marear
dentro da vila velha não havia outros marinheiros, nem aqueles montados em cavalo de pau - os da ti Amélia Medronheiro - que melhor trilhassem as vagas da infância. os do Lota eram miúdos do diabo. cerro acima, muralhas abaixo, joelhos e calções esfolados, fintavam a vontade do pai e mandavam às urtigas a obrigação das searas e da água ao gado. afinal, a brasa fora inventada para caber inteira nos bolsos da miudagem, entre arraióis e um velho pião rachado - não se sabe se por batota ou apenas distração no zelo do carlitos. nalguns, talvez de tão rotos, cabiam todos os ribeiros que galgavam - atrás de pardelhas e cágados, rãs e alfaiates. dentro da vila velha não havia outros marinheiros, nem aqueles montados em cavalo de pau.
há dias partiram todos. com a mãe falecida morta ha meses, seu pai - concertado na herdade do vale d'água - foi apanhado muma reunião clandestina. daquelas que falam que fazem por aí os comunistas e os descontentes de tanta fome (porque não fui eu? não soube, por certo).
- Oh lota, chegue-me aqui!
- sim patrão, diga.
- Livrei-o da prisão por respeito aos meninos da sua falecida. mas não o quero ver mais por aqui. pegue nas suas coisas. a porta da rua é a serventia da casa.
cairam todos na maltesia. o carlinhos ia com os pés resistindo à fatalidade da pobreza. dos bolsos vazios, apenas água. não sei se dos ribeiros que por aí ladroou se das vagas de assombro perante a injustiça... o que eu sei é que dentro da vila velha não havia outros marinheiros. nunca mais os vi. hoje teimamos meia dúzia de velhos. remoendo na esperança o sonho navegante daqueles meninos.
Foto: Serpa, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
Muito lindo!!!!!
Um beijo.
estórias de um tempo outro que não queremos que volte.
Beijo, António.
Bonito!
Um abraço.
É lindo o que escreves... e como escreves. Parabéns!
beijo,
Enviar um comentário