POEMA

POEMAS DO CÃO DANADO (2)


Olha: tu que me és única,
mais valia nunca teres poisado o teu olhar
nas minhas mãos,
nos meus cabelos
e nos meus olhos agora e para sempre cheios de ti.
Ter-te-ia sido preferível afinal.
Assim só eu corria pelas ruas
apedrejado às esquinas
como sucede sempre a um bom cão danado.
Não sofrias,
não choravas,
não te martirizavas tanto em cada hora.
Assim, enrodilhada sem querer no meu fracasso,
perdeste talvez aquilo que não volta a repetir-se.
Mais te valia nunca me encontrares,
a mim, o sempre trôpego em todas as passadas,
coberto de miséria, de grotesco,
ridículo!


Mário Dionísio

(«O Homem Sozinho na Beira do Cais»)

5 comentários:

samuel disse...

...mas as companheiras e os companheiros têm a estranha teimosia de ver antes o belo, o heroísmo, a poesia... mesmo "enrodilhados" em alguma dor e fracasso.

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

Teria sido um orgulho ter encontrado na vida um homem como o poeta que nos é agora apresentado.
Um beijo.

Fernando Samuel disse...

samuel: não desistir de ver o futuro...
Um abraço.

Graciete Rietsch: encontrá-lo-ás nos poemas que nos deixou...
Um beijo.

Anónimo disse...

ter e perder...é duro.
pior é não saber o que é ter.
abraço do vale

Fernando Samuel disse...

do vale: sem dúvida.
Um abraço.