POEMA

BURGUESES

Não tenho pena dos burgueses
vencidos. E quando penso que vou ter pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos.
Penso nos meus longos dias sem sapatos nem rosas.
Penso nos meus longos dias sem chapéu nem nuvens.
Penso nos meus longos dias sem camisa nem sonhos.
Penso nos meus longos dias com a pele proibida.
Penso nos meus longos dias.

- Isto é um clube. Aqui não pode entrar.
- A lista já está cheia.
- Não há quarto no hotel.
- O senhor não está.
- Rapariga precisa-se.
- Fraude nas eleições.
- Grande baile para cegos.
- A taluda saíu em Santa Clara.
- Tômbola para órfãos.
- O cavalheiro está em Paris.
- A senhora marquesa não recebe.

Enfim, recordo tudo.
E como recordo tudo,
que caralho me pede você que faça?
E além disso, pergunte-lhes.
Com certeza
que eles também se lembram.

Nicolás Guillén
(In Poesia Cubana da Revolução)

7 comentários:

Anónimo disse...

É mesmo assim que eu sinto. E como ultimamente ando com falta de paciência, às vezes tambem digo palavrões. E sabes que mais? Já não me ralo com isso.

Campaniça

samuel disse...

Há muito tempo que não lia Guillén.
Este texto é uma maneira de o reencontrar, em grande!
O final, então...
"E além disso, pergunte-lhes.
Com certeza
que eles também se lembram."

É duro!...

Obrigado,
Abraço

Anónimo disse...

Olha Fernando foi bom teres postado este poema, é que euestava quase a dormir , e despertei, e aprimeira frase que me veio, á lembramça foi aquela do alentejano"burguês dum cabrão"

Maria disse...

É bom ler Nicolás Guillén aqui.
Acho que é a primeira vez que o vejo na net.
É também a força das palavras, aqui...
Obrigada.

Um beijo

Justine disse...

Duro e cristalino como um diamante, este poema do Guillén!

Sal disse...

Olha, sabes...
Eu também não tenho pena dos burgueses...

beijinhos

Fernando Samuel disse...

campaniça: e fazes muito bem em não te ralar...

samuel: é duro.. talvez por isso, sabe bem ler e reler...

josé manangão: as coisas que, nestas alturas, nos vêm à cabeça...

maria: guillén é um dos muitos que, sabe-se bem porquê, anda muito silenciado...

justine: duro e cristalino, sem dúvida...

sal: nem eu...