Mário Viegas - doze anos depois.

A Um de Abril de 1996 Mário Viegas deixava-nos. Declamador genial (lembre-mos, por exemplo, o operário em construção). Como memória deixo aqui um extracto do artigo escrito por Jorge Leitão Ramos no jornal "O Expresso", de Cinco de Abril de 1996.

Texto completo em: http://conversamuitaconversa.blogspot.com/2005/04/recordar-mrio-viegas.html

"Quando eu morrer batam em latas", poderia ter dito, parafraseando um dos poetas que tanto amou, incitando-nos a não confundir a dor com tarefa de carpideira, a perda com necessidade de panegírico. (...) Mar, por uma vez, pela última vez, a surpresa foi diversa. A voz de Mário Viegas calou-se, ficou um silêncio muito grande e não se vê quem o preencha.

Viveu muito e muito intensamente, com uma urgência sem medida. Foi actor, encenador, empresário, declamador, escreveu crónicas, traduziu peças de teatro, divulgou poetas, gravou discos, fez rádio, cinema e televisão - e sorveu a vida, em todas as direcções, às golfadas. Grandes amigos, grandes ódios, grandes sonhos. Podia ser "cabotiníssimo", como ele próprio disse do livro informe e impetuoso com que se despediu de nós em Novembro, essa Auto-Photo Biografia (não autorizada) em Formato A3, em que, "para bons entendedores", foi dando a saber que estava de partida. Um objecto comovente: terminava com uma enorme fotografia do actor, alucinado, junto a um caixão (da peça O Suicidário) e um verso terrível de Camilo Pessanha lá por cima ("Eu vi a luz em um país perdido./ A minha alma é lânguida e inerme./ Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!/ No chão sumir-se, como faz um verme").

Excessivo, colérico, apaixonado, violento e doce, actor aceso pela graça da transfiguração, pelo riso que nos divertia e desinquietava, Mário Viegas era um personagem contraditório. Nenhum outro desafiou, do cimo de um palco, os poderes e os podres, as prepotências e as hipocrisias. Mas gostava de saber que o poder reconhecia a sua arte. Não adianta dizer, agora que morreu, que era uma figura consensual da cena e do cinema portugueses - porque não era. Dividiu muito, fustigou e foi fustigado, não sabia fazer as coisas em temperatura morna, em registo de assim-assim. Há 20 anos, quando o ouvi dizer, pela primeira vez, o Manifesto Anti-Dantas numa festa do teatro em luta (na FIL), estava David Mourão-Ferreira na SEC, percebi que era um adversário temível para quem quer que se sentasse na cadeira do poder. (...)

Agora foi-se embora de vez, era 1 de Abril. Parece impossível.
Escrevi um dia acerca de Mário Viegas que era um declamador genial e um actor de grande talento. Não percebia eu então que dizer poesia era nele ainda um mode de ser Actor. Aqui o deixo dito, com maiúscula, como ele gostava. E acho que devemos, pelo menos, beber um copo em sua honra."


1 comentário:

GR disse...

Mário Viegas o actor, declamador “é” muito endiabrado.
Foi embora no dia 1 de Abril? pregou-nos uma grande peta. Então não estamos a falar dele? Vai muitas vezes a “casa” do camarada e seu conterrâneo “Canhotices”.
Os artistas não morrem!
Mário permanecerá sempre jovem!

GR