POEMA

HERÓICAS

XII


(Balada duma heroína que eu inventei.)


Vais morrer com a saia rota,
sem flores nos cabelos...
- Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos da terra
hão-de florescê-los?

Vais morrer de blusa no fio,
sem laços nas tranças...
- Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos do frio
penteiam crianças?

Vais morrer espantada na rua,
sem fitas nos caracóis...
- Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos da lua
enfeitam os heróis?

Vais morrer a cantar numa esquina,
de sapatos velhos...
- Mas isso que importa
se depois de morta
continuarás a ser a menina
que nunca teve espelhos?

Vais morrer com olhos de águia presa
e meias de algodão...
- Mas isso que importa
se depois de morta
a tua beleza
não caberá num caixão.
E há-de rasgar a terra
e romper o chão
como uma primavera
de lágrimas acesa
que os homens atiram, em vão,
para a natureza?


José Gomes Ferreira

5 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Lindíssimo poema!!!!! A identificação da heroína depende de cada um . Para mim uma mulher, porque o poema se dirige a uma mulher jovem,penso eu, a quem a vida só trouxe amargura e miséria é de facto uma heroína.

Um beijo.

GR disse...

Lindo.
Ao ler este belo poema, ouço o Cilia cantá-lo.

Bjs,

GR

samuel disse...

O "som" do Cília ficou-lhe colado... e isso é bom!

Abraço.

Ana Camarra disse...

Maravilhoso!
Mas pronto o José Gomes Ferreira foi um HOMEM, como poucos.

Beijo grande

Maria disse...

Vou ouvi-lo. Em vinil...

Um beijo grande.