas potências ocidentais? Será porque estás feito com eles e te fazes distraído?
Informa-te, meu amigo, e pergunta-te por que é que a Colômbia é considerada uma das nações onde existe mais desigualdade, por culpa de governos que só mandam para uns poucos e as riquezas são distribuídas para uns privilegiados, enquanto a Venezuela é reconhecida como o primeiro país da região a reduzir a pobreza de maneira drástica, com o governo de Chávez Frias...
Nunca reparaste que desde que o nosso país virou à esquerda, automaticamente começaram a unir-se a maioria dos povos da América Latina, num claro sinal da vontade dos povos?

Pedes autorização para vir cantar?
Não tens vergonha de o fazer em relação a um país democrático onde qualquer pessoa pode dizer o que lhe apetece e não como te dizem?
Sabes?, a maioria dos latino-americanos que levantaram a sua voz e o seu canto como protesto pela injustiças que os seus povos sofriam por culpa da ditaduras assassinas de direita, nunca pediram autorização para arriscar as suas vidas em nome dos injustiçados...
Alguma vez escutaste a prosa convertida em canção de Atahualpa Yupankui? - sim, aquele a quem chamavam o pai da canção latino-americana... e que, perseguido pela ditadura fascista argentina, teve que exilar-se em França?
(...) Nunca te falaram de Victor Jara a quem a ditadura chilena de Pinochet cortou as mãos para que nunca mais tocasse a sua guitarra?...
E Mercedes Sosa, «a negra do Sul» como lhe chamavam os povos latino-americanos?
Se não a conheceste, vai ao Youtube e ouve-a a cantar «Solo le pido a Dios», e depois me contas...
(...) Leste alguma vez Mario Benedetti, que nos dizia que «o sul também existe», tal como o seu compatriota Alfredo Zutarrossa, o do 'Violin de Becho»?..
(...)
E León Gieco, a quem um general apontou uma pistola e lhe disse: "a próxima vez que vieres à universidade de Luján cantar essa canção, meto-te uma bala na cabeça"?
(...)
Se até o tango Cambalache foi proibido pela ditadura argenteina!
E O NOSSO INIGUALÁVEL ALÍ PRIMERA TODA A VIDA EXCLUÍDO DOS MEIOS VENEZUELANOS!
(...)
Canta sobre os esquecidos do Haiti, os milhares e milhares de mortos do Iraque e do Afeganistão, sobre a fome na África, a desnutrição na América pobre, a desigualdade abismal entre ricos e pobres, as mulheres assassinadas na cidade Juárez, os meninos obrigados a trabalhar, roubando-se-lhes aquilo por que mais vale a pena viver: "a sua meninice".

Informa-te, escreve, não venhas só cantar... e fazer um show mediático, sê honesto, não enganes os teus admiradores.
Percorre as localidades onde os povos clamam por igualdade, as favelas dos sem-abrigo... os 40 milhões de pobres dos EUA, hoje convertidos em 50 milhões de excluídos...

E depois diz-me se ainda te apetece criticar Chávez...»

POEMA

DEUSES...


Deuses os houve numa noite longa.
Criou-os o pavor e a humana miséria.
Agora, já não servem para nada.
Fazem asco,
e são talvez vergonhosos.
Se não morreram para sempre,
é porque ainda por aí
há quem não tenha despertado.


Armindo Rodrigues