POEMA

PEQUENOS DEUSES CASEIROS


Pequenos deuses caseiros que brincais aos temporais,
passam-se os dias, as semanas, os meses e os anos
e vós jogais, jogais
o jogo dos tiranos.

Pequenos deuses caseiros, cantai cantigas macias,
tomai vossa morfina, perdulai vossos dinheiros,
derramai a vossa raiva, gozai vossas tiranias,
pequenos deuses caseiros.

Erguei vossos castelos, elegei vossos senhores,
espancai vossos criados, violai vossas criadas,
e bebei, bebei o vinho dos traidores
servido em taças roubadas.

Dormi em colchões de penas, dançai dias inteiros,
comprai os que se vendem, e alteai vossas janelas,
e trancai vossas portas, pequenos deuses caseiros,
e reforçai, reforçai as sentinelas.

Que é sempre um dia a menos este dia que passa,
e cada dia a mais aumenta o preço da traição,
e cada dia a mais aumenta o preço da desgraça,
e a nossa moeda não é piedade nem perdão
porque foi temperada com todas as lágrimas da raça.
Não, pequenos deuses caseiros, não!


Sidónio Muralha

(«Companheira dos Homens» - 1950)

7 comentários:

samuel disse...

Agora fiquei a "ouvir" a voz do Manel Freire... é bom!

Abraço.

Justine disse...

É verdade, Samuel, impossível não ouvir a voz do Manel a cantar este poema:))

Maria disse...

Pronto, então já somos três a ouvir virtualmente o Manel....

:)))

GR disse...

Na realidade alguém pode ler este grande poema, sem ouvir a voz do Manel Freire?

Bjs,
GR

poesianopopular disse...

Ráramente estamos mal sintonizados,este é um prazer duplo.
abraço

svasconcelos disse...

Lindo, o poema! E de facto estes deuses caseiros pululam por aí...
beijo,

Fernando Samuel disse...

Para todos e todas, com abraços e beijos: também eu, enquanto copiava os «pequenos deuses caseiros», ia cantarolando: «e reforçai, reforçai as sentinelas»...