POEMA

POEMAS DO CÃO DANADO (4)


Deixa lá, companheira!
Que havemos de fazer?
Fecharam-nos a porta e quase nos cuspiram.
Pisaram-te e, a mim, vergastaram-me as mãos.
Deixa lá! Deixa lá! Eu beijarei teus pés
e tu farás sarar as minhas mãos.
Para lá da última casa ainda há terra
e céu e água e luz...
Ainda há vida para lá.

Deixemos para eles o som vazio das gargalhadas
e a luxúria do oiro.
Ainda há vida para lá.
O nosso horizonte é mais vasto em cada instante.
A nossa voz mais rica em cada instante.
O nosso querer mais certo em cada instante.
Ainda há vida para lá.
Sigamos nossa rota, companheira.
Enxugarei teu rosto com cuidado.
Tu farás o meu canto.
E para além das barreiras do tempo
milhões de homens nos esperam com os braços abertos,
que desde a primeira hora serão braços de irmãos.


Mário Dionísio

(«O Homem Sozinho na Beira do Cais»

7 comentários:

Graciete Rietsch disse...

E hoje igualmente "milhões de homens esperam com os braços abertos". Mas porque teimam em não compreender a mensagem?

Um beijo.

samuel disse...

De vez em quando, ainda mais do que todos os dias, faz tanta falta ler uma coisa assim...

Abraço.

poesianopopular.blogs.sapo.pt disse...

A dificuldade está, em fazer entender, que assim terá de ser, mais tarde ou mais cedo!
Abraço

Fernando Samuel disse...

Graciete Rietsch: transmitamos-lhes a mensagem, sempre, sempre, até...
Um beijo.

samuel: e sabe tão bem!...
Um abraço.

poesianopopular: é difícil mas é nossa...
Um abraço.

duarte disse...

serão não. já são!!!
abraço

Fernando Samuel disse...

duarte: exacto.
Um abraço.

amigona avó e a neta princesa disse...

Tão bonito! Tão intenso!