POEMA

APONTAMENTO PARA UM POEMA EM LAPÃO


Se a civilização do consumo pôs o problema
da falta de espaços verdes
ou da solidão da velhice,
por que é que um presidente de município comunista se sente
na obrigação de resolvê-lo?
De que se trata?
Da aceitação de uma realidade fatal?
E, uma vez que as coisas se apresentam deste modo,
o dever histórico é o de procurar melhorá-las
atavés do entusiasmo comunista?
O «modelo de desenvolvimento» é
o preconizado pela sociedade capitalista
que está para alcançar a máxima maturidade.
Propor outros modelos de desenvolvimento
significa aceitar o primeiro modelo de desenvolvimento.
Significa querer melhorá-lo,
modificá-lo, corrigi-lo.
Não: é preciso não aceitar tal «modelo de desenvolvimento».
E nem sequer basta rejeitar tal «modelo de desenvolvimento».
É preciso rejeitar o «desenvolvimento».
Este «desenvolvimento»: porque é um desenvolvimento capitalista.
Este parte de princípios não só errados
mas também malditos.
Triunfantes, pressupõem uma sociedade melhor e portanto burguesa.
Os comunistas que aceitem este «desenvolvimento»,
considerando o facto que a industrialização total
e a forma de vida que daí resulta é irreversível,
seriam sem dúvida realistas colaborando,
se a diagnose fosse absolutamente justa e segura.
E, pelo contrário, não é verdade -
e existem já as provas -
que tal «desenvolvimento» deva continuar
como começou.
Há, em vez disso, a possibilidade de uma «regressão».
Cinco anos de «desenvolvimento» tornaram os italianos
um povo de nevróticos idiotas,
cinco anos de miséria podem reconduzi-los
à sua mísera humanidade.
E então -
pelo menos os comunistas -
poderão ter em conta a experiência vivida:
e visto que se deverá voltar ao princípio
com um «desenvolvimento»,
este «desenvolvimento» deverá ser totalmente diferente
do que tem sido.
Coisa diversa do que propor
novos «modelos»
ao «desenvolvimento» tal como ele é agora.

Pier Paolo Pasolini

4 comentários:

samuel disse...

Verdade dura de ouvir!
Os vastos territórios de miséria que o capitalismo foi sabendo conservar como um "bem precioso", permite-lhe ainda fingir aqui e ali algumas melhorias do nível de vida e esse truque de "magia", enquanto vai enganando mais alguns milhões de explorados, será o seguro de vida do próprio capitalismo, por alguns anos mais...
Chegará o dia em que todos verão finalmente que o capitalismo roubou tudo o que podia e nada tem para dar, mas teremos de avançar para esse dia serenamente (e de mãos dadas, não é?) pois o caminho é longo.

Abraço

Maria disse...

Excelente poema de Pasolini (também este tão pouco divulgado por aqui...).
Obrigada pela partilha!

Um beijo, com a certeza de que um dia o povo vai acordar.

caminhante disse...

As lições da história (de outros povos )que vamos tendo, só pode levar a reforçar as fileiras, Pois hoje (18) em Beja BM tivemos como "convidado" o Sérgio Ribeiro que nos falou de Marx e os 160 anos do Manifesto do Partido Comunista e da sua actualidade.Saímos com a nossa vontade reforçada para as lutas que se avizinham.
Grandes dias se vislumbram no horizonte...
Por Abril.

GR disse...

Não conhecia esta preciosidade. Uma lição Marxista, em poema.
Assim como não conheço ninguém que conheça, tantos poetas, tantos poemas com tu.
Um bj,

GR