POEMA

A FEDERICO GARCIA LORCA


Sobre o teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.

Vergonha de há tanto tempo
viveres - se morte é vida -
sob o chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.

Lágrimas de nocturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.

(Amanhecerá.)

Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há-de abrir-se,
mostrando gloriosamente
- ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo -
que para sempre viverão
os poetas martirizados.

Carlos Drummond de Andrade

5 comentários:

Sal disse...

"Para sempre viverão os poetas martirizados".
Como estava certo Drummond de Andrade ao escrever sobre Lorca.
Beijinhos

Maria disse...

Excelente este poema de Drummond.
Imenso, Lorca!
Saio daqui com lágrimas por tanta beleza...

Um beijo

Anónimo disse...

"TERRA
Andamos
sobre um espelho
sem mercúrio,
sobre um vidro
sem nuvens.
Se os lírios nascessem
do avesso,
se as rosas nascessem
do avesso,
se todas as raízes
olhassem as estrelas
e o morto não fechasse
os seus olhos,
seríamos como cisnes."

Ferderico García Lorca

samuel disse...

Muito bom!
Tantos lugares onde ainda é necessário ir depositar vergonha e lágrimas... mesmo sabendo que logo mais, amanhecerá.

Grande abraço!

Justine disse...

Vergonha e lágrimas, é o que continuamos a sentir.