POEMA

CANÇÃO DE UM PÉ DESCALÇO


Bati-me lá na Rotunda
Herói eles me chamaram
Pouco tempo decorrido
Nesta prisão me encerraram.

1
Meu coração abrasava
de amor pela Democracia,
odiando a Monarquia
que tanto mal nos causava.
A hora da luta esperava
quando o peito se m'inunda
duma alegria profunda.
Ao ouvir dar o sinal
bati-me lá na Rotunda-

2
Do Povo o sangue correu
assim como o dos soldados.
Os chefes, esses, coitados
nenhum deles apareceu.
Quando o inimigo cedeu
é que ao povo me mostraram.
Foi então que proclamaram
essa coisa da «República»
e ante a opinião pública
herói eles me chamaram.

3
Fui herói porque esqueci
meu dever de escravizado.
Descalço, roto, esfaimado,
os bancos eu defendi.
Bem cedo me arrependi
desse acto ter cometido.
Com os doutores eu estava
mas sem ilusões ficava
pouco tempo decorrido.

4
Com a «revolução» quem lucrou
foram Camachos e Costas,
todos têm posto e «postas»
o povo nada ganhou.
Do antigo nada mudou
só p'ra pior aumentaram
reclamando seriedade.
E em nome da Liberdade
nesta prisão me encerraram.


Anónimo

7 comentários:

Ana Camarra disse...

è inevitavél lembrar-me sempre do Leopardo-è preciso que isto mude para ficar tudo na mesma.

este anónimo caracteriza a desilusão da Republica dsa forma que ouvi em casa, ainda alguns dos meus antepassados anarco sindicalistas, posteriormente comunistas.
Estava-se mesmo a ver!

Beijos

samuel disse...

Muito bonito!
(Sai uma viola e uma guitarra...) :-)

Abraço

Maria disse...

Gosto dos poemas que têm um mote.
Não me espanta que este poema tenha sido cantado por aí há noventa anos...

Obrigada.
Um beijo

GR disse...

Gostei muito deste poema.
Mesmo com grandes retrocessos é necessário, nunca nos desiludirmos.
Só lutando convictamente conseguiremos mudar o futuro.

GR

Fernando Samuel disse...

Ana Camarra: pois: estava-se mesmo a ver...
Um beijo.

samuel: até parece que estou já a ouvir o fado...
Um abraço.

Maria: seguramente que foi cantada em tabernas...
Um beijo grande.

gr: é na luta que está, sempre, a solução...
Um beijo.

Anónimo disse...

Este poema é de origem alentejana não é? Pelo menos formalmente assim parece.

Um abraço,
João

Fernando Samuel disse...

João Valente Aguiar: parece haver ali um cheirinho alentejano, mas não sei.

Um abraço.