POEMA

A FÁBRICA


Da alavanca ao tear da roda ao torno
da linha de montagem ao cadinho
do aço incandescente a entrar no forno
à agulha a trabalhar devagarinho.

Da prensa que se fez para esmagar
à tupia no corpo da madeira
do formão que nasceu a golpear
à força bruta de uma britadeira.

Do ferro e do cimento até ao molde
que é quase um esgar de plástico sereno
do maçarico humano que nos solde
à luz da luta e não do acetileno

nasce este canto imenso e universal
sincopado enérgico fabril
sereia que soou em Portugal
à hora de pegarmos por Abril.

Transformar a matéria é transformar
a própria sociedade que nós fomos
ser operário é apenas saber dar
mais um pouco de nós ao que nós somos.

Um braço é muito mas por si não chega
por trás da nossa mão há uma razão
que faz de cada gesto sempre a entrega
de um pouco mais de força. De mais pão.

Estamos todos num único universo
e não há uns abaixo outros acima
pois se um poema é uma obra em verso
um parafuso é uma obra-prima.

Operários das palavras ou do aço
da terra do minério do cimento
em cada um de nós há um pedaço
da força que só tem o sofrimento.

Vamos cavá-la com a pá das mãos
provar que em cada um nós somos mil
é tempo de alegria meus irmãos
é tempo de pegarmos por Abril.


José Carlos Ary dos Santos

2 comentários:

Maria disse...

Hoje só poderia estar aqui o Zé Carlos! E sem ser por acaso, a Fábrica!

Um beijo grande.

Olinda disse...

Grande Ari¡...