MAIS SANGUE!

O assassino não só não pediu desculpas pelos crimes que cometeu como quer mais sangue.
Falo (outra vez, desculpem lá...) de Blair e das declarações que proferiu na comissão de inquérito sobre a guerra do Iraque.

Segundo o Público de hoje, Sir Richard Dalton, antigo embaixador da Grã-Bretanha em Teerão, chamou a atenção para o facto de Blair, nas declarações proferidas - nas quais «mencionou o Irão 58 vezes» - para além de defender a «legitimidade de derrubar o ditador iraquiano Saddam Hussein», ter «avisado» que «o Irão constitui uma grave ameaça»...
Disse Blair que o Irão «desenvolveu uma capacidade nuclear maior do que aquela que o Iraque tinha em 2003». Portanto...
Disse Blair que, «se estivesse no poder, não correria o risco de o Irão criar e usar armas nucleares». Portanto...

Portanto... «se estivesse no poder», Blair tomaria medidas para que a carnificina do Iraque fosse repetida no Irão.

São assim os assassinos compulsivos: quanto mais morte, mais morte... quanto mais sangue, mais sangue...

São assim os chefes da «democracia» hoje dominante no mundo...

POEMA

SONETO IMPERFEITO DA CAMINHADA PERFEITA



Já não há mordaças, nem ameaças, nem algemas
que possam perturbar a nossa caminhada,
em que os poetas são os próprios versos dos poemas
e onde cada poema é uma bandeira desfraldada.

Ninguém fala em parar ou regressar.
Ninguém teme as mordaças ou algemas.
- O braço que bater há-de cansar
e os poetas são os próprios versos dos poemas.

Versos brandos... ninguém mos peça agora.
Eu já não me pertenço: Sou da hora.
E não há mordaças, nem ameaças, nem algemas

que possam perturbar a nossa caminhada,
onde cada poema é uma bandeira desfraldada
e os poetas são os próprios versos dos poemas.


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

DUAS PALAVRAS BASTAM

Ouvido na comissão de inquérito sobre a guerra do Iraque, Blair disse que «voltaria a fazer o mesmo» - isto é, voltaria a juntar-se ao governo de Bush na criminosa invasão, destruição e ocupação do Iraque.

As declarações de Blair não surpreendem: é um criminoso de guerra a falar, a exibir, com orgulho, as mãos cobertas de sangue de centenas de milhares de homens, mulheres e crianças, vítimas inocentes de uma das mais bárbaras carnificinas da história - e sabendo que o crime que cometeu vai ficar impune...

Também não surpreende que o carniceiro nos venha dizer que «acreditei sem a mínima dúvida que o Iraque dispunha de armas de destruição maciça»: com isto apenas confirma que, hoje, mente com a mesma desfaçatez e desvergonha com que mentiu quando usou essa patranha para justificar o crime.

Aliás, a existência ou não de armas de destruição maciça no Iraque, era uma questão secundária quer para o lacaio Blair quer para o seu boss Bush: ambos sabiam que essas armas não existiam - como, na altura, sabia toda a gente informada e lúcida, e como, hoje, sabe toda a gente.
Existia, isso sim, era a decisão tomada pelos EUA e servilmente apoiada por Blair de ocupar um país onde o petróleo abunda...

A dada altura, o asqueroso crocodilo simulou uma lágrima: «Sinto uma enorme responsabilidade e não há um dia em que não pense nos custos da guerra» - mas logo retomou a sua postura normal de assassino sem escrúpulos, garantindo que «faria tudo outra vez» e que «hoje, olho para o Iraque com um imenso orgulho».

«Mentiroso, assassino!»: gritou-lhe alguém da assistência - a confirmar que duas palavras bastam para o qualificar.

POEMA

PARA VÓS O MEU CANTO...


Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos;
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais o leito de um rio;

- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim: e confio;

- para vós os meus versos, companheiros da vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores,
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios pra cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
e crivo de bocejos as meninas fúteis...
Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia do Juízo...

Que o Dia do Juízo
não é no Céu... é na Terra!


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

O ECO FIEL

Muitas razões têm os EUA para amar o seu ministro Amado.
De facto, ele é um leal porta-voz dos interesses do imperialismo norte-americano.
Mais do que isso: o ministro Amado é o eco fiel dos chefes da Casa Branca.
Obama diz que a segurança dos EUA começa no Afeganistão e logo a voz de Amado ecoa garantindo que «a fronteira da segurança de Portugal está no Afeganistão»... - acrescentando, até, que o mesmo acontece com a segurança de todos os países da União Europeia...

Só que as coisas não estão a correr como Amado queria.
Ele o disse, ontem, na Conferência sobre o Afeganistão que está a decorrer em Londres.
Amado espanta-se pelo facto de as pessoas não entenderem uma coisa tão simples e de tão fácil entendimento, de não verem uma coisa que está tão, tão à vista, ou seja: que «a fronteira da segurança de Portugal está no Afeganistão»...
(Amado traz-me à memória o embaixador de Salazar na ONU - um tal Vasco Garin, se a memória me não falha - que, para justificar o voto contra a proposta de desarmamento geral apresentada pela URSS, argumentou com uma possível invasão da Terra por marcianos...)

Para colmatar esse não-entendimento das pessoas, diz Amado que é necessário «elaborar uma estratégia de comunicação» que leve os povos da Europa, o português incluído, a ver que as «fronteiras de segurança» dos seus países se situam no Afeganistão...
Porque só assim é que é possível continuar a enviar militares portugueses para o Afeganistão sem protestos e no meio de entusiásticos aplausos do povo português...
(E para lá foram já mais de 250, dos quais 150 são tropas de combate)

Por outro lado, Amado está cheio de esperança em que «a nova estratégia que está a ser consolidada» nesta Conferência de Londres seja o caminho para a resolução de tudo o que está em causa no Afeganistão...

E o que é que está em causa no Afeganistão?
Muito provavelmente aquilo que o tenente-coronel Reinhard Herde - chefe dos Serviços de Informação da Bundeswehr - apontou, no final do século passado, como... «nova estratégia»... como objectivo essencial do ciclo de guerras em curso (e que o Avante! desta semana resume e recorda):
«O século XXI será a época de um novo colonialismo»;
«As colónias do futuro serão sobretudo fontes de matérias primas e mercados para os produtos das potências coloniais»;
«Os governos dos países ricos terão de estabelecer corredores de segurança físicos e digitais para o transporte das riquezas naturais e do comércio, assim como para informação e vigilância»;
«As grandes guerras do século XX processaram-se entre estados ricos. No próximo século, os estados ricos vão ter de defender a sua riqueza contra os povos dos estados e regiões pobres. Para se obter aquilo que antes se podia comprar vai ser necessário recorrer à guerra».
Convenhamos que não se pode ser mais terra-a-terra...

É claro que para dominar estados pobres como Portugal, as «potências colonialistas» não terão necessidade de «recorrer à guerra»: a política de direita em curso garante-lhes que há sempre um Amado, de cócoras, a pôr-se a jeito... e a gritar - perigosamente ridículo, pateta e patético - que «a fronteira da segurança de Portugal está no Afeganistão»...

POEMA

TEATRO


Na sala vazia sentaram-se os quatro.
E os quatro ficaram olhando, no fundo,
a mancha de luz do pequeno teatro.

- O dono do teatro - um vagabundo
que trouxera o teatro do outro lado do mundo -
por trás das cortinas puxava os cordéis...
Puxava os cordéis aos fantoches, fiéis
aos seus dedos infiéis de vagabundo.

.................................................................

Dos quatro meninos, um deles voltou,
e, tanto viu, que decorou
as falinhas mansas e a maneira
invertebrada dos fantoches de feira.

De dois dos meninos ninguém mais falou,
(e o outro é poeta e ninguém lhe perdoa...)
mas do menino-fantoche como é bom falar!...

- porque o menino-fantoche é hoje a pessoa
mais importante do lugar.


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

ESTES SÃO OS FACTOS

2010 vai ser certamente um ano em que iremos ler e ouvir muito sobre a II Guerra Mundial - de cujo fim se comemora o 65º aniversário.
Certamente, iremos ser massacrados com as mil e uma patranhas que desde há 65 anos vêm sendo amplamente difundidas com o objectivo de se instalarem como verdades absolutas.

Uma dessas patranhas - uma das maiores e mais perversas - é a que diz respeito às razões invocadas pelos EUA para lançar as bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasáqui..

«Exigências militares» e «evitar milhares de mortes de americanos e aliados», foram as razões apresentadas.
Vejamos, com factos concretos, como ambas as razões são falsas.

1 - «Exigências militares»?
Truman sabia que o imperador do Japão tinha decidido render-se desde 20/6/1945 e que, quer o Embaixador japonês em Moscovo quer o Príncipe Konoye, tinham encetado contactos com a URSS pedindo a sua interferência no sentido de pôr termo à guerra.
Truman sabia que a Alemanha nazi capitulara em Maio (três meses antes de Hitoshima... )
Truman sabia que o Japão perdera quase toda a sua aviação e a sua marinha - e que a defesa antiaérea japonesa havia sido totalmente liquidada pelos 7 000 raids dos B29 norte-americanos.
Truman sabia que o bombardeamento de Tóquio, em 10 de Março, arrasara a cidade - e provocara mais de 125 mil mortos e feridos.
Enfim, Truman sabia que o Japão estava irremediavelmente derrotado.

Testemunhos insuspeitos:
O almirante W.Leahy analisou assim a situação:
«Os japoneses estavam já derrotados e prestes a capitular. O uso desta arma bárbara (...) não trouxe nenhuma contribuição material ao nosso combate contra o Japão. Os Estados Unidos, como primeiro país a utilizar esta bomba, adoptaram normas éticas semelhantes às dos bárbaros da Idade Média».
E a verdade é que, como afirmou então o Chefe da Força Aérea dos EUA, general Curtis Le May, entre os objectivos do governo norte-americano estava o de «fazer regressar o Japão à Idade da Pedra»...

2 - «Evitar milhares de mortes de americanos e aliados»?
É falso - pelas mesmas razões que era falso o «argumento» das «exigências militares».
Aliás, o desvario de Truman e de Churchill na invenção do número de vidas salvas é bem elucidativo.
Vejamos:
Truman começou por dizer que «o lançamento das bombas poupou a vida a 250 mil americanos».
Logo a seguir, corrigiu: afinal tinham sido salvas «500 mil vidas - 300 mil americanas e 200 mil aliadas». Mais tarde, informou que foi de «500 mil o número de vidas americanas poupadas» - e, finalmente, arredondou as contas: «o lançamento das bombas poupou 1 milhão de vidas»...
Por seu lado, Churchill deu-lhe uma preciosa ajuda elevando o número para «1. 200. 000 vidas salvas» - e o marechal britânico Arthur Harris, em delírio demencial, fechou a conta: as bombas sobre Hiroshima e Nagasáqui «salvaram 3 a 6 milhões de vidas»...

É claro que estes aumentos dos números de vidas salvas verificaram-se à medida que o HORROR de Hiroshima e Nagasáqui se ia tornando conhecido no mundo.
E é claro, também, que da parte dos carniceiros, a preocupação em aumentar esses números nada tinha a ver com problemas de consciência...

Testemunhos insuspeitos:
James Byrnes, secretário de Estado norte-americano (que, com Truman e o ministro da Guerra, Henry Stimson, integrou o trio que decidiu o lançamento das bombas): «Agora, com a posse e o uso da bomba atómica, a URSS será controlável».
Lord Allanbrooke (alto responsável militar britânico): «Para Churchill, nós tínhamos agora nas mãos qualquer coisa que restabeleceria o equilíbrio com os russos (...) Churchill imaginava-se já em vias de liquidar todos os centros industriais soviéticos e todas as zonas com forte concentração populacional. Ele via-se como único detentor dessas bombas, capaz de as lançar onde quisesse, tornado todo poderoso e em condições de ditar as suas vontades a Staline».


Estes são, resumidamente, os factos,
Comprovados.
Indesmentíveis.
Irrefutáveis.

POEMA

A MENINA FÚTIL


A menina fútil deu um bodo aos pobres;
pela primeira vez pôs avental...
Falou do gesto e seus intuitos nobres,
com palavrinhas brandas, o jornal...

- Os pobres ficaram pobres
e a menina fútil nunca mais pôs avental...

A menina fútil tem um cão de raça
que nunca saiu do quintal
e nunca viu uma cadela...
- Para a menina fútil, o seu cão de raça
deixou de ser um animal
e é um cãozinho de flanela...

... e a menina fútil tem um namorado
e atira-lhe promessas da janela...
Promessas... porque o resto era pecado
e pecar não é com ela...
(Fica sempre na rua, o namorado,
e é tão distante a janela...)

Mas a menina fútil tem um namorado;
tem um cão como feito de flanela;
e anda feliz por dar um bodo aos pobres
e ter descido a pôr um avental...

Lê e relê os seus intuitos nobres;
recorta o seu retrato do jornal;

- e os pobres continuam pobres,
e a menina fútil nunca mais pôe avental...


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

Palavras para quê???

Banca teve "comportamento espectacular" nesta crise

19:53 Bruno dos Reis

O presidente do Banco Espírito Santo considera que a banca teve "um comportamento espectacular nesta crise" e declarou ter pena pelo facto de o Estado português agravar os impostos ao sector.





espetacular! pois. a julgar pelos lucros! já não falando das fraudes!

POEMA

PASSAGEM DE NÍVEL


Velho dos dias sem sol e das noites sem estrelas
que passas junto de mim apregoando,
apregoando cautelas,

- até quando?

Menina da casa estreita e sem janelas
que vives trabalhando, trabalhando...

- Quando virá o Dia, quando?

Quando vier, eu que estou à sua espera
hei-de sentir na minha poesia
um hálito de Primavera...

Mas não a Primavera dos sonetos de almanaque,
encarcerada em versos bafientos,

em que um sujeito de fraque
desfiava pensamentos...

Meus versos serão límpidos, correntes,
porque se beijam na rua os namorados
e não são indecentes nem decentes
- são simplesmente apaixonados.

Verei janelas rasgadas, fatos limpos,
mãos dadas numa franca simpatia,
- e hei-de sentir a Primavera
a desprender-se da minha poesia...

Até lá, um rio de raiva rola, ecoa
nos meus versos, rebenta no meu coração...

- E aquele que não me perdoa
que saiba que eu não peço o seu perdão!


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

TUDO ISTO A LEMBRAR-NOS...

Há 65 anos - precisamente no dia 27 de Janeiro de 1945 - uma unidade do Exército Vermelho, comandada por um então jovem oficial com 21 nos de idade - mas que já tinha passado três anos na linha da frente - libertou Auschwitz, o campo de extermínio instalado pelos nazis na Polónia em 1940 e onde foram assassinadas cerca de 1,1 milhões de pessoas.

Ivan Martinouchkin é o nome do comandante da unidade do Exército Vermelho que libertou Auschwitz - e que hoje, com 86 anos, é, ao que parece, admirador de Putin...
Diz ele que, quando entrou em Auschwitz não fazia ideia do que se lhe ia deparar.
Depois viu... O HORROR.
E diz: «vou lembrar-me do que vi até ao fim dos meus dias».

Cerca de três meses após a libertação de Auschwiz, um soldado soviético hasteava uma bandeira vermelha no edifício do Reichstag: a Alemanha nazi capitulava - e a esperança da humanidade no advento de uma era de paz e de justiça social parecia, finalmente, a caminho da sua concretização...
Todavia, cerca de três meses após a capitulação da Alemanha nazi, eis novamente O HORROR - desta vez em Hiroshima e Nagasáqui; desta vez comandado pelo imperialismo norte-americano.

Tudo isto a lembrar-nos a essência exploradora, opressora e criminosa do capitalismo - seja na sua versão de regime fascista, seja na sua modalidade de democracia burguesa.

POEMA

PRELÚDIO


A minha poesia é uma árvore cheia de frutos
que um sol de tragédia amadurece;
mas eu não os arranco nem procuro:
- o meu sol de tragédia aquece, aquece,
e o fruto cai de maduro.

No resto, sou empregado de escritório
que não procura desvendar abismos,
e passa o dia (glorioso ou inglório)
a somar algarismos...

A minha poesia é uma árvore cheia de frutos
que um sol de tragédia amadurece;
mas eu não os arranco nem procuro:
- sei a miséria da estrada percorrida;
o meu sol de tragédia aquece, aquece.

- e o fruto cai de maduro
no chão da minha vida.


Sidónio Muralha

(«Passagem de Nível» - 1942)

JUSTIÇA?


Ali Hassan al-Majeed
- «Ali, o Químico» - que foi ministro e homem de toda a confiança de Saddam Hussein foi ontem executado no Iraque.
Sobre ele pesava a acusação de, em 1988 - no decorrer do processo da guerra Iraque/Irão - ter dado a ordem para o bombardeamento com armas químicas da cidade de Halabja - um massacre no qual mais de 5000 curdos foram barbaramente assassinados.

Que «Ali, o Químico» deu essa ordem - obedecendo a uma ordem de Saddam - não há dúvida: ele próprio o reconheceu, sem ponta de remorso e, até, de alguma forma, vangloriando-se...
E também não há dúvida de que, por isso, foi executado. Ontem.

Assim tendo sido, dir-se-á que foi feita justiça - tanto mais que quem lhe deu a ordem - Saddam Hussein - também já foi executado pelo mesmo motivo.


Todavia, as coisas não são assim tão simples: na verdade, a montante da ordem de Saddam a «Ali, o Químico», há as ordens superiores que Saddam então recebia e que decorriam do facto de ele ser, na altura, homem de toda a confiança dos EUA.
E, como é sabido, foi o governo de Ronald Reagan que decidiu a guerra Iraque/Irão e que, para isso, forneceu ao Iraque as armas de que necessitava, incluindo as armas químicas utilizadas no bárbaro massacre de Halabja.

Quero eu dizer com isto que para a justiça ser, de facto, completa, era necessário que os mandantes superiores de Saddam e de «Ali, o Químico» - para o caso Ronald Reagan e o seu secretário de Estado, George Schultz - fossem, também eles, condenados à morte.
Ainda que fosse a título póstumo...

POEMA

POEMA DO NOSSO FUTURO


Há-de trazer os nossos traços,
e a tua confiança, e a minha rebeldia,
e o dia, aquele dia, o nosso dia,
e eu hei-de recebê-lo dos teus braços

para que seja grande esse momento,
para que seja meu e teu,
- não hás-de ser como a Virgem Maria
que teve um filho que caiu do Céu...

- Hás-de embalar vertigens e cansaços.
Depois, hás-de parir em sofrimento,
para que seja grande esse momento
e eu possa recebê-lo dos teus braços.

Talvez eu consiga, então,
beijar a Vida nos olhos, devagar,
e dar-lhe o meu perdão,

- se ainda souber perdoar... -


Sidónio Muralha

É UMA SÉRIE PORTUGUESA, CONCERTEZA...

Chega a notícia de que está em preparação uma série televisiva que passará na RTP em Outubro, por altura da comemoração do 100º aniversário da proclamação da República - série que, em oito episódios de 50 minutos cada, se propõe falar-nos de «cem anos de política portuguesa, entre 1910 e 2010».
Ora aí está uma excelente ideia!

A notícia prossegue, informando que esses cem anos chegar-nos-ão «através do olhar privilegiado de Mário Soares», que é «a personagem principal» da série e que nos «vai contar as suas memórias».
Ora aí está como se estraga uma excelente ideia!

A notícia diz, também, que «o testemunho de Mário Soares será, depois, cruzado e confrontado com os testemunhos de outras personagens» pertencentes «a todos os quadrantes políticos».
Lendo os nomes dessas «outras personagens» constata-se que estão lá «todos os quadrantes políticos»... menos o dos comunistas...
Ora aí está no que uma excelente ideia pode dar!

Quem está a realizar a série é um cineasta sobrinho de Mário Soares, de seu nome Mário Barroso - apoiado numa «equipa ecléctica de oito intelectuais», ou seja: também pertencentes «a todos os quadrantes políticos».
Lendo os nomes dos oito eclécticos constata-se que nenhum deles é comunista - nem pouco mais ou menos...
Ora aí está a ideia!...

Posto isto, está-se mesmo a ver o que aí vem: é uma série portuguesa, concerteza, é concerteza uma série portuguesa...

GUANTÁNAMO CONTINUA...

Se a promessa feita por Obama - antes de ser eleito e após a eleição - tivesse sido cumprida, hoje estaríamos a festejar o fecho do campo de concentração de Guantánamo.
Mas não, a promessa não foi cumprida - e cerca de 200 presos continuam em Guantánamo sujeitos, não à lei dos EUA, mas à lei... de Guantánamo, isto é ao «quero, posso e mando» do Governo de Obama.
(«Aqui não entra a lei»: diziam os pides - e a «lei» a que se referiam era a «lei» fascista...)

No dia em que o campo de concentração deveria ter sido encerrado, o Governo de Obama anunciou que «cerca de uma centena de presos podem ser libertados», mas... - há sempre um «mas»... - entre esses há uns 30 que não podem ser libertados e que foram colocados «numa categoria específica».
Porquê? : porque são iemenitas e porque a «Al-Qaeda se está a revelar activa no Iemene»...
(«Se não foste tu, foi o teu pai»: disse o lobo ao cordeiro...)

Mas o caso mais curioso tem a ver com 47 prisioneiros que o Governo de Obama decidiu que devem ficar «presos por tempo indeterminado», embora não sejam acusados de nada em concreto e «não existam provas suficientemente boas para os levar a tribunal».
(«Vamos continuar a interrogar-te enquanto nos apetecer»: disse o torturador Kouvas, na Grécia dos coronéis, a um preso...)

Acresce que o Governo de Obama anunciou a decisão de libertar... perdão: de «transferir parte dos detidos para uma prisão no Estado de Illinois» - isto apesar de não ter quaisquer provas contra eles.
Esta decisão mereceu o seguinte comentário de Anthony Romero, presidente da União Americana das Liberdades Civis: «É preocupante que, quando Guantánamo finalmente fechar, algumas das suas políticas mais vergonhosas continuem em território norte-americano».

É preocupante?: talvez.
Mas não surpreende: na verdade, é assim que funcionam as coisas nos Estados Unidos da América.
Ai de quem tiver a infelicidade de ver o seu nome incluído em qualquer das «listas negras» elaboradas na «pátria da liberdade, da democracia e dos direitos humanos»...

POEMA

CASA DE PENHORES



I

Rua estreita - não sei quem lá passou.
Porta aberta - não sei quem lá entrou.
Não sei - não sei dizer e não me importa,
nem a rua, cansada de ser rua,
nem a porta cansada de ser porta.

Mas foi aqui, na rua triste e nua,
e junto à porta aberta, fria e larga,
que me surgiu aquela frase amarga
e nunca mais me deixou:

- Schubert empenhou o violino e o mundo não estoirou!


II

Mas não falemos de Schubert... Falemos da velha tonta...
- A velha tonta que perdeu a neta
e anda, de porta em porta, a imitá-la...

Diz assim, aflautando a sua fala:

«Ó velha, conta... ó velha, conta
aquela história triste do poeta...»

- A velha tonta que perdeu a neta
todos os dias ajoelha
em frente da lamparina...

(O Cristo empenhou-o a velha
para salvar a neta pequenina...)

E a velha tonta reza à lamparina:

- «Meu Deus, perdoa-me a audácia
de ter teu Filho empenhado...
- Foi por causa da conta da farmácia...
Perdão, meu Deus, perdão!»

- E o Cristo, resignado,
em três meses de juro crucificado,
espera o dia do leilão.


Sidónio Muralha
(«Beco» - 1941)

VIVA A FRAUDE E QUEM A PREMIAR

O Sol, na sua última edição, revela que José Oliveira e Costa (lembram-se dele?), quando abandonou (isto é: quando foi obrigado a abandonar; isto é: quando foi preso) a Sociedade Lusa de Negócios (SLN) e o Banco Português de Negócios (BPN), recebeu, «a título de compensação», 790 mil euros - dinheiro que lhe foi pago logo na altura - e uma «pensão vitalícia no valor bruto mensal de nove mil euros» - que vai de 1 de Janeiro de 2010 «até ao seu falecimento». Para além, é claro, do carro que estava a usar como administrador.

Assim se faz justiça - justiça justa e célere, aliás...
A confirmar que não há nada como uma pessoa envolver-se em actividades fraudulentas para ter o seu futuro garantido:
se as fraudes forem detectadas, pode, na pior das hipóteses, passar uns dias na prisão com tratamento VIP, após o que receberá, como prémio, uma bruta «indemnização»;
se, como estou em crer que na maioria dos casos acontece, as fraudes não forem detectadas, então... eles andam por aí...
Dito de outra forma: cada profissional de fraudes tem sempre um profissional de prémios que espera por si...

Em qualquer dos casos, não têm nada a perder - e têm tudo a ganhar.
É assim o mundo dos negócios - perdão: dos Negócios...

Por isso digo: Viva a fraude e quem a premiar!

POEMA

PIRATA


Gostava de ser pirata
e viver meu dia-a-dia
no convés de uma fragata...
Gostava de ser pirata,
aproar num cais distante
perfumado de maresia
e ter aquela que passa,
de passagem, por amante...
Não saber do seu passado,
não pisar sua desgraça,
mas pecar no seu pecado
de ser aquela que passa
Gostava de morrer cedo
e de ser lançado ao mar,
e enrolar o meu segredo,
o meu segredo enrolar
nos limos e nas montanhas
que estão no fundo do mar...
- E o mundo ficar, assim,
sabendo as minhas façanhas
sem saber nada de mim...
Depois, gostava de ver
o meu segredo soltar-se,
rolar nas ondas, rolar,
subir, crescer, espraiar-se,
alongar-se pelo mar...

Dormir no luar de prata,
acordar ao sol nascente,
e gritar que fui pirata,
praia em praia, a toda a gente...
E gritar que fui pirata
mas que não soube matar
- Só me matei a mim mesmo,
porque gostava do mar.

E o mar rolou nos meus versos,
rolou nas minhas paixões,
desmantelou universos,
subiu em rudes clarões,
e o mar rolou no meu pranto,
nas minhas falas de louco
que viveu e sofreu tanto
só por ter sofrido pouco.

O mar beijou minha infância,
deu-me as ondas por brinquedo,
deu-me o sol, deu-me a distância,
em troca do meu segredo:
- qual a razão do meu pranto,
das minhas falas de louco...
- e soube que sofri tanto
só por ter sofrido pouco...

E o mar quebrou as amarras,
virou as embarcações,
chorou na voz das guitarras,
rebentou nos corações,
entrou pelo mundo fora,
prendeu-o num rumo certo
e, quando se foi embora,
deixou o mundo deserto...

Só porque ouviu o meu pranto
e as minhas falas de louco,
e soube que sofri tanto
só por ter sofrido pouco.


Sidónio Muralha

(«Beco» - 1941)

COMEDIANTES

«Governo, PSD e CDS já chegaram a acordo para viabilizar o Orçamento»: grita o Público de hoje, na sua primeira página, em jeito de quem está a dar uma novidade aos leitores - como se os partidos da política de direita alguma vez, ao longo dos últimos 33 anos, tivessem posto em causa essa política comum aos três...

É claro que, durante o período eleitoral do ano passado e depois das legislativas, PS, PSD e CDS, bem ensaiados, representaram a sua tradicional comédia - uma representação que os média dominantes, também bem ensaiados, divulgaram profusamente.
Ouvindo e lendo o que diziam os dirigentes desses partidos - todos comediantes com provas dadas - até parecia que eles estavam zangados uns com os outros, que defendiam políticas diferentes, que eram inimigos...

Nada mais falso: na verdade - os três partidos com a sua representação, e os média com a divulgação da cena - estavam, todos, a bater-se pela mesma causa: a política de direita que o PS, o PSD e o CDS executam ao serviço dos interesses dos donos dos média.
As divergências simuladas e as zangas fingidas fazem parte de uma comédia que tem 33 anos de idade e que alimenta a falsa ideia de que eles são alternativa uns aos outros - coisa que lhes dá muito jeito na altura das eleições...

Ontem, o Dr. Mário Soares manifestara a suas «preocupações» face à eventualidade de o Orçamento de Estado não ser aprovado.
Mas o Dr. Mário Soares é o maior comediante da cena portuguesa: também ele, obviamente, estava a representar o seu papel.
Farto de saber estava ele que tudo se resolveria de acordo com a vontade do grande capital.
Ou não fosse ele o pai da política de direita.

POEMA

INVENTÁRIO


E, apesar de tudo, sou ainda o Homem,
um bípede com fala e sentimentos!
Ao cabo de misérias e tormentos,
continua
a ser a minha imagem que flutua
na podridão dos charcos luarentos!

Sou eu ainda a grande maravilha
que se mostra ao mundo!
O negro abismo que tem lá no fundo
um regato a correr:
uma risca de céu e de frescura
que murmura
a ver se alguma boca quer beber.

Quanto o grave silêncio da paisagem
me renega e protesta,
pouco importa na festa
deste encontro feliz;
Obra de Arcanjo ou de Satanás,
eu é que fui capaz
de fazer o que fiz!

Podia ser melhor o meu destino,
ter o sol mais aberto em cada mão...
Mas, Adão,
dei o que a argila deu.
E, corpo e alma da degradação,
o milagre é que o Homem não morreu!

Não! Não me queiram na cova que não tenho,
porque eu vivo, e respiro, e acredito!
Sou eu que canto ainda e que palpito
no meu canto!
Sou eu que na pureza do meu grito
me levanto!


Miguel Torga

(Com este poema, o Cravo de Abril despede-se de Miguel Torga - e anuncia o próximo poeta: Sidónio Muralha)

«NÃO QUEREMOS AQUI O FMI»

O Fundo Monetário Internacional (FMI) mandou dizer que «mantém o pessimismo em relação à evolução da economia e das finanças portuguesas».

Ele lá sabe porquê.
E, especialmente, ele lá sabe para quê.

Eis o que o FMI sabe: «se, este ano, não forem tomadas medidas adicionais de austeridade, o défice vai voltar a subir» (este malvado défice faz-nos as vidas negras...)

Que medidas de austeridade?
Bom, para o FMI austeridade há só uma: a que ele impõe e mais nenhuma...

E - vejam se percebem! - a questão é esta:
Ponto 1: Portugal tem que dar sinais de uma «consolidação sustentável e credível»; e
Ponto 2: esses sinais só serão visíveis com redução da despesa pública, aumento dos impostos; baixa dos salários - designadamente os dos trabalhadores da Função Pública; redução dos apoios sociais e do subsídio de desemprego (tanto mais que, diz o FMI, em 2010 o desemprego vai ter que continuar a aumentar).


Não há dúvida que este FMI é de ideias fixas.
Recordo que ele entrou em Portugal, em 1983, pela mão amiga do pai da política de direita, Mário Soares.
As primeiras imposições que fez, mal deu a mão a beijar ao dr. Soares, foram: forte quebra da despesa pública; descida de salários; aumento dos impostos - tendo gerado uma vaga de desemprego, de salários em atraso, de problemas para os trabalhadores.

E, já agora, recordo também que, por essa altura, uma das palavras de ordem mais gritadas pelos trabalhadores em luta era «Não queremos aqui o FMI» - a que acrescentavam: «Queremos cá o MFA»
E estavam cheios de razão.

POEMA

HOSSANA!


Junquem de flores o chão do velho mundo:
vem o futuro aí!
Desejado por todos os poetas
e profetas
da vida,
deixou a sua ermida
e meteu-se a caminho.
Ninguém o viu ainda, mas é belo.
É o futuro...

Ponham pois rosmaninho
em cada rua,
em cada porta,
em cada muro,
e tenham confiança nos milagres
desse Messias que renova o tempo.
O passado passou.
O presente agoniza.
Cubram de flores a única verdade
que se eterniza!


Miguel Torga

A LISTA...

Está-lhes no sangue: falam e agem como se fossem não apenas donos do mundo mas árbitros supremos sobre «quem é o quê» em relação a todas as matérias importantes.

Quem é que, no mundo, não respeita a democracia, a liberdade e os direitos humanos?
Eles, os EUA, respondem. E a sua resposta é lei. E aparece uma LISTA com os culpados...
Quem é que, no mundo, não pode ter armas nucleares?
Eles, os EUA, respondem. E a sua resposta é lei. E aparece uma LISTA com os culpados...
E assim sucessivamente.

Os países que não aceitarem o decreto dos decisores supremos, sujeitam-se às consequências - que podem ir até à invasão e ocupação com o infindável rasto de crimes, sangue e morte.

Há dias, o Governo Obama, seguindo fielmente as práticas de todos os sesu antecessores, decretou e mandou publicar a LISTA daquilo a que chama «países patrocinadores do terrorismo».
Ou seja: os EUA, que são o maior exportador mundial de terrorismo, arrogam-se o direito de decidir quem é que patrocina terrorismo e de pôr na sua LISTA quem muito bem entendem.

A LISTA inclui Cuba.
Cuba onde, desde há cinquenta anos, centenas de terroristas confessos - preparados e financiados pelos vários governos dos EUA - levaram a cabo múltiplas acções terroristas, das quais resultou a morte, até agora, de mais de
3 500 pessoas.


São por demais conhecidos os casos dos terroristas Posada Carrilles e Orlando Bosch, organizadores do criminoso atentado contra um avião de passageiros da Cuba Aviación, do qual resultaram 73 mortos.

Todos esses assassinos vivem nos EUA, onde se passeiam à vontade - e em alguns casos até são elogiados publicamente pelo presidente de serviço.
Para além disso, enquanto terroristas profissionais que são, vivem em situação financeira de alto nível.
O terrorismo faz-se pagar caro. Os EUA que o digam.

POEMA

PICASSO


Outro pintor das grutas de Altamira
solta os bisontes da imaginação.
Com as mãos selvagens de Vulcano, atira
raios e setas de renovação.

Outro filho da Ibéria
restitui a matéria
às suas formas simples, virginais.
Formas da infância que se não perdeu
neste chão europeu
de velhos e cansados rituais.


Miguel Torga

COMENTÁRIOS PARA QUÊ?

Na revista Monde de 12 de Abril de 1935, podia ler-se um editorial, assinado pelo grande escritor Henri Barbusse e intitulado:
«TESTEMUNHO DE GRANDEZA REVOLUCIONÁRIA»
.

Falava de nós, comunistas portugueses, e da nossa luta.
E dizia assim:

«Portugal... País de arvoredo policromado, de vinhedos, de canções... País de padres, e de camponeses esfomeados; de grandes lavradores e de desempregados... País que há nove anos a mão mortífera de um ditador fascista estrangula...
Mas o cristianíssimo ódio de Salazar não consegue amordaçar este país que, um dia, será de novo um jardim da cultura humana.
Expulsa da luz do dia, zumbindo em segredo nos bairros proletários das cidades e nos casebres dos camponeses, elevando-se acusadora perante os juízes ignóbeis, gemendo sob a tortura dos carcereiros, a verdade do futuro vive em Portugal.
Imaginai só estes presos políticos que, arriscando a sua liberdade, a sua saúde e a sua vida, levantaram o estandarte do combate e, estiolando durante anos inteiros, na noite esgotante das enxovias medievais, separados do mundo exterior por uma parede de chumbo, continuam a luta, solidários com os seus irmãos em liberdade.
Uma folha de papel, um lápis, uma pena - que dificuldades para obtê-los! - mas eles encontram estes instrumentos de trabalho e escrevem.
E não são soluços de seres desfalecidos; não são gritos de desespero: os presos políticos de Portugal editam em plena prisão, escritos pelos seus próprios punhos, jornais de combate.
"Jornais escritos por comunistas, para comunistas", se intitulam estes jornais que, ao preço de mil perigos, circulam de cela em cela, de prisão em prisão.
A descoberta dos autores desses jornais - e não é fácil negar-se o que é escrito pelo próprio punho - significa um prolongamento da pena por meses e anos.

A luta dos presos políticos revolucionários nos diferentes países reveste-se, é certo, de formas múltiplas e é rica de exemplos de heroísmo.
Contudo, estes jornais dos presos portugueses constituem documentos únicos na história do movimento revolucionário.»


Para complementar este texto de Henri Barbusse, deixo aos visitantes do Cravo de Abril os títulos de alguns dos jornais que os presos políticos comunistas, iludindo a vigilância dos carcereiros fascistas, escreviam e distribuíam entre si:

«O TRABALHO - dos comunistas em reclusão na Penitenciária de Lisboa»

«BOLETIM INTER-PRISIONAL - Órgão dos presos comunistas do Aljube»

«POTENKIN -Órgão dos presos comunistas ex-marinheiros (Peniche)»

«BOLETIM INTER-PRISIONAL - Órgão da célula comunista da Fortaleza de Peniche»

«PAVEL - Órgão teórico dos jovens comunistas presos em Peniche»



Comentários para quê?

POEMA

HÁ RATOEIRAS!


Quando vierem, como feiticeiros,
tirar-te o espírito do corpo,
obstina-te, irmão!
Não,
não
e não!,
seja qual for a habilidade
e a humanidade
da encantação.

Lembra-te dum cortiço!
O que ferve lá dentro e dá favos de mel,
é que presta.

Mas se querem a festa
da tua morte,
então,
que levem tudo no caixão:
a alma e o suporte!


Miguel Torga

Mineiros de Aljustrel



“- Olhe, houve ali um problema com o seu marido mas não esteja em cuidados, que ele é capaz de não vir esta noite mas é capaz de vir amanhã!”

Isso nunca aconteceu, pois, porque eu fui levado para Caxias e estive incomunicável três meses. Estive três meses incomunicável. Ao fim de três meses sou levado para a António Maria Cardoso, que era a sala da tortura – onde estavam os pides todos! – sou levado para lá e estive quatro dias e quatro noites. Davam-me uma cadeira, e depois tiraram-me a cadeira e já não tinha sítio para me sentar nem nada!, e então com a porrada nos interrogatórios eu já caía, sempre sem dizer nada! E então ao fim de quatro dias levaram-me para o Aljube. Meteram-me numa cela em que para conseguir dar dois passos tinha que fechar a cama! Aquilo tem um grampo e a parede tem uma coisa onde se prende e a gente fica com aquele bocadinho para andar! Salvo erro eu tenho a impressão que dormi cerca de dois dias! Batiam-me à porta para me dar qualquer coisa de comida mas eu praticamente não comia. Tinha falta de descanso, aquele moer da cabeça… um gajo esgota-se, não é? Depois, periodicamente era levado para a Maria Cardoso para interrogatórios! Levar porrada! Porrada num gajo!

“- Então, diz lá como é que era aquilo, há quanto tempo pertencias ao Partido?

- Eu nunca pertenci a partido nenhum!”

Tinha que dizer que nunca tinha tido ligações com o Partido! E eles não podiam provar nada! Mas eles diziam-me assim:

“- Mas então aquele sítio lá em Aljustrel, que chamam lá os Penedrões (é um sítio onde há umas pedras onde a malta reunia), a Cabeça do Homem, então vocês até iam para os Galhudos (os Galhudos é um sítio quando se vai ali para a Corte, ali naquilo que chamam a curvas da morte)…”

Eles conheciam coisas aqui!! Mas alguém devia ter falado, não era? Acontece que, depois, é claro, eles tentam-me fazer um processo, um processo negativo – porque eu nego sempre tudo! - e então o chefe Paulino, o chefe Paulino de Portimão, ele é que faz o processo … Então chama-me e disse-me assim:

“- Agora vou falar por ti ah, e se me interromperes levas com esta máquina nos cornos!” - uma máquina de escrever!

E veio um escrivão que estava lá, que era outro pide, claro… Estêvão Martins, era o nome dele, Estêvão Martins. Depois do chefe, depois de fazer o meu depoimento, começa a andar e a dizer assim:

“ – Eu, José Manuel Vieira Benedito, declaro que pertenço ao Partido Comunista Português…”

E mais não sei quê, não sei quê, não sei quê que ele estava para lá dizendo!

“ …Participou em diversas reuniões secretas, no sítio tal tal e tal, tentando agitar as massas para revoltas e mais …”

E mais não sei quê que ele estava para lá dizendo, que eu nunca disse nada, ele é que estava dizendo! Estava o escrivão lendo, que eu ouvi depois o escrivão a ler aquilo, não é? E disse.

“- Vê, teve de vir o chefe fazer isto por si, já viu?! Então não podia você ter dito, custava alguma coisa ter dito estas palavras?”

E eu disse assim:

“- Escute lá uma coisa: você deixe-me ler lá isso bem que eu não estou assim muito ciente do que é que se passou. Eu posso ler isso?” – que ele tinha-me dado a caneta para eu assinar.

E eu começo a ler, tal e tal, Partido, reuniões, agitação e tal - e eu peguei na caneta que ele tinha já posto ao pé de mim e disse:

“- Eu não assino!

- Então não assina porquê?

- Porque não assino! Porque se eu assinar isto para aqui, que eu não fiz, vocês não me vão dar seis meses de prisão! Vão dar-me três anos, que é para levar as medidas de segurança e eu nunca mais saio daqui. Eu não assino!”

E não assinei! Não assinei… eh pá o gajo vai dizer ao chefe! O gajo entra ali… parece que vi o homem deitar lume pelos olhos! Agarra-se a mim, joga-se a mim e aperta-me a garganta que eu até me deixei cair, já não respirava! E o gajo dá-me uma joelhada… e dizia assim:

“- Cabrão! Bandido! Assassino! Gatuno!” – chamava-me tudo, tudo do pior – “Então fizeste aquilo, eu estive a perder o tempo, fizeste aquilo tudo – que eu sei que fizeste - e agora não queres assinar?”

Digo:

“- Eu não quero assinar nada, eu não posso assinar aquilo. Então eu não fiz isso! Não tenho nada com o Partido Comunista! Apenas eu dizia que ganhava pouco, que tinha fome. Era a única coisa que eu dizia!”

E então pronto, os gajos deixaram-me. Mas ainda fiquei lá nessa noite a dormir! Depois veio um pide dar-me uma bofetada… diz-me o gajo:

“- Então ainda te venho aturar aqui esta noite??? Ahhh… esta noite se não falares aqui em condições, ao pormenor, levas aqui uma remessa que não sais daqui vivo!”

Eu estou sentado numa cadeira, mas estou encostado à parede! O gajo começa a fazer-me perguntas. E eu nada! E depois o gajo começa a andar assim com a mão (balançando de um lado ao outro, em gesto largo):

“- Estás aqui estás a levar!”

E à medida que a mão ia passando eu ia-me desviando, não é? Mas há uma altura em que eu tenho só a parede, não me posso desviar mais, o gajo apanha-me de mão cheia e derruba-me! Ora, eu estou caído no chão, não me quero levantar! Porque eu tenho medo de levar mais! E eu disse assim só, para ele:

“- Escute: você está fazendo-me aqui uma coisa que eu não era capaz de fazer ao meu maior inimigo! Então eu sou doente, eu estou doente, já! Então não vê como eu estou?” - Eu estava doente, evidentemente, eu estava doente! – “e você está a bater-me?”

O gajo virou-se para um que estava na porta e disse:

“- Anda cá aqui pá, anda cá aqui. Este gajo que está aqui caído esta a dizer-me que se estivesse de pé que eu não lhe conseguia bater!”

Eu alguma vez disse isso???!!! Provocando, sabes?

“- Então levanta-te lá para ver se eu não sou capaz!”

Ah, «levanta-te lá para ver se eu não sou capaz»! Ora eu sei que não posso resistir à violência deles! Eles estão ali quatro, cinco, seis! E o gajo vem ali pá, dá-me uns pontapés e eu tive de me levantar! E outro gajo vem ali e diz:

“- Eh pá, não não, deixa lá o gajo…”

E deixou-me. Bom, quando veio a noite, era para aí umas oito horas da noite, vejo um gajo chegar lá e diz:

“- Vá, prepare-se que é para ir para a prisão.”

Pegaram numa carrinha e levaram-me para lá. Bom, aquilo andou ali uns três meses a irem buscar-me, levar-me; buscar-me, levar-me; estive aquelas quarenta e oito horas, a primeira vez estive aquelas quarenta e oito horas lá, sem me deixarem sentar, sem me deixarem dormir! Nada! Chama-se a tortura do sono, em que a gente está a ver o chão… o chão está nível, mas para mim já não está tão nível! A partir da segunda noite, entrando na terceira noite, em que o chão já me dava a impressão que aqui o solo estava assim (muito inclinado), com a peso que eu tinha nas pernas, que eu custava já a poder com as pernas! Que era muito tempo de pé, e inchavam-me as pernas… E eu via bichos! Os nós da madeira, esses nós que a madeira às vezes tem, essas coisas negras, eu via aquilo mexer tudo! Aquelas visões que a gente tem! Maneiras que, pronto, havia ali uma coisa, nas leis que eles tinham nessa altura: a gente sem julgamento não pode ficar preso mais que seis meses! Ou vai responder, ou se é absolvido ou, se não for responder, ao fim dos 180 dias tem de ser posto na rua. Como não arranjaram motivos para que me mandassem para tribunal, e para me manterem mais tempo, ao fim dos 180 dias, ao fim dos seis meses, os gajos levaram-me lá … lá estiveram a escrever, a escrever, a escrever…

“-Vá, pode-se ir embora!”

Mas eu tinha ouvido falar tantas coisas, que às vezes punham as pessoas em liberdade para as matar! «Vá-se embora» mas que depois lhes davam um tiro e diziam que um gajo se tinha virado a eles ou qualquer coisa! Porque há um caso, na António Maria Cardoso, em que há um preso que é atirado lá de cima cá para baixo! Eles… há pessoas que viram o homem estar agarrado ao parapeito da janela para não cair e eles estarem a pisarem-lhe as mãos e ele cair depois cá para baixo! E morreu! E nessa altura, quem está? O embaixador do Brasil, que era o Álvaro Lins. Da Embaixada Brasileira, esse homem viu essa cena! Viu essa cena e até se criou uma polémica com esse embaixador, porque acho que esse embaixador depois participou… ele até foi mudado daqui para o Brasil. Bem, eu depois saio da prisão, saio da prisão ao fim dos 180 dias, moro na Amadora, na altura. Sem saber o que se passava em minha casa. Como estaria a minha mulher ou a minha filha. E eu vinha de uma maneira que até a minha filha estava falando com uma mulher na rua e eu passo…

(silêncio)

E eu passo e a miúda diz assim:

“- Então este é o meu pai!”

(silêncio, choro profundo)

Desculpa camarada.

Ant.Galamba – Não tens nada de pedir desculpa camarada. Se quiseres parar um bocadinho… tomar fôlego. Ou parar isto de vez…tu é que sabes. A gente está entre amigos, acima de tudo! . . .

(silêncio e lágrimas, de ambos)

José Vieira – Isto há-de passar! Não posso recordar estas coisas, isto choca-me…

Ant. Galamba - É isso que eu estou a dizer camarada. Se quiseres parar…

José Vieira – Pois… mas para contar as coisas tenho de me lembrar… não aguento isto! isto é uma coisa que eu queria esquecer! Depois falando nisto… depois fico sem trabalho, sem nada. Chego lá à oficina para começar a trabalhar, está lá a ordem para não me deixar entrar!

“- Mas este é que é o meu pai!”

(choro convulso)

A miúda não me conhecia! Fiquei sem emprego. Mas o Partido ajudou-me. A malta do partido pá… ia sempre uma cartinha lá para casa e davam sempre qualquer coisa. Já depois de eu estar preso, antes…. Quando eu estava na prisão já iam para lá umas cartas. E diziam à minha mulher: «quando for visitar o seu marido nunca diga que recebeu dinheiro.» Porque eles podiam assim prender as pessoas que… Até o jornal A República , também houve uma campanha que…

(lágrimas)

… que…

Eu passei muitos problemas depois de sair da prisão. Já não dormia, não conseguia dormir. Estava sempre com medo dos gajos…

(silêncio)

POEMA

FEDERICO GARCIA LORCA


Garcia Lorca, irmão:
sou eu, mais uma vez...
Venho negar à humana condição
a humana pequenez
da ingratidão.

Venho e virei enquanto houver poesia,
povo e sonho na Ibéria.
Venho e virei à tua romaria
oferecer-te a miséria
duma oração lusíada e sombria.

Venho, talefe branco da Nevada,
filho novo de Espanha!
Venho, e não digas nada;
Deixa um pobre poeta da montanha
trazer torgas à rosa de Granada!

Indomável cigano
dos caminhos do tempo e da ventura,
sensual e profano,
o teu génio floresce cada ano...
Venho ver-te crescer da sepultura!

Bruxo das trevas onde alguém te quis,
nelas arde a paixão do que escreveste!
Sete palmos de terra, e nenhum diz
que secou a raiz,
que partiste ou morreste!

Uma luz que é o aceno da verdade
abre-se onde os teus versos vão abrindo...
A eternidade,
na pureza da sua claridade,
sobre o teu nome, universal, caindo...

E o peregrino vem,
reza devotamente,
põe no altar o que tem,
e regressa mais livre e mais contente...
Assim faço, também!


Miguel Torga

O BEATO NAZI

A notícia, breve, saiu no Correio da Manhã de hoje, e diz assim:

«Reagindo a acusações de que Pio XII silenciou o Holocausto, Bento XVI afirmou ontem que o Vaticano ajudou judeus de "forma dissimulada e discreta" na II Guerra».

A notícia trouxe-me à memória um livro publicado em finais dos anos 60: «Os Assassinos entre Nós», de Simon Wiesenthal.
O autor - que ficou conhecido como «o caçador de nazis» - tinha estado preso vários anos num campo de concentração e, após a libertação, dedicou a sua vida a perseguir assassinos nazis, numa busca que levou à prisão de cerca de 1 100 criminosos.

Conta Wiesenthal nesse livro que a sua perseguição a nazis em fuga, o conduziu com frequência até... ao Vaticano, onde lhes perdia o rasto...
E por que é que lhes perdia o rasto?
Porque, muitos criminosos nazis que tentavam fugir à justiça, procuravam ajuda no Vaticano e aí conseguiam passaportes que lhes permitiam, com nomes falsos, refugiar-se em diversos países, particularmente da América do Sul.

Assim, Bento XVI - que, na altura em que o nazi-fascismo tentava concretizar o seu projecto de domínio do mundo, era membro da «juventude hitleriana»- prepara-se agora para beatificar um indivíduo que:

1 - ajudou vítimas do nazismo de forma tão «dissimulada e discreta» que ninguém se apercebeu disso...; e que:

2 - ajudou criminosos nazis certamente de forma ainda mais «dissimulada e discreta» - mas que foi detectada e justamente denunciada; e que:

3 - a concretizar-se a intenção do papa alemão, o referido indivíduo, Pio XII, poderá vir a ficar conhecido como o beato nazi...

POEMA

AMEAÇA DE MORTE


Não basta ter-me dado nos meus versos:
pedem a carne e a pele, os inimigos.
Os olhos, dois postigos
de olhar o mundo sem ninguém me ver,
querem-nos entaipados;
e quebrados
os braços, que eram ramos a crescer.

Luto, digo que não, peço socorro,
mas saiu-me ao caminho uma alcateia.
Lobos da liberdade alheia
que me seguem os passos hora a hora,
sem que eu possa sequer adivinhar,
na paisagem de medo tumular,
qual deles salta primeiro e me devora.


Miguel Torga