NECROLOGIA
A poesia está aí, disfarçada em qualquer canto
menos nos compêndios de moral
nas regras formais
e nos discursos de inauguração
de bairros oficiais que não existem...
Para exemplo
de pura ocasião
a poesia está, todos os dias
na necrologia dos jornais:
é crianças e mais crianças...
na relação dos feridos
nas catacumbas das prisões
e nos bancos dos hospitais:
«acometido de doença súbita
no Musseque da Lixeira,
foi transportado na ambulância,
Domingos João, que morreu
hoje, quinta-feira»
A poesia está aí, disfarçada em qualquer canto
menos nos compêndios de moral
nas regras formais
e nos discursos de inauguração
de bairros oficiais que não existem...
E, até por ironia,
está escondida nas necrologias dos jornais!...
António Cardoso
(In Economia Política Poética)
6 comentários:
Tão dorido, este poema do António Cardoso. Boa ideia, vou conhecê-lo melhor...
Obrigada
Gostei muito!
A realidade sem rodeios, quase provocadora.
Um grito à nossa consciência.
Mais um poeta que vou tentar conhecer melhor.
GR
justine: vale a pena conhecer melhor este poeta: há vários livros dele publicados em Portugal, desde «Poemas de Circunstância» (Casa dos Estudantes do Império, 1961) até «Chão do Exílio», África Editora,1980).
Para além disso, António Cardoso esteve preso durante 13 anos: três nas cadeias de Luanda e 10 no Tarrafal - donde foi libertado no dia 1 de Maio de 1974.
Um beijo amigo.
gr: ainda bem que gostaste. Se puderes, lê o «Chão do Exílio», uma excelente colectânea de poemas escritos no Tarrafal.
Um beijo amigo.
Exemplos verídicos como este, são dados a conhecer todos os dias, mas a contra-informação, consegue abafar tudo descaradamete, da mesma forma como consegue iludir, e manipular as consciências, é uma luta tremenda, que nos é imposta, mas não vamos desistir!
Eles sabem que não!
José Manangão
josé manangão: eles sabem e nós sabemos que não desistiremos dessa luta!
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