A PROPÓSITO DE UMA EFEMÉRIDE

Em 1959, o Governo francês anunciou que iria proceder a uma «experiência nuclear» no deserto do Sara.
Com isso, mostrava ser (com os EUA, a URSS e a Grã-Bretanha) um dos quatro países então possuidores da bomba atómica - bomba atómica que De Gaulle justificava como «uma arma dissuasora», tendo como alvo «o poderoso exército soviético»...

O facto de se tratar de um teste atmosférico, comportava graves perigos - perigos que, na altura, se a memória me não falha, eram pressentidos, essencialmente, pelo conhecimento que havia do horror que fora, cerca de quinze anos antes, Hiroshima e Nagasáqui.

Na ocasião, desenvolveu-se em todo o mundo um amplo movimento de protesto contra o teste nuclear atmosférico anunciado pelo Governo francês.
E também aqui no nosso País, apesar da ditadura fascista, houve protestos, a partir, naturalmente, do PCP - e também de um movimento juvenil antifascista então existente: a União da Juventude Portuguesa.

Coube-me a mim a tarefa de escrever o texto de protesto dos jovens, texto que depois imprimimos - durante três longas mas exaltantes noites... - num lento, lento, lento copiógrafo manual...
E no dia 30 de Dezembro, aproveitando a inauguração do Metro, em Lisboa - acontecimento que juntou milhares de pessoas espalhadas pelas diversas paragens (tanto mais que no primeiro dia as viagens eram de borla...) - distribuímos os cerca de 3 mil - que grande tiragem!... - exemplares do documento, complementando a distribuição com um discurso no qual chamávamos a atenção para os perigos que os anunciados testes atmosféricos comportavam.
Tudo feito de fugida, obviamente, porque os répteis rastejavam por todo o lado...


Estas relembranças - com cunho pessoal e porventura fastidiosas para os visitantes do Cravo de Abril - vêm a propósito do facto de ter passado, anteontem, o 50º aniversário desse teste nuclear que, apesar dos muitos protestos, o Governo francês levou a cabo, no dia 13 de Fevereiro de 1960, no deserto do Sara, no Sul da Argélia, então colónia francesa.
E, infelizmente, as consequências do facto confirmaram aquilo para que alertava o tal documento distribuído no Metro...

Logo após a explosão, De Gaulle informava o mundo de que ela tinha sido «um êxito» e jurava: «Foi integralmente garantida a segurança das populações do Sara e dos países vizinhos».

Jurava falso, como a realidade demonstrou: na verdade, um número desconhecido, mas elevado, de pessoas morreram; muitos milhares foram afectadas pelas radiações; os animais (cabras e dromedários) ficaram doentes e logo a seguir morreram...
De alguma forma, foi outra vez o horror.

E hoje - tal como acontece em Hiroshima e Nagasáqui - cinquenta anos passados, as radiações persistem e continuam a matar.

8 comentários:

Maria disse...

A besta criminosa continua viva, e à solta!

Um beijo grande.

samuel disse...

É quanto valem as juras da hipócrita arrogância...

Abraço.

Antuã disse...

As juras capitalistas.

do zambujal disse...

Um grande,um enorme abraço, camarada.
Tantas vezes demos à manivela do "stencil", tu sem saberes de mim, eu sem saber de ti, tantos éramos por poucos que fossemos. Éramos... todos!

Ana Camarra disse...

Fernando Samuel

O De Gaulle ficou marcado para mim depois de tirar da estante do meu pai o livro "Djamila Boupacha", mais tarde aprendi a canção de Boris Vian que começava "Monseiur le President..."

beijo

salvoconduto disse...

As armas nucleares nas "nossas" mãos são sempre armas de dissuasão, nas dos "outros" são armas de destruição maciça...

Quanto à essência não te canses que nós também não.

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

O enriquecimento do urânio para fins pacíficos é crime (que diria EINSTEIN). Mas se for para para armas mais poderosas e mortíferas, já é defesa de uma dada civilizaçâo. Quem poderá entender este paradoxo?
Beijos.

Fernando Samuel disse...

Maria: assim será, ate darmos cabo dela...
Um beijo grande.

samuel: eles juram como quem bebe um copo de água.
Um abraço.

Antuã: jurar não custa nada...
Um abraço.

do zambujal: éramos/fomos os suficientes...
Um abração para ti.

Ana Camarra: Djamila Boupacha é outro exemplo do horror: as torturas a que foi submetida pelos torcionários colonialistas são das coisas mais brutais e selvagens ocorridas durante a luta de libertação da Argélia. (ainda tenho por aí esse livro)
Um beijo.

salvoconduto: é isso: depende das mãos...
Um abraço.

Graciete Rietsch: só eles «entendem»...
Um beijo.