POEMA

A ELIONOR


A Elionor tinha
catorze anos e três horas
quando começou a trabalhar.
Estas coisas ficam
registadas para sempre no sangue.
Ainda usava tranças
e dizia: «sim, senhor» e «boas tardes».
As pessoas gostavam dela,
da Elionor, tão meiga,
e ela cantava enquanto fazia correr a vassoura.
Os anos, porém, dentro da fábrica,
diluem-se no opaco
griséu das janelas,
e ao fim de pouco a Elionor não teria
sabido dizer de onde lhe vinha
a vontade chorar,
nem aquele irreprimível
aperto de solidão.
As mulheres diziam que aquilo
era porque estava a crescer e que aqueles males
se curavam com marido e filhos.
A Elionor, de acordo com a mui sábia
predição das mulheres,
cresceu, casou-se e teve três filhos.
O mais velho, que era uma rapariga,
só havia três horas
fizera os catorze anos
quando começou a trabalhar.
Ainda usava tranças
e dizia: «sim, senhor» e «boas tardes».

Miquel Marti I Pol

8 comentários:

Ana Camarra disse...

fernando samuel

Este poema é absolutamente delicioso.
Acima de tudo na sua amargura, se por um lado espelha o trabalho infantil, a infância roubada, espelha também a condição de ser mulher.
Eu mulher agradeço.
Um beijo

samuel disse...

Num círculo vicioso, sempre, sempre igual... até que um dia amanhece um sol diferente e sai-se de casa andando ao ritmo de outra música.

Anónimo disse...

...Era um novo ciclo velho que se iniciava.
A luta é o caminho!
Abraço

Anónimo disse...

Uma Boa escolha. Um Abraço

Justine disse...

Terrível, duro, espantoso, este poema de poeta para mim desconhecido. Lá vou eu investigar...:))

Mário Pinto disse...

Por isso será necessário ir ao chiado!

Anónimo disse...

E assim... a menina se fez mulher, ainda tão menina... e já mulher!
Tantas e tantas mulheres, ainda meninas!

Um beijo
Ausenda

Fernando Samuel disse...

ana camarra: Ainda bem que gostaste.
Um beijo, camarada.

samuel: qualquer dia, qualquer dia...
Um abraço.

poesianopopular: é a luta que iniciará o novo ciclo...
Um abraço.

ludo rex: um Abraço, camarada.

justine: vale a pena investigar este grande poeta.
um beijo.

crn: nem mais! Lá estarei.
Um abraço.

ausenda: «filhas de mulheres que nunca foram meninas»...
Um beijo.