POEMA

NA TAL


Na tal habitação volto a falar-te
Na tal que já eu-próprio não conheço
Na tal que mais que tálamo era berço
Na tal em que de noite nunca é tarde

Na tal de que por fim ninguém se evade
Na tal a que sei bem que não regresso
Na tal que umbilical cabe num verso
Na tal sem universo que a iguale

Na tal habitação te vou falando
Na tal como quem joga às escondidas
Na tal a ver se tu me dizes qual

Na tal de que eu herdei só este canto
Na tal que para sempre está perdida
Na tal em que o natal era Natal.


David Mourão-Ferreira

4 comentários:

Chalana disse...

Este gajo fartava-se de escrever sobre o Natal. Tinha acabado de receber este...

Ladainha dos póstumos natais - David Mourão Ferreira


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

Maria disse...

É um poema belíssimo do DMF.
Também daqui a pouco colocarei um...

Um beijo grande

Fernando Samuel disse...

chalana: este, eu não conhecia.
Um abraço-


Maria: lá irei lê-lo.
Um beijo grande.

Ana Camarra disse...

Fernando Samuel

David Mourão Ferreira foi de facto um grande poeta, o Natal foi um tema recorrente, como o amor, escreveu dos mais belos versos de amor.
Afinal o Natal é uma questão de amor, não é?

beijos