POEMAS DO CÃO DANADO - 1
Quando nasci
- de pouco valeu estarem os campos cheios de flores -
uma garra disforme
deixou-me a sua marca negra até ao sangue.
Sorriu o pai e a mãe
do destino do menino venturoso.
Eu próprio ri de segurança e de vitória.
Mas a cada minuto, a cada passo,
a segurança e a vitória foram sendo mentira.
(Basta eu chegar para que tudo se perturbe.
Aliás nem ninguém nem nada se perturba:
só eu sou sempre afinal o perturbado.)
Mas não desisto.
Insisto.
Procuro chegar, entrar.
Procuro, como um faminto de sacola na mão,
essa alegria de toda aquela gente,
que diz sem sobressaltos: aqui estou.
Mas isso sim. Basta eu chegar:
lá vem o grito fatal de: cão danado!
É escusado teimar.
Todas as portas me estarão fechadas,
deixando escorrer um fio de luz
ou um fio de palavras...
E não desisto.
Insisto.
Mas se a mão negra me marcou para sempre,
a que vem este desejo inferior
de lá chegar?
Mário Dionísio
(«O Homem Sozinho na Beira do Cais»)
4 comentários:
Viva a vida!
Abraço!
Fantástico! E quantos passos já se deram e continuarão a dar, "para lá chegar"!!!!!!!!!!
Um beijo.
Vem ao encontro da necessidade absoluta de "lá chegar", independentemente da "mão negra" do "fado" e da "ordem natural das coisas"...
Abraço.
CRN: construída a pulso...
Um abraço.
Graciete Rietsch: muitos dados, muitos a dar...
Um beijo.
samuel: e das «inevitabilidades»...
Um abraço.
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