POEMA

IDENTIFICAÇÃO


Vai a barca do mundo à flor das vagas
no seu mar de tormentas;
Gemem os remadores,
mordidos pelo beijo do chicote;
E tu, poeta, como um sacerdote
da bonança,
a conjurar o mal,
a pregar confiança,
a cantar,
a cantar,
sem nenhum desespero
te desesperar!

Sabe cada ternura a pão azedo,
os acenos são ódios disfarçados;
E os teus versos, gratuitos, desfolhados
sobre as chagas da vida
como pensos sagrados
de beleza calmante e condoída!

Que humanidade tens, irmão?
De onde te vem a força, a decisão,
e esse gosto de nunca desertar?
És o Cristo, talvez...
Um Cristo sem altar
que ficasse a lutar
junto de nós,
tão presente, real e natural,
que podemos ouvir-lhe a própria voz.


Miguel Torga

5 comentários:

Maria disse...

Decerto caminha ao nosso lado...

Um beijo grande

svasconcelos disse...

Lindo, lindo!..
De facto, os poetas são "sacerdotes" capazes de professar valores imensuráveis e de esgrimi-los com palavras, que por vezes são "armas" capazes de derrubar regimes...
beijos,

poesianopopular disse...

A poesia - é uma arma!
Abraço

samuel disse...

É essa a grande diferença dos poetas... sem altar.

Abraço.

Justine disse...

Não é dos meus preferidos, este poema, mas tem uma força monumental!