Em Novembro será publicado a minha mais recente investigação. «Mineiros de Aljustrel, nas barrenas da memória - trabalho e resistência sob o fascismo.» Até lá, vou publicando aqui excertos de histórias de vida dos camaradas intervenientes, bem como algumas ilustrações que o Chichorro fez para o livro.
O excerto que se segue é da História de Vida do Francisco Nilha. Grande camarada e um dos meus grandes amigos. O Nilha é a força e a dedicação. Nele, como um rio, tudo desagua no colectivo que é o Partido Comunista Português.
Um amigo, um exemplo!
“ - eu não sou nada do Partido, eu não tenho nada!
- à não tens nada??!!então fomos lá a tua casa e tinhas lá um saco cheio de material de propaganda do Partido e não tens nada a ver com o Partido?
Está claro, começou logo ali o barulho. Começaram logo ali à porrada, aos murros e aos pontapés e o diabo a quatro. E eu negava! Negava e estava com a certeza que não tinha nada em casa!
“- Não tens? Então queres que eu te traga aqui a tua mulher ou o teu cunhado, para eles testemunharem como tens casos com o Partido?
- O meu cunhado? Não sei de cunhado...” - eu não sabia que o meu cunhado tinha ido lá a casa da irmã! Não sabia.
De maneira que nisso eu tive de obedecer às regras deles! Se eles diziam aquilo eu pensei «então vou meter a minha companheira também ao barulho???, não posso!» Tive de armar a cartilha. Tive de obedecer ao que eles diziam.... e então disse:
“- Se isso aconteceu eu não sei porque quando abalei de casa não estava nada em casa!
- Ah não sabes? Seu cabrão, seu este, seu aquele...Anda a tua mulher com os teus camaradas a dormir na cama da tua mulher e tu estás aqui a levar porradas e não queres dizer a verdade? Seu este, seu aquele!”
Provocações! Como eles fazem! E a coisa continuava. Eu não passava dali. Eles diziam que era assim e eu negava! E então os gajos... Eu levei sete dias e sete noites ali nas torturas do sono! Eles depois queriam saber mais: se eu sabia onde é que estavam as tipografias, onde é que eram os camaradas das tipografias, se eu sabia onde é que estava A, se eu sabia onde é que estava B: e eu nunca adiantei mais nada, e eu não sabia de nada! E eles queriam saber essas coisas! E então...
AG – Quando disseste aí que fizeste o jogo deles...
FN – Pois então! Tive de confirmar que eles tinham razão, que eu tinha o material em casa! Não podia negar que tivesse! Fui negando enquanto pude, mas como eles me confirmavam e começaram a apertar que se eu não confirmasse que estava lá o material que traziam também a minha mulher para a prisão, e o meu cunhado!... E eu não queria que a minha companheira fosse também para a prisão! Já basta eu ter de estar na prisão! Portanto não ia alinhar que a minha companheira também ficasse enleada! Então tive que dizer...
“- bem, será? Se os senhores dizem que é isso...”
Tive de confirmar que eles estavam dizendo a verdade, que tinham apanhado o material! Eles levaram o tempo a querer saber mais coisas mas eu nunca disse mais nada. «Não sei, não sei!» e vá de porrada! …
AG – Onde é que um camarada vai buscar forças nessas alturas, para resistir?
FN – Olha, camarada, é muito difícil. Mas quem tem responsabilidades no Partido tem que levar e aguentar, o que puder! Era a nossa maneira de ser! Aguentar até poder! E eu fui aguentando... Porque a tortura do sono... (comoção profunda) eu já não tinha medo das porradas que eles me davam! Já não tinha! Eu tinha medo era de ficar passado da cabeça! Já estás a ver! Sete dias e sete noites sem dormir, chega a pontos que a gente já não sabe onde é que está! Eu já não sabia onde estava! Eu jogava as mãos à cabeça e já não sabia se tinha cabeça, se não tinha cabeça! Eu via bichos por todo o lado, via carroças, via tudo lá dentro daquela sala … batia o pé e batia na parede! Até que chegou a altura em que passaram sete dias e sete noites e os gajos, na última noite jogaram para ali um enxergão e disseram:
“- agora vá, vais descansar aqui e depois amanhã logo se vê o que é que será!”
5 comentários:
Estes testemunhos são cada vez mais necessários.
E eu cá espero pelo livro que,pela amostra,deve ser excelente tanto pelas fotografias como pelo texto.
Um beijo, camarada.
É fundamental nos dias de hoje a leitura destes relatos, comovem, doem e magoam, mas, também nos enchem de orgulho e força para os dias que se avizinham.
Estamos ansiosos por termos o livro na mão e já temos uma boa lista de compras.
Tivemos o privilégio de vermos os desenhos que ilustram o livro, são lindíssimos.
Vi na TVI24 – “Exposição de Roberto Chichorro está patente em Movimento Arte Contemporânea (Av. Álvares Cabral, 58/60), Lisboa”.
GD BJ,
GR
Estou ansiosa para ter o livro nas mãos. E cheirá-lo!
Beijo grande.
Tendo eu nascido do e no seio da luta dos mineiros de Aljustrel, estou ansiosa por ver o que dessa luta diz o livro...
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