DESCOBRIMENTO
Tanto tempo me disseram que eu estava nos meus caprichos,
no meu desejo (que viria) de conseguir lugar
- e tanto se enganaram
e me enganaram.
Cegos e cego.
Doidos e doido.
Nunca me disseram nada as suas teorias sobre mim.
Quem me falou afinal
foram as casas abandonadas no campo de luzes apagadas,
foram os vultos da noite com um fardo milenário às costas,
foi o suor dos rostos e das mãos sangrando.
Quem me falou de mim
foi o esforço que já vinha de trás e que quer prolongar-se para a frente.
Cegos e cego.
Doidos e doido.
Eu estava muito longe do desejo (que não veio) de conseguir lugar.
Estava no gume da enxada forte,
na argamassa,
nas mãos calosas da obreira levando ao colo o futuro escravo.
Mário Dionísio
(«Anunciação»)
7 comentários:
"Quem me falou de mim
foi o esforço que já vinha de trás e que quer prolongar-se para a frente."
É extraordinário!
Abraço.
Achei fantástico o destaque do Samuel a esse "bocadinho" do poema.
O poema é extraordinário e aqueles "poucos" versos representam uma luta que continuará.
Mais uma vez obrigada camarada pelos maraviluosos poemas que apresentas.
Um beijo.
«...nas mãos calosas da obreira levando ao colo o futuro escravo.»
Ei-lo em pleno Século XXI.
Ignorando o passado, lastimando o presente, e duvidando do futuro, esquecendo que uma vida melhor é possivel, basta acreditar e lutar!
Abraço
Belíssima maneira de falar da tomada de consciência!
samuel: é o que se chama encontrar o interlocutor ideal...
Um abraço.
Graciete Rietsch: é, de facto, um poema maravilhoso.
Um beijo.
poesianopopular: acreditar e lutar: aí estão duas palavras essenciais.
Um abraço.
Justine: consciência social, política, de classe...
Um beijo.
a dor dos outros somada à consciencia dessa, leva-nos a sermos parte do que sentimos.
estar presente nos calos, e no gume da enchada, na argamassa...construção de uma resistencia abnegada e solidária.
eis como vi.
abraço do vale
do vale: a descoberta da luta...
Um abraço.
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