OU TALVEZ NÃO

Estas tragédias, ditas naturais, que de de vez em quando flagelam a humanidade, tendem a despertar os bons sentimentos dos cidadãos - mesmo dos cidadãos que só nessas ocasiões revelam ter sentimentos...

No caso do Haiti, vimos como de imediato se desenvolveu em todo o planeta um movimento de solidariedade para com aquele martirizado povo - solidariedade que, em termos concretos, tem demorado a chegar onde devia, atrasada com demoras à primeira vista inexplicáveis.

Vimos também como artistas famosos de todo o mundo se mostraram solidários, contribuindo, nuns casos, com dinheiro contado, noutros casos oferecendo o lucro de um CD que lançaram ou irão lançar...

A meu ver, todos estes contributos são importantes (desde que cheguem onde devem chegar, insisto) - e mesmo que, como por vezes acontece, por detrás destes contributos haja a intenção, mais ou menos calculada, de a benemérita acção passar a fazer parte dos «currículos humanitários», digamos assim, desses artistas...

Vem isto a propósito de uma notícia publicada no Correio da Manhã na sua rubrica «Vidas de domingo».
A notícia, com chamada de primeira página e quase uma página interior, relata-nos a realização de uma «quermesse de solidariedade e apoio às vítimas do Haiti», organizada por «cerca de 40 figuras da TV».

As «figuras da TV» ofereceram roupas que já não usavam ou que apenas usavam em situações especiais - como é o caso de duas camisolas que ali foram leiloadas: uma do FCPorto, «assinada pelos jogadores», que rendeu 180 euros; outra do Sporting, esta não assinada, que rendeu 510 euros.
Muito disputado foi também «o colete que o presidente da AMI, Fernando Nobre, usou no Haiti», que acabaria por ser arrematado (o colete, obviamente) por 300 euros.

E assim, com estas e outras, a quermesse rendeu 10 mil euros - o que não é nada mau, mas também não é nada por aí além, tratando-se de «figuras da TV»...

Mas não é isso que está em causa.
O que me impressionou foi a forma como tudo aquilo nos foi contado... a sensação que tive de que, em todo aquele relato, a preocupação maior tinha a ver, não com o terrível drama do povo haitiano, mas com a promoção das «figuras da TV»...

Talvez esteja a ser injusto.
Ou talvez não.

7 comentários:

Maria disse...

Honestamente, fiquei com a mesma dúvida que tu...

Um beijo grande.

Almeida disse...

Antes do 25 de Abril de 1974 também havia umas festinhas assim a favor dos pobrezinhos ou das vítimas de catástrofes.

poesianopopular disse...

Pois é...!
Eu ía dizer - se eles fossem mais verdadeiros, mas eles são assim mesmo (verdadeiros)!
Não sei se estarão a ajudar os Haitianos, ou ajudar a limpar a face dos americanos.
Vou por ti.
Abraço

Graciete Rietsch disse...

Talvez não!!!!!!!
Beijos.

GR disse...

Sou muito crítica com algumas ajudas e auto-ajudas que vejo fazer. Contudo, sei que são necessárias.
Os Palestinianos da Faixa de Gaza também se solidarizaram com o povo haitiano, dividindo o pouco ou quase nada que possuem (eles sabem o que é a destruição e a pobreza).
Israel fez uma grande doação em bens e ajuda humanitária, quase diria que foi um gesto bonito. Porém, Gaza tem casas destruidas, falta comida, as crianças não têm condições, são um povo pobre devido ao bloqueio que do governo de Israel.

Bjs,
GR

GR disse...

Leia-se;

... devido ao bloqueio do governo de Israel.
Com a desgraça de uns, o despotismo de outros por minutos esquecido.

GR

samuel disse...

Essa dúvida instala-se sempre... e sempre ganha a certeza de que é muito maior a promoção de quem ajuda, do que a ajuda que dão.

Até o Cristo, pelo menos segundo Mateus, que já previa no que isto da caridade iria tornar-se, recomendava: "Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita."

Abraço.