POEMA

EXPULSO, E COM RAZÃO

Eu cresci como filho
de gente abastada. Os meus pais puseram-me
um colarinho ao pescoço e criaram-me
nos costumes de ser servido
e ensinaram-me a arte de mandar. Mas
quando era já crescido e olhei à minha roda,
não me agradou a gente da minha classe,
nem o mandar nem o ser servido.
E eu abandonei a minha classe e juntei-me
à gente pequena.

Assim
criaram eles um traidor, educaram-no
nas suas artes, e ele
atraiçoa-os ao inimigo.

Sim, eu divulgo segredos. Entre o povo
estou eu e explico
como eles enganam, e predigo o que vai vir, pois eu
estou iniciado nos seus planos.
O latim dos seus padres corruptos
traduzo-o palavra a palavra para a língua comum,
e então se descobre que é tudo pantomina.
A balança da sua justiça
tiro-a para baixo e mostro
os pesos falsos. E os seus informadores vão dizer-lhes
que eu estou com os roubados quando conjuram
a revolta.

Admoestaram-me e tiraram-me
o que ganhei com o meu trabalho. E quando eu não melhorei,
deram-me caça.
Porém
já só havia escritos em minha casa, que descobriam
os seus conluios contra o povo.
E assim
perseguiram-me com um mandato de captura
que me acusava de opiniões baixas, isto é
de opiniões dos de baixo.

Aonde chego, fico marcado
para todos os possidentes,
mas os que nada têm lêem o mandato e
dão-me abrigo.
«A ti» - ouço eu dizer -
«expulsaram-te eles, e
com razão».

Brecht

4 comentários:

Justine disse...

Brecht, sempre com esta visão distanciada, clara e cristalina, e a tomada de posição sem ambiguidades

samuel disse...

Já todos tivemos a nossa conta de insultos e perseguições... de que muito nos orgulhamos!

Maria disse...

Também eu gosto mais de "gente pequena".
Que um dia há-de ser grande...
Brecht sempre (ainda) tão actual....

Obrigada.
Um beijo

Fernando Samuel disse...

justine: é Brecht!...

samuel: há insultos que honram...

maria: «gente pequena» é... gente grande...