DESCUBRA AS DIFERENÇAS

Um dia destes, teremos uma informação verdadeira e rigorosa sobre o que está a acontecer na Líbia.
Por enquanto, sabemos apenas o que nos dizem os média dominantes, em cuja informação não podemos confiar - antes pelo contrário.

Sabemos, no entanto, não porque esses média no-lo digam mas por decifração do que dizem, que os acontecimentos na Líbia se revestem de características muito diferentes dos ocorridos nos outros países, designadamente no Egipto.

Assim, do Egipto tivemos notícias de grandes movimentações de massas que obrigaram à demissão de Mubarak; soubemos que, na opinião decisiva do governo de Obama, «Mubarak não é um ditador» e que os «EUA apoiam uma transição pacífica e ordeira» - enquanto as centenas de mortos e milhares de feridos por efeito da repressão ordenada por Mubarak não mereceram qualquer destaque por parte dos média em geral.

Da Líbia, foi-nos dito desde logo que, na opinião decisiva do governo de Obama, «Kadhafi é um ditador»; que a «repressão sobre os manifestantes pacíficos era de uma violência inadmissível»; que havia «mortos espalhados pelas ruas às centenas»; que, por isso, «a comunidade internacional isola o ditador» e «a NATO estuda a hipótese de uma intervenção de tipo humanitário»...
Foi-nos dito igualmente que «os rebeldes líbios» - fortemente armados, digo eu (e confesso não saber quem assim os armou...) - «controlam a maior parte das cidades do país», «cercam a capital, onde Kadhadi resiste» - e, pormenor importante, «combatem pela posse das jazidas de petróleo»....

Quer isto dizer que, na «informação» sobre esses acontecimentos, os média dominantes recorreram à velha técnica dos dois pesos e duas medidas - modalidade em que são especialistas eméritos graças a uma longa experiência na matéria.

Posto isto - e mesmo enquanto aguardamos informações credíveis e rigorosas sobre o que está, de facto, a acontecer - não é difícil detectar, desde já, alguns aspectos essenciais que distinguem os acontecimentos do Egipto dos da Líbia...

É caso para dizer, como em alguns passatempos: descubra as diferenças...

POEMA

A QUEIMA DOS LIVROS


Quando o Regime ordenou que queimassem em público
os livros de saber nocivo, e por toda a parte
os bois foram forçados a puxar carroças
carregadas de livros para a fogueira, um poeta
expulso, um dos melhores, ao estudar a lista
dos queimados, descobriu, horrorizado, que os seus
livros tinham sido esquecidos. Correu para a secretária
alado de cólera e escreveu uma carta aos do Poder.
Queimai-me!, escreveu com pena veloz, queimai-me!
Não ma façais isso! Não me deixeis de fora! Não disse eu
sempre a verdade nos meus livros? E agora
tratais-me como um mentiroso!
Ordeno-vos: Queimai-me!


Brecht

NOTÍCIAS...

José Alberto Carvalho (JAC) e Judite de Sousa (JS) saíram da RTP e foram para a TVI: eis a notícia que fez as primeiras páginas (e páginas interiores cheias) dos jornais de ontem - e que, hoje, continua a ser notícia...

Assim, graças aos prestimosos média dominantes, ficámos a saber coisas importantíssimas e indispensáveis ao nosso conhecimento geral, tais como:
«Na TVI o clima geral é de satisfação e confiança», enquanto «Na RTP o clima é pesado»; «Há choros, lágrimas e tristeza» na RTP e «há alegria» na TVI; JS «chorava com a sua secretária pessoal» e JAC «estava arrasado»...
Confesso que se me despedaça o coração - e não só... - perante tão pungentes dramas.
Mas tenho esperança em que a Média Capital apague rapidamente as lágrimas e o cansaço da consagrada entrevistadora e do disputado director.
E que o faça humanitariamente, ou seja: com muitos milhares de euros/mês...


(Entretanto, o presidente Obama prepara-se para ordenar à NATO que invada e ocupe a Líbia. Garantem fontes bem informadas que a única preocupação de Obama é que a intervenção seja «humanitária» - ou não fosse ele Prémio Nobel da Paz...)

POEMA

LOUVOR DO APRENDER


Aprende o mais simples! Pra aqueles
cujo tempo chegou
nunca é tarde de mais!
Aprende o abc, não chega, mas
aprende-o! E não te enfades!
Começa! Tens de saber tudo!
Tens de tomar a chefia!

Aprende, homem do asilo!
Aprende, homem na prisão!
Aprende. mulher na cozinha!
Aprende, sexagenária!
Tens de tomar a chefia!

Frequenta a escola, homem sem casa!
Arranja saber, homem com frio!
Faminto, pega no livro: é uma arma.
Tens de tomar a chefia!

Não te acanhes de perguntar, companheiro!
Não deixes que te metam patranhas na cabeça:
vê c'os teus próprios olhos!
O que tu mesmo não sabes
não o sabes.
Verifica a conta:
és tu que a pagas.
Põe o dedo em cada parcela,
pergunta: Como aparece isto aqui?
Tens de tomar a chefia.


Brecht

HÁ PETRÓLEO NA LÍBIA

Diz Obama (mas poderia ser Bush-filho a dizer) que a repressão dos manifestantes na Líbia «é revoltante e inaceitável» e que «as acções do regime líbio violam os direitos humanos, as normas internacionais e todos os padrões de decência».
Diz Obama (mas poderia ser Clinton a dizer) que «esta violência tem de parar».
Diz Obama (mas poderia ser Bush-pai a dizer) que, para resolver o problema líbio, os EUA têm «um vasto leque de opções em cima da mesa».
Diz Obama (mas poderia ser Reagan a dizer) que «mais importante do que uma acção isolada é imperativo que as nações e os povos falem a uma só voz».

Eis, em quatro breves observações, devidamente alinhadas, a enunciação perfeita da «cartilha de guerra»do imperialismo norte-americano.
Estão lá todos os ingredientes com que é uso os governos dos EUA cozinharem as suas cruzadas mortíferas, desde o cenário criado para justificar a invasão até ao aviso lançado aos seus lacaios espalhados pelo mundo para que falem a uma só voz: a voz do dono.

Quer isto dizer que a invasão da Líbia pode estar iminente.

Porque, não nos esqueçamos, há petróleo na Líbia.

POEMA

MEU IRMÃO ERA AVIADOR


Meu irmão era aviador,
deram-lhe um dia passagem,
fez a mal - e lá partiu,
para o Sul foi a viagem.

Meu irmão é conquistador,
falta espaço ao nosso povo,
e foi sempre o nosso sonho
velho: - terreno novo.

O que ele conquistou com fama
fica lá no Guadarrama:
de comprido, um metro e oitenta;
de fundo, um metro e cinquenta.


Brecht

UMA ESTÓRIA DO PASSADO...

... ou: QUANDO O COELHO SAI DA TOCA


Em 18 de Janeiro, dois dirigentes sindicais - José Manuel Marques, do STAL e Marco Rosa, da FENPROF - foram presos e algemados pela PSP, junto à residência do primeiro-ministro.
Posteriormente, o processo de Marco Rosa foi arquivado pelo DIAP (sem ter havido contra ele qualquer acusação) e José Manuel Marques foi julgado e absolvido pelo tribunal.

Estavam as coisas neste ponto, eis senão quando... sai da toca um Coelho (Chefe de gabinete do MAI, Rui Pereira) e toca de ler a sua sentença...
Assim, decidiu e mandou publicar o Chefe Coelho que «a intervenção da PSP foi proporcional e adequada».
Porquê?: porque, diz o Coelho, os acusados desobedeceram à PSP - inclusive à ordem dada a um deles para «terminar com agressões sucessivas a um agente da PSP».
Coisa horrível, esta!
Estremeço só de imaginar a cena em que o terrível dirigente sindical agride brutalmente, sucessivas vezes, o pobre e indefeso agente da PSP...

Mas, pior - muito pior - do que isso foi a cena seguinte.
É que, acusa Coelho, além das «agressões sucessivas» ao agente da PSP, «os manifestantes fizeram rebentar um engenho explosivo de pequenas dimensões, vulgo petardo»...

Em tempos, o saudoso ministro Ângelo Correia divertiu-nos à brava com a «insurreição dos pregos».
Agora, vem o Chefe Coelho e faz-nos chorar a rir com a sua «insurreição do engenho explosivo, vulgo petardo».

Não há dúvida: este láparo - vulgo coelho - segue à letra os seus antepassados do salazarento/marcelento MAI, cuja tarefa principal era redigir «notas oficiosas» a decretar que a intervenção das forças da ordem foi «proporcional e adequada» e que os manifestantes não passavam de um bando de terroristas fortemente armados...

É claro que hoje - felizmente para nós e infelizmente para os coelhos - as consequências dessas «notas oficiosas» já não são o que eram...

Mas atenção: como o Brecht aqui nos veio dizer um dia destes, «o ventre, donde isto saiu, ainda é fecundo»...

POEMA

DE QUE SERVE A BONDADE


1

De que serve a bondade
quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
aqueles para quem foram bondosos?

De que serve a liberdade
quando os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?

2

Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor:
a faça supérflua!

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
por criar uma situação que a todos liberte
e também o amor da liberdade
faça supérfluo.

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
um mau negócio!


Brecht

E LÁ CHEGARÁ

No Jornal de Notícias de hoje pode ler-se um artigo de «opinião», intitulado «Mourinho VS Deolinda».
A peça é assinada por uma senhora que dá pelo nome de Catarina Carvalho - Directora Executiva das revistas NM/NS» - e o seu conteúdo é igualzinho ao de muitas outras peças escritas por escribas seus colegas.
Peças que todos os dias preenchem o tempo e o espaço dos média dominantes e, aí, levam por diante a ofensiva ideológica com a qual - digo eu, resumindo - pretendem instalar e generalizar a ideia de que a exploração é uma coisa natural, necessária, inevitável.
Mais do que isso: que é, até, uma coisa extremamente vantajosa para quem é explorado pelos grandes grupos económicos e financeiros - que, por coincidência, são os proprietários dos média onde os adestrados escribas de serviço actuam...

Na peça referida, a escriba sublinha e sublima o exemplo do treinador de futebol Mourinho - o seu «sucesso», a sua «paixão pelo trabalho», a sua «ambição de chegar à perfeição».
Enfim, o exemplo a seguir - que ela contrapõe ao exemplo, a não seguir: o dos que só sabem «queixar-se, exigir, choramingar e outros verbos fracos que a geração celebrada pelos Deolinda adora»...

E é certamente a pensar em bons e maus exemplos que dá o seu próprio exemplo:
«Devo confessar - para minha grande vergonha adulta - que estive sentada na Avenida da Liberdade a protestar contra as propinas»...
É claro que a confissão pública desse crime grave que foi ter protestado contra as propinas, e o arrependimento por tão grave delito, eram desnecessários.
Isto porque, se a senhora é o que é - directora-executiva das tais revistas - é porque confessou - no sítio certo, na hora certa e no tom certo - o seu arrependimento...
E já agora, acrescente-se que a «grande vergonha» pelo que fez é bem menor do que a sem-vergonha com que renega o que fez.

Prosseguindo na exibição pública do seu arrependimento - isto é: mostrando inteira fidelidade à voz dos interesses do dono - a arrependida, escreve a dada altura, em jeito de quem decreta, que «o emprego é um dever, não um direito».

Pronto: com esta tirada - que é, aliás, um dos principais eixos da ofensiva ideológica acima referida, e que não há cão nem gato, entre os escribas de serviço, que não utilize - a escriba eleva o seu arrependimento às alturas necessárias... e mostra estar em condições de passar ao nível seguinte...
Porque, escrevendo o que escreve e sendo o que é, exibe de forma inequívoca, não apenas o seu «sucesso» e a sua «paixão pelo trabalho», mas também a sua «ambição de chegar à perfeição»...

E lá chegará.


POEMA

APÊNDICE À «CARTILHA DE GUERRA»

(por baixo de uma fotografia de Hitler)


Esse que aí está, esteve quase a governar o mundo.
Mas os povos dominaram-no. No entanto
desejaria não ouvir o vosso triunfante canto:
O ventre, donde este saíu, ainda é fecundo.


Brecht

ELES ANDAM POR AÍ...

Joe Berardo - que é, só ele sabe graças a quê, o 10º mais rico de Portugal - botou faladura.
Naquele seu linguajar de palhaço rico, disse que isto está mau, ou seja, que o desemprego, o aumento do custo de vida, etc, são coisas perigosas...
Não pela miséria que levam às casas da imensa maioria dos portugueses - isso é o menos... - mas porque comportam perigos; porque podem provocar «revoluções como as da Tunísia e do Egipto» - e isso é que não!, isso é que é, de todo em todo, inadmissível...

Então que propõe Berardo para atalhar os perigos?
É simples: «alguém tem que vir com um novo sistema de democracia e, se for preciso, mudar o sistema político».

Mudar como?
É simples: «com um novo género de ditadura» - que é o antídoto ideal para as revoluções...

Que ditadura?
É simples: «Quando Salazar tomou conta de Portugal não havia alimentação e havia bombas em Lisboa todos os dias, nos anos 30»...
E foi então que «alguém» - o homem providencial - «tomou conta de Portugal»; e «mudou o sistema político», e instalou «o novo sistema de democracia», o «novo género de ditadura»; e fez o milagre da multiplicação dos pães, da bem-aventurança, da calma em todos os lares, da paz nos espíritos e nas ruas, da ORDEM, enfim...

Não há dúvida: eles andam por aí...
E «o que faz falta é avisar a malta»... e que a malta os meta na ordem.

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


Os que vão envelhecendo
metem o dinheiro nas caixas económicas.
Diante das caixas económicas estão carros.
Levam o dinheiro
p'rás fábricas de munições.


Brecht

DIFERENTE DOS QUE SÃO TODOS IGUAIS

Num texto hoje publicado no jornal de que é Director, João Marcelino comenta o caso do ministro dos Negócios Estrangeiros indiano que, na ONU, leu parte do discurso de Luis Amado, MNE de Portugal, julgando ser o seu discurso.
Diz o Director do DN - pertinente, sublinhe-se - que o caso «mostra o que são hoje as convicções de alguns dos "estadistas" internacionais, como eles preparam o que dizem e, acima de tudo, o papel que têm na produção das ideias de que são porta-vozes».
Todavia, alerta Marcelino - outra vez pertinente - seria injusto concluir que todos os estadistas têm estes comportamentos, já que tal «generalização seria ofensiva para muitos políticos mundiais».

Pena é que, face a generalizações semelhantes feitas aqui em Portugal não haja idêntica reacção da parte de Marcelino ou de qualquer outro jornalista dos média dominantes.
Por exemplo, quando se diz, e esses média - DN incluído - propagam, cada um à sua maneira, que «os partidos são todos iguais», é preciso dizer que... tal «generalização é ofensiva» para o PCP, o qual- como os 90 anos da sua história mostram - é um partido diferente dos que são todos iguais.

Diferente, desde logo, quando no acto da sua fundação, em 6 de Março de 1921, definiu como seu objectivo supremo a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Diferente, quando, cinco anos depois, após a ordem de Salazar para que todos os partidos se auto-dissolvessem, ao contrário de todos os outros, que acataram a ordem, optou pela resistência, consciente das consequências que tal opção implicava - uma resistência que o afirmou, durante quase meio século, como única força política a enfrentar o regime fascista.
Diferente, pelo papel singular que desempenhou no processo revolucionário e na construção do regime democrático de Abril.
Diferente, pela sua postura, hoje, ocupando a primeira linha da luta contra a política de direita e por um novo rumo para Portugal - e sempre, sempre «tendo o socialismo no horizonte».

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


Para quê conquistar mercados para os produtos
que os operários fabricam?
Os operários
ficariam com eles de bom grado.


Brecht

UM GRANDE DIA

A «moção de censura» continua a ser o prato forte dos média dominantes: por um lado, aproveitando-a para desviar as atenções do que é fundamental; por outro lado, levando por diante uma autêntica operação de salvamento do BE do buraco em que se meteu.

Entretanto, a situação nacional continua marcada por dois traços fundamentais:

1 - o prosseguimento da política de direita ao serviço dos interesses do grande capital e contra os interesses dos trabalhadores, do povo e do País - com consequências terríveis no agravamento constante das condições de trabalho e de vida da imensa maioria dos portugueses;

2 - a luta dos trabalhadores contra essa política e por uma mudança de rumo para Portugal - luta que é, ela sim, no seu todo e em cada uma das suas expressões parciais, a mais eficaz de todas as moções de censura à política de direita e a única que a poderá derrotar definitivamente.

Momento importante dessa moção de censura, foi a recente semana de luta no sector dos transportes e comunicações, traduzida num vasto conjunto de fortes greves e paralisações em empresas como Metro/Lisboa, Transtejo, Carris, CP, EMEF, CP/Carga, Soflusa, Refer, STCP, CTT, INCM, etc.

E nos próximos dias e semanas, a luta vai continuar - em sectores, em empresas e locais de trabalho, juntando forças, unindo vontades, criando condições para maiores, mais fortes e mais participadas lutas.
Amanhã, é a vez de os trabalhadores da Administração Pública se reunirem, às 14H30, num grande Encontro Nacional, na Praça da Figueira, e de, ali, apresentarem a sua moção de censura, expressa na determinação de «defender os serviços públicos, os direitos, os salários, as pensões e a democracia».

E a luta de massas voltará a atingir expressão maior na grande Manifestação Nacional que a CGTP-IN convocou para o dia 19 de Março, em Lisboa.
E esta será, certamente, uma poderosa moção de censura à política de direita.
À política de direita que, na actualidade, tem o governo PS/Sócrates como executante de serviço - e que, não o esqueçamos, tem vindo a ser executada, desde há 35 anos, pelos três partidos da contra-revolução de Abril: PS, PSD e CDS.


Dia 19 de Março tem que ser - vai ser - UM GRANDE DIA.

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


O pintor de tabuletas diz:
quantos mais canhões se fundirem
mais tempo haverá de paz.

Sendo assim dir-se-ia:
quanto mais grão se deitar à terra
menos trigo crescerá.
Quantas mais vitelas se abaterem
menos carne haverá.
Quanta mais neve derreter nos montes
mais baixos os rios serão.


Brecht

TÍTULOS EXEMPLARES...

Eis quatro títulos de jornais de hoje:

«Portugueses compram menos remédios e já pedem crédito nas farmácias»


«Sete idosos encontrados mortos em casa em apenas oito dias»

«Desemprego bate todos os recordes»

«Quase metade dos desempregados são jovens»


Comentários para quê?: estes títulos, em escassas dezenas de palavras, resumem exemplarmente o essencial das consequências de 35 anos de política de direita aplicada pelo PS, o PSD e o CDS/PP.









POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


As raparigas à sombra das árvores da aldeia
escolhem os namorados.
A morte escolhe também.

Talvez
nem sequer as árvores fiquem com vida.


Brecht

UMA GRANDE NOTÍCIA

Boas notícias, estas que nos falam de um comunicado divulgado pelo Partido Comunista do Egipto (PCE).
Como se esperava, e como adiante se verá, estamos perante uma forma distinta de análise da situação no Egipto: é das questões cruciais para o povo e para o país que o comunicado trata.

Derrubado o ditador há, agora, que «derrubar o regime, as suas instituições, organismos e símbolos», dizem os comunistas egípcios, para os quais é imperativo que seja recuperado «o papel de actor nacional do Egipto no mundo árabe e no plano internacional, face ao interesses do imperialismo e do sionismo».
Bem visto, digo eu, já que, sem isso, tudo ficará (mais ou menos) na mesma.

Valorizando algumas das medidas tomadas pelo Conselho Superior das Forças Armadas - designadamente a suspensão da Constituição, a dissolução do parlamento e o estabelecimento de um período de transição até à convocação de eleições livres e democráticas - o PCE aponta a necessidade de substituir o governo actual (nomeado por Mubarak) por um governo civil de transição.

Por outro lado, o PCE defende a satisfação, com carácter de urgência, das reivindicações que estão na base da vaga de greves que paralisa praticamente todos os sectores de actividade do país: fim da corrupção e da tirania, aumentos de salários, melhoria das condições de trabalho e de vida, instituição dos salários mínimo e máximo nacionais.

Os comunistas egípcios exigem, também, a libertação imediata dos presos políticos e a liberdade de formação de partidos políticos.

O PCE apela à luta dos trabalhadores e do povo, condição indispensável para que todos estes objectivos sejam alcançados.
Nesse sentido, o PCE convocou uma manifestação para a próxima sexta-feira - com a qual se propõe «comemorar a revolução e mobilizar o povo para que se assuma como actor principal e garante de que o processo revolucionário seguirá a direcção justa».

Independentemente do maior ou menor êxito que a manifestação venha a alcançar, o facto de ela ter sido convocada - convocada pelo Partido Comunista do Egipto - é, por si só, uma grande notícia.

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


É noite. Os casais
vão deitar-se nas camas. As mulheres novas
vão parir órfãos.


Brecht

TIRANIAS

De um modo geral, toda a gente se manifestou satisfeita com a demissão do ditador egípcio: uns, porque ficaram mesmo satisfeitos;
outros, porque... ficaria mal não mostrarem satisfação (mesmo depois de terem apoiado o tirano durante décadas...)

Há também os que, não tendo ficado nada satisfeitos com a demissão de Mubarak, não ousam tornar pública a sua insatisfação - porque não fica bem...

E há, ainda, os que, incapazes de esconder o que pensam, e sentindo-se à vontade para exibir o que lhes vai naialma, manifestam publicamente a sua insatisfação - de moca afiada, como manda a tradição...

Está neste caso Alberto Gonçalves, sociólogo dominical do Diário de Notícias, reaccionarão dos quatro costados com frequentes assomos fascizantes, versão actual dos salazarentos escribas do antigamente.

Escreve ele, o sociólogo dominical, que «o combate à tirania de Mubarak faz-se em nome de uma tirania imensamente pior» - isto porque, desabafa o Gonçalves, «o que a maioria ruidosa ou silenciosa de egípcios quer é uma possibilidade de viver sob a barbárie da shari».

Estão a ver?: para o Gonçalves era muito melhor ficar tudo como estava: com «o nosso ditador» - que é bom porque é «o nosso»; com «a nossa tirania»- que é boa porque é «a nossa»; com «a nossa barbárie»- que é boa porque é «a nossa».

Assim, para o sociólogo dominical a opção é entre uma «tirania» e outra «tirania» - uma boa, «a nossa», outra má, «a deles», dos islamistas... - e mais nada.

Pelo que, se os milhões que derrubaram o ditador que durante trinta anos os oprimiu, vierem dizer que não querem mais tiranias - nem «boas», nem «más», nem a tirania de Mubarak recauchutada - estou em crer que o Gonçalves entra em parafuso...

E se esses mesmos milhões vierem dizer que desejam viver num pais democrático e independente, em que os seus direitos económicos, políticos, sociais, culturais, humanos, sejam respeitados... bom, aí o sociólogo dominical rebentará de raiva - porque essa seria, para ele, a pior de todas as «tiranias»... que haveria que esmagar a ferro e fogo, à boa maneira «islamista» que é gémea da boa maneira «ocidental»...

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


General, o teu tanque é um carro forte.
Arrasa um bosque e esmaga centos de homens.
Mas tem um defeito:
precisa de um condutor.

General, o teu bombardeiro é forte.
Voa mais rápido que uma tempestade e carrega mais que um elefante.
Mas tem um defeito:
precisa de um mecânico.

General, o homem é muito hábil.
Sabe voar e sabe matar.
Mas tem um defeito:
sabe pensar.


Brecht

A PERGUNTA QUE TARDAVA

A «moção» prossegue o seu caminho, cumprindo assim o destino previsto de projectar o BE para a ribalta mediática, sem a qual o partido de Louçã não sabe nem pode viver e que constitui a sua principal prova de vida.
Desta vez, contudo, e ao contrário do que sempre tem acontecido, as coisas não estão a correr bem para os bloquistas: há críticas, muitas, à esperteza saloia que esta operação de Louçã evidencia, sendo que algumas dessas críticas surgem no interior do próprio partido.
Mas atenção: os tradicionais apoiantes do BE nos média dominantes não dormem...

No Diário de Notícias de hoje, a jornalista Eva Cabral produz uma peça que abre com a oportuníssima pergunta:
«será que o BE podia contribuir para uma solução governativa à esquerda, funcionando à semelhança do que o CDS representa para o PSD?» (entenda-se que «à esquerda» significa, para a jornalista, com o PS...)

Ora aí está a pergunta que, nas circunstâncias actuais, se apresenta como uma excelentíssima oportunidade para o partido de Louçã dar banho à sua imagem após a sucessão de manifestações de incontinente oportunismo político vertida nos últimos meses.
Aí está, portanto, a pergunta pela qual o BE ansiava. E que tardava... mas chegou.

Foi assim que, construída a pergunta - certamente na sequência de intenso labor meníngico - a jornalista endereçou-a ao destinatário que a aguardava ansiosamente.
O sortudo foi, desta vez, João Semedo - o qual, como estava previsto, rejeitou categoricamente a hipótese da tal «solução governativa» e, recorrendo ao típico discurso bloquista - feito de frases supostamente sonoras e vivendo exclusivamente dessa suposta sonoridade - respondeu sonoramente:
«o que o BE quer é construir uma esquerda de governo para um governo de esquerda»...
Genial, não acham?
Diz-me a minha memória - e tenho todas as razões para nela confiar - que raras vezes o pensamento bloqueiro terá atingido tamanhas alturas e sonoridades.

Eu, se estivesse no lugar do líder Louçã, punha-me a pau com este Semedo.
É que, quem produz uma frase como a acima citada, revela incontestáveis - quiçá incontornáveis... - artes de liderança.
Mas não há crise: Louçã sabe isso muito melhor do que eu - e o mais certo é que, à hora a que escrevo este post, um, ou uma, qualquer jornalista, esteja já a elaborar, afanosamente, a pergunta que permitirá ao líder, uma vez mais, afirmar-se como tal, exibindo a superior qualidade da sonoridade do seu verbo.

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


A guerra que aí vem
não é primeira. Antes dela
houve outras guerras.
Quando a última acabou
houve vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo baixo
passou fome. Entre os vencedores
passou fome também o povo baixo.


Brecht

OS LÍDERES SÃO ASSIM...

Eis, em resumo, a curta-metragem em exibição nos últimos dias, em sessões contínuas, nos média dominantes:
A Mesa Nacional do BE reuniu no sábado, dia 5.
Uns dias depois, o líder Francisco Louçã anunciou a apresentação, para 10 de Março, de uma moção de censura (não sem, antes, ter criticado severamente a hipótese de o PCP apresentar uma moção de censura à política de direita...)

Face a isto, pensámos - eu e os meus botões - que a anunciada moção correspondia a uma decisão da Mesa Nacional.
Puro engano: veio agora um bloquista dizer que a Mesa Nacional, nessa reunião do dia 5, não só não decidiu apresentar uma moção como decidiu não apresentar uma moção.
O mesmo bloquista considera que o anúncio da iniciativa é um acto de «oportunismo», tanto mais que, diz ele, a direcção do BE sabe que o PSD não a viabilizará (o que significa - isto dizemos eu e os meus botões - que, afinal, nas circunstâncias actuais, a referida moção serve essencialmente os interesses do Governo de Sócrates...)

Prosseguindo a reflexão, lembrámo-nos - eu e os meus botões - de outro anúncio público protagonizado pelo líder Louçã, também à revelia do órgão colectivo que é (devia ser...) a Mesa Nacional: o anúncio do apoio à candidatura de Manuel Alegre, a qual, como era previsível, viria a ser apoiada pelo partido do Governo...

E concluímos - eu e os meus botões - que este protagonismo do líder, esta repetida atitude de decidir sozinho e anunciar o que sozinho decidiu sem dar cavaco aos liderados, faz parte das normas de funcionamento do partido BE.

E concluímos, finalmente - eu e os meus botões - que são assim os partidos burgueses. Todos. Sem excepção.
Do centralismo democrático - que odeiam e combatem encarniçadamente - adoptam apenas e só o centralismo... e, à decisão democrática (tomada colectivamente e aplicada colectivamente), preferem a decisão tomada pelo todo poderoso líder - que, esse sim, é que sabe...

(no final desta reflexão colectiva, perguntei aos meus botões: já repararam que todos os governantes que, durante 30 anos, não se cansaram de apoiar os crimes do ditador Mubarak, não se cansam, agora, de festejar o derrubamento do seu ex-amigo do peito?
E eles, os meus botões, responderam: sabes bem que os líderes são assim...)

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


O PINTOR DE TABULETAS FALA DE GRANDES TEMPOS FUTUROS.

As florestas crescem ainda.
Os campos dão frutos ainda.
As cidades estão de pé ainda.
Os homens respiram ainda.


Brecht

SE...

A televisão mostra imagens do povo em festa, na Praça Tahrir.
E diz, em rodapé:

«Mubarak demitiu-se - Obama falará às 18H30»

Querem apostar que o Obama vai apresentar-se como uma espécie de herói da libertação?...


De destacar, para já, é o facto de a vitória que foi demissão do ditador - que, durante 30 anos foi o homem de mão dos EUA no Egipto - exemplificar de forma clara a força imparável das massas em movimento.
A mostrar, também, que... mais, muito mais do que esta primeira vitória é possível. Se...


POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


Os de cima dizem: no exército
reina a comunhão do povo.
Se é verdade ou não, ficais a sabê-lo
na cozinha.

Nos corações deve
haver a mesma coragem. Mas
nas marmitas há
comer de duas espécies.


Brecht

NO EGIPTO, A LUTA CONTINUA

Dizem os jornais que «Barack Obama e Hillary Clinton estão desiludidos» com o rumo das coisas no Egipto.
E por que é que os patrões estão «desiludidos»?: porque confiavam em que Suleiman (o vice-presidente recém nomeado por Mubarak) «controlasse os manifestantes e pusesse termo à crise»... e afinal, apesar das promessas feitas por Suleiman - «de aumento dos salários e das reformas e de não perseguir ninguém» - as manifestações de massas (ou seja: «a crise», na visão Obama/Clinton) não só não param como aumentam de força e intensidade...

Com efeito, os manifestantes continuam a ocupar a Praça Tahrir, no Cairo, bem como outras praças noutras cidades (Alexandria, Suez, Ismailia e Port Said), e deram mesmo um significativo passo em frente: cercaram o Parlamento, na capital.
Para além disso, as greves sucedem-se por todo o país: «O Egipto está praticamente parado».
Acresce ainda que os manifestantes subiram a fasquia reivindicativa em relação a Mubarak: agora, não exigem apenas a demissão do ditador, e muito menos querem que ele saia do país: exigem que ele seja julgado, no Egipto, pelos crimes que cometeu e pelo dinheiro que roubou - que se calcula andar pelos 50 mil milhões de dólares (que é, mais ou menos, o correspondente à fortuna de Bill Gates...)
Tudo razões para que as «desilusões» de Obama/Hillary sejam cada vez maiores...

Na verdade, não há nada como a luta dos oprimidos para criar «desilusões» aos opressores.

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


Não vamos agora discutir
se explorámos o poder quando o tínhamos.
Agora já não temos o poder.

Não vamos agora falar
sobre se isto vai sem violência.
Agora foi a violência que nos derrubou.


Brecht

até sempre, camarada!

morreu o Saragaço.

«PARVA QUE SOU» INCOMODA MUITA GENTE

O êxito fulgurante da canção dos Deolinda - o tiro certeiro que ela é nas condições vividas por milhares e milhares de jovens e o impacto que teve junto de vastos segmentos das massas juvenis às quais se dirige - está a incomodar muita gente.
Obviamente, gente que, por tradição, vocação e... profissão, tem por dever incomodar-se com tudo o que, minimamente, belisque a ordem reinante e a opressão e a exploração que a sustentam - e que estão na origem das situações denunciadas na canção.

Na última página do Correio da Manhã de hoje, o habitual cronista de serviço à habitual coluna da direita - por ele significativamente designada Diário da Manhã (que foi título do órgão oficial do fascismo salazarista) - dispara, furioso, sobre «Parva que Sou» e os seus autores.
Num texto muito ao estilo das crónicas salazarentas de antanho, vomita ele: «para não se falar de coisas sérias (...) arranjam-se umas canções imbecis, com letras medíocres para salivar uns tantos lugares comuns» - e, prosseguindo na salivação, cospe assim: «ponham as Deolindas idiotas no caixote do lixo e deixem de ser parvos»...

Também na última página do Diário de Notícias de hoje, o habitual cronista de serviço à habitual coluna da direita - a pretexto do caso de uma senhora idosa que, na Inglaterra, se atirou a uns gatunos que se preparavam para assaltar um cidadão, na rua - conclui que uma atitude como a da velha senhora inglesa, «vale mais do que o choro dos Deolinda»...

Vindas de quem vêm, estas opiniões constituem rasgados elogios à canção dos Deolinda.

POEMA

DA «CARTILHA DE GUERRA ALEMû


OS OPERÁRIOS GRITAM POR PÃO.
Os comerciantes gritam por mercados.
O sem trabalho passou fome. Agora
passa fome o que trabalha.
As mãos que estiveram pousadas no regaço, mexem-se de novo:
fazem granadas.


Brecht

MAS...

Fazendo o balanço à evolução da postura dos EUA face à situação no Egipto, constata-se que:

primeiro, reafirmaram o seu apoio ao regime de Mubarak - era esse, então, o caminho para manter tudo como está há 30 anos;
depois, quando as manifestações de massas atingiram maior dimensão e o regime tremeu, correram a dizer que era necessário mudar, mas que a «transição» tinha que ser «democrática e pacífica» - para manter tudo como está há 30 anos;
na fase seguinte, quando dois milhões de egípcios encheram as ruas das principais cidades do país, exigiram «a transição, agora», e avisaram, severos: «agora, quer dizer: agora» - para manter tudo como está há 30 anos;
entretanto, foram manobrando como só eles sabem, puxando todos os cordelinhos necessários para que «a transição», quando chegar, permita manter tudo como está há 30 anos;
ontem, vieram dizer que «em vez da saída imediata de Mubarak, preferem uma transição gradual». Porque, dizem, «se ele saísse agora, não haveria tempo para organizar eleições credíveis». Assim, declaram o seu apoio ao Mubarak, ao Suleiman, enfim a todos os que estão em condições de assegurar «eleições credíveis»... - para manter tudo como está há 30 anos.

Mas, como se fartaram de garantir, nada de ingerências nos problemas internos do Egipto...
Ontem mesmo, Hillary Clinton, em tom sério, explicava: «não devemos dizer aos egípcios: «queremos que façam isto».
Isso nunca! Era o que faltava!
E, sempre sem se rir, a Clinton explicou: «O que dizemos aos egípcios é: " é isto que queremos ver feito no fim do processo"».
A diferença entre o que «não devemos dizer» e «o que dizemos» é substancial, como se vê...
E é nessa diferença que reside o segredo para manter tudo como está há 30 anos.

Entretanto, «a Praça Tahrir continua ocupada por milhares de pessoas».
Dado crucial, esse, na medida em que é no prosseguimento da luta das massas populares que reside o outro segredo: o da mudança de facto...
Objectivo difícil, muito difícil, de alcançar. Mas...

POEMA

NA PAREDE ESTAVA ESCRITO A GIZ:
«Queremos a guerra.»

O que escreveu isto
já caiu morto.


Brecht

EXPLORADORES E EXPLORADOS

«Classes Sociais e Desigualdade na Saúde» é um trabalho do sociólogo Ricardo Martins, hoje referido no Público.
De acordo com o estudo, «a classe a que se pertence é que determina a maior ou menor longevidade das pessoas» - pelo que «os operários morrem mais cedo»...
Dito de outra forma: «os mais ricos e mais qualificados vivem, em média, mais dez anos do que os mais pobres e com menos qualificação».
Dito por palavras minhas: os exploradores vivem, em média, mais dez anos do que os explorados.

Fica assim demonstrado... o que já sabíamos: que a exploração é um crime. Em massa.
E que o capitalismo, que vive da exploração de uma maioria (os que morrem dez anos mais cedo) por uma minoria (os que vivem dez anos mais), vive do crime em massa e é o maior inimigo da espécie humana.

Estou em crer que o próximo estudo sobre a matéria nos revelará dados muito mais graves. Com efeito, o capital recorre, cada vez mais - e mais generalizadamente - a métodos de exploração que roubarão ainda mais tempo de vida a quem trabalha e vive do seu trabalho.
O desemprego e a precariedade crescentes; a crescente insegurança do emprego: o crescente agravamento das condições de trabalho e de vida da imensa maioria dos portugueses - tudo gerando, por um lado, aumentos criminosos dos lucros dos exploradores e, por outro lado, aumentos criminosos da pobreza, da miséria, da fome, da exclusão, da injustiça - conduzirão inevitavelmente ao aumento das diferenças na longevidade entre exploradores e explorados.

A não ser que consigamos, entretanto, correr do poder, através da luta, com a cambada de criminosos que há mais de 34 anos o detém e o utiliza para aumentar a exploração - que mata.
E tenhamos em conta que, lutando contra a política de direita, é pela vida que lutamos.

POEMA

CANÇÃO DA FUNDAÇÃO DO NATIONAL DEPOSIT BANK



Pois não é?: fundar um banco
é bom para preto e branco.
Se o dinheiro se não herda,
arranjai-o; senão - merda!
Boas são pra isso acções;
melhores que facas, canhões.
Só uma coisa é fatal -
capital inicial.
Mas, quando o dinheiro falta,
donde vem, se não se assalta?
Ai! não nos vamos zangar!:
donde outros o vão tirar.
De algum modo ele viria
e a alguém se tiraria.


Brecht

«DEMOCRACIA» E DEMOCRACIA...

Os EUA - e os seus comparsas habituais - apoiam a ditadura de Mubarak há 30 anos.
Nessas três décadas nunca se lembraram da «democracia», nem da «liberdade», nem dos «direitos humanos»: pura e simplesmente sustentaram a ditadura que desprezava brutalmente a democracia, a liberdade e os direitos humanos.

Agora, quando o povo saiu à rua, massivamente, a dizer «basta!» e o regime ditatorial se aproxima do seu fim, os EUA - e os seus comparsas habituais - lembraram-se da «democracia», da «liberdade» e dos «direitos humanos»...
Por isso desenvolvem todos os esforços para que ao regime ditatorial de Mubarak - que tem servido fielmente os interesses do grande capital - se suceda um regime «democrático» chefiado por um qualquer mubarak «democrata» - ao serviço dos mesmos interesses...

Tudo isto a confirmar que o grande capital é extremamente pragmático em matéria de defesa dos seus interesses: ora se apresenta como fervoroso defensor da «democracia», ora silencia os fervores «democráticos» e apoia uma qualquer ditadura fascista.
É claro que ele prefere a «democracia» - parece estar provado que explorar em «liberdade» é mais rentável... - mas se a exploração só for possível através da ditadura, ele não hesita.
Ou seja: tudo, menos a Democracia.

(os portugueses conhecem bem - deviam conhecer... - essas duas faces da moeda capitalista:
o mesmo grande capital que foi suporte fundamental do fascismo durante quase meio século, é suporte fundamental da democracia burguesa em que vivemos há quase 35 anos).


Hoje, no Egipto, os EUA - e os seus comparsas habituais - tentam a todo o custo impor a sua «democracia».
E é provável que o consigam.
Em todo o caso, as gigantescas acções de massas das últimas semanas mostram que a força do povo em luta pode ser imparável no caminho que conduz à Democracia.

POEMA

EXPULSO, E COM RAZÃO


Eu cresci como filho
de gente abastada. Os meus pais puseram-me
um colarinho ao pescoço e criaram-me
nos costumes de ser servido
e ensinaram-me a arte de mandar. Mas
quando já era crescido e olhei à minha roda,
não me agradou a gente da minha classe,
nem o mandar nem o ser servido.
E eu abandonei a minha classe e juntei-me
à gente pequena.

Assim
criaram eles um traidor, educaram-no
nas suas artes, e ele
atraiçoa-os ao inimigo.

Sim , eu divulgo segredos. Entre o povo
estou eu e explico
como eles enganam, e predigo o que vai vir, pois eu
estou iniciado nos seus planos.
O latim dos seus padres corruptos
traduzo-o palavra a palavra para a língua comum,
e então se descobre que é tudo pantomina.
A balança das sua justiça
tiro-a pra baixo e mostro os pesos falsos.
E os seus informadores vão dizer-lhes
que eu estou com os roubados que conjuram
a revolta.

Admoestaram-me e tiraram-me
o que ganhei com o meu trabalho. E quando eu não melhorei,
deram-me caça, porém
já só havia
escritos em minha casa, que descobriam
os seus conluios contra o povo. E assim
perseguiram-me com um mandato de captura
que me acusava de opiniões baixas, isto é:
de opiniões dos de baixo.

Aonde chego, fico marcado
pra todos os possidentes, mas os que nada têm
lêem o mandato e
dão-me abrigo.
«A ti» - ouço eu dizer -
«Expulsaram-te eles, e
com razão».



Brecht

A CANÇÃO DOS DEOLINDA GANHOU ASAS

Talvez com mais rigor: os versos da canção dos Deolinda ganharam asas.
Certamente porque milhares e milhares de jovens se identificaram com os versos, sentiram que «aquilo» lhes dizia respeito, que eram eles os protagonistas daquela história contada/cantada em jeito de canção de intervenção...
Eles: a tal «geração dos sub-30» - geração sem direitos, geração do desemprego ou do emprego precário e precaríssimo, e «sem remuneração»;
geração sem horizontes, «porque isto está mal e vai continuar»;
geração sem casa, própria ou alugada, adiando «filhos, marido», valendo-se da «casinha dos pais» e conformada: «pra quê querer mais?»;
geração formatada pela ideologia das inevitabilidades e do não-vale-a-pena: «vou queixar-me para quê?» - se a TV mostra todos os dias que «há alguém bem pior do que eu»...;
geração que, sendo o que é porque assim a fizeram ser, talvez seja capaz de, um dia destes, dizer de si própria: «que parva que eu sou!»...
Que o mesmo é dizer - propõem, incisivos, os Deolinda - «e parva não sou!», porque «eu já não posso mais/que esta situação dura há tempo demais»...
E é tempo de lhe pôr termo, não é verdade?
Então, vamos a isso.

«Verso a verso, fomos sentindo o público a apropriar-se da canção e a tomá-la como sua»: dizem os Deolinda, comentando a reacção unânime das pessoas à primeira audição da canção.

Que se apropriem dela plenamente, é o que o Cravo de Abril deseja, que a tomem, de facto, como sua: que a cantem num coro imenso de exigência imperativa dos direitos a que têm direito.

POEMA

LOUVOR DO REVOLUCIONÁRIO


Quando a opressão aumenta
muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.
Ele organiza a luta
pelo tostão do salário, pela água do chá
e pelo poder no Estado.
Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?

Onde quer que todos calem
ali falará ele
e onde reina a opressão e se fala do Destino
ele nomeará os nomes.

Onde se senta à mesa
senta-se a insatisfação à mesa
a comida estraga-se
e reconhece-se que o quarto é acanhado.

Pra onde quer que o expulsem, para lá
vai a revolta, e donde é escorraçado
fica ainda lá o desassossego.


Brecht

DOMINANTES E DOMINADOS

Enquanto, por lá, os dominantes se desdobram em iniciativas diversificadas visando perpetuar o seu domínio - e a luta continua, com os dominados a promoverem, hoje, uma «mega-manifestação para exigir a saída de Mubarak»,

por cá, os dominantes prosseguem a política de desastre com a qual, ao longo de 34 anos, afundaram o País - e a luta continua, com os dominados a promoverem, neste mês de Fevereiro, na sequência das acções que levaram a cabo há uma semana em todas as capitais de distrito, lutas na Administração Pública, nos CTT, na Transtejo, nos TST, na Carris...

Trata-se, lá e cá, no essencial, da mesma luta: a luta pelos direitos a que todos os seres humanos, pelo simples facto de existirem, têm direito - mas que lhes são recusados pelos dominantes.

É uma luta difícil, esta, que a classe dos dominados trava contra a classe dos dominantes - muito difícil, a exigir muito esforço, muita coragem, muita determinação, muita confiança, muita perseverança.
E muita unidade: a unidade dos dominados é uma das suas fontes de força essenciais - é mais de meio caminho andado para a vitória... que chegará, com a luta.

Porque, com a luta, «as coisas não continuarão a ser como são».
Porque, com a luta, «depois de falarem os dominantes, falarão os dominados».

POEMA

ELOGIO DA DIALÉCTICA


A injustiça avança hoje a passo firme.
Os tiranos fazem planos para dez mil anos.
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são.
Nenhuma voz além da dos que mandam.
E em todos os mercados proclama a exploração:
isto é apenas o meu começo.
Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem:
Aquilo que nós queremos nunca mais o alcançaremos.

Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes
falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, quem há aí que o retenha?
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca, será: ainda hoje.


Brecht

NO EGIPTO, A LUTA CONTINUA

Parece não haver dúvidas sobre a origem dos provocadores e das provocações que, ontem, no Cairo, provocaram a morte de pelo menos cinco pessoas e centenas de feridos.
Dizem as notícias que «os apoiantes de Mubarak demonstraram ser agitadores profissionais», «polícias à paisana», que «actuam de forma violenta e organizada» e «com missões bem definidas»...

Tais ocorrências não são, também, motivo de surpresa: a história está cheia de exemplos deste tipo de actuações por parte dos que não olham a meios na sua ânsia de liquidar a luta dos trabalhadores e dos povos pela sua libertação e emancipação - e, neste caso, quem oprime e reprime um povo durante 30 anos, não hesitará em oprimir e reprimir para se manter no poder.
No entanto, e apesar de tudo isso, parece que, no Egipto, a luta vai continuar.

Também não surpreende o facto de o Governo dos EUA ter assumido às claras o seu papel de dono e senhor, tratando o Egipto e o povo egípcio como propriedade sua.
A verdade é que nessas três décadas - em que o ditador local cumpriu fielmente as instruções do amo e senhor - o imperialismo norte-americano não teve necessidade de exibir publicamente o poder absoluto de que dispunha - e é, talvez, por isso que a palavra de ordem «americanos vão para a vossa casa» não faz parte ( e é pena, ó se é!...) das utilizadas pela multidão que se manifesta contra o regime de Mubarak...

Não surpreende, finalmente, a desfaçatez e a desvergonha com que os comentadores de serviço aos interesses dos EUA - todos com lugar cativo nos média dominantes - abordam o domínio do boss sobre o Egipto.
Eles «comentam» partindo da ideia de que esse domínio é coisa natural, necessária, indispensável, incontestável, legítima - ideia que muito lhes facilita a escrita e com a qual julgam esconder o estado de abjecção em que estão mergulhados.

Todavia, do outro lado desse mundo caduco e sórdido - de dominadores, ditadores e criados para todo o serviço - uma outra realidade existe: a dos que, enfrentando todos os obstáculos, dificuldades e perigos, lutam.
Como no Egipto, onde a luta continua.

E o futuro é dos que lutam - dos que não desistem de lutar.

POEMA

QUEM É O TEU INIMIGO?


Ao que tem fome e te rouba
o último pedaço de pão, chama-lo teu inimigo.
Mas não saltas ao pescoço
do teu ladrão que nunca teve fome.


Brecht

UM GRANDE PASSO EM FRENTE

A formidável greve geral dos trabalhadores egípcios e as gigantescas manifestações que - no Cairo e em outras cidades como Alexandria, Suez, Mansoura - superando as expectativas dos seus promotores, juntaram mais de 2 milhões de pessoas, constituem um grande êxito da luta contra a ditadura de Mubarak, apoiada pelos EUA & Cia. - e evidenciaram a possibilidade real de derrubar o regime ditatorial.
O dia 1 de Fevereiro de 2011 ficará certamente como uma página de ouro na história da luta dos trabalhadores e do povo do Egipto.

Apesar da força da luta, o ditador recusou demitir-se, optando por seguir os conselhos de Obama que o havia incitado a anunciar, apenas, que não se recandidataria nas eleições presidenciais de Setembro...
Quer isto dizer que... há muito que lutar, ainda, para que o objectivo de derrubar o regime seja alcançado - e muito mais há que lutar para conseguir uma mudança de facto, isto é: uma mudança ao serviço dos interesses dos trabalhadores e do povo.

Para já, o resultado é altamente positivo: as massas trabalhadoras e populares paralisaram o país e encheram as ruas num poderoso protesto e numa clara exigência.
O resto virá a seguir - se a luta tiver a continuidade necessária.

Como é sabido, a luta nem sempre tem efeitos imediatos - aliás, raras vezes tem.
Se assim não fosse, tudo seria muito mais fácil (no nosso caso, por exemplo, com as impressionantes lutas que temos travado contra a política de direita, há quanto tempo teríamos já corrido com ela e com os seus executantes?)

A meu ver, o maior obstáculo que se ergue frente à luta em curso no Egipto, é a presença e a acção do imperialismo norte-americano e dos seus ecos europeus.
Eles tudo farão para cercar a luta, desviando-lhe o sentido, enfraquecendo-a, promovendo a divisão - e acenando com «soluções» que lhes permitam continuar a ter um presidente e um regime ao serviço dos interesses dos EUA.

O futuro dirá se os trabalhadores e o povo egípcios conseguirão libertar-se desse cerco e avançar com audácia até, sabe-se lá!, à conquista do céu...

Uma coisa é certa: a greve geral e as manifestações de ontem foram um grande passo em frente na luta.
E é isso que o Cravo de Abril saúda.

POEMA

FÁBULA


O lobo foi ter
com a galinha
e disse-lhe:

«Devíamos conhecer-nos
melhor para vivermos
com amor e confiança»

A galinha achou bem
e foi com o lobo.

Foi por isso que as suas
penas ficaram espalhadas
por todo o lado.


Brecht

O FUTURO DO EGIPTO

Três notas sobre o Egipto actual:

1 - Mubarak deu posse a um governo, de imediato apoiado por Israel - pudera!... - e composto por partidários de longa data do seu regime.
O «novo» governo promete «reformas», «emprego» e etc...
É o ditador egípcio, desesperadamente agarrado ao poder, procurando a todo o custo manter-se e prosseguir a política que há 30 anos vem fazendo: uma política oposta aos interesses dos trabalhadores e do povo egípcio; uma política de autêntica traição nacional.
É significativo que governantes dos EUA venham a público louvar a acção de Mubarak na defesa dos interesses do imperialismo norte-americano na região.
Mubarak conta, naturalmente, com todo o apoio dos EUA (e dos seus lacaios na Europa) que só o deixarão cair se, de todo em todo, não puderem segurá-lo.
É o imperialismo a tentar, desesperadamente, cortar os caminhos do Futuro ao povo egípcio.

2 - As Forças Armadas egípcias, num comunicado ontem divulgado, afirmam considerar «legítimas as reivindicações populares» e asseguram que «não vão recorrer ao uso da força contra o povo» - acrescentando que «a liberdade de expressão de forma pacífica é uma garantia para todos».
É uma posição digna de registo e que pode vir a ter influência positiva no Futuro do Egipto.

3 - Para hoje está prevista uma greve geral e uma manifestação para a qual os organizadores contam com 1 milhão de participantes.
O êxito destas iniciativas afigura-se como decisivo para determinar o futuro imediato do Egipto - e pode vir a sê-lo, igualmente, em relação ao Futuro a mais longo prazo.

É pelo Futuro que os trabalhadores e o povo egípcio lutam - e conquistá-lo-ão.

POEMA

LOUVOR DO COMUNISMO


É razoável, quem quer o entende. É fácil.
Tu não és nenhum explorador, podes compreendê-lo.
É bom para ti, informa-te dele.
Os estúpidos chamam-lhe estúpido, e os porcos chamam-lhe porco.
Ele é contra a porcaria e contra a estupidez.
Os exploradores chamam-lhe crime.
Mas nós sabemos:
Ele é o fim dos crimes,
não é nenhuma loucura, mas sim
o fim da loucura,
Mas sim a solução,
É o fácil
que é difícil de fazer.


Brecht