POEMA

JURO NUNCA ME RENDER


Pela minha terra clara
e o povo que nela habita
e fala a língua que eu falo,
juro nunca me render.

Pelo menino que fui
e o sossego que desejo
para o velho que serei,
juro nunca me render.

Pelas árvores fecundas
que nos dão frutos gostosos
e as aves que nelas cantam,
juro nunca me render.

Pelo céu que não tem margens
e as suas nuvens boiando
sem remorsos nem receio,
juro nunca me render.

Pelas montanhas e rios
e mares que os rios buscam,
com o seu murmúrio fundo,
juro nunca me render.

Pelo sol e pela chuva
e pelo vento disperso
e pela plácida lua,
juro nunca me render.

Pelas flores delicadas
e as borboletas irmãs
que nos livros espalmei,
juro nunca me render.

Pelo riso que me alegra,
com a sua nitidez
de guizos e de alvorada,
juro nunca me render.

Pela verdade que afirmo,
dos que a verdade demandam
até à contradição,
juro nunca me render.

Pela exaltação que estua
nos protestos que não escondo
e a justiça que os provoca,
juro nunca me render.

Pelas lágrimas dos pobres
e o pão escasso que comem
e o vinho rude que bebem,
juro nunca me render.

Pelas prisões em que estive
e os gritos que lá esmaguei
contra as mãos enclavinhadas,
juro nunca me render.

Pelos meus pais e meus avós
e os avós dos avós deles,
com o seu suor antigo,
juro nunca me render.

Pelas balas que vararam
tantos peitos de homens justos,
por amarem muito a vida,
juro nunca me render.

Pelas esperanças que tenho,
pelas certezas que traço,
pelos caminhos que piso,
juro nunca me render.

Pelos amigos queridos
e os companheiros de ideias,
que são amigos também,
juro nunca me render.

Pela mulher a quem amo,
pelo amor que me tem,
pela filha que é dos dois,
juro nunca me render.

E até pelos inimigos,
que odeiam a liberdade,
e por isso não são livres,
juro nunca me render.


Armindo Rodrigues


(«Juro nunca me render» encerra o ciclo de poesia dedicado a Armindo Rodrigues, com o qual o Cravo de Abril prestou a sua homenagem ao militante comunista de todos os momentos e ao grande Poeta, cuja Obra marca impressivamente a História da Poesia Portuguesa - não obstante o silenciamento a que foi condenada pelos que não toleram quem jura nunca se render... especialmente se, como é o caso de Armindo Rodrigues, quem o jura cumpre, com dignidade e coragem, o juramento)

11 comentários:

samuel disse...

Belos os versos... e belo o teu encerramento de ciclo.

Muito mais importante do que a grandiosidade dos juramentos é a simplicidade, por vezes mesmo silêncio, com que se cumprem. Só então é que os juramentos ganham um lugar na História.

Abraço.

rapariga do tejo disse...

Juro nunca me esquecer!!

LGF Lizard disse...

E quem se render ao capitalismo já sabe o que lhe acontece:

a)Balázio
b)Gulag
c)Hospital psiquiátrico

Linda democracia, a vossa....

Maria disse...

Encerraste este ciclo da melhor maneira, com este poema. Gostava de fazer este juramento com a certeza de que o cumpriria, se necessário. Mas a última quadra é tão difícil...
Ai, um dia hei-de conseguir!

Um beijo grande

Maria disse...

Gostei muito do comentário do Samuel!

Beijos aos dois.

GR disse...

Hoje especialmente fez-me bem, ler este belíssimo poema.
JURO nunca me render!

Bjs,

GR

poesianopopular disse...

Nós aquí na Freguesia de Quinta do Anjo, tambem não nos rendemos, e ganhamos a Junta E Camara Municipal com maioria absoluta.
Viva Palmela!
Viva a CDU!
Abraço

Justine disse...

Comovente a tua homenagem, forte e generosa a poesia de Armindo Rodrigues.
E fica cá dentro a ecoar, como um caminho: "juro nunca me render"

Anónimo disse...

As coisas ontem não foram famosas.

Mas podiam ter sido muito piores.

Podíamos ter sido derrotados.

E o PCP só será derrotado quando desistir das suas posições e princípios de classe para se acomodar à ideologia dominante.
Nesse dia, poderíamos ganhar as Câmaras todas: seria um dia de derrota imensa e definitiva.

A luta continua!

(E obrigado pelo poema!)

MG

amigona avó e a neta princesa disse...

Como é belo poder ler este poema! Bem-hajas...

Fernando Samuel disse...

samuel: e são esses os juramentos que contam.
Um abraço.

rapariga do tejo: e essa é uma jura não menos importante...
Um beijo.

Maria: se reparares bem, é a mais fácil...
Um beijo grande.

GR: juro nunca me render.
Um beijo.

poesianopopular: ... e a luta continua...
Um abraço, camarada.

justine: caminho difícil, sem dúvida... mas a dignidade não conhece outro.
Um beijo.

MG: e assim disseste o essencial.
Um abraço.

amigona avó e a neta princesa: obrigado.
um beijo amigo.