Um Negócio Familiar


Em 2013, todos nos recordamos, a vitória de Rui Moreira nas eleições para a Câmara Municipal do Porto foi saudada com o entusiasmo baboso de que só a nossa imprensa pacóvia e servil é capaz. Volvidos três de gentrificação, esvaziamento do centro da cidade para encher de hotéis e bares movidos a trabalho precário, enquadramento e funcionalização da arte de rua, e higienização social e urbana onde essa funcionalização não chegou, ainda faltavam as negociatas manhosas ou mal explicadas. Como no velho adágio sobre a justiça, também no poder local onde é a troika nacional que manda (mesmo fingindo-se de independente), os escândalos tardam mas não falham.

Demos voz à explicação do próprio: segundo este artigo, Rui Moreira e os familiares adquiriram terrenos na Arrábida em 2001, que vieram a ser declarados inadequados para construção pelo PDM de 2006. Em 2012 um estudo do LNEC sustentou a possibilidade técnica da edificação nos terrenos (e todos sabemos que quem faz política são os técnicos…), não sendo tal estudo acolhido pela CMP. Nada de grave: em 2014, já com um dos sócio das empresa na Presidência do Município, e quando os tribunais instavam a empresa de Rui Moreira e a câmara de Rui Moreira a chegar a acordo para não proferir uma sentença, a Vice-Presidente da Câmara do Porto, Guilhermina Rego, fez um acordo onde "ficou estabelecido que a decisão seria tomada na revisão do PDM e, caso esta, mesmo assim, não viesse a contemplar a edificabilidade, teria a empresa o direito, querendo, a recorrer a um tribunal arbitral".

O camarada Pedro Carvalho, que Rui Moreira acusa de fazer campanha suja, elencou, à luz destes acontecimentos, uma soma de perguntas que qualquer pessoa de bom senso não pode evitar fazer e que podem ser lidas aqui: "este acordo, apesar de ter sido assinado em 2014, não foi levado a reunião de Câmara. O acordo compromete a Câmara a tomar diligências para alterar o PDM de acordo com as pretensões da empresa Selminho, o que entra em contradição com as posições que esta tomou no passado (rejeitando essas pretensões na revisão do PDM de 2006 e na alteração do PDM de 2012, com pareceres negativos dos serviços camarários do ambiente e urbanismo) e, no meu entender, acaba por reconhecer de facto direitos construtivos a esta empresa que até então não os tinha. Com a possibilidade, caso as pretensões da empresa não sejam satisfeitas na revisão do PDM em curso, de esta poder recorrer a um tribunal arbitral (onde cada parte elege um representante e as duas partes elegem um terceiro para presidir), para reclamar uma indemnização. Tudo à revelia do vereador do Urbanismo, que afirmou desconhecer completamente o assunto! Quem tomou, então, esta decisão e quais as razões da mesma? Diz Moreira que as probabilidades de sucesso da Câmara em tribunal eram pequenas? Quem apurou essas probabilidades? Os mesmos que diziam que a vitória da França na final do Europeu eram "favas contadas"? Diz, também, que a Câmara se atrasou a entregar as suas alegações em tribunal favorecendo a Selminho: já apurou responsabilidades?"

O mais natural é que as respostas de Rui Moreira, num exercício "cavacal" de berreiro histérico sobre ser preciso nascer duas vezes para lhe poder questionar a honestidade, nunca cheguem. O respeito pelos munícipes do Porto, patente no abandono da reunião com os vereadores eleitos para lhes responder escondido atrás do teclado do computador nas páginas do JN, esse, está demonstradíssimo. Como demonstrada fica a falência da tese dos independentes como panaceia para o revigoramento moralista da política portuguesa. Fossem as coisas tão fáceis como isso e fosse a política uma questão de probidade! A política é uma questão de classe e de defesa dos interesses de uma classe. Coisa que Rui Moreira, como vemos na imagem acima, sempre deixou claro como ia fazer. Surpresa só no quão literal esta defesa do seu capital se revelou.

Europeísmo é Colaboracionismo



O Ecofin, reunido ontem, apoiou por unanimidade a aplicação de sanções a Portugal e Espanha por incumprimento dos objectivos do défice pela Comissão Europeia. Sim, a mesma Comissão Europeia cujo Presidente já disse que não aplicará sanções a França pelo mesmo motivo porque «a França é a França». E sim, unanimidade quer dizer todos, inclusive o Ministro das Finanças grego, do Syriza. Os europeístas são todos boa gente.

Elefante no meio da sala da política europeia, sobretudo da política da esquerda, o antieuropeísmo revela-se em absoluto indissociável da causa da liberdade e da revolução. O cárcere europeu, xenófobo, securitário, neoliberal, antidemocrático, e crescentemente agressivo, onde as vergastadas caem sempre sobre os mais pobres, e onde toda e qualquer instituição consagrada em tratados não passa de uma entidade ficcional, é um lugar irrespirável para qualquer pessoa com o menor respeito pelas liberdades elementares. É-o ainda mais para quem não tolera o esmagamento dos trabalhadores pelo capital, que esta organização leva a efeito. De uma prisão deste tipo só nos resta libertar-nos, sem olhar para trás. Sem alimentar ilusões, vergonhosas nesta fase dos acontecimentos e com tudo o que já vimos, na possibilidade de regenerar essa mesma prisão. Como nunca antes, o europeísmo, o mais tangencial europeísmo, é colaboracionismo.

A esquerda está portanto interpelada pela história para assumir, de uma vez, as tarefas de libertação anti-imperialista que lhe cabem. Sem amarrar o proletariado aos interesses de uma pretensa burguesia patriótica, sem ceder a um etapismo processional e dilatório, sem dissolver os interesses do proletariado no das classes intermédias em defesa de uma democracia geral e abstracta (a tal que Lenine atirava a Kautsky que não existia), rumando ao socialismo, a esquerda deve começar por romper com a UE. Toda e qualquer organização que não perceba ter esta tarefa, que titubeie e estremeça diante dela, que hesite e se esconda em meias frases e meias fórmulas, não merece o apoio das massas. Saibamos, porque nunca foi tão claro fazê-lo, romper pela via que nos vai libertar, evitando os becos sem saída.