POEMA

PERGUNTAS

Onde estavas tu quando fiz vinte anos
e tinha uma boca de anjo pálido?
Em que sítio estavas quando o Che foi estampado
nas camisolas das teen-agers de todos os estados da América?
Em que covil ou gruta esconderam as suas armas
para com elas fazer posters cinzentos e emblemas?
Onde te encontravas quando lançaram mão a isto?
E atrás de quê te ocultavas quando
mataram Luther King para justificar sei lá que agressões
ao mesmo tempo que víamos Música no Coração
mastigando chiclets numa matinée do cinema Condes?
Por onde andavas que não viste os corações brancos
retalhados na Coreia e no Vietname
nem ouviste nenhuma das canções do Bob Dylan
virando também as costas quando arrasaram Wiriamu e
enterraram vivas
mulheres e crianças em nome
de uma pátria una e indivisível?
Que caminho escolheram os teus passos
no momento em que foram enforcados
os guerrilheiros negros da África do Sul
ou Allende terminou o seu último discurso?
Ainda estavas presente quando Victor Jara
pronunciou as suas últimas palavras?
E nem uma vez por acaso assististe
às chacinas dos Esquadrões da Morte?
Fugiste de Dachau e Estalinegrado?
Não puseste os pés em Auschwitz?
Que diabo andaste a fazer o tempo todo
que ninguém te encontrou em lugar algum?

Joaquim Pessoa

6 comentários:

Maria disse...

Que poema excelente, quanta força!
Obrigada, fernando samuel

Beijo

GR disse...

Admirável poema, de J. Pessoa.

Passo a passo, o poeta faz o trajecto aos locais dos horrores dos massacres,consumado pelos regimes; fascista, nazi e capitalista.
Quantos estão “lá”! porém, viram a cara para não verem, para não serem vistos.
Haja Memória!

GR

Anónimo disse...

A memória é curta,e muita gente pensa apenas em usufruir, sem sequer pensar, que nada acontece por acaso
Esta prosa de Joaquim Pessoa chama a atenção para esse facto.
Abraço
Manangão

samuel disse...

O Joaquim Pessoa em grande!

Fernando Samuel disse...

maria, gr, josé manangão, samuel: estamos todos de acordo: este é um grande poema do grande poeta Joaquim Pessoa.

Justine disse...

Como conciliar violência e beleza? Ora aí está, com este poema do Joaquim Pessoa