A MENINA FÚTIL
A menina fútil deu um bodo aos pobres;
pela primeira vez pôs avental...
Falou do gesto e seus intuitos nobres,
com palavrinhas brandas, o jornal...
- Os pobres ficaram pobres
e a menina fútil nunca mais pôs avental...
A menina fútil tem um cão de raça
que nunca saiu do quintal
e nunca viu uma cadela...
- Para a menina fútil, o seu cão de raça
deixou de ser um animal
e é um cãozinho de flanela...
... e a menina fútil tem um namorado
e atira-lhe promessas da janela...
Promessas... porque o resto era pecado
e pecar não é com ela...
(Fica sempre na rua, o namorado,
e é tão distante a janela...)
Mas a menina fútil tem um namorado;
tem um cão como feito de flanela;
e anda feliz por dar um bodo aos pobres
e ter descido a pôr um avental...
Lê e relê os seus intuitos nobres;
recorta o seu retrato do jornal;
- e os pobres continuam pobres,
e a menina fútil nunca mais pôe avental...
Sidónio Muralha
(«Passagem de Nível» - 1942)
4 comentários:
E de repente lembrei-me sabes de que?
De uma associação que tinha o nome de movimento, portuguesa que se dizia nacional, e de senhoras/damas e se chamava feminino...
Bolas...
Um beijo grande.
Sim... em 1942 a Dona Supico Pinto devia ser o que iria continuar a ser toda a vida: uma menina fútil, frustrada... e fascista.
Abraço.
Era um dos meus poemas favoritos do meu tempo de menina. Muito mais tarde veio o 25 de Abril e a esperança. A esperança continua e o 25 de Abril voltará.
Obrigada camarada pelos maravilhosos poemas que nos trazes.
Maria: tão caridosas que elas eram... as senhoras do MNF...
Um beijo grande.
samuel: nesse tempo, as «senhoras* costumavam dizer às meninas suas filhas: «hoje vamos fazer caridade»...
Um abraço.
Graciete Rietsch: muitos dos poemas de Sidónio Muralha foram poemas favoritos de várias gerações que lutavam contra o fascismo.
Um beijo.
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