POEMA

FLORILÉGIO


um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão
um patrão

Tão longa
procissão,
tão curto
o pão.

Francisco Viana

OS CONVIDADOS

Numa sucessão initerrupta, o Clube de Bilderberg vai convidando para as suas tradicionais reuniões «figuras prometedoras, que podem ascender à governação dos seus países».
Postas as coisas assim, dir-se-ia que o Clube é uma inofensiva instituição com superiores poderes de adivinhação e sem qualquer tipo de interferência na marcha dos destinos dos seus convidados especiais. Nada mais falso: ali decidem-se «governações», com os poderes que só o grande capital possui... - «governações» que, porque assim escolhidas, são autênticos executivos dos interesses de quem os escolheu.

Por lá passaram - antes de... - Guterres, Barroso, Santana Lopes, Sócrates - e lá lhes foram traçados os respectivos destinos...

Na última reunião do Clube - realizada em 6 de Junho, em Virgínia, EUA - os convidados foram António Costa e Rui Rio.

Vamos lá ver se, desta vez, através da luta, conseguimos cortar as voltas aos adivinhadores de Bilderberg e conquistar um governo de gente séria, presidido por um primeiro-ministro sério.
Já era tempo, não acham?

POEMA

TURNO

primeiro a neve.

depois da última neve
o primeiro filho.

depois das últimas dores de parto
a primeira comunhão.

depois da última porcaria
o primeiro amor.

depois da última palavra
a primeira hipoteca.

depois do último centavo
a primeira guerra mundial.

depois da última advertência
o primeiro fiscal.

depois da última instância
o primeiro clube de futebol de nuremberg.

depois da última camisa
o primeiro auxílio.

depois da última idiotice
o primeiro violino.

depois da última honraria
o primeiro cantar do galo.

depois da última porcaria

por fim

a primeira neve.


Hans Magnus Enzensberger

TERRORISMO (1)

Os jornais de hoje - todos - divulgam um protesto de um vereador do PS na Câmara do Seixal - José Assis - contra aquilo a que o dito vereador chama «a presença das FARC na Festa do Avante!» - «presença» que muito incomoda o vereador o qual, invocando nem mais nem menos do que a «comunidade internacional», acusa as FARC de «grupo terrorista».

É sabido que a caracterização das FARC como «grupo terrorista», tão diligentemente papagueada pelo vereador do PS, foi feita por quem, de facto, é responsável pelo maior centro de terrorismo do mundo: os EUA.
Mas deixemos isso, por agora, e sublinhemos aquilo que, por agora, é o mais importante, a saber: a declaração do vereador Assis sobre «a presença das FARC na Festa do Avante! é falsa! FALSA!
E tão falsa é, que só pode ser explicada por uma intencional vontade do vereador de, através da mentira, alimentar um velho e falso facto político, recorrente todos os anos por esta altura e sempre visando escuros, sujos objectivos políticos.

Afinal, fazendo o que fez, o vereador do PS praticou um verdadeiro acto de terrorismo político.
Matéria na qual, como se sabe, o partido do vereador Assis tem vasta, vastíssima experiência.

E RECORDAR...

Para os que o viram e se recordam dele com ternura...
Para aguçar o apetite aos que ainda não o viram...
Para os que com ele recordam a infância...

POEMA

O SONÂMBULO E O OUTRO

Durante a noite não pregou olho.
Seguia os passos do sonâmbulo sobre o tecto.
Cada passo, pesado e ôco,
ressoava infindamente num canto
vazio de si próprio.
Fica à janela, esperando
apará-lo nos braços, se viesse a cair.
Mas se o outro o arrastasse na queda?
Era a sombra de um pássaro na parede?
Uma estrela? Era o outro? As suas mãos?


Ouviu-se um baque surdo no pavimento.
Amanhecia.
Abriram-se janelas. Os vizinhos acorreram.
O sonâmbulo descia rapidamente
as escadas de serviço
para acudir àquele que tombara da janela.

Yannis Ritsos

O ARGUEIRO E A TRANCA...

Título de 1ª página de «Le Monde»:
«No Zimbabwe é preciso votar "Mugabe", senão...»

Cravo de Abril: Na União Europeia é preciso votar «Sim» ao Tratado, senão...

Obviamente, o que está aqui em causa não é o atropelo democrático, o desprezo pelo sufrágio universal que, quer no Zimbabwe quer na União Europeia transformam as eleições numa farsa.
O que está em causa é a dualidade de critérios dos média europeus, condenando no Zimbabwe aquilo que aplaudem na Europa.

Trata-se de, como há dois mil anos dizia S. Mateus, «ver o argueiro no olho alheio e não ver a tranca no seu».

POEMA

ENSAIO DE CÂNTICO NO TEMPLO

Ah, que farto que eu estou da minha
cobarde e velha terra, tão selvagem,
e como gostaria de abalar
para o norte
onde dizem que a gente é
limpa e nobre, culta e rica,
viva, livre, feliz!
Então, na confraria, os irmãos diriam
reprovando: «Como pássaro que deixa o ninho,
assim o homem que deixa o lugar»,
enquanto eu, bem longe, riria
da lei, da sabedoria
antiga desta terra tão ávida.

Porém de que me serve prosseguir um sonho -
aqui hei-de ficar até morrer,
pois cobarde e selvagem também eu o sou,
e além disso amando
com dor desesperada
esta pobre,
suja, triste, desgraçada pátria minha.

Salvador Espriu

ISTO ANDA TUDO LIGADO

Diz o DN que Durão Barroso «tem passado por Lisboa nos últimos tempos para pôr algumas coisas em dia».
Que tipo de coisas?
Por exemplo: na segunda-feira recebeu um grupo de estudantes universitários norte-americanos, vindos da famosa Universidade de Georgetown - mais do que famosa, aliás, já que se trata de uma universidade que, segundo se diz sem desmentidos, «é completamente dominada pelas altas esferas norte-americanas, incluindo a CIA».

Obviamente, a recepção de Durão Barroso aos jovens estudantes norte-americanos nada tem a ver com essas características ciáticas, digamos assim, da famosa universidade.
Tem tudo a ver, isso sim!, com o facto de Durão Barroso ter passado pela Universidade de Georgetown «algumas temporadas entre 1996 e 1999 para preparar um doutoramento».
Doutoramento que, diga-se em abono da verdade, não chegou a concluir.
Não por falta de capacidades do actual Presidente da Comissão Europeia, mas por... falta de tempo: como estamos lembrados, Barroso foi chamado ao clube Bilderberg em 1994, era então ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva - essa primeira presença no clube que escolhe os governantes do grande capital, parece ter sido decisiva na carreira deste assanhado ex-esquerdista. Em 1995 candidatou-se a líder do PSD, as coisas não lhe correram de feição e foi então que tomou a decisão suprema de passar umas «temporadas» na universidade da CIA - que, ao que tudo indica, funcionou neste caso mais como apêndice do clube de Bilderberg do que como local onde as pessoas vão doutorar-se...
E a verdade é que Barroso deixou Georgetown para passar a líder do PSD e, logo a seguir, a primeiro-ministro. Nestas funções, fez três dias de criado de Bush/Blair/Aznar nas Lages, e recebeu como paga o cargo de Presidente da Comissão Europeia.
A comprovar que... isto anda tudo ligado.

POEMA

CONFIANÇA


O que é bonito neste mundo, e anima,
é ver que na vindima
de cada sonho
fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
que se não prova
se transfigura
numa doçura
muito mais pura
e muito mais nova...

Miguel Torga

AGUARDEMOS

A Comissão Nacional Justiça e Paz solicitou ao Parlamento que reconheça a pobreza como uma violação dos direitos humanos.
A questão vai ser debatida na próxima quinta-feira e há naturais expectativas sobre a decisão que será tomada.

Em princípio, os partidos da política de direita deveriam estar preocupados com tal debate: por razões várias, a mais importante das quais reside no facto de serem esses partidos os executores da política responsável pela existência em Portugal de mais de 2 milhões de pobres.
Ora, se a pobreza passar a ser considerada como violação dos direitos humanos, é imperioso concluir igualmente que esses partidos violam os direitos humanos desde há, pelo menos, 32 anos.
E, porque os responsáveis têm nome, há que escrever na lista negra dos violadores dos direitos humanos... todos os nomes - desde Mário Soares a José Sócrates, passando por Pinto Balsemão/Freitas do Amaral, Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso/Santana Lopes, isto para falar apenas de primeiros-ministros, porque se, como é justo fazer, incluirmos os nomes dos ministros, secretários e sub-secretários de Estado, enfim de todos os membros de todos os governos, então a lista é infindável...

É claro que, independentemente do que, na próxima quinta-feira, o Parlamento decidir sobre a matéria, a pobreza é, de facto, uma brutal violação dos mais elementares direitos humanos.
E o facto de até agora não ter sido considerada como tal (aqui, em Portugal como no resto da Europa!...) é bem revelador do conceito de direitos humanos que povoa as cabeças dessa longa lista de governantes que, ao serviço dos aumentos das fortunas de uns escassos milhares de exploradores, atiram para a pobreza e para a miséria milhões e milhões de humilhados, ofendidos, explorados.

Em todo o caso, aguardemos por quinta-feira...

POEMA

A ÚLTIMA MOEDA

Gasta a última moeda, companheiro,
e avança contra o vento contrário,
homem despedaçado mas inteiro,
nem tu, nem ninguém escreve o teu diário,

- mas se o entusiasmo fosse dinheiro
serias milionário.

Sidónio Muralha

RICOS, SUPER-RICOS E SOBRAS...

Sabem o que é um «homem rico»?
E um «homem super-rico»?
Não pergunto se sabem por experiência própria... pergunto se conhecem a definição internacional estabelecida por quem de direito e por todos aceite.
Não?: então aqui está ela:
«homem rico» é todo aquele que tem mais de um milhão de dólares;
«Homem super-rico» é aquele cuja fortuna ultrapassa os 30 milhões de dólares.

Segundo dados agora vindos a público, o número destas duas espécies de homem continua a aumentar por esse mundo fora: no último ano, os primeiros aumentaram em 6% e os segundos em 8,8%.
Em Portugal, os «homens ricos», que eram 11. 400 em 2007, são hoje 11. 6oo.
Nada mau, embora a subida seja um pouco inferior à média mundial. Mas atenção: há que estarmos atentos e não nos deixarmos atrasar demasiado.
Quanto aos «super-ricos», nada nos é dito no que respeita a compatriotas nossos. Será que não há por cá ninguém que tenha, até agora, superado a gloriosa barreira dos 30 milhões?
Se assim é, espero bem que, um dia destes, um qualquer portuguesito valente mostre a sua raça (aquela de que falou o Prof. Cavaco, pois claro...) e suba ao pódio dos 30 milhões - para que a nossa auto-estima, tão maltratada no recente Europeu de futebol, volte a subir às alturas atingidas com a EXPO, o 2º lugar no Euro 2008 e a assinatura do Tratado, Porreiro, pá!

É digno de nota, o facto de este aumento de homens «ricos» e «super-ricos» se verificar num tempo por todos reconhecido como de grande crise (global, regional, local...), assim se confirmando que não há crise - por maior, mais grave e mais ampla que seja - que trave o aumento grande das grandes riquezas - podendo até dizer-se que quanto mais crise, mais ricos.
E mais pobres, também - que, sendo as sobras dessas riquezas todas, são, por isso mesmo, indispensáveis...

Ou seja:
com crise ou sem crise, os ricos aumentam e as riquezas também;
com crise ou sem crise, os pobres aumentam e as pobrezas também.

E é assim que deve ser. Como dizia um célebre pensador, homem de vasta cultura e profunda humanidade: «é preciso que os ricos sejam cada vez mais ricos para poderem dar esmolas maiores aos pobres».
Louvemos, então, esta harmoniosa relação dialéctica entre riqueza e pobreza que alimenta o sistema capitalista e faz dele um exemplo perfeito de democracia, de liberdade e de justiça social.
E, especialmente, de caridade.

POEMA

O PREGUIÇOSO

Continuarão a viajar coisas
de metal entre as estrelas,
subirão homens extenuados,
violentarão a Lua suave
e ali abrirão farmácias,

Neste tempo de uva cheia
o vinho começa a viver
entre o mar e as cordilheiras.

No Chile bailam as cerejas,
cantam as moças morenas
e nas violas brilha a água.

O sol bate a todas as portas
e faz milagres com o trigo.

O primeiro vinho é rosado,
doce como um menino pequeno,
o segundo vinho é robusto
como a voz de um marinheiro
e o terceiro é um topázio,
uma papoila e um incêndio.

A minha casa tem mar e terra,
a minha mulher tem grandes olhos
da cor da avelã silvestre,
quando chega a noite o mar
veste-se de branco e de verde
e depois a Lua na espuma
sonha como noiva marinha.

Não quero mudar de planeta.

Pablo Neruda

O BASTONÁRIO VOLTA A ATACAR

Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados, voltou a atacar.
Não pára, este Bastonário!
Infelizmente, regra geral ataca mal.
Como, regra geral, acontece com todos os populistas.

Desta vez deu-lhe para proclamar que a actual onda de criminalidade se deve à «influência perniciosa do sindicalismo entre as forças policiais»
Quer isto dizer que o sindicalismo com os seus malefícios continua a ser alvo preferencial da veemente oratória do Bastonário.
Ele lá sabe porquê...

Face à situação da criminalidade, o homem avançou com a proposta de criação de um sistema interno de fiscalização da polícia - à semelhança, explicou ele, do que existe nos EUA.
Com tal sistema, é que os polícias vão ver como é... e acabam logo com essas perniciosas veleidades sindicalistas...

A esta proposta do Bastonário, respondeu o dirigente sindical da PSP, António Ramos, nos seguintes termos:
«A PSP não é a Legião Portuguesa nem nós estamos nos tempos da Outra Senhora»

Ora toma!

POEMA

(Stockausen. Música eletrónica. Viagem espacial.)

Em cada homem
há uma viagem para um planeta longínquo...

(Para os pobres é a Terra.)

José Gomes Ferreira

SINAIS DOS TEMPOS

Clinton veio a Portugal fazer uma Conferência sobre... não me lembro nem isso interessa, mas há-de ter sido sobre tema tão relevante como os das muitas outras conferências que o homem, desde que deixou de ser Presidente dos EUA, tem andado a fazer em todo o mundo - e que constituem parte grande do seu actual ganha-pão declarado.
As despesas do evento foram pagas por quem cá o trouxe, obviamente.
E quem cá o trouxe, e o foi ouvir ao Museu da Electricidade, foram uns quantos empresários florescentes. Aliás, a Conferência realizou-se no âmbito das comemorações de uma empresa: «Cunha Vaz $ ... », perdão: Cunha Vaz & Associados» - mas, dado o custo elevado da deslocação do conferencista, esta empresa angariou uns tantos patrocinadores para dividir o bem pelas aldeias.

São assim os tempos que vivemos: os ex-governantes do grande capital passam a caixeiros viajantes do grande capital e nessa nova profissão, além de serem bem pagos pelos favores prestados enquanto governaram, governam-se continuando a servir os mesmos interesses que serviram quando foram governantes.

Em resumo: Clinton, veio cá e fez o que sabe: falou para capitalistas. Estes, trazendo-o cá, fizeram o que lhes competia: investiram - sabendo que um personagem de tal gabarito traz sempre consigo, na mala da conferência, ricas propostas de negócios...


Quanto ao custo da conferência, os seus organizadores não quiseram divulgá-lo. No entanto, dizem os entendidos que conferencistas deste calibre não se deslocam por verbas inferiores a 1 milhão de dólares.

POEMA

ESTIO

Horizonte
todo de roda
caiado de sol.
Ao meio
do cerro gretado
esguia cabeça de cobra
olha assobios de lume
sobre espigas amarelas...
(...Campaniços degredados
na vastidão das searas
sonham bilhas de água fria!...)

Manuel da Fonseca

ANTES PELO CONTRÁRIO

Sem princípios nem ponta de vergonha, a ofensiva ideológica capitalista corre à rédea solta por todos os esgotos que alimentam a política de direita.
Sinais escandalosos dessa ofensiva marcaram presença nos testes dos exames de História do 12º ano. Trata-se de grosseiras provocações, de uma abjecta manipulação de consciências, de torpes insultos à inteligência e à sensibilidade dos cidadãos.

Na Prova de História A - num grupo significativamente designado por «o estalinismo e a afirmação do expansionismo soviético» - os alunos devem «interpretar» textos de Stáline e de Kennedy.
No texto de Stáline, é-lhes exigido que procedam à «identificação de três práticas políticas do estalinismo», sendo-lhes indicado um volumoso rol de exemplos, género: «campanhas de depuração/purgas», «trabalhos forçados», etc...
Do texto de Kennedy devem, primeiro, concluir que o pobre e bom homem «agia preocupado com o expansionismo soviético» e , a seguir, devem proceder a uma «análise profunda sobre o expansionismo soviético».
No grupo designado «integração e participação de Portugal no projecto europeu» é o inevitável Mário Soares quem dá as cartas. No texto escolhido, Soares ensina as muitas bondades da União Europeia, designadamente no que respeita a «assegurar um equilibrio cuidadoso entre a prosperidade económica, a justiça social e um ambiente saudável» - aos alunos é exigido que «identifiquem três aspectos positivos da entrada de Portugal na União Europeia»...

Na Prova de História B, a partir de um texto de Sá Carneiro, escrito na altura em que este era membro da Assembleia Nacional fascista, os alunos devem demonstrar que «a revolução do 25 de Abril de 1974 operou mudança de regime preconizada por Sá Carneiro»...
Vejam bem!: do que eles se lembram!...

Perante exemplos destes, invenções como a do «milagre» da Prova de Matemática, não passam de brincadeiras de crianças...
E é caso para dizer que os ideólogos da política de direita destacados para a área do Ensino não fazem nada para esconder aquilo que são. E, ao que parece, não têm vergonha de exibir tamanha desvergonha.

É este o Ensino prodigalizado pelo Sócrates excelentíssimo e pela sua excelentíssima ministra...
No tempo do fascismo era pior? Era melhor?
Ou nem pior nem melhor, antes pelo contrário?

POEMA

MEDITATIO

Ao estudar com atenção
os curiosos hábitos dos cães
sou forçado a concluir
que o homem é o animal superior.
Ao estudar
os curiosos hábitos do homem
confesso, meu amigo, que fico perplexo.

Ezra Pound

CONTINUANDO A REGISTAR...

Prossigo com os registos que trazem à ordem do dia, aquilo a que aqui chamei O CASO DO IRÃO, ou seja, a possibilidade real de, de um dia para o outro, o Irão ser bombardeado por Israel, ou pelos EUA, ou...
A razão invocada para o bombardeamento será, como estamos lembrados, o facto de o Irão se recusar a acatar a proibição decretada pelos EUA e por Israel, de produzir armas nucleares.

No Público de hoje, José Manuel Fernandes, entusiástico admirador dos EUA e de Israel, avisa, satisfeito:
«Israel não tolerará que o Irão construa armas nucleares. É melhor todos perceberem isso para ninguém ficar surpreendido se e quando surgir um ataque israelita».

Claro que percebemos, JMF, ó se percebemos...

POEMA

CICLO

O molar solitário duma prostituta
que morrera no anonimato
tinha uma aplicação de ouro.
Os restantes, como por mudo acordo tácito,
tinham caído.
O funcionário da morgue arrancou-o,
pô-lo no prego e foi dançar.
É que, dizia ele,
só o que é terra à terra deve voltar.

Gottfried Benn

UM HERÓI DO NOSSO TEMPO

Chama-se Salter Cid, tem 54 anos de idade e é vereador do PSD na Câmara Municipal de Lisboa.
Por detrás deste presente vulgar e banal, esconde-se, no entanto, um notabilíssimo currículo:
Em 1990, entrou na Marconi e, logo a seguir, foi chamado a secretário de Estado das Comunicações do Governo de Cavaco Silva; em 1994, passou a secretário de Estado da Segurança Social, no segundo Governo do mesmo Cavaco Silva; em 1997, regresssou à PT; em 2003, Durão Barroso chamou-o a presidente da Companhia das Lezírias (sem contrato e com o ordenado de 27,5 mil euros mensais); em 2006, regressou à PT; em 2007, sai da PT com suspensão de contrato e uma pensão de 17,9 mil euros mensais.

Releve-se, desde já, a vastidão de conhecimentos, capacidades e valências deste homem - e anote-se que tal vastidão de competências é por demais justificativa das altas remunerações que acompanharam o seu multifacetado currículo.
Face a isso, é fácil de perceber que o homem se sinta lesado com a mísera pensão de 17,9 mil euros mensais que, agora, lhe foi atribuída. E é compreensível que a indignação perante tamanha injustiça o tenha levado a avançar com um processo contra a EP, exigindo uma pensão maior, muito maior, e mais consentânea com a elevada qualidade do trabalho que ali desenvolveu durante os longos seis anos que por lá passou, nos intervalos dos tachos com que os sucessivos governos do PSD o iam presenteando.
Salter Cid é um herói do nosso tempo - um produto acabado, saído das tripas da política de direita que há 32 anos vem flagelando os trabalhadores, o povo e o País.

POEMA

ORGULHOSAS...

Orgulhosas, por toda a parte,
a carvão, a zarcão, a ocre,
se lêem palavras de esperança,
sóbrias, serenas, sem ódio.
O ódio é com os agrários
e os guardas-republicanos,
uns e outros bem alimentados,
uns e outros cruéis e inúteis.

Armindo Rodrigues

23/6/1958

No dia 23 de Junho de 1958, cerca de trezentos operários agrícolas concentraram-se junto à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo.
Tinham iniciado nesse dia uma greve que, para além da exigência de melhores salários, era um protesto assumido contra a fraude eleitoral que havia roubado a vitória ao candidato antifascista general Humberto Delgado nas «eleições» de 8 de Junho desse ano.

José Adelino dos Santos, operário agrícola de 46 anos de idade, era um dos presentes.
Numa altura em que falava com outros trabalhadores, de costas para o edifício da Câmara, foi atingido por um tiro, disparado do interior do edifício, e assassinado.
Não foi um tiro de acaso: foi um tiro dirigido: dirigido a José Adelino dos Santos.
Porquê a ele?

Militante do PCP desde o início dos anos 40, José Adelino dos Santos teve um papel destacado no desenvolvimento da organização do PCP no Concelho de Montemor-o-Novo. Ele era, desde a sua juventude, um corajoso lutador antifascista, um organizador da luta de todos os dias pela democracia, pela liberdade, pela justiça social.
Por isso, e pela sua postura fraterna e solidária, era altamente prestigiado junto dos seus companheiros de trabalho - e por tudo isso, ele era também um alvo permanente da PIDE.
Foi preso pela primeira vez, em 1945; e, pela segunda, em 1949 - e de ambas as vezes barbaramente torturado. Cumpriu um total de três anos de prisão.
Estas as razões pelas quais, naquele dia 23 de Junho de 1958 aquele tiro mortal foi dirigido José Adelino dos Santos.

Uma multidão de cinco mil pessoas - que a PIDE e a GNR tentaram inutilmente impedir de entrar no cemitério - acompanhou o corpo do militante comunista à sua última morada.

Hoje, precisamente no local onde, há 50 anos, foi assassinado pelo fascismo, José Adelino dos Santos foi homenageado pelos seus camaradas e amigos - uma homenagem que foi, ao mesmo tempo, a afirmação do compromisso de continuar a luta por ele travada: pela democracia, pela liberdade, pela justiça social , pelo socialismo e pelo comunismo.

POEMA

A VIDA

Povo sem outro nome à flor do seu destino;
Povo substantivo masculino,
seara humana à mesma intensa luz;
Povo vasco, andaluz,
galego, asturiano,
catalão, português:
O caminho é saibroso e franciscano
do berço à sepultura;
Mas a grande aventura
não é rasgar os pés
e chegar morto ao fim;
É nunca, por nenhuma razão
descrer do chão
duro e ruim!

Miguel Torga

PROPAGANDEIROS...

«O maior partido da oposição»: é assim que o Público de hoje, na sua primeira página, designa o PSD.
A habilidade não é nova - tem, no mínimo 32 anos, ora aplicada ao PSD ora ao PS - e quem a ela recorre fá-lo com a consciência plena de que está a deturpar, a falsificar e a esconder a realidade.

Trata-se de alimentar no subconsciente dos leitores a ideia, falsa, de que entre o PS e o PSD existe uma oposição em matéria de política governamental e que, assim, em tempo de eleições, são alternativa um ao outro.
O facto de o Público e os seus gémeos mediáticos saberem que assim não é - que estes dois partidos se revezam há mais de três décadas na execução da mesma política de direita - e insistirem na mentira, é bem revelador da desvergonha informativa reinante.

O recurso a esse truque baixo, serve-lhes ainda para assobiar para o lado e fingir que não sabem que é o PCP que protagoniza, de facto, a oposição à política de direita - seja ela praticada pelo PS ou pelo PSD.

Não há dúvida: a política de direita tem na generalidade dos média nacionais os seus mais fiéis propagandistas - ou propagandeiros...

POEMA

DIREMOS A VERDADE, SEM DESCANSO

Diremos a verdade, sem descanso,
pela honra de servir, sob os pés de todos.
Detestamos os grandes ventres, as grandes palavras,
a indecente ostentação do ouro,
as cartas mal distribuídas pela sorte,
o denso fumo do incenso a quem é potente.
Agora é a vil raça dos senhores,
agacha-se no seu ódio como um cão,
ladra de longe, ao pé usa cacete,
segue, para além da lama, caminhos de morte.

Com a canção construamos no escuro
altas paredes de sonho, defesa deste turbilhão.
Pela noite chega o rumor de muitas fontes:
estamos fechando as portas do medo.

Salvador Espriu

SÓ PARA IR REGISTANDO...

Prossigo o registo de notícias sobre aquilo a que podemos chamar (provisoriamente) o Caso do Irão - ou seja e em resumo: a proibição decretada pelos EUA (e religiosamente seguida por Israel) de proibir o «plano nuclear» daquele país; o não acatamento da proibição pelos iranianos; as sanções económicas decretadas contra o Irão; e os desenvolvimentos vários da situação com cescentes ameaças de intervenção militar vindas dos EUA e de Israel, seu filho dilecto.

A meu ver, trata-se de um caso explosivo (na verdadeira acepção da palavra), e este registo dos seus principais passos vai-nos mantendo ao corrente da sua evolução até à eventual explosão final.
Que, a verificar-se, há-de ser, certamente, uma explosão humanitária e em defesa da democracia e dos direitos humanos...

Desta vez, trata-se de anotar que, como nos diz o Público de hoje, «Israel já ensaiou o ataque para impedir bomba nuclear iraniana», isto é: Israel prepara-se para cumprir a ameaça de bombardear o Irão.

O chefe da Agência Internacional para a Energia Atómica, ameaçou demitir-se no caso de haver um ataque militar contra o Irão e acrescentou que tal ataque «seria o pior possível», já que «transformaria toda a região numa bola de fogo».


Quanto às razões que conferem aos EUA o poder supremo e universal de decidir quem pode (ou não) ter armas nucleares, elas são óbvias: os EUA são o país com maior experiência nesta matéria já que foram, até agora, o único país do mundo que lançou bombas atómicas sobre populações... bombas humanitárias, evidentemente, e em defesa da democracia e dos direitos humanos...

POEMA

UM RAIO DE SOL É A ESPERANÇA

Um raio de sol é a esperança
do prisioneiro, que passeia em silêncio
nas celas do subterrâneo;
um barco à vela o seu sonho;
as pancadas e gritos
que ecoam pelos muros,
o seu horror.
Se ninguém escrevesse tudo o que se sabe,
enchiam-se montanhas e montanhas
de justiças violadas,
dedos apontados, acusadores,
de violências e repressões organizadas.
Então talvez o mar atacasse a cidade
e as estradas ficariam cheias de lama, de sal,
e as verdades das nossas mãos afogariam,
assim se espera,
todos os carrascos.

Isidre Molas

ESTES JORNAIS!...

Mugabe diz que a oposição jamais chegará ao poder - e marca novas eleições.
Os jornais dizem-nos, todos os dias, que assim, «não» - isto não é democracia!

Os governantes da União Europeia dizem que o «não» jamais vencerá - e pensam marcar novo referendo.
Os jornais dizem-nos, todos os dias, que assim, «sim» - isto, sim, é democracia!

Estes jornais!...

Construção da Festa!

POEMA

E AGORA DIREI

E agora direi,
como homem do povo,
o que quer
a gente do meu país:

queremos a liberdade.

Queremos que esta nossa terra
se acalme na paz,
sem angústia ou medo,
sem roubos nem dor.
Queremos chegar ao segredo,
subir por veredas e caminhos
à terra prometida,
onde a alegria dos pássaros,
o perfume das flores
e o olhar de um amigo
se fundem finalmente.

E todos,
por um mesmo caminho,
debaixo da sombra compacta
das bandeiras e canções
avançaremos unidos:
os da velha Catalunha,
os d'além-mar,
e os do país valenciano.
E nos subúrbios
deste país nascente
levantaremos um novo templo
onde o homem catalão
se sentirá, apenas,
trabalhador do seu país.
Sentir-se-á seguro,
guiado pelos deuses
da justiça e do amor,
e oferecerá, se for preciso,
a vida da sua canção,
descalço sobre a terra,
de alfaia bem segura
na mão,
enquanto a voz
dos mortos em sacrifício
dirá
uma palavra de perdão.

Joan Colomines

PASOLINI

Por três vezes - com dois poemas do Autor e um fotograma do filme Teorema - o Cravo de Abril recordou essa figura maior da cultura italiana (e europeia) que foi Pier Paolo Pasolini.

Hoje, partilhamos com os nossos visitantes parte da intervenção proferida por Pasolini no comício realizado no Verão de 1974, em Milão, no decorrer da Festa do Unitá (então órgão central do então Partido Comunista Italiano).

«Eis a angústia de um homem da minha geração, que viveu a guerra, os nazis, as SS, de que sofreu um traumatismo nunca totalmente vencido.
Quando vejo à minha volta os jovens que estão perdendo os antigos valores populares e absorvem os novos modelos impostos pelo capitalismo, arriscando assim uma forma de desumanidade, uma forma de afasia atroz, uma brutal ausência de capacidade crítica, uma facciosa passividade, recordo que estas eram precisamente as formas típicas das SS: e vejo assim estender-se sobre as nossas cidades a sombra horrenda da cruz gamada.
Uma visão apocalíptica, certamente, a minha.
Mas se ao lado dela e da angústia que a produz, não existisse em mim, também, um elemento de optimismo, isto é, o pensamento de que existe a possibilidade de lutar contra tudo isto, simplesmente eu não estaria aqui, convosco, a falar».

POEMA

NÃO DIREI

Não direi maçãs rosadas,
nem limões, nem laranjas.

Direi que me gela
o sangue nas mãos
e me enoja viver neste tempo
e neste país.

Não direi maçãs rosadas,
nem limões, nem laranjas;
Gritarei ainda mais alto
e lutarei pela nossa liberdade.

Carles-Jordi Guardiola
(In Poetas Catalães de Hoje)

E SE SE FUNDISSEM?

Dizem as notícias do dia que o PS e o PSD pensam fazer uma coligação após as eleições de 2009.
Ao que parece, dirigentes dos dois partidos têm trocado opiniões sobre o assunto estando o processo bem encaminhado.
A hipótese desta coligação é bem vista pelo inevitável Marcelo.
Mais importante do que isso: ela é muito bem vista pelos chefes dos grandes grupos económicos e financeiros - e a opinião destes é de peso, como se sabe...

Por mim, acho bem a coligação.
Por razões várias, a mais importante das quais é a da poupança de esforços dos dois na dificílima tarefa de fingir que são oposição um ao outro, procurando esconder a total consonância de opiniões em relação à política que, ora um ora outro, leva por diante - a política de direita comum aos dois, e com a qual ambos têm vindo, ao longo dos últimos 32 anos, a flagelar os trabalhadores, o povo, o País e a democracia de Abril.

Aliás, e pensando melhor, talvez fosse, até, preferível os dois partidos fundirem-se. Um ao outro, um e outro, como melhor lhes aprouvesse.
O aborto que resultasse dessa fusão seria sempre menos horroroso à vista do que esta aberração bicéfala com que hoje nos horrorizam.

POEMA

QUEM...

Quem tem a consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
e no centro da própria engrenagem
inventa a contra-mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
e envolto em tempestade decepado
entre os dentes segura a primavera.

João Apolinário

UM PÉ LÁ, OUTRO CÁ...

Como a realidade exuberantemente nos mostra, Manuel Alegre é um exímio praticante da arte conhecida por «um pé lá, outro cá» - sendo que o «pé cá» é em jeito de faz-de-conta, enquanto que o «pé lá» é pé-da-casa, pé instalado.

O DN , na sua primeira página de hoje, incita-nos à leitura de um artigo de Alegre, intitulado «Viva a Irlanda! Não há Europa contra os cidadãos».
Confesso a minha estupefacção ao ler tal coisa!
Pensei para mim: será que a actual onda de esquerda de Alegre o levou a deixar de ser entusiástico apoiante do Tratado de Lisboa e a instalar definitivamente os dois pés cá? Será que ele passou a ver no referido Tratado aquilo que é, ou seja: um gigantesco passo em frente na construção da União Europeia do Grande Capital (UE do GC) e na perda de soberania de Portugal?
Se assim é, continuei a pensar, tenho que dar a mão à palmatória e reconhecer o erro da minha tese de «um pé lá, outro cá» - e saudar o ingresso de Alegre nas fileiras dos que lutam contra o Tratado Porreiro, pá, a política de direita, etc, etc.
E apressei-me a ler o artigo.

Bom: li, li, li... e a verdade é que, no longo texto, não encontrei fosse o que fosse - uma ideia, uma frase, um parágrafo, uma palavra, uma vírgula... - diferente do que Alegre, por hábito e vocação, diz nestas ocasiões: o habitual blá-blá-blá democratóide usado como música de fundo para melhor instalar o «pé lá».
Isto é: Alegre continua a pensar o que sempre pensou sobre o Tratado e o referendo; continua a apoiar a UE do GC; continua a achar bem a venda ao desbarato da soberania e da independência nacional - o que indicia a continuação do apoio, de facto, à política de direita.

Perguntar-se-á: então porquê esta espampanância de artigo?, porquê o tonitroante brado de «Viva a Irlanda»?, porquê esta declamação a fingir que «não»?
E a resposta é: este tempo de vitória histórica do «não» na Irlanda; este tempo de alegria justificadíssima da Esquerda; este tempo de recarregar de baterias entre a malta para a luta contra o Tratado, e contra a política de direita - é, naturalmente, tempo de Alegre estar com um «pé cá»: junto aos que comemoram a vitória do «não».
Mas que o «pé lá» continua instalado, não há dúvida. Como pode depreender-se lendo o penúltimo parágrafo do artigo, o qual, nas suas 33 breves palavras, diz TUDO.
Leiam, por favor:
«É preciso respeitar a vontade popular, gritava-se em 1975 nas ruas de Portugal. Pois é. E é por isso que, ainda que sendo a favor do "sim", hoje me apetece dizer: Viva a Irlanda».


Pois é: Alegre o diz: gritar, hoje, «Viva a Irlanda», tem o mesmo significado que tinha, em 1975, intervir activamente na organização da contra-revolução.

Chega para lá o pé, pá.

Sá Fernandes, o capacho

Sobre a presença de Sá Fernandes numa reunião do PS - comentário do (Rei Mago) Belchior ao blog Troll Urbano

Escuta companheiro Baltazar,
O Fernandes trai sempre sua classe.
Sabia-se, mesmo antes de se falar,
Bastava que o PS lhe acenasse.

O PS já lhe deu tacho
E o Sá Fernandes já se conhece:
Vende-se por 2 € e uma prece,
Ele não passa dum capacho.

É imensamente triste
A sua (in)consciência política.
Mas como tu já viste
A sua sensibilidade é lítica.

POEMA

APONTAMENTO PARA UM POEMA EM LAPÃO


Se a civilização do consumo pôs o problema
da falta de espaços verdes
ou da solidão da velhice,
por que é que um presidente de município comunista se sente
na obrigação de resolvê-lo?
De que se trata?
Da aceitação de uma realidade fatal?
E, uma vez que as coisas se apresentam deste modo,
o dever histórico é o de procurar melhorá-las
atavés do entusiasmo comunista?
O «modelo de desenvolvimento» é
o preconizado pela sociedade capitalista
que está para alcançar a máxima maturidade.
Propor outros modelos de desenvolvimento
significa aceitar o primeiro modelo de desenvolvimento.
Significa querer melhorá-lo,
modificá-lo, corrigi-lo.
Não: é preciso não aceitar tal «modelo de desenvolvimento».
E nem sequer basta rejeitar tal «modelo de desenvolvimento».
É preciso rejeitar o «desenvolvimento».
Este «desenvolvimento»: porque é um desenvolvimento capitalista.
Este parte de princípios não só errados
mas também malditos.
Triunfantes, pressupõem uma sociedade melhor e portanto burguesa.
Os comunistas que aceitem este «desenvolvimento»,
considerando o facto que a industrialização total
e a forma de vida que daí resulta é irreversível,
seriam sem dúvida realistas colaborando,
se a diagnose fosse absolutamente justa e segura.
E, pelo contrário, não é verdade -
e existem já as provas -
que tal «desenvolvimento» deva continuar
como começou.
Há, em vez disso, a possibilidade de uma «regressão».
Cinco anos de «desenvolvimento» tornaram os italianos
um povo de nevróticos idiotas,
cinco anos de miséria podem reconduzi-los
à sua mísera humanidade.
E então -
pelo menos os comunistas -
poderão ter em conta a experiência vivida:
e visto que se deverá voltar ao princípio
com um «desenvolvimento»,
este «desenvolvimento» deverá ser totalmente diferente
do que tem sido.
Coisa diversa do que propor
novos «modelos»
ao «desenvolvimento» tal como ele é agora.

Pier Paolo Pasolini

BUSH & BEN LADEN

Bush, em vésperas de ser substituído como presidente dos EUA, veio à Europa despedir-se dos seus amigos fiéis: os governantes da UE que o ajudaram na criminosa tarefa de invadir e destruir a ex-Jugoslávia, o Afeganistão e o Irão assassinando centenas de milhares de crianças, mulheres e homens.

Num desabafo ao criado do Reino Unido, confessou a sua mágoa por não ter conseguido alcançar o objectivo de caçar o Ben Laden - seu ex-amigo e ex-sócio (um dia se confirmará, ou não, se é ex...)
A confissão desta mágoa traz, mais uma vez, à luz do dia a contradição insanável com que Bush se vem debatendo de há sete anos a esta parte.

Como estamos lembrados, logo após o ainda não esclarecido ataque às Torres Gémeas, Bush colocou como tarefa prioritária a captura de Ben Laden.
Disse ele, na altura:
«O mais importante é encontrar Ben Laden. É essa a nossa prioridade».

E, três meses passados, reiterava o objectivo:
«Vamos apanhar Ben Laden. Vivo ou morto»

Depois, talvez porque ocupado com a democraticíssima tarefa de bombardear, ocupar e destruir o Afeganistão - e talvez, também, porque o Ben Laden não se deixava apanhar... - arvorou um ar displicente e mudou o rumo do discurso:
«Não sei onde está Ben Laden e não me interessa. Não é a nossa prioridade».

Logo a seguir, pressionado por incómodas perguntas, esclareceria, falho de memória e a pensar nas armas de destruição massiça do Iraque:
«Não me lembro de ter dito que não estava preocupado com Ben Laden».

Mais tarde, impotente face à resistência heróica do povo iraquiano, desdenharia assim:
«Ben Laden é um homem impotente refugiado numa gruta».

Agora, na Europa, pediu ao sempre rastejante lacaio britânico para o ajudar a lançar uma operação numas montanhas não sei onde, onde lhe disseram que se encontra, escondido, o Ben Laden...

Não sei se o Ben Laden está ou não nas tais montanhas, nem se a operação vai ou não por diante.
Mas permito-me deixar aqui um velho palpite meu sobre o local onde pode ser encontrado o terrorista das Torres Gémeas: o rancho de Bush, no Texas.

«CAMINHEMOS SERENOS»

Em 1958 - há cinquenta anos! - Papiniano Carlos publicava o seu sétimo livro de poemas: «Caminhemos Serenos» - poemas que, passados à máquina e distribuídos, lidos em convívios, desde logo passaram a ser armas da luta contra o fascismo.

O fascismo apressou-se a proibir e apreender o livro. As razões apresentadas constam da nota de apreensão da Comissão de Censura:
«Livro de poesias, quase todas de sabor comunisante, e algumas mesmo de índole comunista».

Entretanto, os poemas de Papiniano Carlos passaram a integrar o cancioneiro da resistência e eram declamados nas mais diversas iniciativas antifascistas:

«A teu lado, amor,
não há muros, silêncio, morte»...

«No chumbo, no terror, na morte, com sangue escrevo,
Alfredo e Catarina,
vossos nomes»...

«Na fome verde das searas roxas
passeava sorrindo Catarina»...


Em homenagem a Papiniano Carlos, relembramos hoje o poema


CAMINHEMOS SERENOS

(Para Julius e Ethel Rosemberg)

Sob as estrelas, sob as bombas,
sob os turvos ódios e injustiças,
no frio corredor de lâminas eriçadas,
no meio do sangue, das lágrimas,
caminhemos serenos.

De mãos dadas,
através da última das ignomínias,
sob o negro mar da iniquidade,
caminhemos serenos.

Sob a fúria dos ventos desumanos,
sob a treva e os furacões de fogo
dos que nem com a morte podem vencer-nos,
caminhemos serenos.

O que nos leva é indestrutível,
a luz que nos guia connosco vai.
E já que o cárcere é pequeno
para o sonho prisioneiro,
já que o cárcere não basta
para a ave inviolável,
que temer, ó minha querida?:
caminhemos serenos.

No pavor da floresta gelada,
através das torturas, através da morte,
em busca do país da aurora,
de mãos dadas, querida, de mãos dadas,
caminhemos serenos.

Pensamento que voa assim...

Uma vez, uma camarada e amiga de seu nome Cidália, deu asas ao pensamento numa acção de formação de Escrita Criativa promovida pelo nosso Partido. Foi o tema Escrita Estilo Saramago que lhe fez brotar tais ideias, que transcrevo abaixo.


25 DE ABRIL

Ao pesadelo da noite escura opressiva um dia de luz vermelho belo como são os dias dos sonhos realizados sua data 25 de Abril do ano de 1974 a liberdade o sonho a esperança voam no ar e poisam no coração das pessoas que felizes incrédulas saíram à rua.


ACORDAR DO SONHO

Não tardou que os sonhadores com lentidão se começassem a aperceber que no mesmo ar no mesmo céu não no mesmo dia pairavam os abutres que em voo picado lhes tentavam roubar esse sonho essa esperança Sonho e Esperança que continuam vivos e têm a força que nenhum abutre vencerá.


Um grande beijinho para ti que me deixaste partilhar o vôo do teu pensamento.

POEMA

ESTA GENTE

Esta gente cujo rosto
às vezes luminoso
e outras vezes tosco

ora me lembra escravos
ora me lembra reis

faz renascer meu gosto
de luta e de combate
contra o abutre e a cobra
o porco e o milhafre

Pois a gente que tem
o rosto desenhado
por paciência e fome
é a gente em quem
um país ocupado
escreve o seu nome

E em frente desta gente
ignorada e pisada
como a pedra do chão
e mais do que a pedra
humilhada e calcada

meu canto se renova
e recomeço a busca
de um país liberto
de uma vida limpa
e de um tempo justo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

EU BUZINO!

BUZINÃO
Dia 17 de Junho, às 17H30.

CONTRA O AUMENTO DO PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS
(e contra a cambada...)

EU BUZINO!

POEMA

AINDA ME ACOLHO


Ainda me acolho, Pai,
à tua madressilva.
Ali tens a passiflora,
não envelheceu.
O cedro grande, maior ainda.
O forno, dedadas
expungidas pelas portas.
A buganvília, não esqueço,
é preciso cortá-la.
A Mãe não está nem volta.

António Osório

"Humano, demasiado humano"


Pier Paolo Pasolini

POEMA

ESMAGADOS...


Esmagados sob as patas
das bestas taciturnas
os nossos peitos ansiosos,

que havemos nós de fazer senão, irados,
mesmo imprudentemente,
erguer-nos contra quanto
é ordem truculenta,
crença mutiladora,
ou crime sistemático?

Armindo Rodrigues

COM RESPEITO AO RESPEITO...

Pronto: está encontrada a «solução»!
Por sinal, nos moldes ontem referidos pelo Cravo de Abril e, hoje, confirmados pelo Público: «a Irlanda vai ter de decidir rapidamente se quer sair da União Europeia (...) ou se prefere voltar a submeter o texto aos eleitores mediante certos ajustamentos».

Temos, assim, que o caminho inevitável é o da repetição do referendo depois de submeter o texto às tais (desavergonhadamente) confessadas «pequenas modificações cosméticas»...
Temos, assim, a confirmação de que os construtores da União Europeia fogem dos métodos democráticos como o diabo da cruz: referendos para o eleitorado escolher livremente, NUNCA!; referendo repetido até o eleitorado escolher o «sim», SIM! (mas não abusem, senão... não há «modificações cosméticas» para ninguém!)

«Respeito o resultado do referendo, mas...»: eis a frase-tipo utilizada por todos os governantes europeus logo após a contagem dos votos irlandeses.
E naquele MAS está a essência do pensamento europeísta e do conceito de democracia que preside à construção desta União Europeia do grande capital.
É que, com respeito ao respeito, não há respeito nenhum...

POEMA

Para um amigo que gosta muito de poesia...


O desempregado com filhos

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego.

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça.
Ele estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.

In O Senhor Brecht de Gonçalo M. Tavares - Edições Caminho

ESTÁ MORTO MAS NÃO MORREU...

«Tratado de Lisboa avança apesar do "não" no referendo da Irlanda»: diz o Público de hoje, em primeira página - e avisa que «a Irlanda ficou com a responsabilidade de encontrar uma saída para o impasse que ela própria criou».
Reparem como em tão poucas palavras se pode resumir tudo o que paira nas cabeças dos derrotados de ontem...

Imagino a azáfama que vai por essa Europa: batalhões de juristas armados de potentes lupas à procura da «solução»; batalhões de lideres políticos a afinar os «argumentos» que hão-de «demonstrar» o carácter «profundamente democrático» da «solução» que os juristas hão-de encontrar...

Para já, e como convém, dizem todos que a bola está do lado da Irlanda que consideram obrigada, não apenas a «explicar as razões deste desaire» (irra, como é que vocês dixaram que o «não» ganhasse?), mas também - e essencialmente - a «assumir as responsabilidades de avançar com pistas para resolver o impasse», «impasse» que a própria Irlanda criou - dizem, irritados.
É claro que tudo isto é paleio: toda a gente sabe que os governantes da Irlanda farão o que lhes disserem para que o resultado do referendo não conte, para que o Tratado avance... morto, mas vivo, ainda que ligado à máquina do vale-tudo.

Há quem diga que a Irlanda deve «convocar novo referendo (...) sob pena de ver as suas relações com a Europa seriamente postas em causa». Há quem acrescente que o novo referendo seja sobre um novo texto, depois de submetido o actual a «pequenas modificações cosméticas»... Enfim, todas as possibilidades estão «em cima da mesa», à volta da qual estes paladinos da democracia se encontram reunidos.
Registe-se a impiedosa culpabilização da Irlanda, isto é: do eleitorado irlandês que, chamado a pronunciar-se, votou inequívocamente «não». Registe-se, igualmente, a insistência obsessiva na exigência feita à Irlanda de encontrar «a solução».

A dada altura, dei comigo a pensar que essa exigência continha, implícita, a hipótese de a Irlanda se auto-excluir da UE para «resolver o problema»...
Depois, pensei que era exagero meu, que tal coisa não passaria pela cabeça de ninguém...
Afinal, tal coisa passou, ou está a passar, por várias cabeças. Como se depreende destas palavras proferidas por um governante francês: «Não podemos pôr fora da Europa um país que é membro há 35 anos»...

Preparemo-nos, então, para tudo: o que é imaginável e o que pode parecer inimaginável.


POEMA

CANÇÃO INFANTIL


Era um amieiro.
Depois uma azenha.
E junto
um ribeiro.

Tudo tão parado.
Que devia fazer?
Meti tudo no bolso
para os não perder.

Eugénio de Andrade

NÃO PASSOU

O Tratado Porreiro, Pá foi derrotado pelos irlandeses - os únicos que foram chamados a dar opinião sobre o assunto.
Trata-se de um acontecimento de enorme importância e significado.

As golpaças dos promotores da «coisa» não foram suficientes.
Não bastou a manobra de remeter a decisão para o aconchego dos parlamentos, com a aprovação previamente assegurada.
Não bastou o desavergonhado envolvimento no referendo irlandês de todos os países que fugiram de o fazer em suas casas.
Nada bastou: o Tratado NÃO PASSOU!
O NÃO irlandês deu-lhe o destino que merecia: o CAIXOTE DO LIXO.

Para já...
Fica a pergunta necessária: que outras manigâncias vão eles engendrar, agora?

POEMA

VIAGEM ATRAVÉS DE UNS CABELOS TODOS BRANCOS


E
stamos a vê-lo todos e sabemos.

Foram anos de fome, quantas vezes
à beira dos mercados e das feiras.
Foram anos com o perigo a escorrer das paredes.
Foram anos de todas as esquinas vigiadas.
Anos de encontros mais cronometrados
do que o fio-de-prumo sobre a lâmina.
Foram anos eternos de prisão
numa ilha de mar, de guardas, de muralhas
e de silêncio com o olhar feroz
de grades sobre o dia.

Foi toda a vida com o coração
sem nunca se esquecer por que batia.

Mário Castrim

13 de Junho


Uma multidão oriunda de todo o país - militantes do Partido e simpatizantes, gente sem filiação partidária, membros de outras forças políticas, operários, empregados, estudantes, intelectuais - participou naquela que foi a maior cerimónia fúnebre alguma vez realizada em Portugal.
Tratou-se da homenagem profundamente sentida a uma vida de luta que teve como referência constante e principal a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País - uma vida de revolucionário, feita de coragem, de dignidade, de verticalidade.
Tratou-se da homenagem a quem, ao longo de uma vida, desenvolveu uma actividade militante que teve como preocupação dominante e permanente a de, integrando o colectivo partidário, dar o seu contributo para fazer do Partido Comunista Português o Partido revolucionário que é.
Tratou-se da homenagem à coerência de quem fez da sua opção pelo ideal comunista uma opção de vida e a concretizou, exemplarmente, numa intervenção singular quer no longo e complexo processo de construção colectiva do PCP - do qual foi o mais relevante operário - quer na acção revolucionária do Partido, decorrente do conteúdo desse processo, desenvolvida ao longo de 75 anos.

Texto retirado do livro 85 Momentos de Vida e Luta do PCP, Edições Avante!

POEMA

(Clamor contra os que me forçam a ser
mais pequeno do que sou)


E
ainda por cima
me obrigam a odiar bandeiras exactas
e a embalar a superfície das coisas.

José Gomes Ferreira

A UNIÃO NACIONAL NÃO DIRIA MELHOR...

O auto-designado Partido da Nova Democracia (PND), chefiado por Manuel Monteiro, não gostou das reacções do PCP e do BE ao dia da raça de Cavaco Silva.
E tamanho foi o desagrado que não se conteve e desvendou-se um pedacinho: diz o PND, em comunicado, que «só um regime totalmente contemporizador é que admite partidos totalmente antidemocráticos no jogo eleitoral».
Saudades do fascismo, já se vê - e a mostrar que este PND, se pudesse, acabava totalmente com as contemporizações e fechava todos os antidemocráticos em Caxias, Peniche, etc.

Mas não pode. O que muito o incomoda e enraivece.
Por isso deixou um alerta a quem de direito: depois de acusar os comunistas de «falta de patriotismo», o patriota PND, em tom de simultâneos ódio, frustração, desabafo e cagaço, avisou que «mais do que nunca é necessário recordar que os comunistas não têm emenda».
Ditas as coisas assim, há que reconhecer que a União Nacional não diria melhor...

E há que reconhecer também que os receios, hoje do PND, ontem da União Nacional, são justificadíssimos.
De facto, «os comunistas não têm emenda»: nunca viram as costas à luta pela democracia, pela liberdade, pela justiça social, pelos interesses dos trabalhadores, do povo e do País.
Nunca: sejam quais forem as condições que se lhes deparem.

POEMA

CHE


Che, tu conheces tudo,
as voltas da Sierra,
a asma na erva fria,
a tribuna,
as ondas da noite,
até como se fazem
os frutos e os bois se jungem.

Não é que eu queira dar-te
caneta por pistola
mas o poeta és tu.

Miguel Barnet
(In Poesia Cubana da Revolução)

O CAMINHO DAS BOMBAS

Bush encontrou-se, ontem, com Ângela Merkel.
Do encontro saíu a ameaça de «novas sanções» contra o Irão, se este «insistir nos seus planos nucleares» - sanções que pressupõem, segundo a chanceler alemã, «que a comunidade internacional actue em conjunto».
Quanto a Bush, disse que «todas as opções continuam em cima da mesa» - entre elas a de «um ataque militar contra o Irão».

Desculpem a minha insistência no tema, mas é só para ir assinalando... o caminho das bombas.

POEMA

POR ESTA LIBERDADE

Por esta liberdade de cantar à chuva
temos que dar tudo

Por esta liberdade de estarmos estreitamente unidos
ao firme e terno cerne do povo
temos que dar tudo

Por esta liberdade de girassol aberto na aurora das fábricas
acesas e escolas iluminadas
e de terra que range e criança que acorda
temos que dar tudo

Não há alternativa senão a liberdade
Não há outro caminho senão a liberdade
Não há outra pátria senão a liberdade
Não haverá poema sem a violenta música da liberdade

Por esta liberdade que é o terror
dos que sempre a violaram
em nome de faustosas misérias
Por esta liberdade que é a noite dos opressores
e a definitiva aurora de todo o povo já invencível
Por esta liberdade que ilumina as pupilas afundadas
os pés descalços
os telhados remendados
e os olhos das crianças que rebolam na poeira
Por esta liberdade que é o reino da juventude.
Por esta liberdade
bela como a vida
temos que dar tudo

se for necessário
até a própria sombra
e nunca será bastante.

Fayad Jamis
(In Poesia Cubana da Revolução)

A UNIÃO EUROPEIA DO GRANDE CAPITAL

As decisões ontem tomadas pelo Conselho para o Emprego e Política Social, mostram a verdadeira face da União Europeia do grande capital.
Constam do seguinte: a partir da aprovação de tais decisões pelo Parlamento Europeu, a semana de trabalho na UE, em vez das 48 horas, poderá ir até às 60 horas, nuns casos; até às 65 horas, noutros casos; e até às 78 horas, em «casos específicos».
A irem por diante estas medidas, estaríamos perante um retrocesso civizacional de monta.

É claro que nada disto surpreende: na verdade, tais decisões inserem-se na poderosa ofensiva em curso contra direitos dos trabalhadores, conquistados ao longo dos tempos, através de duras, difíceis e, muitas vezes, heróicas lutas.
Contudo, vale a pena reflectir um pouco sobre o conteúdo, as características e o significado dessa ofensiva.

Trata-se de uma operação global, de classe e - aspecto importante e que lhe confere especificidade particular- desencadeada nestes moldes após o desaparecimento da União Soviética.
Com efeito, o fim da URSS, pondo termo à primeira tentativa de construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, provocou uma profunda alteração na correlação das forças, desfavorável aos trabalhadores - e o capitalismo internacional sentiu existirem condições para avançar contra os direitos dos trabalhadores.
Daí esta feroz cavalgada do grande capital visando liquidar todos os direitos laborais essenciais para, assim, acentuar e intensificar a exploração - e registe-se o facto, por demais significativo, de os alvos primeiros dessa ofensiva serem direitos que, na sua imensa maioria, foram conquistados na sequência da Revolução de Outubro.
Como é o caso da semana de 48 horas, uma das primeiras grandes conquistas dos trabalhadores russos, em 1917, e que cedo se estendeu aos trabalhadores de vários outros países da Europa.

POEMA

ACONTECE QUE NÓS

Acontece que nós
acontece que nós habitamos este mundo e esta ilha
que recomendamos como boa
acontece que meus pais e avós e todos os meus antepassados
que pisaram esta terra
acontece que chegámos apenas há pouco até este ponto
e que temos de continuar
acontece que todo o mundo nos conhece pelo nome desta ilha
e pelos discursos e frases e os mais compridos títulos
acontece que somos responsáveis pelos crimes mais justos
e as mais belas mentiras
e acontece que nos custou muito gurdar o que fizémos

a ver se um dia destes nos deixam em paz.


Víctor Casaus
(In Poesia Cubana da Revolução)

UM CASAL SINISTRO

A Comunidade Internacional e o Direito Internacional são um casal sinistro: sempre que dele se fala, regra geral algum país vai ser bombardeado.
Diz-se até que os habitantes de um qualquer país sobre a situação do qual é invocado o devastador casal, começam de imediato a olhar para o céu a ver quando é que as bombas começam a cair.

Por ocasião da sua visita aos EUA, o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, exigiu à «comunidade internacional, medidas drásticas contra o Irão», já que, disse, «as sanções actuais não são suficientes para travar os planos nucleares daquele país.
(o direito a ter «planos nucleares» na região, está, como se sabe, reservado a Israel...)

Dias depois, o vice-primeiro-ministro israelita, Shaul Mofaz, veio a público afirmar que «é inevitável atacar o Irão, para travar os seus planos nucleares» - já que, disse, «as sanções actuais são insuficientes»; e garantiu que, se o Irão mantiver esses planos, «atacaremos».
(E Israel fará o que for necessário para assegurar esse direito à exclusividade...)

Agora, Bush, na sua visita à Europa (onde veio despedir-se dos governantes que o apoiaram nas carnificinas do Iraque e do Afeganistão) aproveitou para salientar que, no que respeita ao Irão, as sanções actuais não são suficientes e que a comunidade internacional deve, a partir delas, «decidir novas sanções» - isto se, como tudo indica, «o Irão continuar a negar os apelos do mundo livre» e, é claro, a desrespeitar o Direito Internacional...

Invocado o tenebroso casal por tanta gente importante e poderosa, é bem possível que, a esta hora, os iranianos andem todos de olhos postos no céu...

POEMA

VIAGEM ÀS TRINCHEIRAS

I
Os milicianos do meu povo mortos pelo invasor
eram sapateiros,
pedreiros,
músicos e cortadores de cana. Suas mães
eram as minhas mães.
O ódio
os assassinou.
Sofro,
olho para o horizonte onde os bárbaros
com canhões e aviões e bombas
se aprontam.

Que morra
um milhão de camponeses cubanos
não lhes importa. São,
como os japoneses de Hiroshima,
inferiores.
Agora comem, cantam,
esperam.

Os generais não escutam as águas.
Nunca assobiam aos simples pardais.

II
Sejas quem fores,
estejas onde estiveres,
não traias
este nobre jovem na praia
esperando o invasor.
Ele é nobre, é puro.
Não te sujes, não emporques
a água de todos. Não intrigues,
não corrompas, deixa a tua miserável
ambição, que sempre surge
onde o homem está,
e olha para ele:
é nobre, é puro.
Pronto a oferecer a sua vida jovem
por ti, por mim, por
todos. Sê recto e generoso. Sê para ele
como ele é para todos: fiel.

Samuel Feijóo
(In Poesia Cubana da Revolução)

O CASO DO CASINO DE LISBOA

Volto ao célebre Caso do Casino de Lisboa.
Aqui há uns meses, veio a público o relato do processo de negociações entre o Governo e a Sociedade Estoril Sol sobre o assunto.
Como estamos lembrados, o Governo Santana Lopes fez uma lei específica no sentido de garantir que (ao contrário do que dizia a legislação até então vigente) o edifício do Casino ficasse propriedade da Estoril Sol, no fim da concessão.
Se continuarmos a puxar pela memória, recordar-nos-emos ainda que o despacho que concretizava essa decisão foi assinado no decorrer da célebre maratona do então ministro do Turismo, Telmo Correia que, numa noite - precisamente a última em que foi ministro, já que no dia seguinte tomou posse o novo governo - despachou cerca de 300 diplomas...

Todo este processo pareceu a muita gente ferido de... transparência, digamos assim, e muito se escreveu sobre o assunto.
Finalmente, há dias tudo ficou esclarecido: um parecer emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República diz que, no negócio em causa, tudo é legal e transparente e nada há de «ilícito» nem de «desconforme» com o Estado de Direito.
Vindo o parecer de quem vem, só me resta aceitá-lo como bom - e começar à procura de negócio semelhante para mim...

Posteriormente, o Presidente da Estoril Sol, em declarações à comunicação social, deu um notável contributo para o total esclarecimento do caso: afirmou, alto e bom som, que a sociedade a que preside não quer o edifício do Casino para nada!!
E esclareceu mais: disse ele que, se há assim tanto interesse em que o edifício seja propriedade do Governo, a Estoril Sol está disposta a devolvê-lo ao Governo, desde já!!!... a troco de 40 milhões de euros, esclareceu magnânimo, altruista, direi mesmo: patriótico.

Comentários para quê?

POEMA

NENHUMA PALAVRA TE FAZ JUSTIÇA


Tremor mais forte que a cópula,
companhia mais intensa do que a solidão,
conversa mais rica que o silêncio,
realidade mais estranha que o sonho,
verdade do dia e da noite,
céu colorido de bandeiras,
canção que não se detém,
razão de estar aqui:
Já vês que nenhuma palavra te faz justiça,
Revolução.

Roberto Fernández Retamar
(In Poesia Cubana da Revolução)

VASCO SEMPRE!

CARTA A AIDA GONÇALVES
(11 de Junho de 2005)

«Estimada amiga:

Con profundo pesar recibimos la notícia del fallecimiento del entrañable compañero Vasco Gonçalves, amigo inolvidable de nuestra Revolución.

Guardo en mi memória los momentos que compartimos juntos y su invariable solidaridad hacia Cuba e el Tercer Mundo.

Su lucha incansable por las causas justas de la humanidad perdurará por siempre en el recuerdo de los revolucionarios que conocimos su obra. Estoy convencido que la historia contemporánea de Europa y, especialmente la de Portugal, no podrá prescindir del legado de Vasco Gonçalves.

Recibe, estimada amiga, en este momento de profundo dolor, nuestras más sentidas condolencias.

Fidel Castro»

POEMA

REPORTAGEM ESPECIAL
PELO DIA INTERNACIONAL DA MULHER


Uma mulher se inflama.
Vinte anos e um corpo cheio de fogo.
Seu ventre palpita
seus peitos brancos erguidos e abrasados.
Contorcem-se as ancas
e fervem as coxas.
Anh Dai
tem o corpo aceso pela chama.
Mas não é o amor.
É o napalm.

Minerva Salado
(In Poesia Cubana da Revolução)

Dia da Raça

"99.8% dos dados genéticos são comuns a todas as pessoas. O livro do genoma prova que não faz sentido falar em raças"

Ainda assim Cavaco Silva, além de se recusar - como vem sendo costume - comentar as políticas internas, afirma que foi a Viana do Castelo comemorar o "Dia da Raça". Qual raça? "A raça de Portugal"

Já conheciam este dia da ilustre raça portuguesa? Ou será que o Cavaco ainda vive no tempo da velha senhora?

POEMA

CARABINA Nº 5767

Esta é a crónica de Félix Faustino Ferrán
e da ficha da sua carabina de miliciano da Pátria.
Féliz Faustino Ferrán, na fria noite de 19 de Janeiro,
junto às trincheiras da Revolução,
num lugar qualquer de Cuba,
recitou-me o breve e enorme poema
da sua carabina nº 5767.

Eu digo que é o mais luminoso, o mais profundo,
o mais musical e cintilante de todos os poemas
da Revolução!

Disse-o com a voz grave e quente de negro cubano,
com o seu sorriso claro e grande de negro cubano,
e era a Pátria inteira que falava,
com as palavras simples como flores de aço
do miliciano 1061.

Esqueci-me da origem, da primeira palavra.
Oiço a sua voz e vejo a mão
fechar-se com ternura de diamante invencível
no cano da sua carabina.
Surpreendido, escuto:

António o cano,
Viviana o guarda-mão,
Caruca o manipulador,
Filiberto o carregador,
Irene o tampão de gases,
Lucía o atirador
Fabián o travão,
e a culatra sou eu.

Em cada peça da carabina um filho,
em cada peça uma flor do seu sangue,
uma face de amor com fúria defendida.
Por eles, para eles!
Por todos! Para todos aqueles cujos nomes
estão em cada peça das carabinas milicianas,
a voz rouca do miliciano Félix Faustino Ferrán,
negro cubano, operário da Pátria e da sua glória,
na fria noite inolvidável do 19 de Janeiro,
junto às trincheiras da Revolução
onde eu lhe lia os poemas deste livro,
mostrou-me o coração da poesia.

Félix Pita Rodriguez
(In Poesia Cubana da Revolução)

CONFISSÕES DE UM MINISTRO

O ministro do Trabalho (que, em rigor, deveria ser designado por ministro do Capital) não pára na sua cruzada em favor do Código do Trabalho (que, em rigor, deveris ser designado por Código do Capital).
Quando é confrontado com os argumentos da razão, o ministro baralha-se, irrita-se e não resiste a revelar o que lhe vai na alma.
Há dias, num debate realizado no Porto, Vieira da Silva, incapaz quer de convencer os assistentes da justeza do Código quer de contrariar as objecções vindas da plateia, explicou-se assim: «Temos hoje uma arquitectura de relações laborais pouco adequada às exigências da globalização» - pelo que, concluiu, há que adequar as leis à nova realidade laboral...
Ou seja: quem manda nisto tudo é o grande capital, e aos governos e respectivos ministros cabe a tarefa de cumprirem fielmente as ordens do patrão.

Já sabíamos que era assim, mas não deixa de ser digno de registo o facto de este ministro vir confessar em público a sua condição de lacaio do grande capital.


A dada altura do debate, confrontado com as contradições entre as promessas eleitorais feitas pelo PS e a sua prática governativa, o ministro irritou-se - e criticou severamente aqueles que acham que um partido que apresenta ao eleitorado um determinado programa ( com o qual ganha, por maioria absoluta, as eleições) deve, no governo, cumprir esse programa!!!
Acha o ministro que só gente irresponsável pode pensar assim...
Isto é: uma coisa - esta certa, correcta, normal - são as promessas feitas em campanha eleitoral, para caçar o voto dos incautos; outra coisa - esta errada, irresponsável, absurda - seria cumprir, depois, essas promessas... - e é a isto que se chama ser «eleito democraticamente»

Já sabíamos que era assim, mas não deixa de ser digno de registo o facto de este ministro vir confessar em público a sua condição de vendedor de banha de cobra.

POEMA

BURGUESES

Não tenho pena dos burgueses
vencidos. E quando penso que vou ter pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos.
Penso nos meus longos dias sem sapatos nem rosas.
Penso nos meus longos dias sem chapéu nem nuvens.
Penso nos meus longos dias sem camisa nem sonhos.
Penso nos meus longos dias com a pele proibida.
Penso nos meus longos dias.

- Isto é um clube. Aqui não pode entrar.
- A lista já está cheia.
- Não há quarto no hotel.
- O senhor não está.
- Rapariga precisa-se.
- Fraude nas eleições.
- Grande baile para cegos.
- A taluda saíu em Santa Clara.
- Tômbola para órfãos.
- O cavalheiro está em Paris.
- A senhora marquesa não recebe.

Enfim, recordo tudo.
E como recordo tudo,
que caralho me pede você que faça?
E além disso, pergunte-lhes.
Com certeza
que eles também se lembram.

Nicolás Guillén
(In Poesia Cubana da Revolução)

DESAFIO AOS VISITANTES

Sendo fácil deduzir que as declarações abaixo citadas (por ordem cronológica) foram proferidas por pessoa, ou pessoas, com altas responsabilidades no PS, talvez seja um pouco mais difícil descobrir quem as proferiu.

Aqui fica, pois, o desafio aos visitantes do Cravo de Abril:
Quem foi que nos brindou com as afirmações que se seguem?


I - O PS no Governo

«Se este Governo falhasse - e não falha - nada de bom poderia vir para a Esquerda».

«A partir de Abril do próximo ano ficarão para trás as maiores dificuldades».


II - O PS na «oposição»

«Nunca o descontentamento popular foi em Portugal tão grande (...) o PS está disposto a encetar acções de gravidade cada vez maior no sentido do Governo não fazer aplicar o Pacote Laboral».

«Os socialistas estão dispostos a vir para a rua defender os interesses dos trabalhadores».


III - O PS no Governo

«Tal política implica restrições e sacrifícios que entendemos deverem ser partilhados por todos».

«Posso garantir que não irá faltar aos portugueses nem trabalho nem salários».

«O Governo não vai falhar».

«No segundo semestre alargaremos o cinto».

«Dentro de seis meses o país vai considerar-me um herói».

POEMA

DA VIOLÊNCIA


Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
as margens que o comprimem.

Brecht

RELEMBRANÇAS...

Em 2000, António Guterres era o chefe do governo PS de então.
Vivia-se uma situação de descontentamento generalizado face às consequências da guterral política.
Os trabalhadores manifestavam-se, protestavam e o movimento de massas ameaçava pôr em causa, não apenas o Governo e os governantes, mas a própria política de direita.
O PSD, com Durão Barroso como líder, fingia de oposição e preparava-se para substituir o PS na execução dessa mesma política.

Foi então que, de dentro do PS, surgiu a voz profunda e imponente do seu dirigente e deputado Manuel Alegre que, de semblante grave e austero, e respondendo a um lancinante apelo de consciência, veio à boca de cena fazer o seu número de fingir uma exuberante oposição às práticas governamentais geradoras do descontentamento popular e fingir exigir ao seu partido uma postura de esquerda.

Dizia Alegre, tonitroante, nesse ano 2000 (por sinal, por ocasião das grandes jornadas de massas do 25 de Abril e do 1º de Maio...):

«O grande perigo não vem do PSD nem de Durão Barroso. Vem do governo, vem do PS e da tendência do poder para o autismo, o conformismo e a auto-satisfação narcísica».
É de homem! - houve quem dissesse.

E dizia Alegre, com requebros de esquerda na voz grave, uns meses depois (por sinal, por ocasião de grandes manifestações das massas trabalhadoras...):

«O PS precisa de uma reorientação estratégica e de repor com urgência o primado dos valores».
É de homem de esquerda! - houve quem dissesse.

Entretanto, Guterres, não suportando mais os protestos populares (que ele dizia não o impressionarem, até porque não passavam de acções de agitação levadas a cabo pelos comunistas...), fugiu - aliás, seguindo o exemplo do colega que o antecedera - Cavaco Silva - que também fugira e que também não se impressionava com manifestações...
As eleições deram a vitória ao PSD e coube a Barroso dar continuidade à política de Guterres, Cavaco, etc.
Barroso - que também não se deixava impressionar por manifestações, fossem elas grandes ou pequenas - seguiu a tradição dos líderes da política de direita: fugiu...

E sucedeu-lhe Sócrates, o qual fez avançar essa política para níveis de direita... e de gravidade jamais antes atingidos, gerando um descontentamento popular jamais antes verificado.

Razão mais do que suficiente, portanto, para que o deputado Manuel Alegre, respondendo ao tradicional apelo de consciência, se esteja a repetir no cumprimento da tarefa maior de, hoje como em 2000, dar o seu contributo para impedir que o descontentamento popular conduza à derrota da política de direita e à sua substituição por uma política de esquerda inspirada nos ideais de Abril.

Por isso esteve, e disse o que disse, no Teatro da Trindade; e está, dizendo o que diz, nas primeiras páginas de todos os órgãos da comunicação social dominante.

Ah!: e se, para tentar alcançar o seu objectivo essencial, Alegre se apoiou, desta vez, na muleta BE, é porque, como a realidade mostra, essa muleta se mostra totalmente disponível para o apoiar.