POEMA

RONDA DOS RÉPTEIS


Rastejam nas leitarias, rastejam entre os trapos
das lojas de fanqueiro, e nos cinemas, e nas conferências,
e nas faculdades, nas fábricas, nos comboios, no futebol, nas touradas,
rastejam, rastejam em toda a parte, viscosos como sapos,
e abrem as bocas verdes com dentes verdes de excremências,
e cospem palavras torpes contra janelas fechadas.

Rastejam nos cafés, nas livrarias e nos portos,
rastejam e envenenam as noites, rastejam e empeçonham os dias,
raivosos babam-se quando falamos, quando lemos,
e olham os vivos de olhos vidrados como mortos,
e rastejam nos hotéis, nas pensões, nas padarias
e mãos de lama tocam o pão que nós comemos.

E as bocas verdes e imundas bafejam, bafejam,
e as rosas fenecem, as rosas são mortas,
e os dedos de lama acusam no escuro,
e eles rastejam, rastejam, rastejam,
colados à sombra, colados às portas,
como cartazes de infâmia colados ao muro.


Sidónio Muralha

(«Companheira dos Homens» - 1950)

4 comentários:

samuel disse...

Mas, como disse Inene Pimentel, nem prendiam, nem matavam muito...

Abraço.

poesianopopular disse...

E até vizitam este espaço, mesmo quando votados ao desprezo total.
RRRRRRR
Abraço camarada.

Maria disse...

Rastejam em toda a parte. Pegajosos. Nojentos. Alguns são venenosos. Oxalá se mordam e bebam do seu próprio veneno.
Detesto-os!

Um beijo grande.

Fernando Samuel disse...

samuel: eram todos excelentes pais de família...
Um abraço.

poesianopopular: rastejam por todo o lado...
Um abraço.

Maria: são répteis, e pronto...
Um beijo grande.