POEMA

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA


Para que ela tivesse um pescoço tão fino
para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
para que a sua espinha fosse tão direita
e ela usasse a cabeça tão erguida
com uma tão simples claridade sobre a testa
foram necessárias sucessivas gerações de escravos
de corpo dobrado e grossas mãos pacientes

servindo sucessivas gerações de príncipes
ainda um pouco toscos e grosseiros
ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
para que ela fosse aquela perfeição
solitária exilada sem destino


Sophia de Mello Breyner Andresen

3 comentários:

GR disse...

Ainda hoje existem muitas “Princesas Desconhecidas”,
belas por fora, ocas por dentro!

Magnífico poema.

GR

Justine disse...

Ora aqui está um insólito e belo retrato da evolução humana

Fernando Samuel disse...

gr e justine: a Sophia é a Sophia!