LIDERAR

«Liderar» é uma das muitas palavras-chave da big-brotheriana novilíngua.
Quem a utiliza, exibe-se com ar duro (de chicote), ou sorridente (de cenoura), consoante as exigências da liderança em questão - mas sempre em pose imperativa: braço direito estendido e indicador espetado, a dizer como é, ou seja: a «liderar»...
O líder é um predestinado, é o portador de um insinuado ou declarado mandato supremo que lhe confere capacidades, valências e poderes singulares - a outra face desse mandato supremo é a que atribui aos liderados o dever imperativo de o serem...
Tudo isto, de acordo com a sacrossanta «ordem natural das coisas» com a qual, desde o longínquo esclavagismo, os ideólogos das classes dominantes, vêm explicando a inevitabilidade e a bondade dos líderes e das lideranças indispensáveis para assegurar... a exploração do homem pelo homem.

Assim, e naturalmente, a palavra e o conceito de «liderar» estiveram presentes nos discursos dos dois candidatos à presidência dos EUA.
Curiosamente, menos em McCain do que em Obama, em cujos discursos a obsessão de «liderar» era uma espécie de refrão...
Vejamos, então - citando um discurso proferido por Obama no decorrer das primárias - como o candidato da «esperança» e da «mudança» para o «mundo» expressa o seu sonho americano de liderança:

«Temos que liderar o mundo através dos nossos actos e do nosso exemplo»

«Este novo século pode ser diferente quando liderarmos o mundo no combate aos demónios imediatos e na promoção do bem definitivo»

«Nos últimos sete anos o posto de de líder do mundo livre esteve desocupado. Chegou a altura de o ocupar outra vez»

«Eu acredito que (comigo na Presidência) o povo americano ficará pronto para ver a América liderar outra vez»

«Temos que liderar construindo e fortalecendo parcerias e alianças necessárias para enfrentar os nossos desafios comuns e derrotar as nossas ameaças comuns»

«Agora é o nosso momento de liderar»



Este líder lidera que se farta!...

7 comentários:

Maria disse...

Deixo-te Brecht, foi o que me veio à lembrança depois de ler esta "liderança"...


Dificuldade de governar

1

Todos os dias os ministros dizem ao povo como é difícil governar. Sem os ministros o trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
ele nasceria por certo fora do lugar.

2

E também difícil, ao que nos é dito, dirigir uma fábrica. Sem o patrão as paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado ele nunca chegaria ao campo sem as palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem, de outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3

Se governar fosse fácil não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina e se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4

Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
são coisas que custam a aprender?


Um beijo

Fernando Samuel disse...

E foi uma boa, uma excelente lembrança.

Um beijo.

samuel disse...

Estou muito menos poético. Por aqui, "Líder" só me lembra atum e francamente prefiro o "Bom Petisco"...

Anónimo disse...

Os americanos sempre quizeram imitar os romanos!

Fernando Samuel disse...

samuel: esse é muito mais gostoso...

josé manangão: é o sonho imperial...

alex campos disse...

No discurso de Obama lê-se "demónios imediatos" e ameaças comuns". Fazendo um esforço para traduzir, o que consigo é: "liberdades básicas, como a liberdade sindical ou condições humanas minimamente dignas", o que interfere com o interesse de minorias privilegiadas, arrogantes, hipócritas, invejosas.
Terei traduzido bem?

Fernando Samuel disse...

alex campos: subscrevo integralmente essa tradução...
Obrigado pela visita e pelo comentário.